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PAULO DE SALLES OLIVEIRA ORGANIZADOR Metodologia das Ciéncias Humanas EDITORA HUCITEC Sao Paulo, 1998 ixgauciais proposias numdadagstuda, sador. OloBjeto da metodologin é, entio, o de estudar as possibildades explicativas) to: Brasiliense, 1994, p. CAMINHOS DE CONSTRUCAO DA PESQUISA EM CIENCIAS HUMANAS PAULO DESALLES OLIVEIRA AIMPORTANCIA DO METODO, [vat o sexmio0 que se pode emprestar 3 nogioudesmétodo? Trata-se de conceito que comporta miltiplas acepgtes. Nestes casos, sempre bom comegar por um di ciondrio especializado, Lalande assinala: esforgo para atingir um fim, investigagae, estudo; caminho pelo qual se chega a um determinado resultados programa que regue 6 Ja antecipadamente uma seqiéncia de operagbes a execuas assinalando certos erros SF > a evitar', Método indica, portato, estrada, via de acesso e, simnultancamente, rumoje S38” discernimento de ditesao. Con-luindo, com as palavtas de Marilena Chaui, “metho dos significa uma investigagio que segue um modo ou ama mancica planejada € determinada para conhecer alguma coisa; procedimento racional para o conhecimen- to segaindo um percurso fixado?.” 2 © método assinala, portanto, um percutso escolhido entre outros possiveis. N50” ésempre, porém, que 0 pesquisador tem consciéncia de todos os aspectos que envol- vem este seu caminhar; nem por isso deixa de assumir um método. Todavia, neste‘ Lalande, André. Vocabuldvio re caso, corre muitos riscos de no proceder criteriosa e coezentemente com as premise "<2 ciemfice desis V+ sas te6ricas que norteiam seu pensamento, Quer dizer, método nao representa tio- fa Sern sp acon somente um camsinko qualquer entre outros, mas um caminho seguro, uma via de thie. Pore: és a2 sesso. que permita interpretar coma maior corrésia econsegio posivts. a5 ques: ‘Ch Maca Fnvadiio 3 dentro da perspectiva — i 7 an Stee Cexnistias nr coxstauicio ms rEsguisy EM elENCLas SONS 4 a ,o ©” dos diferentes métodos, situando as peculiaridades de cada qual, as diferengas, as - divergéncias, bem como os aspectos em comum. Expoentes das cigncias humanas tém reconhecido que as questées suscitadas pelo método, nfo obstante sejam extremamente relevantes na pesquisa, nem sempre t2m © recebido a atengio que mereceriam de alguns pesquisadores. Curioso é notar que esse tipo de desatencio possa estar, de alguma forma, vinculado a pratica de se estudar metodologia. Wright Mills constata que: “Muitos aurores instintivamente comegam atacando os problemas do método de forma acertada, Mas depois de estudarem metodologia, eles se tornam conscientes de numerosas armadilhas e outros perigos que os esperam. O resultado é que perdem a sua seguranga interior e sao desviados ou tomam decisdes inadequadas.”> 5 Diante disso, recomenda um euidado especial aos pesquisadores, o de buscar ® -fandamento nos.antoresexpressivos que semearam 0 terreno para ndse qu, fortale- .cidos por essa empreitada, cada qual possa. ser. também_seu-“proprio teérico”€ s6u _prépriormetodélogo*»Numa perspectiva ampla, é isso que se da entre os filésofos, como mostra Marilena Chaui, ressalvando entretanto que, no sentido estrito, “obom riétodo & aquele que permite conhecer verdadeiramente 6 maior numero de coisas com o menor niimero de cegras”’. Mais recentemente, a autora acrescenta que se € verdadeiro que as ciéncias do homem comportam varios ramos especificas, de acordo com seus objetos e métados, essa especificidade nao deveria inibie aproximacées en- tre as areas, pois: “[..] as eiéncias humanas tendem a apresentar resultados mais completos¢ satisfatérios quando trabalham interdisciplinarmente, de modo a abran- _ger 05 miliplos aspectos simultneos e sucessivos dos fendmenos estudados."