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GRANDE DESEJO
Adélia Prado
Dona Doida
Adélia Prado
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Meus filhos me repudiaram envergonhados,
O texto acima foi extraído do livro "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo,
página 108.
Corridinho
Adélia Prado
A multidão em volta,
o correio trapaceia,
desembarca do trem,
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pede água, bebe café,
Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Siciliano - 1991, São Paulo, pág. 181.
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Posso sofrer amanhã
a linda nódoa de vinho
das flores murchas no chão.
As fábricas têm os seus pátios,
os muros tem seu atrás.
No quartel são gentis comigo.
Não quero chá, minha mãe,
quero a mão do frei Crisóstomo
me ungindo com óleo santo.
Da vida quero a paixão.
E quero escravos, sou lassa.
Com amor de zanga e momo
quero minha cama de catre,
o santo anjo do Senhor,
meu zeloso guardador.
Mas descansa, que ele é eunuco, mamãe.
Os versos acima foram extraídos de "Adélia Prado - Poesia Reunida", Editora Siciliano - São Paulo, 1991
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e nós cantamos também:
Que noite bonita é esta
em que a vida fica mansa,
em que tudo vira festa
e o mundo inteiro descansa?
Esta é uma noite encantada,
nunca assim aconteceu,
os galos todos saudando:
O Menino Jesus nasceu!
Texto extraído do suplemento "Folhinha", jornal Folha de São Paulo, edição de 25/12/99
Impressionista
Adélia Prado
Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.
Ensinamento
Adélia Prado
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Dia
Adélia Prado
Objeto de Amar
Adélia Prado
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Parâmetro
Adélia Prado
Exausto
Adélia Prado
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Neurolinguistica
Adélia Prado
AMOR FEINHO
Adélia Prado
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O Amor no Éter
Adélia Prado
Sedução
Adélia Prado
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Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.
Dolores
Adélia Prado
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As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo
o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado
buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
"Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência..."
Se alguém me fixasse, insisti ainda,
num quadro, numa poesia...
e fossem objetos de beleza os meus músculos frouxos...
Mas não quero. Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentam os pilares do mundo, porque mesmo viúvas dignas
não recusam casamento, antes acham sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar uma tira no cabelo
e varrer a casa de manhã.
A poesia acima foi extraída do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Editora Siciliano -
São Paulo, 1991, pág. 194.
ORFANDADE
Adélia Prado
"Meu Deus,
me dê cinco anos.
Me dê um pé de fedegoso com formiga preta,
me dê um Natal e sua véspera,
o ressonar das pessoas no quartinho.
Me dê a negrinha Fia pra eu brincar,
me dê uma noite pra eu dormir com minha mãe.
Me dê minha mãe, alegria sã e medo remediável,
me dê a mão, me cura de ser grande.
Ó meu Deus, meu pai,
meu pai."
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A formalística
Adélia Prado
A SERENATA
Adélia Prado
JANELA
Adélia Prado
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Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
clarabóia na minha alma,
olho no meu coração.
Ausência de poesia
Adélia Prado
O VESTIDO
Adélia Prado
A INVENÇÃO DE UM MODO
Adélia Prado
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e eu ganho uma hora de juventude.
Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa,
a menina disse: "Ora, isso é pras mulheres de São Paulo"
Fico entre montanhas,
entre guarda e vã,
entre branco e branco,
lentes pra proteger de reverberações.
Explicação é para o corpo do morto,
de sua alma eu sei.
Estátua na Igreja e Praça
quero extremada as duas.
Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando,
vendo televisão,
ou tirando sorte com quem vou casar.
Porque que tudo que invento já foi dito
nos dois livros que eu li:
as escrituras de Deus,
as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão.
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