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“Ainda que mascarada, a literatura (no seu sentido mais amplo), uma das modalidades que funciona como res- posta & necessidade universal de ficglo, ressurge, hoje, fransformada e enriquecida, devolvida, freqllentemente, ‘em novas formas. No gesto que move o ficcionista, o cineasta, o desentis- ta de quadrinhos, ou o roterista de televisio, define-se de um lado o milenar gesto de narrar, testemunhar; do ‘outro, sua esperanca de contentar a inesgotavel sede de fantasia, sonho ¢ imaginacio de seu leitor/espectador. Na realizagio deste ato avulta a marca transformadora dos novos modos de (re)produgio da art. Procurar fisgar os movimentos dessas passagens, cis a ‘que se propdem os ensaios que compdem esta cole- tinea”. Ligia Averbuck ISBN 85-213-02428 Literatura em Tempo de Cultura de Massa Ligia Averbuck (org) ® Regina Zilberman * Marlyse Meyer Vera Santos Dias * Dulellia Schroeder Buitoni © Teresa Montero Otondo * Marilia da Silva Franco * Antonio Hohlfeldt * Anamaria Fadul # Alice Mitika Koshiyama esa ‘ ee a co ne Hee sss Coordenspo editorial: Cala Milano Benelowice Equipe de producto: José Gonsalves de Arrda Filho © Sueli Geraldo Pereira cope: Deseaho de Leén Ferrasi Literatura em Tempo de Cultura de Massa | Ligia Averbuck org.) ‘Regina Zilberman | ‘Marlyse Meyer Vera Santos Dias ( Duleta Schroeder Buitoni CP-Brast, Cusoenrso-na-Pobeasso 1 jh ital ‘Chmara ‘do Live, oP farilia Iva Franco ‘ences go Lire, Antonio Hohlfeldt - “Gnamaria Fadil 1755 Literatura em tempo de clr de mas | founlasto 6) Lil t “Alice Mitika Koshiyama “Arebock Sto Pslo® Nobel 184 Biers aN saree 1. Cature popula 2. Liertra © socedade 3, Melos de coats de ast € Meru. Tt averac, Lip, 1940198 1 Tit. Son6t Ani par cttogn sitemdicos 1, Letra Mele Se cman de mass Sodolops 3016 (19) s0Lter 8) ae LLivraria Nobel SA. Timpresso no Brasil / Printed in Brel | 1984 { Ttrodugio Ligia Averbuck (or.) ‘A Literatura © 0 Apelo das Massas Regina Zilberman égina virada, dewarada, de meu folheim | Marte Meyer e Vera Santos Dias Fotonovela: Infelizmente Ainda um Quadrado Amoroso Duletia SchrSeder Butont 2 prot produto Lim oven don Dios i ape | CMatl e S Frce ema ue et cr pa pea min Sto lovey ates de gues mane nex, | caens «ima: Uhre Ambina ‘Cope, fm, Tampico der op co tan Goa Les ‘ erst ure nad nn sess 0 pare. 2 Tae spe avs dL 859, de Demo 1978, argos 122130, oe ‘Cultura na América Latina Indice 37 13 wa Literatura, Rédio © Sociedade: Algumas Anotagies Sobre a Anamaria Fadil ast Da Pégina Impressa so Video: Literetura, 0 Eseritor ¢ a TTelevsso Livraria Nobel S.A. Ligia Averbuck us ‘Rua da Beso, $59 ‘CEP 02910 Freguesia do 0 Literatura e Jornlismo: Leturas Sobre @ Repressio Quotdiena Séo Paulo, SP Allce Mitike Keshiyama 207 Introdugdo Ligia Averbuck A propésito da literatura e outras formas (narrativas) de nosso tempo “cada época no 86 sonha a seguinte, como sonhadoramente apresssa seu despertar”. W. Benjamin, “Paris, eapltal do séeulo XIX". Em 1934, resonhecendo que nem a matéia, nem o tempo eram co mesmos do inicio deste sécalo, Pal Vary afirmava que ers de se fsperar que esas grandes transformagies, agindo sobre a invengio, ‘Sterassem a propria nogio de arte. A peccepeto de Valéry, levada fadiante por W. Benjamin, permanece como uma das questSes centrais, da are de nosso tempo, Na realidad, seo atropelo das mudancas de- Ssencadeadas pelos novos processos de comunicagf, estendendose a todas es formas de produgio do arts, tem sus orgem a partir do sé- feulo XVII, com a crescente difusio da imprensa, o papel ssencal fesempenhado pelos jormais e a conseqUente