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Sobre

Comportamento e
Cognição

Volume 24
Sobre
Comportamento
e Cognição
Desafios, soluções e questionamentos

Volume 24

Organizado por Regina Christina Wielenska

ESETec
Editores Associados
2009
Copyright© desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2009.
Todos os direitos reservados

Wielenska, R.C.

Sobre Comportamento e Cognição: Desafios, soluções e questionamentos - Org.


Regina Christina Wielenska 1a ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados,
2009. v.24

416 p. 23cm
ISBN 978-85-7918-004-0

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorismo
3. Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ESETec Editores Associados

Diagramação e arte: Ana Carolina Grassi Leonardi

Solicitação de exemplares: comercial@esetec.com.br


Santo André-SP
Tel. (11) 4438 6866/ 4990 5683
www.esetec.com.br
Sumário
Apresentação 9

A mudança clínica analisada em termos da modelagem direta na sessão 13


Jocelaine Martins da Silveira, Francielly Perón

Transtorno de Personalidade Borderline: comportamentos sugeridos ao


psicoterapeuta num caso clínico 21
Josy de Souza Moriyama, Kellen Martins Escaraboto, Marcela Umeno Koeke

Componentes de um programa comportamental para cessar o comportamento


de fumar 32
Juliana Accioly Gavazzoni,Maria Luiza Marinho-Casanova,Juliana Tramontini Marcatto,
Juliane Cristhine Natalin

Metacontingências, THS e estratégias de inclusão: dimensões e


instrumentos compatíveis com o tema transversal da ética? 45
Kester Carrara, Alessandra Turini Bolsoni-Silva, Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu ...

Autoconhecimento e relações amorosas: um estudo de caso 56


Leandra Nunes de Souza Ferreira, Ana Karina C. R. de-Farias

Informatização do Sistema de Ensino Individualizado (PSI): uma análise


metodológica 65
Leonardo Brandão Marques, Olavo de Faria Galvão, Olívia Misae Kato, Thiago Dias Costa

Análises de generalização e possibilidades de geração de comportamentos


novos 78
Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza

Habilidades maternas de mulheres que sofrem violência do parceiro:


uma revisão 96
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, Eliane Aparecida Campanha Araújo

Persuasão e comportamento verbal 110


Maria Martha Hubner, Augusto Amato Neto, Renata Ferreira dos Santos Coelho, Luciana
Ono Shima
Livro de histórias: uma proposta de intervenção com o paciente
ocológico infantil 132
Maria Rita Zoéga Soares, Mariana Amaral

Programa de Intervenção Comportamental Direcionado a Mulheres com Câncer de


Mama 136
Maria Rita Zoéga Soares, Renatha El Rafihi Ferreira

A produção de conhecimento sobre o envelhecimento na psicologia: uma análise à


luz das metacontingências 141
Marianna Braga O. Borges, Ana Karina C. R. de-Farias, Eileen P. Flores

Habilidades sociais no contexto de uma educação inclusiva: a criança com


necessidades educacionais especiais e seus pais. 148
Maura Gloria de Freitas, Margarette Matesco Rocha

Leitura dialógica, consciência fonológica e o desenvolvimento de repertórios


verbais 159
Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza

Equivalência de estímulos e leitura: uma revisão de procedimentos e resultados de


estudos realizados no Brasil 169
Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza

Multideterminação de uma disfunção sexual: um breve estudo de caso 183


Mônia Camilla da C. Arruda, Ana Karina C. R. de-Farias

Avaliação psicométrica da depressão, ansiedade e compulsão alimentar de


crianças e adolescentes obesos e seus cuidadores. 189
Myriam Christina Alves Rodrigues, Doralice Oliveira Pires, Sônia Maria Mello Neves

Intervenção Comportamental em casos de bulimia nervosa 199


Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos, Carina Paula Costelini, Bruna Troia Pitelli

O desenvolvimento de comportamentos de civilidade e a orientação de pais na


psicoterapia infantil. 207
Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos, Maurício dos Santos Matos

A Liga do Comportamento - UFC e seu papel no desenvolvimento e divulgação da


Análise do Comportamento no Estado do Ceará 212
Natália Santos Marques, Ariela Oliveira Holanda, Elaine Esmeraldo Nogueira

Proposta de Análise Funcional das Disfunções Temporomandibulares 219


Neyfsom Carlos Fernandes Matias
Terapia Analítico-Comportamental: da teoria à prática clínica 231
Nicodemos Batista Borges

Aprendendo a construir e a reconstruir uma relação a dois: repertório do casal 240


Nione Torres, Marina Gomes Wielewicki

Comportamento infantil não-colaboradorem odontopediatria:


estudo de caso 249
Olivia Justen Brandenburg, Maria Luiza Marinho-Casanova

Caracterização das diferentes faces do bullying: variáveis determinantes da


agressividade feminia 259
Patrícia Guillon Ribeiro, Rafaela Roman de Faria, Rosana Angst

Obesidade Infantil: Identificação de Variáveis no Contexto Familiar e


Intervenção Terapêutica 265
Priscila Corcelli Barbosa, Maria Goreth Vieira Ribeiro, Sônia Maria Mello Neves

