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Cvpirtro XVI O EQUILIBRIO DE PODER A idéia de uma configuragio do poder permite-nos generalizar sobre a politica internacional no que diz respeito a seu contexto geogrifico. Fim um grau mais elevado de abstracio, podemos interpretar a politica internacional por intermédio da idéia de um equilibria do poder, Ao pensar desse modo, imaginamos as poténcias nao tanto como pecas num tabu- leiro de xadrez mas sim como pesos sobre os pratos de uma balanca. Assim, mentalmente as extraimos de seu contexto geogrifico ¢ as arru- mamos de acordo com suas aliangas ¢ afinidades, conscientes da idéia subjacente de combinar seu peso moral com sua forca idéias aproximam-se muito uma da outra, ¢ € interessante ressaltar que 0 famoso capitulo das Memérias de Phillippe de Commynes, ministro de Luis XI, que geralmente é considerado a primeira referéncia a0 equili- brio do poder na historia européia moderna, é ma material. As duas is uma viva descricao daquilo que chamamos de configuracio do poder.’ A configuragao do poder leva a consideracdes a respeito de estratégia; equilibrio do poder leva a consideragées a respeito do potencial militar, da iniciativa diplo mitica ¢ do poder econdmico. A idéia de equilibrio surge naturalmente a0 considerarmos qualquer relacionamento entre unidades humanas, grupos ou instituicdes em competic trapesos” de uma constituicao, ou do equilibrio dos partidos num parla- (0: referimo-nos aos “pesos € con mento. Mas a concepcao do equilibrio do poder pertence especialmente a politica internacional, ¢ é nesse sentido que tem sido mais explorada. O equilibrio do poder é 0 principio daquilo que poderia ser chamado de “a mecanica da politica do poder”; ¢ a metafora mecanicista ¢ util para des- cever relacées internacionais, contanto que nio suponhamos que cla esgota tudo de importante que pode ser dito a respeito de tais relacdes. Calmette (ed.), Ménorres, Vol. I, Champion, Paris, 1925, Lavro Vy pp, 207-16. 168 Martin Wicirr A politica do equilibrio do poder esta fundamentada, como disse Hume, “no bom-senso e 0 raciocinio ébvio”;’ ela é uma aplicacao da lei da autopreservacio, Imaginemos a existéncia de trés poténcias, das quais a primeira ataca a segunda. A terceira poténcia nao pode assistir 4 se- gunda ser derrotada tio esmagadoramente de maneira que ela propria se sinta ameacada; assim, se a terceira poténcia tem uma boa visio da situagio a longo prazo, ela “jogara seu peso no prato mais leve da balan ca” ao apoiar a segunda poténcia, Esta é a maneira mais simples de compreendermos o equilibrio do poder. De maneira mais geral, quando uma poténcia se torna perigosamente poderosa as outras se juntam contra cla. O equilibrio do poder pode ser visto em plena operacio sempre que uma poténcia dominante tenta obter o dominio da sociedade internacio- nal, € momentancamente “desfaz 0 equilibrio”. Mesmo que a poténcia dominante tenha um pequeno ntimero de estados-vassalos — demasia- damente fracos ou amedrontados para que lutem por sua independén- cia — ¢ de estados-chacais' — possuidores de interesses locais proprios — como seus seguidores, uma grande alianga de forca superior, cuja vité- ria “restaurara o equilibrio”, se levantara contra todos eles. Stubbs afir- ma que “de qualquer forma que se queira definir 0 equilfbrio do poder, ou seja, qualquer que tenha sido o arranjo necessario para se manter tal equilibrio de maneira a nao permitir que os mais fracos fossem esmaga- dos pela unio dos mais fortes, este ultimo constitui o principio que da uniformidade a trama politica da moderna historia européia”.* O sistema do equilibrio do poder parece seguir um ciclo regular, cuias fases podem ser distinguidas. Quando existem trés ou mais gran- des poténcias ou blocos nao atados por aliancas rigidas, pode-se dizer que ha um equilibrio miltiplo; 0 equilibrio entre as grandes poténcias “Of the Balauee of Poser", em Lessars Motul, Polite and Literary, Nol. VTA. Green © TAL Grose (eds), Longmans, Londres, 1829, p. 352. “De maneira menos grave do que ada histona, eu deverta talvez comparar o amperador Mexius ao chacal, que & eonhecido por seguir os passos, bem como por devorar os dejetos «lo ledo. Quaisquer que tenham sido seus medos durante a primeira eruzada, eles foram ampla- mente recompensados pelos beneticios subseqiientes que obreve em decorréncia dos Feltos dos francos.” I, Gibbon, Te Decline and Lullof the Roman Linpire, Nol. M, Phe Modern Vibrary, Nova York, Capitulo 59, p. 1047. UW Stubbs, Seventeen Laotuers, p. 258. O Equilibrio de Poder 169 lembra 0 equilibrio de um carrossel. Esse era o estado normal da Euro- pano século XVIII. Na Europa Ocidental ¢ no resto do mundo havia o equilibrio entre a Gri-Bretanha, a Franga ¢ a Espanh: na Europa O- riental havia 0 equilibrio entre a Austria, a Ruissia, a Prissia, a Suécia ea Turquia; entre os estados da Alemanha e da Itdlia existiam equilibrios subordinados; ¢ todos ess equilibrios interagiam. Quando seus inte- s mudavam, as grandes poténcias trocavam de parceiro como numa danga de quadrilha. Em 1718 a Gri-Bretanha, a Franca, e a Austria eram aliadas contra a Espanha; em 1725 a Espanha e a Austria eram aliadas contra a Franga ¢ Gra-Bretanha; em 1733 a Espanha e a Franca estavam aliadas contra a Austria; em 1740 a Gra-Bretanha e a Austria eram aliadas contra a Franca ¢ a Prissia; e em 1756 a Gri-Bretanha e a Prussia eram aliadas contra a Franca ¢ a Austria. O equilibrio miltiplo foi quebrado, primeiro com a Guerra Revolucionatia norte-americana, € depois, de