infivéncia do gosto bur~ fits sobre a produgdo iterdria vigente, epresentou culminacio de fim process inicio séculos antes, com a invengdo da imprenss, no ‘vento da revolugdo burguesa. Todas essa transformasies dos pro- ‘ewos de comunicagio foram acompanhadas, evidentement, de chogue fobre chogue de mudancae socials: a eficicia de novas formas nfo impediy que mélipas e graves conseqiaias de carter socal viesem fr ocorter, Coloca-se aa questio das transformagtes experimentadas ‘os procesos de comonicagio em suas relaptes com os procetsos at ‘os e sous produores, e com 0 sentido das vérias formes de “clura cooxistentes ra E. Morn, e ambighidade da cultura de massa consiste 20 fato dela oar entre a caltura ustrada, da qual ela é uma variate vulgtrizada, s cultura no tetidosociliyico, mantendo esa, 20 mies ro tempo, com aquela, um trago comum: 0 de sua relagio estéico- cespestatoria. Atrvés deste elo, uma parte da culture iustrada se det rama na cultura de masse, enguanto os meios dessa modalidade 380 reeuperados, como arte, pela cultura ilutrada, Do ponto de vista dos processos literériog, ito implica em que literatura sricio sensu se dstibua em formas diversas da cultura de mass, iradiando sobre elas uma claridade que & uma especie de iu- ‘inagio ¢ limite (como nota J. J. Sact), reeebendo, simultaneamente, © influxo dos novos padres formals oferecidos pelos midia e plas ropostas especifcas da arte clta. A tecnologia da publicacio, di So da literatura pela grande imprensa, sua transformacio sob o efeto a chimera cinematogrétics, reprodvzindo ‘on alterando a imagem, @ fragmentacio do texo compartihado com a imagem, & fotonovea ou 1 roeiriagio de uma histéra, elando o romance radiofonizado, $80 procedimentos que permitem pensar que esas formas, priprias de oso tempo, influenciaram-se reciprocamente, produzinda novos ge eros que, 20 camuflarem formas anteriores, encerram novas ignite cages. A literatura (primera forma absorvida pela cultura de masse), em sua tansformagio, permanece sinda, como o grande foco irradia. dor, fomeseado # matéria-prima para o roteico cinematogrfica, 0 fntedo da telenovela ou 0 texto da fotonovele. Assim, se a8 ténicas 4e representagio enriquecem o acervo dos produtores de arte, hoje jd se poderia falar num hibridismo de formas que, em desprezar 08 meios cspecificos de cada uma delas, screscenta novas representagses. No sentido inveso, hoje nfo se eseeve um romance como antes da ert do cinema; ¢ 0 que mostra tode uma literatura cireulante, da melhor ‘qulidede, © nlo apenas o best-seller, o romance polical ou ouas formas de literatura de massa. Ao contri, por su naturezainovado- 1, as formas literdrias artsticas valem-se desses procesos,enquanto A Titeratura de massa eabe a manutengio de padrGes conservadores (necessris ao gosto da massa) Os romances tecnicemeste mais arto- Jdos deste séeulo (como toda a obra de Corti, ou Cabrera Infant, (0 Cem anos de solid, de G. G. Miquez, Grande serdo veredas,d6 G. Rosa, 1979, de John Passos, para lembrar apenas alguns autores Americanos), subvertem as concepeSes de tempo e espago, alterando totalmente suas etrutras © sbiorvendo & trapmentagho narrative, as ‘enicas de montagem ou os tipicos procesas de reducto e/ou flah- back da téniea cinematoprtics. A simultancidade das percepgses, propria de experéncia dos midis, incorporow-se a técnicas de uma flog Iiterieia de vanguarda, para no falar em toda a poesia moderna, herdeira de Mallarmé Baudelaire, poetas de uma sociedade em trans- formagio. A melhor vanguarda postica do inicio do séelo, hoje ineor- porada acs padroes artsicos correntes, seria