A moral e as emoções compartilham das decisões clínicas? 278


Rachel Rodrigues Kerbauy

Jovens terapeutas comportamentais de qualquer idade: estratégias para a


ampliação de repertórios insuficientes 286
Regina Christina Wielenska

Bases cognitivas, comportamentais e afetivas da origem das crenças e a


implicação nos tratamentos cognitivo-comportamentais 297
Renata Ferrarez Fernandes Lopes, Maura Ribeiro Alves

Atendimento psicológico ao homem que agride sua parceira 305


Ricardo da Costa Padovani, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams

Análise do Comportamento Verbal Relacionai e algumas implicações para a Clínica


Analítico-Comportamental 314
Roberta Kovac, Denis Roberto Zamignani, Alessandra Lopes Avanzi

História Comportamental e Historiografia: diálogos de história 325


Rodrigo Lopes Miranda, Sérgio Dias Cirino

O papel da psicoeducação no cenário atual da saúde mental: relato de experiência


com pacientes bipolares e portadores de fobia social e seus familiares. 335
Roseli Ferreira da Lage, Silvia Sztamfater, Mariângela Gentil Savóia
Tratamento do sobrepeso e obesidade de crianças e adolescentes por equipe
multiprofissional no Hospital Escola da Santa Casa de Misericórdia
de Goiânia 345
Sônia Maria Mello Neves, Myriam Christina Alves Rodrigues, Daniele Pereira e
Silva, Luis Gonçalo G. Barreto, Raquel Valéria da Costa

Obesidade Juvenil: Correspondência entre Relatos das Causas, Tratamentos


Necessários e Praticados. 353
Suzan Alves dos Santos, Sônia Maria Mello Neves, Doralice Oliveira Pires

Cirurgia plástica estética: implicações psicológicas 364


Talita Lopes Marques, Denise Cerqueira Leite Heller

Levantamento e categorização dos artigos que versam sobre Transtorno


Obsessivo-Compulsivo em periódicos de referência nacional 373
Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges

“ Behavioral cusps” : uma visão comportamental do desenvolvimento 387


Thais Porlan de Oliveira, Naiara Minto de Sousa, Maria Stella Coutinho de
Alcantara Gil

Terapia Comportamental de casais: especificidades da prática clínica e


questões atuais 397
Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman

Construir e desconstruir: o processo de uma terapia de família :Terapia de


família um enfoque integrativo 413
Yara Kuperstein Ingberman, Taísa Borges Grün
Apresentação