* Assim, feitas estas Consideracdes,espera-se que leitores e pesquisadores, longe de se apartarem da metodologia, dela se aproximem lapidando artesanalmente a, tengo de seus estudos, sem perder de vista aida de totaidade que robe as cias humanas. Sg Mi Chaves. Ang cx cals a tated proche av oe Tone scion Trad: de Dune ered Rio de Josie Zaher 183,133 2, Diamonay 134 A E "Chau Maniens, Fons mo. NO ARTESAO INTELECTUAL Geena’ toe Chai, Mavilena ex — ali. Primera flosofia, Sio Paw: TWrighe Mills reflere com beleza ¢ mestria sobre este modo de proceder ¢ discotre. la aes 1984.77 ic anim sings aes via tepongusa va ogee or ted filo So Paul Arca, 1994, 9 pesquisador ® imporcancia de Galigis anoragdes.¢m arquivos, cuidados como levanta- mento de dadas ea producio de|novas fontes, importancia ce exereitara imaginagan 18 favLo ne suis oun Vv a cal or oe gio attic com agape, stain a aleigts e's nematii, sla Ne iltagio da pesquisa como prética artesanalmente consteuida, Nada substitui sua & leitura’ © tentaremos demonstré-lo, realizandosincursao ligeira:avestes-pontos. Uma te questo fundamental se refere as relagdes entre o tema eleito para pesquisa e a vida do (A) esauisador. “Ospensadores mais admiraveis” — ensina o autor — “nioseparam seu” Encaram ambos demasiado a sério para permitie tal dissociae . 40, ¢ desejam usar cada-uma:dessascoisas para.o-enriquecimentordaeutra”, Ademais, promover a consondncia entre pesquisa ¢ biografia ¢ altamente esti-— imulante, pois atribui vida ao estudo, retirando da produgio intelectual poeiras de~~ attificialismo, que recobrem parte da pesquisa académica ou, senao isso, que acabam contribuindo pata a tepresentagio social da universidade como redoma, imagem que ainda encontra ressonancia no conjunto da sociedade. 7 Um cuidado, todavia, parece necessirio: a reiteragio mecainica da experiéncia pode levar ao conformismo, 8 reproducio da mesmice diante de situagdes completa- manter uma relagio ambigua com mente diversas. Por isso, previne o autos, conv a experiéncia: “ser ao mesmo tempo confiante e cético; essa a marca do trabalhador~ na maduro””. Resumidamente: a incorporagio da experiéncia vivida pode eonferie alma“ 7 4 pesquisa, mas ceder as verdades cristalizadas, a formulas vulgares, a esquemas re~ dcionistas, mesmo que supostamente didaticos, tudo isso pode trazer 0 resultado“ inverso, 0 da mortificagao. pb mafipeians Auge Na elaborasio dos arquivos, 0 autor recomenda ales eepeinaetorrewiarerrenlependenpeeneGl iporsancecarsbém ser wheaiaw eabsolutamente-honest6 ao coligir ou a0 pradazindades, como no caso das entrevis- tas, por exemplo. Elas nao sao feitas apenas com bons rateieas, previamente testados e melhorados, mas com atitudes éricas em relagao As pessoas pesquisadas. Voltare- mos.a este ponto mais adiante, com o auxilio das reflexdes de Oswaldo Elias Xidieh Bons pesquisadores, esclarece Wright Mills, nao se Himitam a obserwancia de,re- wgras, mesmo porque na maioria das veres experimentam situagoes que os manuais nao poderiam antecipar. Além do que, pesquisar nao se restringe a absorver téenieas epé-lasem pratica. O cultivo da capacidade imaginadora separa o téenico do pesqui sador; somente a engenhosidade saber promover a associagio de coisas, que Mi poderiamos sequer intentar pudessem um dia se compos, num dado cenatio social, —* Wright Muls, Chocks. Do ane a aprimorar a percepgio, refinar a sensibilidade, ampliar horizontes de com-_s39s:9{nteleual. Ins —, Oh preensio, comoverse diante de pravcas, pequeninas na saa forma, calorosas ees. 84.81% prendidas no sew intimo. * Wadeon 9. 