impensivel antes de fexperincia da grande cidade, com sua concepcéo de “mubidto", tema ‘que W. Benjamin sugeciu em suas letras de Bavdelaire. Isto porgue, ‘diferentes géners artiticos tm diferentes fases de deseavolvimento, ‘como jé mostrou Eco, “a mesma aqusig pode ser feita pelo romance ingenta snot antes e pelo cinema cinglenta anos depois, sem que seje precio falar em ‘teraredade’ do cinema", O fato do cinems ter petcortido, com meios peépeis, camiahos j4 batdos pela Teratrs, demonstra antes @ exetncia de certat exgincias profundas que ser. peiam pelos varios niveis da cultura contemporinea, "O sistema da indistra cultural estabelece uma tal rede de condisionamentos rec proces, que até a nogio de caltura é por ela envolida.” Se esss enigincias de que fala Eco atravessam diferentes formas de expessio e correspondem a formulagées préprias de um tempo, tenunciando diferentes vozes do dscarso do homem da sociedade indus- tral, elas expressm, também, um o6digo das formas de comunicag, ‘Quando nos indagamos, aqui, quais os pontos de idenidade entre uma narrative cinematogréfica e um romance, qual a herange deste para atelevisio, on o débito do roti para com o texto litertio, ot ‘inds, sob que forma um relat tradicional se tansfigura para rssurgie no romance, oa travestido em folhetim ou fotonovels, estamos buscan- do, num duplo movimento, compreender nicles bisicos da comuni- ‘casio homana, mas, também, modes prprios de um dado tempo. Se & a necessidade universal de fioplo © de imaginagio que se ceconde a imbricagio de plneros dierenciados, como o romance, a ‘rénice jornlisica e a novela seriade, € nela que se apbia também 4 publicidad, expresto tipica da socedade industrial. Na verdade, os lementos de fiegHo e imaginagdo que acompanham as manifestases Ihumanas, das quis @ arte & um dos vlculos mais antign, tansfigu- 5 ram-se, sdquirindo noves suportes, na medida da necessdade que boje (os transforma em produts. “Ainda que matcaada, a Htrature (no sau sentido mais amplo), uma des modalidades que funciona como resposta A necetsidade uni vetal de fice, ressuge, hoje, transformeda e eniquecda, devovids, freqentemente, em novas formas. [No geito que move o ficionisa,o cinest, o deseaists de qua- rinnos, ou 0 rotista de televsio, defines dem lado o milenar get 1 de nazrr,testemunhar, do outro, sua esperanca de conteatar a ines ‘gotive sede de fantasia, sonho e imaginasio de seu Iitor/espectador. [Na realizgio deste ato avulta a marca transformadora. dos novos rmodos de (re)produgio arte, Procurr figar o¢ movimento destas passagens, eis a que Se propdem os ensios que se Segue. Partindo de uma perspectiva que ve a literatura como um todo que (como escreve Regina Zilberman, em A literawa e 0 apelo das masses) “reine um elenco bem mais amplo e muito variado na soa orgem e destino, de textos, a Ieitura deses “textos” (entendidos aqui no seu sentido mais largo) permite questionar uma hirarquia que s2- cralza formas dias liters, insincionaliaadss, responsive por se- tocar outros segmentos da caltura. Deste modo, respatar para a lite- ‘aura formas margnalieades pode repesentar uma visio ampliadora no impasse da cultura de nosso tempo. Ist signifi, igualmente,revisar 1 questi dos giazros, a luz de uma perspectiva que considere © papel dos modes titerrios em suas relagdes com a sociedade que os prope wt, Neste setido, ab consideragbes de Marlyse Meyer ¢ Vera Santos Dias, que remontam As orgens do “othe, revelam como essa mo- Ailidade, 2 mais popular dente as formas narratvas do séeulo XIX, fnflueciando romancistas da época e os postrires,ressurgri neste sKoulo, como “finix