No ano em que a ABPMC completa 18 anos, tive a honra de ser convidada pela
sua Diretoria a organizar os volumes 23 e 24 da coleção Sobre Comportamento e
Cognição e a indicação do meu nome foi referendada em assembléia anual. Aceitei
com prazer a tarefa de organizar os trabalhos referentes ao Encontro da ABPMC em
2009. Era um desafio grande, considerando-se a demanda dos presentes à assem­
bléia de que fossem implantadas algumas mudanças na política editorial norteadora
da coleção.
Ao término de meses de trabalho, examino cada um dos artigos que compõem
estes novos volumes, e reafirmo minha certeza, com base neste material, de que a
comunidade brasileira de analistas do comportamento, e de terapeutas nas abordagens
comportamental e cognitiva, se caracteriza por uma saudável diversidade, em termos de
linha de investigação, objetivos a alcançar, local de atuação, afiliação acadêmica, popu­
lação com a qual trabalha, entre outros atributos. Esta riqueza, de conteúdos e perspec­
tivas, nos levou a publicar os artigos sem divisão temática, obedecendo apenas à ordem
alfabética do nome do primeiro autor. Foi uma decisão estratégica, cercada de algumas
desvantagens, mas certamente suplantadas pelos benefícios, uma medida partilhada
com a presidente Maria Martha Hübner. Acreditamos que inserir determinado artigo, por
exemplo, entre os “casos clínicos”, de certo modo desconsideraria que esse mesmo
trabalho poderia, também, ser corretamente classificado como um exemplo de “interven­
ções na comunidade” ou de “atuação em serviços de saúde”. Talvez não tenhamos uma
classificação perfeita, e quisemos evitar que cada capítulo ficasse restrito ao rótulo sob o
qual estaria abrigado. Vamos deixar que os próprios capítulos sejam faróis que orientem
a navegação dos leitores ao longo da obra.
Conforme decidido na Assembléia da ABPMC em 2008, manteríamos uma
postura editorial de inclusão, procurando cuidar sistematicamente dos aspectos for­
mais e de conteúdo (o segundo grupo, deliberadamente em menor escala). Precisei
lidar com a qualidade das imagens, completude e precisão das referências bibliográ­
ficas, prazos para submissão compatíveis com a necessidade de revisar os artigos e
fornecer feedback aos autores. Estes, pela primeira vez, foram instados a aderir a
regras mais rígidas, no intuito de homogeneizar o aspecto formal de cada artigo, para
estabelecer alguma harmonia estrutural entre os textos da coleção, sem comprometer
a originalidade e riqueza de cada um. Muitos equívocos foram cometidos por mim: levei
tempo demais para encontrar um bom sistema de nomeação dos arquivos de textos e
de imagens, queria agrupá-los de modo a evitar que algum material ficasse “perdido”
nos meandros de quatro computadores e nas pastas dos três programas de troca de e-
mails que utilizei ao longo do trabalho. Hoje sei, por doloroso contato com as contingên­
cias que controlaram meu desempenho, que é prudente restringir o uso de alternativas
tecnológicas (webmail OU Outlook Express, por exemplo, nunca ambos), sei agora que
é preciso salvar sistematicamente tudo, em locais distintos, sincronizar pastas... Tais
falhas provavelmente incomodaram autores, precisei inclusive solicitar o reenvio de
materiais já editados e aprovados! Faço questão de agradecer muito aos autores; todos
foram pacientes, disponíveis, empenhados e colaborativos.
A vantagem de organizar a Sobre Comportamento e Cognição é estudar, ainda
que brevemente, temas que não fariam parte das minhas leituras regulares. Tão rico
substrato ampliou meus conhecimentos. Recomendo a cada leitor que se disponha a
interagir com artigos com os quais habitualmente não entraria em contato, tenho certe­
za de que a experiência será enriquecedora.
Nos presentes volumes há predomínio de artigos que, à primeira vista, poderi­
am ser denominados “clínicos”. A leitura deles nos revela que a terapia pode ser um
trabalho desenvolvido em hospital-geral, consultório particular, clínica-escola, centro
comunitário de atendimento à saúde mental, entre outros contextos, e com pessoas de
diferentes idades e enfrentando problemas bastante distintos. Felizmente, não há uma
clínica uniforme e pasteurizada
Por sua vez, encontramos artigos supostamente conceituais ou filosóficos, e
eles necessariamente subsidiam toda forma de trabalho aplicado, promovem avanços
do nosso entendimento dos problemas que a área atravessa atualmente e/ou propõem
um novo olhar sobre temas já conhecidos. Outros artigos poderiam, ainda, ser vistos
como descrições funcionais do desenvolvimento humano; são análises dos processos
envolvidos na aquisição de habilidades complexas, fenômenos ocorridos no meio da
família, no universo da escola ou em outras situações. Apreendemos o homem quando
entendemos como e o que ele aprende?
Quem tiver olhos atentos, conseguirá reconhecer que alguns dos artigos esca­
pam do terreno remediativo ou terapêutico, porque nos sugerem principalmente manei­
ras de prevenir problemas graves, relacionados a contingências aversivas, que afetam
tanto indivíduos como grupos.
Em suma, temos aqui volumes que são excelente matéria prima para cursos
de psicologia, educação, medicina, entre outras áreas, seja em níveis introdutórios ou
bastante avançados. A educação continuada se beneficia com o lançamento de obras
como a Sobre Comportamento e Cognição, estas facilitam a disseminação do conheci­
mento entre profissionais que vivem distantes dos grandes centros produtores e
difusores do conhecimento sobre as ciências do comportamento.
Mais uma vez agradeço à Diretoria da ABPMC e aos presentes à assembléia
pela oportunidade que me foi concedida. Aprendi muito, os desafios valeram a pena.
Avaliar globalmente o resultado é agora dever da comunidade que usufruir dos volumes
agora lançados.
Ao organizar o material submetido à publicação, tenho certeza que contribuí
para nossa comunidade de forma infinitamente inferior à dos autores, estes é que se
dedicaram, corajosa e disciplinadamente, à produção de artigos e a partilhar conosco
seu extenso saber, inquietações, acertos e ocasionais equívocos.
Por fim, reconheço o grande apoio da ESETEC ao projeto da Coleção. Trata-se
de uma casa editorial que se dispõe a publicar regularmente nossos novos volumes,
mesmo sabendo que lhes impomos prazos restritos para a execução do complexo
trabalho de editoração gráfica. E mais, consumimos tiragens modestas de cada obra,
num período relativamente longo de tempo e atuamos de forma artesanal, por vezes
sob efeito de contingências conflitantes ou que não estão suficientemente claras para
que os envolvidos possam tomar decisões com tranqüilidade e certeza do acerto.
Aos leitores, meus votos de que os capítulos da coleção eliciem em vocês um
estado de encantamento e inquietude, e que funcionem eficazmente como operação
estabelecedora para a emissão de comportamentos relacionados ao crescimento inte­
lectual e ampliação, no Brasil, da ciência que escolhemos praticar (ou que nos esco­
lheu, como diriam alguns).

Abraços e agradecimentos irrestritos.


Regina Christina Wielenska
Capítulo 1
A mudança clínica analisada em termos
da modelagem direta na sessão

