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07/09/2018 "Redes sociais formaram geração de pessoas inseguras", diz criador do Orkut - Notícias - Tecnologia

"Redes sociais formaram geração


de pessoas inseguras", diz criador
do Orkut
Juliana Carpanez
Do UOL, em São Paulo 07/09/2018 08h01

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Orkut Buyukkokten é um sujeito que


Simon Plestenjak/UOL
parece gostar de se conectar com
pessoas. Na entrevista ao UOL, na
cafeteria de um hotel em São Paulo na
terça-feira (3), o criador da plataforma
que levava seu nome conversou por
quase uma hora, olho no olho, sem
encostar uma única vez no celular.
Quem dos seus amigos altamente
ligados em tecnologia faz isso?

Na sessão de fotos, mesmo com hora


marcada para outro compromisso,
topou fazer poses e trocar de roupa a
pedido do fotógrafo. Conhecido por
suas camisas exóticas, subiu duas
vezes até seu quarto no hotel para
variar o look. Apenas quando
terminado o dever, pegou o celular e
postou no Instagram
(https://www.instagram.com/orkutb/? Orkut veio ao Brasil para palestras e para
divulgar sua nova rede social
hl=pt-br), com apenas 882 seguidores,
as imagens que sua assessora havia
feito durante a sessão de fotos para o UOL (a tal foto da foto). Em seus stories,
esse registro apareceu numa sequência do evento de marketing digital Digitalks
2018 e de muita comida --fartos buffets, amendoim, pudim, pão de café e caipirinha
estavam na lista.

No encontro, conversou sobre como as redes sociais prejudicam as pessoas


e mostrou como acha que dá para melhorar esse cenário --aqui aproveitou para
divulgar sua nova rede, Hello (https://hello.com/en/index.html), lançada no Brasil há
um ano. Também contou que viu as fake news se aproximando, negou ter lucrado
com a criação do Orkut, revelou usar o Tinder e se declarou para o Brasil, que visita
pela segunda vez, agora para uma série de palestras. Só se mostrou reservado
quando questionado sobre a idade, que prefere não revelar.

Cientista da computação formado em Stanford (EUA), ele deixou o Google em


2014, mesmo ano em que a rede social Orkut foi extinta. Antes disso, Orkut já havia
parado de trabalhar em sua plataforma para virar gerente de produto da gigante de
tecnologia. Hoje ele mora em San Francisco (Califórnia, EUA), onde disse dedicar
seu tempo ao Hello e aos amigos. Seu dinheiro vem dos investidores que apostam
neste novo projeto.

Antes de apresentar os principais trechos da entrevista, com as respostas editadas


para melhor compreensão, duas curiosidades. Primeira: o turco Orkut fala
Orkut.com para referir-se à rede social (e diferenciá-la de seu nome). Segunda: o

https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/09/07/redes-sociais-formaram-geracao-de-pessoas-inseguras-diz-criador-do-orkut.htm 1/7
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plano inicial era chamar essa plataforma de Eden. Como a palavra não estava mais
disponível para registro de domínio, os chefões do Google decidiram usar Orkut. 

Simon Plestenjak/UOL

Rede social Orkut chegou a ter 70% dos usuários da internet brasileira

UOL - Você é importante para o Brasil, pelo fato de tanta gente ter usado sua
rede social. Quanto o Brasil é importante para você? 

Orkut Buyukkokten - Vim para o Brasil em 2009, quando conheci as pessoas, a


cultura, a comunidade. Fiquei encantado em como todos eram amigáveis,
receptivos, apaixonados, cheios de vida. Eu já tinha essa impressão por causa
dos brasileiros com quem eu trabalhava no Orkut.com.

Chegamos a ter cerca de 70% dos internautas brasileiros


(https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2009/03/090310_brasilinternetml) no
Orkut, criando momentos mágicos: essas pessoas fizeram amigos, se casaram,
encontraram melhores empregos. Queremos trazer de volta todos esses valores e
essas conexões autênticas com o Hello.

UOL - Como você quer fazer isso? As outras redes também começaram com
propostas parecidas, mas de alguma forma as pessoas acabam
transformando a maneira de usá-las.

Orkut -  As redes sociais são hoje especialmente desenvolvidas para as pessoas se


promoverem: essas plataformas ganham dinheiro quando você mostra interesse no
que as outras pessoas exibem. Os algoritmos e feeds de notícia são otimizados
para aumentar o engajamento e os minutos gastos nesses serviços, criando
valor para os anunciantes, os cocriadores de conteúdo, as marcas e os
acionistas. Não são desenvolvidos para aumentar a felicidade humana.

O que acaba acontecendo é que estamos mais atentos à vida das pessoas do que
nunca: vemos seus casamentos fabulosos, as férias sem fim de nossos amigos,
jantares incríveis, gente de aparência maravilhosa. Criamos assim uma geração
insegura, que olha para esses feeds de notícias e acha que nunca poderá se
comparar aos outros, nunca poderá fazer o bastante, nunca poderá ser o
bastante.