reascid', treneformada no cinema, 00 rédio 08 1a telovisto™ ses procetor aio retomados na Ieiture da fotonovela, realizada ‘or Dulefia H. Schrbeder Buiton! que, lembrando Barthes, atenta pare (os vinculos dessa forma com a estrutura do fit divers, modo de narrar pina joralstica “hstoricamente neceséro para equilirio entre ‘certo © incerto, a figHo ea eaidade". No parentesco visto entre os ois géneros, a auora recupera, nessa forma fcconal, os enunciados 6 ‘contemporineos que Ihe dio sentido ¢ forma. E, pressamente na in- terpretagio da possblidade de respostas a motivages prprias de seu tempo € que a narrative quadrnizadn de Mauricio de Souza, analsada por Teresa Montero Otondo, desenvolve-se. Fica claro, nesta andise ‘ue, # Horéco é & personagem que projeta seu crador, a anise das franeformagaes sotridas pela figuinha da historiets, scentus, entre ‘outros pontos, como este suport narrativo, aparentemente clementar, ‘ramatia confitos que, ultrapassando a medida ds tébals infant re- ‘elem 0 resto do homem moder. O que se escarece, ao longo da andlse, 60 espectro de tums naratva que se constéi num sentido tmplo, como texto significado a ser decifrado na relleio ¢ pelo de- poimente. ‘Sto a reflexfo sobre a linguagem ¢ a busca, como se afimou antes, de ums gramética ou sintaxe das manifestagbes humanss, como ‘demonstrou Propp, que permitem © aproximagio ene as formas lite- ririas © 0 dscurso cinematogrtica, propée Marfa da Silva Franco, 1 ensaio “Uma iavengzo dos dabos”. "Ao mesmo tempo, se importa & letura dos diferentes eédigos, & em sua voeagio ficconal que o cinema afieme suas rates como a ‘mais importante forma de aro sugida neste século, De suas relagies ‘om outfos midis, evdenciam-se pontos de encontro entre formas atis- tieas © a8 formulas de produglo da cultura de mass, Assim, Antonio Hoblelt retoma 0 paralelo entre a pespectva da narativaItervia ¢ da cinematogritic, realizado a letra de Vidas secar como texto literirio ¢ cinema, © mostrando como, por percurtos Aiverros, © registo de Gracliano Ramos e 0 olbar do Nelson Pereira dos Santos encontaram os meios expresivos para narrar um drama e profundo significado humano; xo porgue jé “ado se poderia nega”, como rele Anamaria Fadol em “Literatura, réco e socedade", que, “thoje, 0 universo da iteratura nfo se limita & pgina impressa do livro, ras estéem toda a pare, na exfnica do jornal, no script do cinema, do rio da teevisso". esta mancia, interpreta as relagdes que esas formas de arte cstabelecem entre si signifies, também, pensar a sociedade como um todo, £ 0 que se faz ao avalar 0 papel assumido pelo autor enquanto produtor de arte numa socedade de consumo, especialmente no que fiz respeito & perspetiva ssumida pelo eseitor, enquantocriador de 1 act “ealta, diane da relidade da produpio de un midia. Como se tltera 0 texto © 0 que passa do espiito da obra na mudanca do so- pore (lvro/TV), quando o romance se transforma em telenovela, so Algumas das perguntas que se colocam em “Da pigina impressa 20 ideo". Reflete as relagies do autor com os modes de producto sig- nifica, umbém, dewendar of snscios do att enquanto ter sensvel ts tranaformogies ¢ perpexidades desta época: no discurso da arte pojettm-se expecatvas de um tempo de limite e frgmeatagso. 