Jocelaíne Martins da Silveira


Francielly Perón
Universidade Federal do Paraná

A aprendizagem que acontece no contexto clínico envolve um tipo específico de


mudança comportamental. Trata-se de uma diminuição na freqüência de alguns com­
portamentos e do aumento na freqüência de outros, relacionados ao sofrimento do
cliente. As alterações de tais freqüências serão aqui chamadas de mudança clínica.
A fotografia de German Lorca, Pratos (1975), ajuda a imaginar um processo
sutil e paulatino de mudança. Nela, vêem-se pratos voando a partir de uma pilha e
tendendo a cair adiante. Essa é uma boa metáfora do processo terapêutico. Muitos
movimentos podem ter um curso inacessível a certas aferições, mas redundam em
efeitos notáveis. O observador do vôo dos pratos fica se perguntando se a pilha que é
vista “transforma-se” em um amontoado de cacos.
No contexto da clínica, o terapeuta foca a sua atenção em processos seme­
lhantes a esse e claro, evita um fim desastroso. O terapeuta faz predições com base
nas observações atuais do curso do comportamento do cliente e avalia a chance de
algumas mudanças. O que um terapeuta designaria como mudança? Voltando à ilus­
tração dos pratos, enquanto mantêm sua função/utilidade, ainda é possível assegurar
que não mudaram. Cacos, entretanto, não têm a mesma funcionalidade. Não são mais
recipientes para os alimentos. São cortantes e perigosos. Nesse caso, a perda da
função é o critério para considerar que algo mudou.
Os terapeutas são treinados a negociar com o potencial do movimento e com
certas propriedades do responder (como as temporais - latência, duração e ritmo), fazendo
modelagem direta no contexto da sessão. Valem-se da indução e da diferenciação do
responder para mudar respostas pertencentes a uma classe, isto é, respostas com uma
função, em outra. Quase sempre, os terapeutas fazem isso de modo intuitivo, sem a
precisão das operações programadas pelo experimentador no contexto do laboratório.

O estudo é parte de um projeto de pesquisa cadastrado no BANPESQ. na Universidade Federal do Paraná, em 2006. A pesquisa contou com
bolsas do Tesouro Nacional para alunos de Iniciação Científica. No Encontro da ABPMC, realizado em 2006, comentou-se que o estudo seria
iniciado, de modo que o presente capítulo apresenta os pontos que nos atraíram a atenção até 2008. Os estudos de Silveira, Callaghan e Veer
(2007); Perón e Silveira (2007) e Silveira, Callaghan, Stradioto, Maeoka, Maurício e Goulin (2008) foram descritos detalhamente em manuscritos
submetidos em periódicos e estão em fase de avaliação.

Sobre Comportamento e Cognição 13


Novidade e mudança comportamental
A novidade do comportamento é um tema que há muito tempo vem desafiando a
compreensão dos estudiosos, tanto no campo aplicado, quanto em questões conceituais
(Gottman, & Rushe, 1993; Shahan, & Chase, 2002; Skinner, 1935). De acordo com Catania
(1998/1999), a capacidade de responder de maneiras novas é possível devido ao proces­
so de modelagem, definida como uma “modificação gradual de alguma propriedade do
responder (freqüentemente, mas não necessariamente, a topografia) pelo reforço dife­
rencial de aproximações sucessivas a uma classe operante alvo” (p. 411).
Skinner (1953/2003, p. 105) afirma que, ao pensar no reforço operante
“...estamos interessados em como o comportamento é adquirido” (p. 105) e que as
pequenas mudanças na direção de mais eficácia em uma unidade já existente são
promovidas por meio do reforço diferencial. Portanto, o reforço diferencial indica como o
comportamento refinado. “É a diferença entre ‘saber como se faz alguma coisa’ e ‘fazê-
la bem’. O último é o campo da habilidade”, (p. 105)
Skinner (1953/2003) compara o processo de modelagem com o trabalho de um
escultor. Segundo Skinner, o comportamento operante é o produto final de um processo
de modelagem no qual os pontos que se sucedem não são inteiramente distintos.
O condicionamento operante modela o comportamento como o escultor mode­
la a argila. Ainda que algumas vezes o escultor pareça ter produzido um objeto inteira­
mente novo, é sempre possível seguir o processo retroativamente até a massa original
indiferenciada e fazer que os estágios sucessivos, através dos quais retornamos a
essa condição sejam tão pequenos quanto quisermos. Em nenhum ponto emerge algo
que seja muito diferente do que o precedeu. O produto final parece ter uma especial
unidade ou integridade de planejamento, mas não se pode encontrar o ponto em que
ela repentinamente apareça. No mesmo sentido, um operante não é algo que surja
totalmente desenvolvido no comportamento do organismo. É o resultado de um contí­
nuo processo de modelagem (Skinner, 1953/2003, p. 101).
Segundo Todorov (2002), ao resumir a contribuição de Catania (1996), haveria
outras duas maneiras de estabelecer classes operantes, além da modelagem - o
desvanecimento e o estabelecimento de classes de ordem superior. Nesse capítulo,
focamos somente a modelagem.
Conforme Catania (1998/1999), a variabilidade é a propriedade que torna a
modelagem efetiva. Uma população de respostas é necessária para a seleção de um
determinado conjunto delas. O reforço diferencial envolve quatro diferentes processos:
indução, generalização, diferenciação e discriminação.