forma mais d O Acordo de Viena foi uma tentativa de restaurito. A Gri-Bretanha detinha uma supremacia impossivel de ser desafiada fora da Europa, a Russia tomou a Poldnia, a Austria tinha o predominio na Itilia,a Renania foi dada para a Prassia ¢, quando apés alguns anos de ocupagio militar, a Franga reassumiu seu status de grande poténcia: equilibrio miltiplo. re siva, pela Guerra Revolucionéria francesa. ‘stava restaurado o © equilibrio multiplo dura enquanto nao surge um conflito de in- teresses que provoque um cisma decisivo entre as grandes poténcias. Quando isto ocorre, as poténcia se dividem em campos opostos. O equilibrio miltiplo agora passa a ser um equilibrio simples, jd nao é mais um carrossel, mas sim uma gangorra, Isto foi o que ocorreu na Europa quando a Alianga franco-russa foi formada em 1892 contra a Triplice Alianca, constituida pela Alemanha, Austria-Hungria c Itélia e, mais uma ve: z, em 1936, quando foi criado o Hixo Berlim-Roma contra as potén- cias da Liga. Um perfodo de equilibrio simples é caracterizado pelo au- mento de tensao, pela corrida armamentista, ¢ pelas inquietantes oscila- Sir Winston Churchill descreveu de forma inigualivel a crise nos anos que antecede- ram a 1914: des no equilibrio do poder que sao chamadas de cris Martin Wigire “As grandes porénetas, agrupadas em cada um dos dors lados, precedidas ¢ protegidas por um elaborado respaldo de cortesias ¢ for malidades diplomiticas, exibiam umas para as outras suas respectivas forcas militares. [im primeiro plano estavam os dors principais rivais, a Memanha ¢ a Franga, ¢, por mis desses dois hidos, escalonados em varias distincias ¢ sob diferentes disfarces de reservas © qualifieaghes, encontrariamos os demaus partidirios da Triplice Mianga ¢ da ilo que entio comegava a ser chamado de Triphee [:nfente, No momento oportuno, esse segundo escakio pronuneiaria algumas palavras obscu- ras, reveladoras de seu estado de espirito, cm conseqiiéneia de que a Lranga ou a Alema a tris, ou nha se movimentariam para frente ou p: talvez para a direrta ou para a esquerc, cobrindo uma distineia mato pequena, Quando essas delicadas retificagdes no grande equilibrio da Kurapa, ¢ de fato no do mundo, haviam sido feitas, a assembléia for: 1 cerimonia € midavel se retiraria a seus proprios aposentos em mei cumprimentos ¢ os delegados se congratulariam ou se consolariany a respeito do resul Existiram crises semelhantes nos anos trinta, mas as cortesias ha- desgastado ¢ 0 poder estava mais despido: os jornalistas italia- nos gritando e vaiando quando Hailé Selassié levantou-se para discursar perante a Assembléia da Liga em junho de 1936; Greiser, presidente do senado de Danzig, dando a saudagio nazista ¢ pondo o dedo no nariz, ao se retirar do Conselho da Liga alguns dias mais tarde; as maldicé ameagas publicas de Hitler em 1938-1939. FE. chega 0 momento em que as manobras para a tomada de posicao € para a formagao de aliangas nao podem mais ser prolongadas € 0 equilibrio do poder se desequili- bra, gerando uma guerra total. Uma poténcia que se encontra numa posicao de contribuir com forca decisiva para um lado ou para o outro é a detentora do equili- brio, A metafora pode ser vista de maneira mais simples por intermé- dio de uma descricio contemporinea da pol Elizabeth I: “4 estava ela como uma princesa herdica e juiza entre os espanhdis, os franceses ¢ os holandeses; ela bem poderia ter usado viam s e a externa da rainha 2WES. Churchill, Ihe World Crisis, 191-1914, Nol. Butterworth, Londres, 1927, pp. 44-5. O Equilibrio de Poder v7 aquele ditado de seu pai: Cui adbaereo, prae est, ow seja, “o partido ao qual cu aderir sera predominante”, E foi verdade 0 que se havia escri- io como se fo: to, que a Franca ea Espanha m os pratos na balanga que é a Europa, € a Inglaterra é aquela que detém o equilibrio.* Deter © equilibrio do poder é uma politica especialmente adequada a uma poténcia insular que goza de um certo afastamento das rivalidades € tem sido a politica tradicional da Gra-Bretanha, Essa politica encontrou sua expresso no predmbulo da Lei do Motim que, anualmente, de 1727 até 1867 (com um ou dois lapsos) definiu a fun- sao do Exército Britanico como “a preservagio do equilibrio do po- der na Europa”. A politica do “espléndido isolamento” do final do século XIX na verdade nao foi mais do que um aspecto negativo de deter 0 equilibrio: significava possuir liberdade de acio enquanto pa- rec isolacionismo americano entre as duas guerras mundiais tinha tragos semelhantes, ainda que os americanos provavelmente se enganassem continentai: ¢ desnecessario para a Gra-Bretanha se comprometer. O bastante ao acreditar que sua liberdade de acio era um atributo per- manente ao invés de uma vantagem temporiria. Uma grande poténcia que detém o equilibrio do poder talvez, cons- titua uma caracteristica geral da transicio de um equilibrio multiplo para um simples. Assim como a Gra-Bretanha detinha 0 equilibrio entre a ‘Triplice Alianca ¢ a Alianga Franco-Russa nos anos anteriores a 1906, a Riissia também deteve 0 equilibrio nos tiltimos anos do século XVIIL antes da Revolugao Francesa ¢, novamente, quando as poténcias da Liga ¢ do Eixo competiam para obter sua alianga em 1939. Mas, as vezes, € uma pequena poténcia, em virtude de um acidente de sua posicao es- tratégica ou da energia de s a povo, que pode contribuir com forcas deci sivas para um ou outro lado. De fato, existem muitas pequenas po- ténci: brio de poder, ainda que somente entre scus aliados, pois que gostam de pensar que, para certos