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IN T R O D U Ç Ã O 5
A antropogeografia de Ratzel: indicações 7
Os textos selecionados 28
1. G E O G R A F IA DO H O M E M
(A N T R O P O G E O G R A F IA ) 32
1. Evolução dos conceitos relativos à influência
que as condições naturais exercem sobre a
humanidade 32
2. 0 homem e o ambiente 54
3. 0 povo e o seu território 73
4. 0 elemento humano na geografia.
A história e a geografia do homem 83
5. Tarefas e métodos da geografia do homem 94
II. A S R A Ç A S H U M A N A S 108
6. 0 objeto da etnologia 108
7. Posição, configuração e grandeza da
humanidade 112
8. A posição dos povos naturais na humanidade 122
9. Essência, origem e difusão da civilização 129
10. 0 Estado 141
III. A C Ó R S E G A : ES TU D O
A N T R O P O G E O G R Á F IC O 151
IV. A S LE IS DO C R E S C IM E N T O E S P A C IA L
DO S ES TA D O S 175
ÍN D IC E A N A L ÍT IC O E O N O M Á S T IC O 193
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plano, particularmente favorável a esse meio de comunicação, um proveito
que há 55 anos (1844) quando essas construções eram iniciadas, ainda perma
necia como um capital infrutífero sepultado no solo. Pode-se portanto acei
tar como regra que uma grande parte dos progressos da civilização são obti
dos mediante um desfrute mais perspicaz das condições naturais, e que neste
sentido esses progressos estabelecem uma relação mais estreita entre povo e
território. Pode-se dizer ainda, em um sentido mais geral, que a civilização
traz consigo o fortalecimento de uma ligação mais íntima entre a comunidade
e o solo que a recebe. Um simples exame da difusão geográfica dos povos
revela como a difusão dos povos primitivos apresenta lacunas que não se po
deríam formar' entre os povos civilizados; e é fácil perceber que isto deriva
do fato de que aquelas comunidades não estão aptas a desfrutar as condições
favoráveis de um determinado território, e por outro lado não são capazes
de se subtrair à influência das condições desfavoráveis; uma situação que nós
injustamente costumamos atribuir inteiramente à influência direta das condi
ções naturais. O lago Ngami (África do Sul) e seus arredores representam uma
das regiões mais selvagens e mais abundantes em peixes da Terra; mas os ha
bitantes daquelas áreas desfrutam muito pouco desses recursos, dispondo ape
nas de algumas canoas e armas inadequadas, de modo que a cada dois anos
em plena abundância os surpreende a escassez. E recordemos ainda as supers
ticiosas proibições em razão das quais quase todos os povos cafres da África
meridional deixaram inutilizada a pesca abundante de seus rios e do mar, cor
tando assim uma importante artéria de conjugação entre eles e a màe-natureza,
de onde poderíam receber novo sangue vital e maior possibilidade de progres
so. A denominação de “ povo primitivo” (povo natural) não indica um povo
que viva na relação mais íntima possível com a natureza, mas antes um povo
que, se se nos permite a expressão, vive sob o império desta. Ora, alguns et-
nógrafos sustentaram que o progresso da civilização não consiste senão em
uma maior libertação do povo das condições naturais do território; ao con
trário, podemos afirmar que a diferença entre povo primitivo e povo civiliza
do deve ser buscada não no grau mas no tipo de ligação que existe entre o
homem e a natureza. A civilização é independente da natureza não no sentido
da completa libertação, mas no sentido de uma ligação mais diversificada,
mais ampla e menos imperiosa. O camponês que armazena seu trigo no celei
ro no fundo depende da natureza tanto quanto o indiano que recolhe no lago
seu arroz aquático sem tê-lo semeado; contudo para o primeiro esta ligação
é muito mais lenta graças à provisão que ele teve a sagacidade de acumular,
enquanto para o segundo qualquer tempestade que abale as espigas dentro
da água constitui uma preocupação muito grave. Examinar mais a fundo a
natureza e desfrutá-la com mais perspicácia não servem para nos libertar de
la, mas para nos tornar mais independentes de cada uma de suas manifesta
ções ou influências acidentais, pelo fato de se multiplicarem assim os nossos
laços com ela. Por estas razões, em oposição ao que sustentam Ritter, Waitz
e outros, e como aparecerá em cada página do capítulo que se segue, nós,
precisamente por nosso grau de civilização, estamos mais que todos os outros
povos em ligação íntima com a natureza, porque sabemos melhor como tirar
vantagem dela.
3. O POVO E O SEU TERRITÓRIO
Esta história nos ensina que o solo é a base mais real da atividade política
do homem; e a ciência política verdadeiramente positiva sempre tem um im
portante conteúdo geográfico. Na política, assim como na história, uma con
cepção que não levasse em conta o território se voltava à consideração dos
sintomas e não das suas causas. Quem não compreende como seria mesqui
nha ou estéril uma luta travada apenas por espírito hegemônico, e após a
qual, a qualquer das partes que coubesse a vitória, cada coisa se mantivesse
substancialmente a mesma? Os tratados, que carecem da sustentação de uma
divisão correspondente das forças políticas, não são senão expedientes di
plomáticos de valor efêmero. Ao contrário, a aquisição de novas terras exerce
sobre o povo uma influência emancipatória, impelindo-o a novo trabalho
e o incitando a concepções mais amplas.
É exatamente a isto que se deve o revigoramento daqueles povos que
devido a uma guerra vitoriosa adquiriram novos territórios; e aqui se deve
investigar o porquê da influência renovadora que os historiadores de visão
profunda atribuem à expansão política3536. A Rússia desenvolveu sua potên
cia através de lutas similares àquelas que a Europa ocidental travara contra
os cruzados. Aqui se torna manifesta a diferença que intercede entre a histó
ria daqueles povos que aspiram a se apropriar do seu território e daqueles
que se lançam a realizar expedições em países estrangeiros.
No primeiro caso assistimos à formação do potente império cristão da
Europa oriental; no segundo observamos a aspiração dos cruzados a um ob
jetivo análogo mas vão, porque privado de qualquer fundamento territorial.
Lá assistimos a um constante incremento do Estado, que tem sua fonte no
território recentemente adquirido, aqui há um rápido esgotamento das forças
devido à grande distância dos recursos da mãe-pátria. Esta poderosa influên
cia do solo, que se afirma através de toda a história e das inumeráveis mani
festações da vida hoje, tem em si algo de misterioso, que poderia também
gerar uma impressão de angústia quando os efeitos desta se limitassem a anu
lar a aparente liberdade do homem. Na verdade o solo nos aparece como a
causa mais profunda da sujeição humana, na medida em que permanece
rígido, imóvel e imutável, abaixo das mutáveis disposições humanas, e se er
gue dominador acima do homem toda vez que este ignora sua presença pa
ra adverti-lo severamente de que a raiz da vida está unicamente no solo.
É ele que, duramente e sem nenhum critério de escolha, determina a cada po
vo o seu destino. Cada povo é obrigado a permanecer no solo que lhe foi des
tinado, a viver e acomodar-se nele. Do solo se alimenta o egoísmo da conduta
política dos povos, obrigados a agir conforme impõem as condições do seu