Os conceitos de indução, generalização, diferenciação e discrimi­


nação
O processo de diferenciação é aquele no qual as respostas passam a se
circunscrever aos limites da classe de respostas reforçadas. Segundo Catania (1998/
1999), “o responder estabelecido dessa maneira é denominado diferenciado” (p. 135).
Segundo Catania (1998/1999) “a extensão do efeito do reforço a outras respos­
tas não incluídas na classe reforçada, é denominada indução (um sinônimo ocasional
é o de generalização de respostas).” (p. 134).
Dinsmoor (2004) historiou a etimologia conceitos básicos da Análise Experi­
mental do Comportamento, afirmando que termos importantes hoje empregados foram

14 Jocelaine Martins da Silveira, Francielly Perón


originalmente usados por Pavlov, em 1927, no campo da fisiologia e que foram tendo
seu significado alterado com o tempo.
De acordo com Dinsmoor (2004), Skinner partiu do uso convencional do termo
indução, quando o adotara. Segundo Dinsmoor (2004), Pavlov havia notado que mu­
danças (aumento ou diminuição) na magnitude da resposta salivar ao estímulo condi­
cional foram acompanhadas por mudanças (aumento ou diminuição) similares na
mesma resposta a outro estímulo. Tais mudanças eram menores e variavam de acordo
com seu grau de similaridade com o estímulo condicional. Segundo Dinsmoor (2004),
Pavlov teria chamado esse fenômeno de generalização.
Dinsmoor (2004) destaca, entretanto, uma peculiaridade do procedimento de
Pavlov, incompatível com a condição do comportamento operante. Segundo Dinsmoor
(2004), Pavlov não precisou nomear uma expansão correspondente ao efeito do reforço
entre respostas similares ao mesmo estímulo. Skinner, ainda conforme Dinsmoor (2004),
teria observado uma expansão semelhante no efeito do reforço de acordo com o grau
de similaridade entre diferentes formas do responder e a teria chamado de indução,
qualificando-a de indução entre estímulos ou entre respostas.
A expressão diferenciação de respostas, afirma Dinsmoor (2004), foi emprega­
da por Skinner (1938) para referir-se às variações em dimensões topográficas ou quan­
titativas de instâncias individuais de um comportamento alvo reforçadas seletivamente.
O termo discriminação, segundo Dinsmoor (2004), foi tratado por Skinner, no
The Behavior of organisms com ênfase no processo, em que a força da resposta depen­
deria do estímulo. Dinsmoor (2004) comparou ao uso feito por Keller e Schoenfeld,
dizendo que esses últimos destacaram mais a função do estímulo do que o processo
comportamental, categorizando-o em discriminativo ou em delta.
Para os propósitos desse capítulo, adotamos a noção segundo a qual o refor­
ço diferencial programado para as propriedades da resposta resulta nos processos de
indução e diferenciação, enquanto que o reforço diferencial programado para as propri­
edades dos estímulos resulta nos processos de generalização e discriminação (Catania,
1998/1999).

A noção de classe de resposta como unidade indicativa da mudança


clínica
A concepção de classe de resposta é fundamental na compreensão da mudan­
ça do comportamento operante (Skinner, 1935). Segundo Catania (1998/1999) “Definir
classes de resposta em termos de efeitos ambientais em comum é a base tanto para
registrar respostas na classe quanto para programar conseqüências para elas.” (p.
132). Se as conseqüências modificarem a probabilidade de resposta na classe, ela é
considerada uma classe operante.

“Um operante é uma classe que pode ser modificada pelas conseqüências das
respostas incluidas na classe. Essa definição de classe de respostas depende de
propriedades comportamentais do responder [...] As propriedades comportamentais
de classes operantes são baseadas na operação denominada reforço diferencial,
isto é, o reforço de apenas algumas das respostas que se incluem em uma deter­
minada classe. Essa operação torna o responder subseqüente cada vez mais
estreitamente ajustado às propriedades definidoras da classe. A característica

Sobre Comportamento e Cognição 15


essencial de um operante é correspondência entre uma classe de respostas
definida por suas conseqüências e o espectro de respostas geradas por essas
conseqüências.” (Catania, 1998/1999, p. 133)

A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP ; Kohlenberg & Tsai, 1991), é uma estraté­
gia que avalia o comportamento do cliente em três classes de respostas : uma classe de
fuga/esquiva, cuja freqüência alta relaciona-se com o sofrimento do cliente (CRB 1); a
classe concorrente, cuja freqüência baixa relaciona-se ao problema clínico (CRB2) e a
classe de descrições de relações entre o responder e suas variáveis controladoras (CRB3).
A FAP tem sido alvo de diferentes investigações e seu uso, com recomenda­
ções e limitações, vem sendo discutido para diversos problemas clínicos (Beckert,
2002; Brandão, & Silveira, 2004; Callaghan, 2006; Callaghan, 2006a; Callaghan, Summer,
& Weidman, 2003; Kanter, Schildcrout, & Kohlenberg, 2005; Kanter, Landes, Busch,
Rush, Brown, & Baruk, 2006; Silveira, Callaghan, & Veer, 2007; Vandenberghe, 1999;
Vandenberghe, 2008; Vandenberghe, & Ferro, 2005)
O presente capítulo visa comentar os resultados de estudos feitos pelas auto­
ras e colegas sobre o efeito de uma supervisão em FAP que acabaram chamando a
atenção para a relevância DE aspectos muito sutis do responder do cliente, na compre­
ensão do processo de mudança clínica. Já há muito tempo a importância dos detalhes
do responder e o efeito da modelagem direta sobre eles vêm sendo explicitada por
analistas do comportamento (Kohlenberg, & Tsai, 1987, 1991) desde as célebres des­
crições feitas por Ferster (1967, 1972).