efeitos, detém o equili- a idéia de W. Camden, Hatory of I:figabeth, trad, da tercerra ediein, 1675, p. 223. Notar-sesit que a metifora de “derer 6 equilibrie”, isto ¢, ter em suas mos 0 Equilibrio «ko poder, € eurtosamen re impreeisa, -\ Tingiiera de uma balinea & un indice que mostra para que hide os pratas se movem, mas ni € um estabilizador, [uma pessoa que segura uma balanea esti. spe facto, impossibilitacht de exercer pressiio sobre qualquer um dos dows pratos, 172 Marvin Wicirr possuir essa capacidade facilmente se desvirtua a ponto de exprimir a esperanca de contribuir com alguma forca, quer seja decisiva ou nao, 0 que praticamente equivale a possuir algum grau de liberdade de agao. O fato de ser cortejada por ambos os lados é uma indicacio de que uma poténcia detém 0 equilibrio do poder. Dessa forma, a Savoia costumava deter 0 equilibrio nos Alpes; os indios iroguois, na primeira metade do século XVIII, detiveram o equilibrio entre franceses e ingleses na Amé- rica do Norte; ¢ a Iugoslivia detém 0 equilibrio na Europa entre os blocos comunista e ocidental. De fato, a politica do oportunismo que apontamos anteriormente ¢ em sua esséncia um exemplo de posse da capacidade de exercer 0 equilibrio de poder, mesmo que somente na forma de influéncia moral e niio de forga decisiva possa ser oferecida a ambos os lados Ja foi dito o suficiente para demonstrar que “o equilibrio do po- der” é uma expresso enganosa e ambigua, ¢ faz-se necessario distin- guir os varios sentidos em que ela é usada, Exi O leitor percebera como os varios sentidos se encaixam uns nos outros, e como é dificil escolher exemplos praticos que somente ilustrem um sentido, pois mesmo que 0 equilibrio do poder seja uma expresso en- ganosa, também € muito rica; ¢ a dificuldade de se descrever adequada- mente a politica internacional sem recorrer a tal metéfora talvez seja em cinco ou talvez sete. explicada pelo fato de ela ser suficientemente flexivel ¢ elastica para cobrir todas as suas complexidades e contradigées. 1 = O significado original da expressio € wma igual distribuigao do poder, um contexto no qual nenhuma poténcia é tio preponderante a ponto de por as demais em perigo. Quando Maquiavel disse que, antes da invasao francesa de 1494, “a Italia estava de certa forma equilibra- da” cle estava se referindo a uma situacio desse tipo. Eis aqui uma descrigao do sistema de estados um pouco mais de cem anos mais tar- de, em 1609, quando a tentativa espanhola de predominincia havia sido derrotada: W.. Macleod, Te aera Lidia Frontier, Kegan Paul, Londres, 1928, pp. 272-7: Apendice VII, p. 585 * The Prince, Dent, Londees, 1960, Cap. 20, p. 119. O Equilibrio de Poder 173 “Em primeiro lugar deve-se levar em consideragio que esta parte da cristandade esta equilibrada entre os trés reis da Espanha, Franca e Inglaterra; assim como a outra parte o est entre os soberanos da Russia, da Pol6nia, da Suécia e da Dinamarca. Quanto 4 Alemanha, se estivesse sujeita a uma monarquia, seria terrivel para todos os outros, pois estan- do dividida entre tantos principes de poder semelhante, ela somente precisa se equilibrar, e guerrear com facilidade contra a Turquia, en- quanto a Pérsia a observa de longe”.” Fazendo uso semelhante de tal metafora, Sir Winston Churchill descreve a situagao européia decorren- te dos Tratados de Locarno em 1925: “Criou-se assim um equilibrio para o qual a Gra-Bretanha, cujo maior interesse era 0 término da que- rela entre a Alemanha e a Franca, passou a ser arbitro ¢ juiz”."” E essa mesma idéia de igual distribui¢ao do poder é encontrada no célebre dito de Lester Pearson: “o equilibrio do terror substituiu 0 equilibrio do poder”."' Nessa conotaco, a palavra “equilibrio” tem seu sentido prin- cipal, e muitas vezes aparece como 0 objeto de verbos como: manter, preservar, perturbar, derrubar, retificar ou restabelecer. 2(a) — A partir dese ponto, quase imperceptivelmente, a expres- sio passa a significar 0 principio de que 0 poder deve ser iqualnente distribuido, passa de um uso descritivo para um uso normativo. Quando, durante a Guerra Revolucionaria americana, George III buscava a ajuda de Catarina, a Grande, ela Ihe respondeu certa ocasido que as idéias dela correspondem perfeitamente as dele, com relacio a0 equilibrio do po- der; ¢ ela nunca vé com indiferenga qualquer engrandecimento ou dimi- nuicio essenciais de qualquer estado europeu.'? Aqui vemos como o sentido 1 leva ao sentido 2. No século XVII, 0 equilibrio do poder era geralmente apontado como se fosse de alguma forma a constituicio nio-escrita da sociedade internacional. “O equilibrio do poder sempre foi considerado o direito consuetudinario conhecido da Europa” disse ” Sir Thomas Overbury, “Observations on his Travels", em Start Tracts 1603-1693, CV Firth (cd.), Constable, Londres, 1903, p. 227 The Second World War, Vol. 1, p. 24 "Discurso em Sio Francisco, 24 de juno de 19 the Signing of the UN. Charter, UNP, Sales N° 195; Commemoration of the Verth Aunversary of 1 26. * Diartes andl Correspondence of the Earl of Malmesbury, Vol. 1, p. 396. 174 Martin Wictir Burke, “‘a questo somente dizia respeito 4 maior ou menor inclinagéo desse equilibrio”. F cle entio o descreveu, numa passagem que poderia ser escolhida para ilustrar o sentido 1 da expressio."” Nesse sentido a expressio “o equilibrio do poder” foi freqiientemente inserida em tra- tados internacionais desde 0 Tratado de Utrecht de 1713 até a época de Bismarck; ¢ autores juridicos jé afirmaram que 0 equilibrio do poder é a condicao indispensavel para o direito internacional. “O equilibrio do poder na Europa”, disse Lord John Russell, ape- nas para citar um dentre inumeraveis exemplos, “significa efetivamente a independéncia de seus muitos estados. A preponderncia por parte de qualquer uma dessas poténcias ameaga e destrdi tal independéncia”."