213, AEN CHSCIS SORES 19 @ Benjamin, Walter, Neevos sa dios. In: —. Doetamentos de ‘ly, documentos de barbie Varios tradacores. Sele in ‘rodagio de Will Bolle Sio Paw lo: CalerivEdasp, 1986, p. £79: SL "Wight Mis, Charles. Ob. cit, 23s 20 Nervos sadias, entre tantos outros escritos de Walter Benjamin, exemplifica com inigualavel encanto isto que estamos tratando, Refere-se & relacao entre a cultuca visual e 0 cotidiano das pessoas, com base em exposigao organizada por Ernst Joél Nao objetiva despejar informagdes aos expectadores na va tentativa de tornd-los especialistas; pretende acionar o interesse dos visitantes paca que dali n‘io saiam de mesmo jeito que entraram. Cada proposta esti orientada para rechacar o distancia- mento ¢ a indifecenga, almejando a conjungio entre arte, conhecimento e vida peati- ca. Donde as surpresas, 0 aconchego dos cenaios e pesas, a mobilizacio elegante e criativa para prender a atengio, sem jamais perder a leveza. Assim, para representar © consumo de um alcoélatra num dado periodo, que fez ele? “A idia mais comum seria acomodar um conjunto considerdvel de garrafas de vinho ou aguardente, Ao invés disso, Jodl coloca, ao lado do quadco com a inscrigo, um papelzinho todo gasto.e dobrado: a conta trimestral da venda"™®, Cocrente com tal encaminbamento, Wright Mills sublinha 2.necessidadedeseper | Segui, Sempre que possivel, o emprego da linguagem clara e simples, Nao é nada {& mesmo porque praticas anteriores consagraram linguagens especificas conforme a area. © psicologuts, o economés, o sociologués e assim por diante, Entenda-se bem: nao se (rata de-vulgatizar questOes & conceitos, mas de sempre se esforcar paca.enuncislos com a clareza e dingeager simples: Questdes complexas podem ter tratamento niio- reducionista, usando-se clareza de expressio, de modo a que também se possa entender complexidade em sua plenitude. Escorregar a toda hora pata o ininteligivel, eecorrer ajargies, abusar de estrangeitismos, criar supostas novas semanticas quando uma aco- ‘modacao criatva talvez fosse possivel em portugués, ou, especialmente, quando tudo isto € feito a pretexto de rigor, como se a produgio cientifica devesse pecmanecer maté- tia de apreensdo seletiva e assim distinguir com prestigio e mérito a quemna realiza, ai o «6 da questo. Fazer um estudo compreensivel ni é algo que, aprioristicamente, possa tassociado a superfcialidade, “Fscrever”, ensina Wright Mills, “é pretender 1 aten io dos leitores”"", Fazé-to com desembarago, sem desvios banalizadotes, é trabalho de pilagio para a vida coda. Que o digam os lteratos! Todos esses aspectos convergem para a necessidade-de o-pesquisadorse assumi- como artesio pertinns, pacientey atenco, sensivelc, ao mesmo tempo, despretensioso, zelador do consércio entre teoria'e pratica, reservando exemplos probamtes 1 cada ‘movimentorimportantede sua’reflexdo. As cigncias humanas, 20 serem execcidas como oficio, permitem que cada pesquisador se sinta parte integrante da tcadicao clissica, podendo fazer revives, dentro de nés e entre n6s, aquilo que dle mais alenta dor a condicio humana pode oferecec a Y UM FAZER MUITO ALEM DAS TECNICAS Nio é dificil encontrar quem conceitue método como um conjunto de técnicas, (as isso significaria operar uma enorme redugo naquilo que ele pode representar 8 7 Se ee ee ‘* \- reflexiioe Ao se falar, por exemplo, em método Paulo Freinedeaprendizagem, a dis- cussio seria muito redutora se apenas aludisse aos recursos e instrumentos de que se vale para promover a alfabetizagio; seria nccessario ir além pata pesceher 0 embasa- mento te6rico, que dé suporte e consisténcia a0 metodo. De que modo encara a edu- cacao? Quais 0s pressupostos da relagao encre edueador e educandos? Como