A percepção do terapeuta acerca do CRB ao longo do processo


terapêutico
Inicialmente, desenvolvemos um estudo que visou verificar o efeito de um treino
em FAP sobre o relato de CRB feito por terapeutas iniciantes (Silveira, Callaghan, Stradioto,
Maeoka, Maurício, & Goulin, 2008,). O estudo foi conduzido em uma sala de espelho
unidirecional, do Centro de Psicologia Aplicada da Universidade Federal do Paraná.
Todas as sessões e supervisões foram registradas em videoteipe. O treino consistiu de
supervisões realizadas por uma terapeuta experiente no uso da FAP.
O procedimento consistiu do registro de 15 sessões iniciais de um processo
terapêutico oferecido por um terapeuta em treino e seu cliente, com queixa de dificulda­
des interpessoais. As cinco sessões iniciais pretenderam ser de linha de base. As
supervisões nessa fase apenas forneceram ao terapeuta informações e interpretações
sobre a idéia de “assertividade”. A partir da quinta sessão, a FAP foi aplicada na própria
supervisão.
Nesse ponto, desenvolveu-se autoconhecimento no terapeuta, relacionado ao
seu padrão comportamental com seu cliente no aqui/agora da sessão e no aqui/agora
da supervisão. Aplicou-se no terapeuta, o Post-session questionnaire (CRB) FIAT - T
(post). Trata-se de uma versão resumida do Functional Idiographic Assessment Template
pós-sessão, desenvolvido por G. M. Callaghan (2006a) para avaliação do repertório
comportamental de terapeutas e clientes. Para estudos subseqüentes, uma tradução
do FIAT para a língua portuguesa foi feita (Silveira, Callaghan & Veer, 2007), mas nas
pesquisas aqui relatadas, os terapeutas, hábeis na língua inglesa, responderam a
versão em inglês.

16 Jocelaine Martins da Silveira, Francielly Perón


O FIAT pode ser usado em tratamentos em que a estratégia adotada é a Terapia
Analítica Funcional (FAP) ou em outras intervenções focadas em relacionamentos inter­
pessoais. O FIAT avalia as seguintes dimensões comportamentais de clientes e
terapeutas em experiências emocionais nos relacionamentos intra e inter-pessoais : a)
identificação e expressão de necessidades e valores, b) avaliação do impacto e feedback
na comunicação inter-pessoal; c) conflito inter-pessoal e sua resolução, d) exposição e
aproximação inter-pessoal e e) expressão de experiências emocionais.
Usamos o Protocolo de registro de comportamentos clinicamente relevantes
(PRCRB) para registrar o CRB observado pelo terapeuta em treino. Ele fora preenchido,
sessão a sessão, pelo terapeuta em treino, imediatamente após a sessão e por um
observador treinado em FAP, que via a sessão através do espelho unidirecional.
O Protocolo de registro de comportamentos clinicamente relevantes (PRCRBJ
foi elaborado para aferir a indicação que o terapeuta em treino faz sobre os comporta­
mentos clinicamente relevantes de seu cliente, conforme Figura 1. A linhas, que na
Figura indicam até o 25°, registravam até o 50° minuto.

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De 15 à. 20

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1 -Protocolo de registro dos C R B .

Para analisar os dados, quatro colaboradores, alunos de Psicologia, que havi­


am cursado uma disciplina na qual foram treinados para a FAP e outra sobre
planejamento de pesquisa em clínica na abordagem comportamental, sistematizaram
os registros no PRCRB tanto da observadora, quanto do terapeuta e estabeleceram
critérios para contar os CRB registrados.

Sobre Comportamento e Cognição 17


A Figura 2 apresenta a indicação de CRB feita pelo terapeuta ao longo das nove
primeiras sessões (as quatro últimas registradas não constam aqui por problemas na
transdução).

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S essão

F ig jra 2 - Indicação feita pelo terapeuta de. CRB 1 , 2 e 3 ao longp das nove sessões

Portanto, após a quinta sessão, quando o treino em FAP foi introduzido, o


terapeuta registrou mais CRB2 e menos CRB1, aparentemente, teria ficado mais sen­
sível às instâncias de melhora no cliente. O CRB3, que pode ser entendido como uma
classe relacionada ao autoconhecimento, somente fora registrado pelo terapeuta nas
sessões 8 e 9, isto é, após a introdução da FAP.