* O nebuloso s istema de cooperacao entre as grandes poténcias no século XIX, conhecido como o Concerto da Europa, era de fato em sua ori- gem e esséncia um acordo comum baseado no principio do equilibrio do poder. A maior parte dos estados durante a maior parte do tempo procura manter 0 equilibrio do poder, ¢ 0 equilibrio do poder concebi- do como politica naturalmente deriva desse sentido. “Para haver coexis- téncia, tem de haver um equilibrio do poder”, dizia o Manchester Guardian em 1954, “pois se o poder estiver desequilibrado a tentagao de reiniciar sua cruzada sera irresistivel ao comunismo”.'” Parece haver nessa passa- gem uma coexisténcia dos sentidos 1 e 2. 2(b) — Mesmo assim, o principio do equilibrio do poder po: uma espécie de mutabilidade e vitalidade demonjacas, porque ele cons- sui titui a politica por intermédio da qual a maior parte dos estados durante a maior parte do tempo buscam sua seguranga, Sua qualidade de ser multiforme torna-se mais aparente nas citcunstincias de um equilibrio simples, quando cada um dos lados de duas poténcias ou coalizGes esta tentando manter uma distribuigao eqititativa do poder entre clas por intermédio de uma competicio armamentista ou de um esforco diplo- mitico para fazer aliancas. Nessas circunstancias, ele se torna equivalen- te a0 principio de que 0 men lado deve possuir uma margem de forga de maneira a "1 ctters on a Reghcide Peace: HID” em The Works, Vol. N, p. 441 "HL Temperley ¢1.. M. Penson, Fuordatons of British Foreign Policr, C1U.P,, Cambridge, 1938, p. 205, 1 de agosto de 1954, artigo principal sobre a visita de Land Attlee a Pequim, p. 8, O Equilibrio de Poder 175 evitar 0 perigo de o poder ser desieualmente distribuide. Aqui a palavra equilibrio adquire 0 sentido de saldo bancério, ou seja, de saldo positivo, e nao de uma igualdade entre o ativo e o passivo. Sir Norman Angell, em sua juventude, lembra-se de ouvir Churchill, na época um jovem politico, declarar que a paz dependia da capacidade da marinha britinica manter sua superioridade sobre a marinha alema, ¢ ele entio fez uma pergunta para a qual nao havia resposta. Dessa mesma forma, a politica norte-americana apés 1947 era de simultaneamente procurar restaurar © equilibrio de forcas contra a Russia por intermédio de um rearmamento e, nas palavras de Foster Dulles, poder “negociar a partir de uma posi- Gio de forca”. Esse é de fato um enigma fundamental da politica inter- nacional. 3 — Um dos problemas da politica internacional é que as poténcias estéo freqiientemente em desacordo sobre 0 fato de a distribuigéo do poder ser ou nfo eqiiitativa, e que qualquer distribuicio do poder niio permanece constante durante muito tempo. A maioria dos arranjos de poder favorece alguns paises, que conseqiientemente procura preservar 0 status quo, € 0 justificam como se representasse um verdadeito equilibrio. Esses mesmos arranjos sio, paralelamente, prejudiciais a outros paises, cuja politica é revisionista. Assim, a idéia de uma distribuicao eqiitativa é retirada da expresso “o equilibrio do poder”, que passa simplesmente a significar a distribuicao existente do poder. Tal processo lingiiistico pode ser visto em pleno funcionamento numa discussio entre Sir Stafford Cripps e Stalin, em julho de 1940. Cripps havia sido enviado a Moscou como embaixador britinico com a tarefa de convencer Stalin de que as vitérias alemis colocavam também a Russia, assim como a Gra-Bretanha, em petigo. “Dessa forma”, argumentou, “ambos os paises deveriam entrar em acordo a respeito de uma politica comum de autodefesa contra a Ale- manha, e do restabelecimento do equilibrio do poder europeu”. Stalin retrucou dizendo que nio via qualquer perigo de a Europa ser absorvida pela Alemanha, ao afirmar que “‘o chamado equilibrio de poder europeu até agora vinha oprimindo nfo sé a Alemanha, mas também a Unio Soviética. Em decorréncia disso a Unido Soviética tomaria todas as medi- das necessat para impedir o restabelecimento do antigo equilibrio do 176 Martin Wii poder na Europa”."” Quando 0 porta-voz do almirantado disse 4 Camara dos Comuns em 1951 que “o equilibrio do poder maritimo tornou-se desfavorivel a nds de maneira marcante nos iiltimos dez anos”,"” ele esta- va usando a expresso em seu sentido neutro. E, por uma extensio natu- ral, ele passa a significar qualquer distribuigo possivel do poder — passa- da, presente, ou futura. Assim, Churchill escteveu para Eden em 1942: “Ninguém pode ainda saber como ficara 0 equilibrio do poder nem onde se encontrario os exércitos vencedores no final da guerra”.'* Este € pro- vavelmente o emprego mais freqiiente da expressio, significando o rela- cionamento do poder em vigor num determinado momento. A palavra “equilibrio” perdeu completamente o seu significado original; ha menos conotagio de estabilidade e mais de mudanga continua do que no sentido 1. Além disso, neste caso, a expresso sera encontrada com mais freqiién- cia no papel de sujeito da frase (ou seja: 0 equilibrio” mudou” ou “parece estar”), como se estivesse além do controle humano. 