'Bis porque, por fim, no seré de menor importnci, no caso bra- Sileiro,ropensar'e origem de toda uma lieratara-depoimento, gerada no Sogredo nesta time década, inflamada pela voeméncia do dscur- so joralstico: a literatura de testemunho politico, Em seu nascimento, ‘mostra Alice Mitka Koshiyama em sua Iiyras sobre a repress4o quo- tigiana, la revela a necesidade de depor, a peixfo do autor que pre- isa dizer, fazendo de seu texto projto de resistécia e resgete do Jnumano. AS, o texto do joral e o do romance-reportagem crazam-se, arte lterdia assumindo a dicedo de registro difrio e recuperando, em sua dendnci, a forea orginal que a pégine dita banaliza, Na era da Sociedade industrial, permeando as diferentes formas 4e comunicagto, 6 pelo uso da palavea, do olhae taduaido sobre 0 eal, pela forga do imaginério que o autor, enquanto produtor de roves formas, mantém o reduto de sua autonomia: aquela definida pela escola de seus meios e a qualidade da fdemule artistica pela qual le, 20 narar, transmit seu sentido do mundo. Af esto os seus melos, como também naturlmente, seus limites, Sbretudo, & preciso nfo & quecer que no vgs das contradiges do artista e da arte de noseo tempo, da palavra mascarada Sob o enwlucro colorido do produto industal- zado, esconde-s, como tema secret, o sono de utopia qu ainda aca- Jentamos. Lipla Averbuck ‘Sto Paulo, agosto de 1983. A Literatura e 0 Apelo das Massas Regina Zilberman Se hf espécies artiticas incompatves com a produelo em série, ‘0 valor dependendo do grau de irepetibldade de cada cbra, outras apenas slo notadas quando existem em grande quantdade, abicando 4a exitnci, feta 20s objetos de arte, de onginaliade. A primeira ale temativa € corporificada pela representagio teatal, pois, ainda que o texto dremitico pon ser eopiado, cada encenagio ¢ tnic e ireprodu- vel, gaantindo a este gnero vmnn substancial salvaguarda perante 0 assédio da indstia cultural. O mesmo pode ocorrer 3s artes plésticas, especialmente & pntura, embora subgneros, como a gravure ou a se- rigrafa, usem tGcnicas mecinicas (mas artesanais) de muliplicago. ‘A siuagdo oposta é exempliicada por todas as modalidades que constituem a chamada cultura de massa: a histéria em quadrios, 0 programa de televisgo e mesmo o cinem, extealgado A condigio de Sima arte, so exemplos de produgio das quai se desconhece a pri- tcia via, isto 6,0 original. O texto ou 8 unidade a parti da qual se faeram as cpa jamais 6 cacontrivel.”” Além disto, esas obras de- pendem de um trabalho coletio, © que suplanta a inividvalidade em mals de um nivel: desde a autora até a colocagdo no mercado, vio esaparecendo a5 marcas que idenificam o artista ou a provenincia, dos exemplaes. A massicagio que se relere, em principio, o const mo, pela sociedade, do objeto arstco, coincide com coltvizacto, 20 evar em conta a manufatura daguele, abolindo as impresses digtais ‘que repstariam a preseaga de um énico autor. ‘A refernci a esta opecagio coletva & relevante, porgue da per- cxber quto iuséea 6 a erenga de que uma obra de are resulta tio- somente do esforgo solitro de um eriador. Ao mesmo tempo, indica ‘que & originalidade do produto final ado é necessriamente preudicada pelo desempeno coltivo, este podendo ser, em muitos casos, a condi- (fo primeira para a eclosio daquela, ‘A literatura, concito que engloba o clenco de textos de iogéo verbal reunidos ao longo do tempo e unificados em virtude da realiza- n lo de um projeto de cunho anstco, experiments problemas similares, ‘Gna ver que assume uma eqbistincia em relagto a ambos 0s proces: Sou De um lado, pretende, através de cada obra inteprante do acervo ‘eine mencionado, um total individangio,garantida pela eratividade tor divers planos que constituem um texto e pela dfereniagio entre for escitores, que Ita por assegurar os tagos particulares de seu tra- bialho, De outo, circulaatualmente também como paresla da insta ltr, fato vetedvel em duas cccunstacia préximas: a de prod- {a0 de livos