U Então além das expectativas de nossas famílias,


amigos, vizinhos, temos hoje toda essa ansiedade
que vem das redes sociais ao nos compararmos
com os outros. Temos uma sociedade que é
realmente insegura, ansiosa, deprimida,
estressada, infeliz e solitária. E as redes sociais

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têm um papel nisso. Elas não aumentam a


felicidade, não melhoram a qualidade de vida. Elas
a torna pior. 
Se usarmos a tecnologia da maneira certa, ela pode abrir portas, nos conectar mais,
servir às comunidades. Vimos isso acontecendo nos bons tempos do Orkut.com.
Hoje as redes sociais não criam engajamentos autênticos, as pessoas pararam de
mostrar quem realmente são. Elas compartilham o que pensam que os outros
querem ver.

Simon Plestenjak/UOL Como resultado, nossa vida é repleta


de cascatas de momentos falsos
perfeitamente orquestrados. Paramos
de nos arriscar, de ser genuínos,
criando paredes que nos protegem
dos outros. Não nos conectamos, não
criamos intimidade, não somos
vulneráveis.

UOL - E como você pretende fazer


diferente?

Orkut -  É preciso desenvolver uma


plataforma na qual os usuários sejam
os campeões, eles devem vir sempre
em primeiro lugar. A interação com
as pessoas precisa ser divertida,
precisa haver um engajamento
autêntico. E a forma mais natural de
Com Hello, Orkut quer reforçar conexão nos conectarmos uns com os
autêntica entre usuários outros na vida real é com as
comunidades: eram elas as
características mais populares no Orkut.com.

Além disso, existe uma combinação de tecnologia, de algoritmos, de aprendizado


das máquinas. É possível fazer as iniciativas positivas suprimirem o que não é bom.
Para postar anonimamente no Hello, por exemplo, temos um sistema de
monetização. Então a pessoa pode falar sobre política ou sexualidade sem se
expor. Mas, como é preciso pagar por isso, ela nunca usará o anonimato para
praticar bullying ou espalhar o ódio. Trata-se de uma forma de equilibrar o
ecossistema e melhorar a experiência do usuário.

UOL - Quando você começou a perceber os impactos ruins das redes sociais?

Orkut - Vi esses primeiros sinais no meu próprio feed de notícias. Um amigo havia
postado uma foto feliz em um piquenique com sua mulher, quando eu sabia
que eles estavam se separando. Não era um momento real, era um momento
falso. Vejo isso o tempo todo.

Vejo pessoas gravando vídeos em um show, não vivendo aquela experiência.


Recentemente, na Europa, fui a uma balada e tinha três jovens sentados que
estavam o tempo todo olhando seus telefones. Eles não se falavam e só foram
dançar para gravar um vídeo.

U É preciso olhar nos olhos e para o coração das


pessoas. Mas estamos olhando para o
smartphone, o que é uma violência contra a

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humanidade. Somos humanos, não máquinas.


UOL - Você percebeu esses primeiros sinais já no Orkut?

Orkut - Não, foi depois. O Orkut tinha um sistema muito diferente, em que o
engajamento acontecia principalmente nos scraps. As pessoas colocavam lá as
mensagens para elas mesmas ou para seus amigos. Era mais autêntico: não
tinha um feed de notícias que mostrava todo esse conteúdo patrocinado.

Isso é outra coisa que está acontecendo hoje. Tem muito conteúdo que as
pessoas postam em benefício próprio e não conseguimos mais distinguir o
que é real daquilo que não é. Você vê como isso pode influenciar a política, tem
as fake news. As coisas foram se tornando mais superficiais, mais falsas, e assim
foi possível ver as fake news chegando.

U Olhamos o feed e compartilhamos coisas falsas,


mas não acreditamos naquelas que são reais. É
muito triste isso.
UOL - O Orkut também teve um final ruim, depois de muitas denúncias de
crimes e mau uso.

Orkut - Esse tipo de uso indevido e ilegal realmente vai acontecer, porque são as
mesmas pessoas na vida real e no online. Acontece em todas as plataformas, isso
eu posso garantir para você. Qualquer serviço que conecta as pessoas, que
permite a comunicação, será usado também para fins maliciosos. 

Simon Plestenjak/UOL UOL - Existe um movimento


contrário às redes sociais que
denuncia a forma descontrolada
como usamos essas ferramentas.
Qual sua opinião sobre isso?

Orkut - O problema não é usar muito


seu telefone, nem as redes sociais.
O problema é usar serviços que o
deixam infeliz e, no topo dessa lista
(http://humanetech.com/app-
ratings/), estão coisas como "Candy
Crush", Facebook, Grindr. Acredito
do fundo do meu coração que a
tecnologia pode estar ligada à
felicidade, se você gastar tempo
conectado a pessoas e conteúdo de
uma maneira significativa.