4—O quarto sentido € aquele que surge quando falamos em “de- ter 0 equilibrio”. Isto significa que uma poténcia possui papel especial na manutencao de uma distribuicao eqilitativa do poder. O mais antigo emprego conhecido da expressiio em inglés ilustra esse sentido. Ele aparece, de maneira apropriada, na dedicatéria de um livro 4 Rainha Elizabeth, em 1579: “Deus pos em suas mos 0 equilibrio do poder e da justiga, para que, & sua vontade, apazigue ¢ contrabalance as aces ¢ os planos de todos os reinos cristios de sua época”."” Eis aqui outro exemplo mais completo, obtido de uma carta escrita por Palmerston para Guilherme IV em 1832. Palmerston explica as contendas que ocorreram entre a Franga de um lado e a Austria, Prassia e Russia de outro a respeito do cumprimento do tratado que estabelecia a independéncia da Belgica, ea politica britanica com relagio a elas Soviet Relations 1939-1941: Documents from the Archiv Office”, Department of State, Washington DC, 1948, p. 167. "Discurso de 1). Callaghan na Camara dos Comuns, 12 de margo de 1951, Parliamentary Debates, 5.* Série, Vol. 485, col. 1093. "WLS. Churchill, Te Second World War, Vol. Ml, p. 616. ” Geffray Fenton, “Lipistle dedicatorie to the Queen”, em The Historie of Guscaardin... reduced into V-nglis, 1579, part iv of the German Foreign O Equilibrio de Poder 7 “Na ocorréncia de todas essas pretensdes, © governo britinice levou as trés poténcias a fazerem pressio sobre foi conseqiientemente Forcada a ceder; b Franca, € a Franca pouco tempo as trés potén- cias foram imoderadas ¢ falhas em sua boa fé, ¢ tém tentado, sob fal- sas alegagdes, anular 0 tratado que ratificaram, bem como arruinar 6 acordo que garantiram. O governo britinico entio fez com que a Panga exercesse pressio sobre as trés poten as, na esperanga de obter suces- so maximo, Uma ver que a Franga trés poténcias sto rivals em forca militar, pode-se praticamente dizer que sua majestade detém o equilibrio da Luropa, A Franga nao se aventurari a atacar as trés po- téncias, caso cla também seja combatida pela Inglaterra; ¢ as tres po. téncias pensario muttas vezes antes de atacarem a Langa, caso suspel- tem que a Lranga nessa situacio seria capaz de contar com 0 apoio da Inglaterra Mas esse emprego também é equivocado. Se a poténcia que detém © equilibrio é mais fraca do que qualquer poténcia que se encontre nos pratos da balanga, sua funcio sera simplesmente de mediadora; mas se ela for tio poderosa quanto qualquer uma das duas, ou mesmo mais forte, ela tendera a se tornar um arbitro. Uma poténcia que se encontre se papel especial pode niio desempenhi-lo da maneira que outras poténcias considerariam justa; ela pode estar mais preocupada em me- Ihorar sua prdpria posicio do que em manter uma distribuicao eqiitati- va do poder. Assim, deter 0 equilibrio do poder no sentido 1 p: significar deter o equilibrio do poder no sentido 3, ¢ aquilo que o deten- tor possui € simplesmente wma vantagem especial dentro da distribuigao do poder. Quando um politico inglés em 1704 regozijou-se com o fato da batalha de Blenheim ter colocado 0 equilibrio da Europa nas maos da Rainha (Anne),”' cle quis dizer que isso havia tornado a Inglaterra a poténcia mais forte do continente europeu, com uma maior liberdade de agio do que a das demais. As poténcias do continente europeu sem- pre ressaltaram que, enquanto a Gra-Bretanha sempre alegou deter 0 equilibrio da Europa com sua mao direita, por assim dizer, ela estabele- n aa COIS. Webster, Tie Lure Policy of Padiversion, Nol. MW, pp. 80L-2. G.M. Trevelyan, Bloleinn, Longmans, Londres, 1930, p. 419, 178 Martin WIGHT ceu com sua mio esquerda uma hegemonia colonial ¢ oceanica que durante dois séculos se recusava a aceitar 0 principio do equilibrio. As- sim, deter 0 equilibrio passa a significar possuir uma vantagem signifi- cativa. Nesse sentido, Chester Bowles escreveu em 1956 que “os dois tercos do mundo que vivem nos continentes subdesenvolvidos ... cons- tituirao finalmente 0 equilibrio mundial do poder”? Além disso, pos- suir uma vantagem decisiva passa a significar 0 mesmo que ter uma predominancia. Nesse contexto, Bonaparte escreveu entusiasticamente para o Diretério em 1797, ano do colapso da primeita coalizao contra a Franca Revoluciondria: “Detemos 0 equilibrio do poder da Europa; va- mos inclind-lo como quisermos”.”’ E, de maneira mais dramatica, o Kaiser gabou-se ao Ministro das Relacdes Exteriores britinico, em 1901, de que estava terminada a tradicional politica britanica de sustentar 0 equi- librio do poder: “O equilibrio do poder na Europa sou e#”.* Aqui final- mente a palavra equilibrio passou a significar 0 oposto do seu sentido otiginal: 0 equilibrio tornou-se a preponderancia. E. os verbos que sio empregados nesses termos passam da possessao 4 identificacio: de de- ter ¢ inclinar para constituir e ser. 5 — Existe um quinto e ultimo sentido da expresso equilibrio do poder, quando é empregada para descrever uma lendéncia inerente da poltti- ca internacional no sentido de produzir uma distribuicao eqiittativa do poder. sto € uma afirmagao geral a respeito de como os agrupamentos de poténcias encontram-se num equilibrio que muda constantemente. Ela reafirma uma lei de politica internacional que sustenta e reforca o principio do equilfbrio do poder no sentido 2(a) de maneira que, mesmo se as potén- cias ignorarem ou repudiarem tal ptincipio, a lei continuara em vigor ¢ prevalecera sobre elas. Rousseau ja via a situacio por este prisma quan- do escrevew: “Nio pensemos que este vangloriado equilibrio do poder tenha sido atingido por alguém, ou que alguém tenha tomado algumas ° Christianity and Crisis, 15. de outubro de 1956, p. 137 A. Sorel, 1’ Europe et la Révolation Urangaise, Vol. Vy p. 185, "Die Grasse Politik, Nol. XVM, p. 28: também UL. von Hekardstein, ‘Ti Years at the Court af St Janes, Butterworth, Londres, 1921, p. 194, 6 HHL. Asquith, Genesis ofthe War, € dres, 1923, pp. 19.20, O Equilibrio de Poder 179 iniciativas com vistas a manté-lo ... Este equilibrio existe, quer alguém tenha ou nao consciéncia dele, ¢ pode perfeitamente manter-se sem interferéncia externa.” No final do século XIX, segundo A. J. P. Taylor, “(0 equilibrio do poder) parecia ser o equivalente politico das leis da economia, pois ambos operavam por si sds. Se cada homem seguisse seu proprio interesse, tudo seria prospero; se cada estado seguisse seu proprio interesse, tudo seria pacifico e seguro”.