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RESENHAS /BOOK R EVIEWS

possa compreender os meandros e os


A duração das cidades: susten- contextos nos quais são formulados os
tabilidade e risco nas políticas ur- discursos contemporâneos sobre a cidade.
banas. Esta desconstrução dos discursos mostra
Henri Acselrad (org.); Prefácio de com clareza que não há fórmulas mágicas
Henrique Rattner. que dêem conta da enormidade do passivo
Coleção espaços do desenvolvimen- urbano-ambiental que caracteriza nossa
to, Rio de Janeiro, DP&A Editora e urbanização incompleta e excludente.
CREA-RJ, 2001, 240 p. Para tanto os autores utilizam-se da bem
sucedida mesclagem de conceitos
associados à discussão ambiental com o
HELOISA S. M. COSTA * referencial analítico das ciências sociais,
conforme expresso pelo próprio título, para
A temática da gestão urbana voltou a repensar e avaliar os potenciais de
ocupar, nos últimos anos, um lugar de sustentabilidade e risco implícitos nas
destaque tanto nas discussões acadêmi- práticas atuais de gestão urbana.
cas quanto nas experiências concretas de A questão de fundo está associada à
órgãos públicos, ONGs e movimentos so- emergência e adoção como “natural” de
ciais. O debate, expresso nacional e in- um modelo único de gestão urbana e
ternacionalmente em vários livros, arti- ambiental. Tal modelo tem como
gos, teses, relatórios e acordos tem sido referência pelo menos duas tendências
marcado pela multiplicidade de tons: da contemporâneas, que poderíamos chamar
crítica contundente a visões excessiva- de “globalização das agendas” ambientais
mente normativas e à constatação do per- e urbanas: de um lado, a incorporação de
manente descaso para com as condições padrões genéricos de sustentabilidade
de sobrevivência da maioria da popula- urbana e de qualidade de vida, medidos
ção; da divulgação de experiências por índices internacionais e nacionais,
transformadoras à ilusão de fórmulas fá- associados a uma certa “eficiência
ceis e à adoção automática de agendas ecológica” das cidades. De outro lado, e
predeterminadas, por mais bem intenci- não dissociado da primeira tendência,
onadas que possam ser. situam-se as alternativas de gestão ligadas
A coletânea intitulada A duração das ao planejamento estratégico e ao
cidades, lançada pela editora DP&A marketing das cidades, que vem sendo
juntamente com o CREA-RJ, tem o caracterizado por um certo “pensamento
grande mérito de trazer para o debate uma único” ou, conforme sugere o texto, por
postura de cautela para com os modelos um ambiente único: o dos negócios.
dominantes – cidades saudáveis, globais, Assim, um dos traços que unem os textos
estratégicas, sustentáveis, entre outras - desta coletânea é a recusa em aceitar as
ao mesmo tempo em que oferece ao leitor tendências acima mencionadas como
a informação necessária para que ele único e inevitável caminho para o futuro
das cidades e da gestão urbana.
Alternativamente, a coletânea contrapõe
*
Professora do Departamento de Geografia da
a idéia de “cultura dos direitos”, enfa-
UFMG.

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Ambiente & Sociedade - Ano IV - No 9 - 2 o Semestre de 2001