'Pessoas pararam de compartilhar quem Não quero falar especificamente do


elas realmente são', afirma Orkut Facebook nem do Instagram. Vou falar
do Tinder, Happn, esses aplicativos
para encontrar parceiros.

Estou solteiro há dois anos [Orkut teve um longo relacionamento com Derek
Holbrook] e, quando interajo com pessoas no Tinder, o que vejo é desespero,
solidão, insegurança. As pessoas se esqueceram como se comunicar umas com
as outras, como ser respeitosas. Aplicativos como o Tinder tornam as relações
descartáveis, você julga alguém em um segundo considerando apenas sua foto. É
muito cruel para a sociedade, para a humanidade.

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07/09/2018 "Redes sociais formaram geração de pessoas inseguras", diz criador do Orkut - Notícias - Tecnologia

Ghosting virou uma palavra de dicionário. É quando você começa a falar com
alguém e depois desaparece. Trata-se de uma das coisas mais cruéis,
emocionalmente, que você pode fazer com outro humano, pois é muito doloroso. E
quem pratica o ghosting são os mais inseguros, aqueles com mais problemas. Isso
tudo me aterroriza e por isso estou tão motivado a criar um ambiente de
conexões significativas para as pessoas. 

Simon Plestenjak/UOL

Orkut usa o Tinder, mas diz preferir os serviços The League e Bumble

UOL - Voltando ao Orkut, você ganhou dinheiro com o site?

Orkut - Desenvolvi esse projeto dentro do Google [na política de 20% do tempo
livre] e, quando você é contratado, tudo o que faz é daquela empresa. Então era um
produto do Google. Tinha até um rumor que eu ganhava US$ 0,10 por cada
scrap postado, mas era um rumor [risos].

A princípio eu era a única pessoa que trabalhava no projeto: eu era o engenheiro, o


designer, o gerente de produto e até mexia nos servidores. Quando estava tudo
pronto para o lançamento, em uma reunião com [o então CEO] Eric Schmidt e [a
então diretora] Marissa Mayer, eles sugeriram usarmos o nome Orkut.com. Isso
porque eu era o único funcionário, tinha aquele domínio registrado e era uma
palavra de cinco letras, fácil de identificar. No último minuto, decidiram lançar
como Orkut.com.

UOL - Como era o outro nome?

Orkut - O nome interno do projeto era Eden, que significa paraíso, um lugar incrível
para as pessoas estarem juntas. Mas o domínio não estava disponível e não
tínhamos tempo suficiente para comprá-lo. 

Simon Plestenjak/UOL

Orkut: 'Hoje compartilhamos coisas falsas e não acreditamos nas reais'

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UOL - Ficou triste com o fechamento?

Orkut - Sim, foi um momento muito triste para mim. Tínhamos uma comunidade
com mais de 300 milhões de pessoas, ele as aproximou. Foi triste para mim e
para todos. Mas vi isso como o fim de um capítulo, e o Hello como o começo de
outro. É uma continuação, uma espécie de sucessor espiritual do Orkut.

Teve vários momentos mágicos que me tocaram. Meu melhor amigo conheceu
a mulher no Orkut e pediu que eu fosse padrinho de seu filho.

Hoje, em uma palestra, eu contei como me sentia excluído: nasci na Turquia, cresci
na Alemanha, muitas vezes eu não me encaixava. Ou porque era um programador
nerd, porque era baixo, porque tinha sotaque, porque era gay. E depois da palestra
uma pessoa veio até mim e contou que, quando era mais novo, seus amigos e sua
família não sabiam que ele era gay. Mas, por causa do Orkut, ele podia se conectar
com outras pessoas que o aceitavam e isso o ajudou.

Essas histórias me tocam, é quando sinto que fiz a diferença na vida das pessoas.

UOL - Os brasileiros dominaram o Orkut. Isso de alguma forma foi negativo
para o site?

Orkut - A comunidade cresceu muito rápido e, logo depois de lançarmos, tivemos
problemas com os servidores. Havia muitos atrasos, perda de conexão: tinha até
aquela mensagem engraçada do "bad, bad service. No donut for you". Com isso
perdemos nossa base de usuários nos Estados Unidos, mas no Brasil ela crescia,
crescia, crescia. É difícil dizer se os brasileiros tinham mais paciência ou se
estavam acostumados com conexões lentas: na época, muitos usavam cybercafés
[o que inclui LAN houses] e conexão discada.

Conseguimos resolver esse problema com os servidores em um ano e


chegamos a ter cerca de 70% de todos os internautas brasileiros na
plataforma. O Brasil foi incrível para o Orkut.

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