“* Nos modernos escti- tos politicos, © equilibrio do poder como uma lei politica tem tido a tendéncia de substituir 0 equilibrio do poder como um principio moral ¢ legal. “O equilibrio do poder”, afirma o Professor Toynbee, “é um stema de dinamica politica que entra em cena quando uma sociedade se articula e se desdobra em varios estados locais mutuamente indepen- dentes. Ele opera de maneira geral para poder manter baixo o calibre médio dos estados em termos de qualquer critério para medir 0 poder politico ... um estado que ameaca aumentar seu calibre para uma posi- cio acima da média vigente torna-se quase automaticamente sujeito a softer pre bros da mesma constelacao politica”. 5(a) — O equilibrio do poder como uma lei da politica, contudo, assim como 0 equilibrio do poder como um termo descritivo, afasta-se da idéia de distribuicao eqiiitativa. Torna-se de fato uma reafirmacio das infinitas mudangas ¢ dos reagrupamentos de poder, ou seja, uma oscilacao perpétua dos pratos da balanca, que nunca chegariam ao equi- librio. Quando um grande historiador da antigitidade afirma que “a com- plicada situacao politica que constituia o equilibrio do poder entre os estados helénicos deu origem a uma situacao de guerra quase Ses provindas de todos os outros estados que forem mem- ininterrupta”,” a idéia de uma longa perspectiva faz perder de vista 0 equilibrio recorrente. Neste caso, o termo passa a ser sindnimo do pré- prio sistema de estados. HM. Nuttall (teach), Pret de pay Perpetnelle, Cobtlen-Sandersan, Londres, 1927, p. 26. ALJ. P Taylor, The Straggle for Mastery én Larepe, pe SS. Ak Toynbee, 1 Sdn of Castor, Vol. HI, OAR, Landes, 1934, pp. 3012. * MI. Rostovezell, Sarit and Samense Hastary af the Hellensti Warld, Nol. ly Clarendon Press, Osford, 1941, p. 36 180, Martin Wiciir Uma lei da politica é uma generalizacio a respeito de como even- tos politicos voltam a suceder, Talvez seja uma generalizacio satisfatoria dentro de um contexto limitado, mas torna-se dubia num contexto mais amplo. A lei do equilibrio do poder é fascinante, mas também pode ser enganosa se nfo levarmos em consideracio indicios contratios. Pode ser que ela funcione com uma forca que diminui progressivamente. Nés ja vimos que, enquanto a sociedade internacional expandiu-se da Euro- pa para todo o mundo, houve também uma constante redugio no nu- mero de grandes poténcias: ainda que o campo de acao do equilibrio do poder tenha se expandido, o mimero de pesos decisivos declinou. Nos também tomamos nota de que a prépria idéia de equilfbrio do poder possui uma mobilidade que tende a destruir seu proposito original, por Jo passa a significar predominan- cia ao invés de equilibrio. Se considerarmos isto em conjunto com 0 registro existente a respeito de outros sistemas de estados — tais como aqueles da China antiga antes do estabelecimento do Império Han, ou ainda os do mundo helénico antes do Império Romano — nos pergunta- remos se nio seria necessario obter uma maior generalizacio. Pode ser que haja outra lei de politica internacional mais lenta para entrar em operagao do que a do equilibrio do poder, mas que finalmente a super uma lei a respeito do monopélio da concentragio do poder. O profes sor Barraclough argumentou que a lei do equilibrio do poder tem sido valida para a Europa, mas que “fora da Europa, o princfpio das potén- cias preponderantes encontra-se firmemente estabelecido”.” Isto é uma simplificacio exagerada. O equilibrio do poder esgotou-se na Europa (considerada por si s6) ao final da Segunda Guerra Mundial; e fora da Europa 0 equilibrio do poder é suficientemente evidente. Na América do Norte houve uma espécie de equilibrio do poder durante duzentos anos antes que a Republica Americana finalmente obtivesse 0 predomi- nio. Na india houve um equilibrio do poder durante cem anos antes dos britanicos se tornarem predominantes. Na China houve um equilibrio do poder entre as poténcias durante cem anos, antes de ser destruido pelo Japao. No Oriente Médio, a Questo do Oriente foi uma experién- as im dizer, de maneira que a expre °G. Barraclough, History on a Changing World, Blackwell, Oxford, 1955, p. 176. O Equilibrio de Poder 181 cia de equilibrio de poder, que s6 terminou quando a Gri-Bretanha adquiriu a maior parte do Império Otomano. Na Africa, finalmente se obteve um equilibrio entre 0 poderio francés ¢ britinico. O equilibrio do poder é perceptivel em todas essas regides, bem como em todo o mundo. O que temos de fazer é esclarecer os limites histéricos e geo- grificos dentro dos quais funciona o equilibrio do poder, ¢ isso parece ser 6 mesmo que definir 6 campo de acio da propria politica interna- cional. Apesar de tudo, é impossivel separar 0 equilibrio do poder como lei, ou seja, como algo que ocorre na politica, do equilibrio do poder como politica, ou seja, como algo que os politicos fazem