rais questdes podem interierir na producio do saber? E assim por diante A superagio do entendimento meramence instrumental da metodologia, como] se ela apenas representasse um conjunto de vécnicas das quais 0 pesquisador pu desse dispor, independemente de suas conceprdes acerca do mundo e das selagdes “centre sujeito e objeto de pesquisa, reaficma a importancia de uma reflexio, capaz de lac conta dos procedimentos pelos quais se conste6i uma pesquisa em ciéncias hu-) rnfatizam os especialistas; nada poderia substituir esta pratica"®. Mesmo porque muitas situagoes inusitadas espera pelo pesquisador no decorrer dos variados momentos de sen trabalho e, como se deduz, clas ndo estado, ¢ nem sequer poderiam estar, previamente decodificadas em ‘manual algum. Paraobter depoimentos na forma de entrevista, por exemplo como se deveria proceder? Bastaria chegar diante dos sujeitos a serem pesquisados ¢ iniciar, 0 quanto antes, a entrevista para ndo tomar tempo nem do entrevistado ou tampouco dindmica mais proficua, que resguardasse a integridade da maneica de ser dos sujei- tos pesquisados. No estudo da cultura popular, por exemplo, uma referéncia segura vem de Oswaldo Elias Xidieh. Seu modo de proceder itera a importincia da consi- deragao a0 outco. Mostea que ha: *[..] um momento para a nacragao. Ha uma sitwa- 0 particular em que a hist6ria pode ser contada, respeitando-se o contexto cultural do grupo c isso € o que realmente importa para o pestuisador. Se ele souber se situar dentco do contexto estudado, se nao recortar a fala dos entrevistados por critérios atbitratios € exteriores ¢, sobretudo, se nao quiser corrigir os depoimentos, sabera distinguir em que momento os sujeiros estudados podem se expressar livremente'®.” Em razao disso, vale a pena retomar a colocacio de Perseu Abramo, valorizada [CANIN DE CONSTRUGIO BL FESQUUSA ESL CENEISS SOLIS e "Abram, Perseu. Pesquisa em ‘iacias cia In Miran, Sed (ecg) Pesquisa socal projeto plansjomente. 2° el, So Pas fo: TA. Queizoz, 1988, p. 21 5 Oliveira, Palo de Salles. Mes ~idich, a cultura do povo © a conacucslidade, Cadernos da Faculdade de Filosofia e Cién inn, Maslis-SP, si ‘de Oswaldo Flas Xidich, p13: 21, 1998. Do proprio Oswaldo Elias Xidich, consular: Nar rativas populares. Belo Hot ronte: Eduspileatiaia, 1995. com incodugie de Altre Bost Senta santa cabocla, Sv Pau los Instituto de Estidos Beas: leiros, 1972, além do artis Quadias populares © adjacen tis, Eetudas arancados. S30 2 pelo acréscimo que le fez, Gabciel Cohn: “o melhor apcendizado da pesquisa social faaé-la"; mas, preferencialmente: “fazé-la sabendo-se 0 que se faz." or yarn 9.0 win of TE sg, feo agin es) A a <— CONSTITUICAO E POLITIZACAO DO METODO on He Herd t -Qiftétedo existe para ajudar a construir uma representaao adequada das ques- % (so edacta medina), t6es a serem estudadas, Ele foi constitufdo lo ambito deum movimento cuja origem \ Femonta aos séculos XVI € XVile qué'Valorizava-a:capacidade do pensamento.ca-~ __ Rima. Reuttoonequovpclonsndasestndesinonsisiacsiomensninetemnke-/ » cero mundoomas;-alemdisso, transformé-to, Esse discernimento que associava a 2zi0 dos homens a possibilidade de provocar mudancas na vida social ja signiticava 0 questionamento do saber diletante e contemplative. Representava, também, uma ccuha na supremacia das interpretacies teocéntricas, propugnande a desvinculagao devprodugio-do.saber.da-drbita-eclesiastica para que ela pudesse se constituir no interior do universo secular, O surgimento das academias laicas teazia, portanto, ou «wa possibilidade interpretativa, buscando explicagdes para os dramas sociais na pe6- pria dimensio humana de existéncia, sem a