destinados a iderat sta dos mais vendidos, tendo sido Csertos especialmente para ete fim, adequandose, de modo sisemsitic, Stguelas que sfoexibides como at preferdncias do pblico;e a de fabri- casio tm série de obres, em que nfo se perccbe mas a identidade do Stor, nem do text, pois reproduzem inespotavelmeate modelos con- Sagrados de histrassentimentais,aventurase crimes. literatura passe ‘Smultancamente pelos dois sistemas de ctclaglo e avaliagio etéica, ‘embora busgue distngulos e obter vantageas com esta oposigfo. Por fa vez, mesmo quando cia se mantém indiferente aos apelos da mas- ‘casio, vigora 0 carer coletive de sua produsso e consumo. Pos, tmbore dependa, em primeira instnci, da inventvidade © do exforgo eum escritorcrstvo, @ ewultado final nfo dispensa a colaboragto ‘Se uma equipe de proissionais a que estéassociada a indssia do iro ‘desde tus origem, ainda quando imperava a atvidade manual que re trngia a cirealagio. [Na eriaglo Heréit, qe nfo subsist sem o suporte material do tivo, entreerazam-se fenbmenos petinentes 8 anlie de suas relaes com a cultere de massa, © qve, por conseqncia, repercute na inde ‘ho 8 propisito de naturess da Iteratura.Poder-se-ia opor, de mancira ‘Simplsta © medina, a orginalidade da auténtca ate a0 carter repe- titivo e sempre idéatico da indistia cultural, rejetando, assim, aque entrecrzamento, Como, porém, outros problemas aparecem e exigem ‘uma explicaglo (ou entio, um novo e enganador desvio), patentea-se 1 falsidade de soluggo, De um Iago, a fndole coleiva da produgiolite- Flsia, qualquer que sea a tendénca desta; de outro, a necesidade de fbedecer a normas socialmente aceltss que facltem a decfragio © o tonsumo de eas texto, qualquer que sea 0 grau de eiatividade ambi tonedo — estas doas facetas denanciam a sproximagio entre of polos ‘posits, ainda que ndo se confundam, Resslte-se também que, se © feampo da literatura no di margem & afrmagio antecipad © sequre 2 a natarenaieroprisvele nica do objeto de are, le nfo se dui nas cépias inumerévels do uma matria desconbecidn, Todos estes ftores confirmam a peculiaridade © ambivaléscia do fendmeno liteitio, cuja compreensio decorre do exame dos seguintes aspects: a participasio a lteratare no dominio da cultura de massa; 8 convivéncia eas rela- es mituas que advém da dupla possbiidade de execugdo — a mais sic € a mais comercial — de uma modalidede comum de expressio or intermédio da inguagem verbal Literatura e Cultura de Massa [Embora seja um lugar comum a repartigio da literature em ero- it ¢ trivial ou séia © massifcada, sta dicotomia somente adqutia consisténcia aés a consolidagio de uma indétia voltada 8 explorsgio, fem grandes quantdades, dos produtokcalturais. Este proceso fol x rmultineo a revolugso industial porque fez parte dele, devendo-se a ampla difusdo dos gineros ficcionss, a parr do séeulo XVII, tanto a8 até entSo Indias demandas de letura por pare da camada but- fuesa emergente, como 3s invengies tecoolgicas que possbiltaram fttiefazer a ext plo, Ao lado das novidades, promovese a esola- rlzagio em massa, tornando a exigéncia por material de letura propor- clonal a0 aumento de indvidvos eapazes de ler devido& alfabetizap So cbrigatéria. As transformecées industrials vim acompenhadss por um ‘outro tipo de tecnologia — a que confere acesso a Ieiturae deseavol- ‘ve-se no espago da escola, extimulada pela padagogia atcendente. A industralizagto da cultara, que, num primeiro moment, tem & Iteratura como mode, no pode ser separsda deste ouro aconteci= mento: a instrugio generalizada das camadas urbanas. Este fatoest- ‘mula o aparecimento de dois tipes de