tizando a necessidade de um olhar que construção de formas inovadoras de


resgate o acúmulo de experiências e gestão. Definindo a cidade como “coisa”
conhecimentos construídos pelos movi- híbrida, um “cyborg”, simultaneamente
mentos sociais em direção a parâmetros natural e social, real e fictícia, o artigo
de diversidade política e cultural e de de Eric Swyngedouw chama atenção para
justiça sócio-ambiental. aqueles objetos intermediários, elementos
Os sentidos da sustentabilidade urbana, de transição, de mediação entre processos
as diferentes representações sociais e os nos quais natureza e sociedade se
valores a ela associados são dissecados por confundem e se transformam dialetica-
Henri Acselrad no artigo que inaugura a mente. A partir da perspectiva de uma
coletânea. Partindo das múltiplas deter- Ecologia Política da cidade, o texto
minações entre os planos do discurso, da explora teoricamente a contribuição de
realidade e suas representações, o traba- alguns autores à análise do processo de
lho reexamina noções como ética, urbanização concebido como essencial-
equidade, desenvolvimento, eficiência, mente híbrido, utilizando o caso da
legitimidade, dentre outras presentes nas circulação da água como fio condutor
formulações e debates sobre sustenta- explicativo de uma intrincada teia de
bilidade urbana, fornecendo ao leitor um relações sociais, políticas, ecológicas e
amplo campo de possíveis “costuras” espaciais.
conceituais para a compreensão tanto das A discussão sobre as implicações da
leituras contemporâneas sobre as cidades, adoção de ”agendas”, particularmente
quanto das políticas urbanas. aquelas definidas globalmente, compa-
Buscando compreender os novos rece em três trabalhos que se comple-
sentidos da urbanização contemporânea, mentam: Fabrício Oliveira analisa o
destacam-se dois instigantes textos: O conteúdo dos discursos sobre a
primeiro, desenvolvido por Pierre Veltz, sustentabilidade urbana, integrantes da
argumenta estarmos diante de uma Agenda 21 brasileira e produzidos por
momento em que as cidades retornam ao agências multilaterais. Apesar dos
primeiro plano da economia, a partir de indiscutíveis avanços inerentes ao
uma nova forma competitiva, redefinindo reconhecimento da necessidade de
mas não eliminando o papel dos Estados adoção de critérios de sustentabilidade
nacionais. Novas lógicas de organização sócio-ambiental na gestão urbana, fica
territorial e de localização dos indivíduos patente uma perigosa inversão da lógica
e das atividades face às transformações que orienta muitos destes discursos: a
tecnológicas e econômicas, por um lado, sustentabilidade como uma condição para
recolocam em novas bases as possibi- a competitividade entre cidades, ou seja,
lidades de acesso ao poder por parte dos como um diferencial positivo na
atores sociais. Por outro lado, tais lógicas supostamente “natural” competição por
vêm acentuando as concentrações recursos e investimentos, e não como um
metropolitanas a partir de racionalidades direito fundamental e básico de todos.
diferentes daquelas que informaram o Esta temática da competitividade entre
planejamento e a intervenção em décadas cidades é também desenvolvida por Rose
anteriores, evidenciando como desafio a Compans por meio de uma elucidativa

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investigação sobre a aparente contradição e revitalização de áreas centrais


entre dois modelos conflitantes - cidades degradadas. Apoiados no tripé
sustentáveis e cidades globais - a partir preservação-turismo-consumo e num
de diferentes interpretações sobre o vigoroso marketing, esses espaços,
conteúdo de tais rótulos, deixando progressivamente artificializados e
patente a imprecisão e a multiplicidade elitizados, tornam- se cada vez mais
de leituras possíveis e até mesmo desvinculados de seus contextos sócio-
simultâneas que tornam o conceito de culturais originais. Curitiba, nossa
sustentabilidade inócuo enquanto cidade-modelo mais famosa é desnudada
elemento norteador de políticas públicas. na contundente crítica de Rosa Moura
A possibilidade de um projeto que aponta algumas das contradições que
internacional alternativo calcado na cercam a cuidadosa construção da
justiça ambiental contrapondo- se às imagem da cidade, fortemente amparada
desigualdades do desenvolvimentismo no discurso da qualidade ambiental,
constitui o pano de fundo sobre o qual como fruto de um conjunto de
Barbara Deutsch Lynch avalia alguns intervenções tecnicamente inovadoras e
discursos e práticas ambientais de ambientalmente educativas. O
organismos internacionais no Terceiro descompasso entre a imagem
Mundo e particularmente na América internacionalmente aclamada da Curitiba
Latina. O fortalecimento de uma “agenda central e seu entorno, depositário das
marrom”, relativa ao saneamento básico, mesmas carências sócio-ambientais
a minimização dos riscos “naturais”, a existentes nas demais áreas
nova saúde pública calcada tanto nos metropolitanas brasileiras, interpela a
efeitos perversos da modernidade (como progressiva extensão a estas áreas do
riscos químicos) quanto em necessidades discurso da eficácia e da inserção
básicas de água e esgoto, as propostas de competitiva. O caráter de sedução
cidades saudáveis e as crescentes implícito no projeto, constantemente
certificações de produtos e processos renovado por novas intervenções,
produtivos são alguns dos aspectos apontado como uma das razões de seu
associados aos mecanismos de tomada de aparente sucesso, deixa no ar a indagação
decisões ambientais, que crescentemente quanto à durabilidade das bases políticas
oscilam, com diferentes graus de controle e materiais que o vem sustentando até
e autonomia entre as escalas global e então.
local.
A construção simbólica de cidades-
modelo e os tipos de intervenção
comumente associadas a tais modelos são
debatidos em duas importantes
contribuições. Fernanda Sánchez alerta
para a crescente pasteurização e
simplificação das identidades urbanas
implícitas em muitas experiências
brasileiras e internacionais de renovação

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