interferéncia dos componentes excra » torrenos. Cuidou-se, entio, de construir meios confiaveis para obsecvan, para promover experimentos, hem como pata elaborar hipdteses € principios. O desenvolvimento destes instrumentos foi concomitante ao das técnicas; postulava-se, afinal, ums cit cia de intervengao, que fosse atuante na pritica e que estivesse, a nim <4 tempo, sintor’= zada com a expansio capitalista ecom o aumento da capacidace produtiva. Ordenar as coisas, sistematizé-las, identificar unidade e diversidade, mensurar, decompor o todo em partes, analisar — eis resamidamente a empreitada que se queria consolidar ‘A resposta a esta questao poe em evidéncia 2 figura do co. Trata-se de alguém com existéncia corpérea, versado nas habilidades ha pouco enuneiadas, descjoso de fazer valer sua formagio cientiica para elaborar um saber que nao sé fosse capaz de dat explicagSes conv centes sobre determinadas questbes sociais mas que, sobretudo, pudesse ser aplicado paca interferienovrumadascoisas, Quando o desenvolvimento merodolégico se torna recurso insprescindivel pasa "Cohn. Gabriel. Apreseneaio, vanor Sel (og) Oba, iMsinuar,estahelecer on mesmo justifiarintervengoes modificadoras da sociedade, as 22 MLO DE SALLEs OUVEIRA Cu'den- Ae vpe Anehedo . CAL duverta at, voatde nay Oalabily dew . wore), Aonte:deipoider. Sem perder de vista que esta unio entre conhecimento e politica se Taz, ainda, em meio ao embate travado com as origens teolégicas do sabex Nio deixa de ser cutioso notar, com Maria Sylvia de Carvalho Franco, quea esse movimento de dessacralizagaoidorconhecimente correspondeu a sacralizagaodetia- ‘ballio'*Foram veementemente contestados 0 exercicio contemplativo, 0 6cio, as Fes- tas, as formas de ocupagao do tempo economicamente improduttivas, a0 mesmo tem po em que se cultuava a disciplina do corpo e do pensamento, a mecanizalct6 do i todo, A construcio deste modo . ascensiio-burguesa ¢ a constituigao das bases jucidicas £ em que se assentou sua emergéncia como forga politica preponderante. 3 ‘Variadas formas de enfrentamento nao impediram que o Dezenove assistisse &~ consolidagio do projeto burgués, Politica eciéneia reeebem enfim 0 reconecimento¢ © disciplinar os homens légica da ps JonEstava, pois, defi- - nitivamente interiorizado nos homens o reldgio moral desta outca dinamica, como diria Edward Palmer Thompson‘ Auguste Gomnte, por sua vez, perseguindo a tarefa de delimitar 0 espaco da fisica social, estipula na segunda ligo do Curso de filosofia positiva’” que o caminho da cigncia leva & previsio ¢ dai a aco, compondo a trilogiassaberyprever; agin. Desde fins do Dezoito, os homens da ciéncia podem ser considerados como figu- zas poderosas e dominadoras, capazes de tudo entender e submeter as suas explica s6es, com 0 concurso do método, No easo das ciéncias hamanas, poréin, um pacado: ~ Ae interpée: afinal é do homem que se trata. Isto quer dizer que o homentsetorna, “ de pensar foi concomitante Alem disso, sendo 0 sujeito do conhecimento representado pela figura do ho mem-cientista, ele em tese pode tudo, mas, a0 exercitar este poder, torna-se prisionei~ 10 de uma situasio que, supostamente, & eapaz de controlar ¢, portanto, dominat. Como assim? E que, 20,submeter-0 real ao:método— supondo-o-nentra ¢ eficiente ” die paca desvendar as tramas sociais em sua transparéncia plena ¢ exata —o-sujeitordo ~ g* + peonhectmentoré-conduzido-olhar a sociedade como quem a vé de-fora, de longe,~ ° ostentando olimpica exterioridade. Nesteempreendimento,recorta, dissecay decom” 2pde emanipula o real ene partes, desejoso de melhor analisicl Y temente rigorosa ¢ acética, acaba por mutilar 0 universo social, tmobilizando-o. 