Como a classe de CRB1 conforma-se em uma classe de CRB2 ao


longo do processo da terapia?
Esses dados chamaram a atenção para a mudança na freqüência das classes
de CRB1 e de CRB2. Então, um segundo estudo foi realizado por Perón e Silveira (2007)
a fim de verificar o modo tais freqüências iam se alterando mediante a modelagem
direta feita durante as sessões de tratamento. Basicamente, a pergunta foi “Como o
CRB1 transforma-se no CRB2?”
O mesmo procedimento já havia sido feito com mais uma díade terapeuta/
cliente. Desta vez, ambas do sexo feminino. A cliente apresentava problemas em relaci­
onamentos interpessoais, envolvendo-se freqüentemente em discussões no ambiente
de trabalho, em casa e com os rapazes, com os quais não chegava a se envolver com
compromisso. Ela iniciou e manteve um namoro durante o processo terapêutico.
Os registros referentes à segunda díade foram analisados de modo diferente.
Primeiramente, as funções das classes de CRB1 e de CRB2 da cliente foram
identificadas. Avaliou-se que O CRB1 evitava aproximação e intimidade com o outro e
evitava também a condição de subordinação ou inferioridade em relação ao outro, con­
dições seguidas de eventos aversivos na história da cliente.
Então, o tipo de conseqüência apresentada pela terapeuta a cada CRB1 e CRB2
da cliente fora identificado e uma categorização foi feita das dimensões críticas do res­
ponder da cliente, que foram sendo diferenciadas ao longo da terapia. Isto é, tais dimen­
sões foram sendo selecionadas dentro da classe de CRB1 até que aquelas respostas
ficassem sob o controle de uma nova conseqüência, tornando-se uma classe de CRB2.

18 Jocelaine Martins da Silveira, Francielly Perón


Esse estudo foi desenvolvido pela segunda autora, sob orientação da primeira.
Os resultados foram dispostos graficamente e mostraram como a dimensão categorizada
como “Valorizar o outro”, que era de interesse nas metas do tratamento clínico, foi sendo
selecionada dentro da classe de CRB1 e foi se tornando parte de uma classe de CRB2.
Enquanto isso, as dimensões menos interessantes do ponto de vista das metas do
tratamento, foram sendo menos freqüentes ao longo do processo terapêutico.
Em razão de limitações metodológicas, como falhas no registro de algumas
sessões ou nos protocolos, esse estudo está sendo replicado pelas autoras. Além
disso, uma replicação, variando apenas o cliente, poderá indicar se o movimento obser­
vado nas dimensões críticas do responder em uma classe de CRB1 é comparável ao
que foi observado nesse primeiro estudo.

Considerações finais
Os conceitos de indução, diferenciação, generalização e discriminação, assim
como a noção de classe de resposta têm ajudado a delimitar pontos para a investiga­
ção do comportamento no contexto da clínica. Os estudos citados nesse capítulo
adotaram as classes de resposta sistematizadas pela FAP para balizar unidades de
análise ou de medida. Acreditamos que conduzir pesquisas na clínica comportamental
que aumentem a compreensão sobre como aferir classes de resposta relevantes clini­
camente pode ser uma maneira promissora de geração de novas questões empíricas,
as quais motivarão novos estudos.
A mudança clínica tende a ser esclarecida, entre outras maneiras possíveis,
com observações de dimensões do responder dentro de uma classe operante crítica
nas metas do tratamento. Ainda percorremos um estágio incipiente quanto ao desen­
volvimento de instrumentos para observar e medir eventos sutis na relação terapeuta/
cliente. Somente a modelagem foi discutida nesse capítulo, mas outras possibilidades
de compreensão da mudança clínica podem ser investigadas, apoiando-se nos pro­
cessos de estabelecimento de classes operantes não focados aqui, como o desvane-
cimento e o estabelecimento de classes de ordem superior, citados por Todorov (2002).

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Sobre Comportamento e Cognição 19


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20 Jocelaine Martins da Silveira, Francielly Perón


Capítulo 2
Transtorno de Personalidade Borderlíne:
comportamentos sugeridos ao
psícoterapeuta num caso clínico
Josy de Souza Moriyama
UEL
Kellen Martins Escaraboto
Clínica de Psicologia e Universidade Norte do Paraná
Marcela l/meno Koeke
PUC/SP

Psicoterapeutas constantemente deparam-se com diferentes tipos de clien­


tes, mas existem aqueles que apresentam comportamentos desafiadores, produzem
sentimentos de raiva no psícoterapeuta e tornam a relação terapêutica tão caótica e
perturbadora quanto seus relacionamentos fora dela. Quem são estes clientes e como
o psícoterapeuta pode intervir para promover mudanças significativas? O presente ca­
pítulo tem como objetivo discutir o provável desenvolvimento de comportamentos clas­
sificados como Transtorno da Personalidade Borderline, assim como, estratégias de
intervenção que podem ampliar o repertório do psícoterapeuta para lidar com estes
comportamentos. Algumas propostas de intervenção serão exemplificadas, a partir da
descrição de um caso clínico.

Descrição do Caso
Rafaela1tinha 22 anos quando procurou pela terapia. Cursava o terceiro ano de
um curso de graduação e trabalhava com vendas. Morava com sua mãe, mas mantinha
mais contato com a irmã e com o pai, em função da loja desta irmã, onde os três
trabalhavam. Namorava há aproximadamente um ano.
Na primeira sessão, a psícoterapeuta observou que a cliente estava visivel­
mente nervosa, suas mãos tremiam, chegava a gaguejar ao falar. Disse à psícoterapeuta
que como já sabia que não conseguiria lhe contar o que estava acontecendo, havia lhe
trazido uma lista com seus problemas. O conteúdo da lista foi lido pela psicoterapeuta
em voz alta e cada item foi sendo comentado com a cliente. Eram, de acordo com a
percepção da psicoterapeuta, problemas gerais e comuns à maioria das pessoas,
como por ex: dificuldade em lidar com sentimentos e emoções; alto nível de exigência
em relação a si mesma e um relato sobre acordar, sentindo-se, freqüentemente, sem

1Nome fictício.