acontece Collingwood observou, em outro contexto, que “nenhuma lei politica se faz cumprir por si sO automaticamente... cabe 4 comunidade inventar medidas que assegurario a obtengio do objetivo ao qual se almeja”.” Os governantes freqiientemente cometem erros em suas esti- mativas ¢ previsdes relativas ao poder, e de fato muitas vezes possuem motivos mais fortes do que os interesses dos estados que governam. A politica de Mussolini em 1940 é um exemplo de trabalho malfeito no que se refere ao equilibrio do poder. A conquista alema da Europa Oci- dental colocou a Italia, bem como a Gra-Bretanha, em perigo mortal. Naquele momento critico, a Itélia poderia ter escolhido juntar-se a Gra- Bretanha € aos governos no exilio dos estados dominados pela Alema- nha, de mancira a criar um contrapeso 4 poténcia dominante. Mas Mussolini tanto detestava a Gri-Bretanha que apressadamente pressu- pos sua derrota, além de perceber a chance de obter ganhos imediatos as custas da Franca; assim, ele entrou na guerra do lado que ele imagina- va ser o vencedor, Ele todavia nao tinha ilusées a respeito da natureza de seu aliado voraz, ¢ estava preocupado em estabelecer um equilibrio privado entre Alemanha e¢ Italia. Em decorréncia disso, langou sua des prezivel invasio do Sul da Franga, de maneira a ganhar prestigio com quantas baixas fossem possiveis antes da rendigdo da Franga, ¢ assim poder tratar de igual para igual com a Alemanha. O resultado final dessa factiveis RG, Collingwood, “The Maree Lams of Polite, em Habhouse Memorud Lectures 1941-50, OLR, Londres, 1952, pp. 89. 182 Martin Wicur politica fatil foi que, enquanto a Gra-Bretanha sobreviveu, a Italia foi ocupada e atruinada, Este tem sido um destino comum para poténcias predatotias; outros exemplos sio dados pela historia das relagdes da Priissia com Napoledo antes da batalha de [ena e pelas relacées da Roménia com a Russia durante a Guerra Russo-Turca de 1877-1878. Podemos, entio, perceber que a lei do equilibrio do poder ¢ valida para estados em proporgao a sua forca, sua confianga, e sua coesao interna. Estados cortuptos e fracos, especialmente aqueles governados por um déspota ou um grupo exclusivo, tendem a gravitar na diregao da poténcia dominante. Sao os estados populares sem grandes diferencas sociais (quer seus governos sejam democriticos ou ditatoriais) que tendem a gravitar na dire¢ao opasta da poténcia dominante. O principio do equilibrio de poder tem sido repudiado por lados opostos. Sempre € rejeitado por poténcias dominantes, e, nos tltimos dois séculos, tem sido rejeitado por uma grande parte da opiniao radi- cal, tanto liberal quanto socialista. Mas esses dois tipos de critica acaba- ram por se envolver naquilo em que nfo acreditavam. Ao invés da independéncia das nag6es baseada num istema de equilibrio, as poténcias dominantes defendem algum ideal de unificacio e solidariedade, desde o catolicismo da Contra-Reforma de Filipe [1 até a Nova Ordem de Hitler na Europa. “Aquilo que a Gra-Bretanha cha- mava de equilibrio de poder”, disse Hitler, “nada mais era do que a desintegracao e a desorganizacio do continente europeu”."" “... Quanto ao equilibrio do poder”, disse Burke referindo-se aos revolucionarios franceses, “ele estava tio longe de ser admitido pela Franga... que, em todos os seus relatérios e discussdes a respeito da teoria do sistema diplomatico, os revolucionarios franceses constan- temente rejeitavam a propria idéia de equilibrio de poder, ¢ tratavam-na como se tivesse sido a causa de todas as guertas e calamidades que haviam afligido a Europa;... Ao rejeitarem, dessa forma, todos os ti- pos de equilibrios, eles atestam seu desejo de erguerem um novo con- ceito de império, que nao seja caleado em equilibrio algum, mas que " Discurso no Sportpalast de Berlim, 30 de janeiro de 1941, em The Tines, 31 de janeiro de 194 Lp O Equilibrio de Poder 183 constitua uma espécie de hierarquia impia, da qual a Franga seria lider e guardia”.” Mas, quando esta a beira da derrota para uma grande alianga, uma poténcia dominante apressa-se em buscar a prote¢ao do principio por ela propria anteriormente rejeitado. George III, ao escrever para Catarina, a Grande, buscando ajuda para enfrentar a Guerra Revolucionaria ame- ricana, afirmou que uma mera demonstragio naval por parte da Russia “sera capaz de restaurar a compostura de toda a Europa, ao quebrar a coalizio que foi formada contra mim e manter o sistema de equilibrio que essa coalizéo pretende destruir”.” Apés a batalha de Stalingrado, a propaganda alemf comecou a apelar para o principio do equilibrio do poder contra o poder esmagador da Russia, bem como Napoledo as vezes argumentava em Santa Helena que sua propria politica havia sido ditigida pelo mesmo principio contra o mesmo perigo. Nao foi somente idealismo o que fez os Estados Unidos, durante seus primeiros anos de existéncia, repudiarem tanto o equilibrio do po- der quanto as aliangas intrincadas. Eles eram, desde o momento de sua independéncia, potencialmente 0 estado dominante do Novo Mundo, como claramente percebeu Hamilton. Em 1787, ele escrevia que “po- demos esperar que em pouco tempo nos tornemos 0 arbitro da Europa na / de inclinar 0 equilibrio dos interes- ses europeus nesta regiio do mundo de acordo com nossos préprios interesses... Nossa si convidativa ¢ nossos interesses nos levam a termos como objetivo a predominancia no sistema dos assuntos ame- ricanos”. Um equilibrio de poder interamericano sempre foi impossi vel, ainda que muito desejado por parte dos paises latinoamericanos, em virtude da preponderancia esmagadora dos Estados Unidos; ¢ somente mérica, € que sejamos cap 08 Petters ov a Reguctile Peaees UE an ops eth, pp. 442-3, ® Diarres and Carnspandaree of the art of Malmsbary, Nol. Ap. 265. Ck. a quersa de um histo riador patriora: “Assim, 0 rumo que tomava a politiea curopéra no Leste, na Mlemanha © na Holanda era mareadamente contrine 4 Inghiterra © aumentava a relutinen natural de qual quer poréncra em busear a amrzide de uma nacho derrotada. 