0-7 mundo social aparece congelado, sem contradigdes, sem lutasy sem enfrentamentos, “ AL semparadoxos#E 2 mortficagie-do objer. Os homens teansformam-se em objetos “ inertes, tal qual cadaveres, prontos para o exercicio cientifico da anatomia, nas miios Esta pritica, aparen- “ eo CGANINHOS DE COSSHUGAO B FEsQuEA FAL CENEIAS Soetals ov uy vil Feaacoy Maa Ssvia de Cars Iho. Retérice « modo, Cori ae 1845 Sobre 0 “prosneso ciépcia”. Texto mimeosrafsdo, rnocembeo de 1980. Ds mesna aurora, eetambéma minus reflexio sobre 06 fundamentos da cidncia edo liberalina no artigo: All he world was Ame rica, Revista de USP," 17. 30-53, margo-abeilemaio de 1993, " Thompson, Edward Palmer Tredieién,reoweltay coneencus de clase, Estudios sabe la ers de Ia saciedad preindusiric! se E. Roveguer. Brel a Critica, 1978 Come, Auguste Segunda lig, Ins — Corso de flosfio po sitive, Tad. de J. A. Giannort, Sio Paulo: Abra Colural 1973 r ak x Colo “Os Ponsnde talp (i Tyan Nee puremae. fo lure a 0 warty = dos ou, entioy ndo se tornassem objetos mortos nas miios de cientistas dispostos a fazer da ciéncia outro podcroso instrumento de dominagio, Lucien Febvre se dedicou A questo, que esti na base da construcio do saber: “O-que vos chamais fatos? Que colocarieis por teds desta pequenina palavra ‘fato"? Pensais que os:fatos sao dadosa ” historia como realidades substanciais, que 0 tempo enterrou mais oui menos profun- damente e que'se trata tao simplesmente de desterrac, de limpar e de apresentar em bela estampa a vossos contemporaneos? Ou entio retomais 4 vossa conta a palavra” de Berthelot, exaltando a quimica no dia seguinte ao de seus primeiros triunfos —a uimica, sua quimica, a tinica entre todas as ciéncias, dizia ele orgulhosamente, que fabrica seu objeto. No que Berthelot se enganou, Porque todas.as ciéncias fabricam— seu objeto”. “ E possivel promover uma ruptura com estas praticas dominadoras? Sim e no, poderiamos dizer Se a idéia de ciéncia social estiver muito vinculada Aquela prove niente das ciéncias dos fendmenos naturais, haverd nitida discordéncia com estas colocagdcs. Se, ao contritio, 0 objetivo é ajustar as possibilidades explicativas das “ ‘igncias humanas aos limites da peculiaridade que existe em se rer, simultaneamente, “ ‘ohomem como sujeito ¢ objeto, a resposta se encaminharia para uma ruptura. Mes.“ ‘mo assim, resta contudo a indagaczo: como promové-la? * Varios caminhos sio possiveis. Um deles esté em estudar e refletir acerca das implicacdes dos fundamentos te6rico-metodolégicos que empregamos e assumimos para nds como adequados e convenientes. O leque de possibilidades é vaciado: passa pelas fontes eas ciladas que escondem para um entendimento que supere as aparén- sias e penetre nas entranhas dos reais interesses em jogo, nas ages dos sujeitos inter locurores numa dada época; pelo proceso de produgiio do conbecimento, ou seja pela transformagio dos dados, com a mediagao de conceitos, em interpretacdes de uum determinado tema social; pelodmbito, quer dizer, pela abrangéncia que se postula para a pesquisa; além, ainda, darreflexao em torno das-relagies entre sujito e objeto do-conhecimento eas decorréncias ab implicitas Tendo em vista que nosso direcionamento é refletir no horizonte das ciéncias 10 vonbeut, ) — aes se Esse trilhar se inicia, segundo indica “ 10 da verdade; ou, em outras palayras pela telativizagao da figuea soberana do sujeito do conhecimento, que determinados métodos evidenciam. PASSEIO DA ALMA NA ESTEIRA DEIXADA PELOS OUTROS * mesma aurora nos lembra, retomando os gregos antigos, que pensar promo- verumpasseio da alma . Como aqui se trata de estudar diferentes propostas re6rico- metodol6gicas, fundamentando-se na leitura, intelecgio, discussao e elaboracio de associagbes possiveis, dialogando com autores consagrados, ler éo passo inical,“Ler?] — prossegue ela, em outra formulagio — “éaprender a pensar na esteiea deixada laneemnasoumteese: RARER de ou gS | ee para o trabalho de nossa propria reflexio.””