instrumento pedagigico: a lite ratura voltada 20 lazer, meio propicio ao escapismo ¢ 2 iusio; ¢ & literatura destinada ao taber,veculo para a transmiseéo de conheci mentos tes vide pétca e garantia futura de um lugar digno na so- edade, De um lado, a fibrica de sonhos — o fothetim sentimental, a Bibliotheque Bleue, 0 cordel! de out, a induscalizagio do cones mento itil — 0 livo diditic, que empacotsinformagies¢ legitims-se 3 socilmente na rato direta de sua eplcagio imediata, Livros de ambos ‘Se lados, mas, co fodoe ele, revela-se @ grande ausente: a iteratua Ens, supée-se, jf exstia antes enquanto depostria de um acevo respeitivel que, procedente dos gregos,sobreviveu e se ampliou deide 1t Antigtidede até a época de que se fala aqui. Todavis, neste momento, talver no se tate mais da mesma literatrs, pois aquela se definia ‘por oposicio & outa expéele de produco, menos conhecide, mas igual- ‘ents atuante — a literatura ora, de origem e consumo populares, que, ‘fo sendo # expressio dos grupos socaissuperores, nfo contava com fo econhecimento deses, Eram duas iteraturas — dois pesos diferentes para duas camadas soins, cojo antagonismo existente nfo impedia 0 ‘Roceseimento de cultures orginal, empenbadas em preservar & recep- clo de que dispunham. ‘A literatura eserita, ito & aquela que transtava entre of grupos que dominavam & escrita,contava com um poblico antecipadamente atvo. A competi, se exstia, com a literatura popula de transmis ‘Ho oral, ago a prejudicava, uma yer que néo apenas os destintiios fe diversifcavam, como o regime de mecenato garantia a sobrevivéncia financeira do eseitor. Poctanto, o piblico estava prevamentesssegi- rado em razio de dol ftores: 0 artista ofeeca a obra que seu letor Drefeencial dsejva; © um Unico Teta era tudo quanto basta, desde fe este concedessesusentar 0 esritor, 'A primeira inguletagdo surge quando este protetor das artes & subs- titido por um grande nimero de consumidores e quem cabe satistazer. ‘Quanto msior © mais diversicado 0 pblico, mas dificil aradé-lo, Insior indice de erro parece provével. Assim, todss as medidas que tetsionaram a emancipagio e 0 foralecimento do piblieo Ieitor sio, ‘na mesma proporgio, eauss de inseguranca por parte do escritr. Res- ferthe ao meoos uma ercolha: submete-se passivamente & demands, foferecendo o produto certo que Ihe pode gatantr a autonomia finan- trira; ov buscar outta tipo de emancipapio, a artista, em troca da fnstabiidade econdmica (al foi 0 caso paradigmético de Balzse), 0 risco de reconhecimento tardio (como previa Stendhal), a inference Gos letores, a necessidade de tabalhos suplementares. ‘A concluso parece sera de que desta alternatives nasceu a dico- tomia ene lteratara trivial ¢ Tteratura erudita (ou: literatura tout court). Todevia, foi anes a0 nivel da reflexio sobre esta sma que a Separagdo se fer. Como enfatisam Peter Birgec e Christa Birger,® 6 nogio de literatura como insinipfo autdnoma, formulada por parte da tstética do séeulo XIX, com repercusses visiveis no peasamento Hite- ‘iro do século XX,® resulta da necesidade de preservarintocado 0 dominio da are diante da invaséo inevitivel do pblico lator emergete das nfluéncis da resultants. Ao esritor, por sua vez estou a ten tativa de manelar, da melhor maneir, seus leitores,atendendo, de um Jado, a exgtncias dos consumidorss, par assegurar a subsisténca eco- mica e, de outro, 0s eritros dos erficos, a fim de obter a consagra- ‘lo pessoal Contudo, a insisténci na prodagio de uma literatura gue se dobravaintiramente is sedugées do mercado, a ponto dese tornat

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