1 nessas horas que pode ser vista artificalidade da léia do equilibria do poder. Nenbum estado teve o menor inseresse em restiurar a posicao aque tinbam digcito no mundo os habstantes chs ifhas” | Holland Rose Willian Pit aud Natinua Revival, Bell, Londres, VILL, pp. 300-30 1 "The Lederulist, No XI, pp. 65.¢ 184 Marvin Wicuir no século XX 0 equilibrio do poder europeu foi considerado essencial para a seguranca dos Estados Unidos da América. Por outro lado, existiam aqueles que pensavam da seguinte form: mesmo que um equilibrio do poder fosse desejavel, o preco a ser pago poderia ser demasiadamente elevado. Ao final de uma guerra exaustiva que, do ponto de vista politico, restaurou 0 equilibrio do poder, Pope escreveu este epigrama caustico com mais espirito do que verdade poli- tica: “Agora a Europa esta equilibrada, nenhum dos lados predomina, pois jd nao hé mais nada em qualquer um dos dois lados da balanga”. Individuos a quem foi dito que a taxacio e as guerras eram neces- sarias para manter 0 equilibrio do poder, evidentemente culpario esse mesmo equilibrio do poder quando se cansarem de impostos e de guer- ras. O exemplo proporcionado pelos Estados Unidos, serenamente dis- tantes das leis ordinarias da politica internacional, teve uma forte in- fluéncia nos radicais ingleses do século XIX. A politica do equilibrio do poder foi criticada por Cobden e por Bright, principalmente em termos politicos, como sendo uma fonte de guerras interminaveis ¢ de compli- cagdes desnecessarias; criticaram-na também parcialmente em termos intelectuais, como uma desilu: io nociva que significava tantas coisas que no final das contas no queria dizer nada. “Da maneira que com- preendemos o assunto”, disse Cobden, “a teoria do equilibrio do poder nao passa de uma quimera - uma criagio da mente do politico, um fan- tasma, sem forma definida ou existéncia tangivel — uma mera conjun- cio de silabas, formando palavras que transmitem sons desprovidos de significado”. A tradigao inglesa de internacionalismo idealista ¢ a tra- digo americana de distanciamento do equilibrio do poder convergiram durante a Primeira Guerra Mundial ¢ produziram a Liga das Nacoes. Mesmo assim, 0 presidente Wilson somente foi capaz de repudiar a concepgio do equilibrio do poder em 1918-1919 com tamanha autori- dade porque os Estados Unidos ja haviam sido absorvidos por esse mesmo equilibrio. A Primeira Guerra Mundial transformou-os nos de- © N, Ault e | Butt (cals) “The Balance of I:urgpe”, een Minor Poems, Nol. Ni, Methuen, Londres, 1954, p. 82. “Russe p.263, 1836), em The Palincal Writings of Richard Cobden, Nol. 1, Rudyyway, Londres, 1868, O Equilibrio de Poder 185 tentores do equilibrio. Isto ocorria ainda contra a sua vontade, de forma que quando abandonaram a neutralidade ¢ intervieram para alterar esse equilibrio ainda buscavam preservar um distanciamento moral ao se autoconferirem 0 titulo de “poténcia associada” e nao “aliada’”’. A Se- gunda Guerra Mundial completou esse envolvimento ao fazer dos Es- tados Unidos um dos pesos de um equilibrio simples. E a esperanca de deter 0 equilibrio do poder surge nas mentes de alemies ¢ japoneses enquanto se recuperam de suas derrotas. Seria entio o equilibrio do poder a garantia da independéncia en- tre as nagGes? Ou seria ele a causa da guerra? A tinica resposta é que ele € as duas coisas. A hist6ria demonstra claramente que 0 equilibrio do poder é a politica por intermédio da qual a maior parte dos estados procuraram, na maioria dos casos, obter sua auto preservacio. E, en- quanto a auséncia de um governo internacional significar que as potén- cias esto em primeiro lugar preocupadas com sua sobrevivéncia, elas tentaraio manter algum tipo de equilibrio entre elas. 5 facil apontar oca- sides nas quais o lance final para a restauragio do equilibrio foi a prépria guerra. Nao é em geral lembrado 0 quio freqiientemente 0 equilibrio do poder impediu a guerra. O equilibrio do poder nao é a “causa” da guerra; a causa da guerra, qualquer que seja a mancira que se queira defini-la, encontra-se nas condigdes politicas que 0 equilibrio do poder até certo ponto regula e ordena. As alternativas para o equilibrio do poder so ou a anarquia universal ou o dominio universal. Um pouco de reflexio demonstrard que o equilibrio do poder é preferivel 4 primeira dessas duas; ¢ ainda nao fomos persuadidos de que a segunda é tio preferivel a equilibrio do poder a ponto de nos submetermos a ela.” Hste capitulo, que provavelmente for eserito no final de déeada de 50, representa um estidin intermediino na analise do autor do equilibria do poder, entre aquela contida no capitulo, correspondente do. Parer Politics original © aquela contida no artigo de mesmo titulo em Diplomate hnestiations (HM. Bunerficld ¢ M. Wight (eds) Allen & Unwin, Londres, 1966, pp. 149-73). O capitulo contido em Diplamate Relations baseia-se em grande parte no presente capitulo, ¢ distingue nove sentidos do termo “equilibrio do poder”, ao passo que este apresen= ta apenas sete.

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