. Supée ultrapassar muitas praticas enviesadas, tais como: ler de modo exterior, _} sem se importar em distinguir as peculiaridades do texto em sis er pingando 0 que interessa, segunda a conveniéacia do (muito descuidado) leitor; ler de maneica frag rmentécia, sem recompor 0 encadeamento das idéias pelas quais um autor constrdi seu pensar; ler um texto usando lentes ¢ referenciais esteanhos ao autor que 0 concebeu. Longe disso, ler implica identifi icados que 0 autor confere 8s ques" Chau Matilens. Cultura ¢ de toes estudadas hia nn kei ca. Al inguir © ocracie 9 dtcureo comperen tee utr fle 3ed a0 Pau aa J eehen 1990, 0.313, “A (lego: colho) na sua ingrata reniténcia sobre a pagina do» Chaui, Maslena. Comite & f _ livro desafia-me como a pergunta da Esfinge: a resposta pode vatiar 20 infin, mas efi Sto Palos Asea 199, pls Sat) 2 stam € scanpre © meme WHANEO YEM Chay, Marilens. Os tabathos x © escrito, Mas, interpretaré eleger (ex-legere: escolher), na messe de possibilidades e- da merniria. In: Bos’, Eelen. Mes We manticas, a aquelas que se movem no enealgo da questo crucial: qUEO teXtoy ria soriedade. Lembrongas sue de velhon, 3 ed. Sin Pauls Companhia das Lees, 1994, af far, respeitando aquilo que um autor quis realmente dizer, é impor. 3," * tate atmmamtemmbanma- gue dao eitne¢, merodologicaméne,porquecle. {Rai MIRE A CERT o faz deste modo. Esse € um exercicio que requer mais que paciéncia e perseveranga. _\ ss obra litera; — Cen como diria Hannah Arendt, eapaz nfo s6de ape ner et iis Ter der as diferencas entre este ou aquele autos, mas de saber admirar um texto bem | ficn 88, p28 6295. CCANUNHOS DE CONSTALEAO A FESQUISA EA CIENCIAS SOCIA © Benjamin, Walter. Experigncia © pobrers. In) —=, Ob. city p Ws 26 concebido, mesmo qute e principalmente quando nio haja concordancia com a orien: taglio tedrico-metodolégica a qual nos filiamos. Prejulgar ou entio fugir a verdade inerente a0 texto sao procedimentos que todos nés pesquisadores precisamos a todo ‘custo evitar. Por isso, é fundamental o trabalho.de reconsteuir com nossa imaginagio 0 itinerério de constraco do pensamento do outro, tratando de nao desfiguré-to. f tum encaminhamento de trabalho que respeita a integridade do todo e que, portanto, relativiza 0 pincar fragmentado de partes, a compreensio apressada ou mesiuo a leituea exterior, que pede ao texto categorias ¢ desenvolvimentos que ele nunca pode- ria ter, pois jamais fizeram parte dos horizontes do autor que 0 concebeu, Outro cuidado é com as associag6es. Em reiteradas vezes, por comodidade, ingenuidade ou or razées inconfessaveis, incorremos no engano de fazer colagens de citages sem respeitar as especificidades do movimento de pensar dos autores, Uma simples e tin ca palavra assume significados inteiamente distintos, harmonizando-se ao contexto fem que estiver situada, Por exemplo: Durkheim sublinha a necessidade de se ratar 0 | fato social como coisa. Trata-se de algo inteiramente diverso da coisificago das rela- es sociais, que aparece na conceituago marxista. Convém, pois, estar atento as iferengas ¢ identificd-las bem, em vez de tentar escamored-las, Um leitor diligente pode, por outro lado, descobrir que mesmo autores de tendéncias antagénieas ali- entam, aqui e ali, pontos em comum. Mas este discernimento s6 aparece quando ha

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