Sobre Comportamento e Cognição 21


vida e sem força. Tendo como objetivo acolher a cliente, a psicoterapeuta comentou e
“brincou” que até mesmo ela tinha esses problemas e que na psicoterapia iriam discu­
tir e entender o que estaria acontecendo para que a cliente se sentisse assim.
Rafaela relatou ter feito psicoterapia durante dois anos, mas que não gostou,
porque, segundo ela, não contava tudo o que queria à psicoterapeuta, uma vez que
sentia vergonha do que ela iria pensar. Disse ainda que esperava que a psicoterapeuta
adivinhasse o que ela gostaria de falar, mas que ela nunca adivinhava. Diante desta
verbalização da cliente, pôde-se construir a hipótese inicial de que se em dois anos a
cliente não formou um bom vínculo com a psicoterapeuta anterior, ela poderia ter déficits
em comportamentos de intimidade. A partir dos comentários sobre a psicoterapia ante­
rior, a psicoterapeuta “brincou" com a cliente com objetivo de quebrar algumas regras
pré-estabelecidas sobre o processo psicoterapêutico. A psicoterapeuta falou à cliente
que ela também não tinha uma “bola de cristal”2 e, portanto, também não poderia adivi­
nhar o que a cliente gostaria de dizer. Através de um clima descontraído, a psicoterapeuta
procurou explicar que a cliente poderia lhe dizer tudo o que quisesse e que isso facilita­
ria muito o processo psicoterapêutico.
Outra verbalização da cliente, que chamou a atenção da psicoterapeuta na
primeira sessão, foi de que ela estava gostando muito de conversar naquele momento,
mas que sentia medo de se empolgar demais e depois achar “chato”, porque este era
um comportamento comum em sua vida. A psicoterapeuta lhe respondeu que, então,
seria bom ela lhe deixar claro que nem sempre as sessões seriam animadas como
aquela, pelo contrário, muitas seriam difíceis e chatas, mas que juntas definiriam me­
tas e maneiras de abordar seus problemas, tendo como objetivo acolher a cliente.
No final da primeira sessão, após as intervenções acima citadas, a cliente
verbalizou sua queixa mais claramente: R- "Minha vida está desorganizada, não sei o
que eu quero, estou perdida, confusa, gostaria de saber para onde ir, me organizar
Disse isto se referindo à faculdade que estava cursando, ao namoro, à família e ao seu
futuro.

História de Contingências
Os pais de Rafaela se separaram quando ela tinha 16 anos. Ela descreveu o
episódio como tendo sido premeditado por sua mãe, que teria surpreendido toda a
família. Acreditava que a mãe havia se preparado para a separação, pois estudou,
arrumou um emprego e se separou quando tinha condições de se manter sozinha. Por
este motivo, Rafaela chamava a mãe de “psicopata”, durante as sessões. Explicou que
ela era muito próxima da mãe até a separação, mas que desde então, elas nunca mais
se falaram. O rompimento parecia ter sido bastante brusco. Quando chegou à terapia,
Rafaela morava com a mãe, mas mal se viam, falavam-se por bilhetes e apenas o
necessário (rotina da casa, pagamentos de contas).
Na mesma época da separação dos pais, Rafaela também rompeu brusca­
mente com uma melhor amiga e com o namorado. A cliente descreveu ambos os rom­
pimentos como tendo acontecido de repente, sem que ela percebesse quaisquer si­
nais de mudança. Com a amiga, estavam falando pela internet, pois esta havia se
mudado para um estado distante, quando a amiga começou a chamá-la de “sangues­
suga” e a dizer que não agüentava mais seu mau-humor e tantos problemas. Quanto ao

2A bola de cristal faz referência às adivinhações que eram realizadas por ciganos e bruxas (aspecto cultural) e pode ser utilizada como analogia
ao ato do terapeuta ter que adivinhar os comportamentos privados do seu cliente.

22 Josy de Souza Moriyama, Kellen Martins Escaraboto, Marcela Umeno Koeke


ex-namorado, disse que ele havia se envolvido com outra garota e que todos que
freqüentavam o grupo da igreja, do qual eles faziam parte, já sabiam. Portanto, em
pouco tempo, a cliente perdeu vários reforçadores: a mãe, a melhor amiga, o namorado
e o grupo da igreja que freqüentava.
Após esses acontecimentos, Rafaela começou a ir a festas, beber, usar drogas
e fazer sexo ocasionalmente, apresentando comportamentos de risco. Quando entrou
na faculdade, disse não ter gostado das pessoas, pois eram mais velhas ou levavam
tudo “muito a sério”. Acabou trancando o curso, durante um ano, por não saber se era
isso mesmo que queria. Chamava este ano de “o ano da bagunça”. Quando retornou à
faculdade, conheceu o atual namorado. Ambos saíam e faziam “bagunça”, até que
começaram a namorar e resolveram deixar as festas de lado, para ficarem juntos.
Quando iniciou a psicoterapia, o namorado era o único contato mais íntimo de
Rafaela. Ela relatou ter sido ele quem a convenceu a procurar ajuda. Os outros poucos
contatos que tinha eram o pai e a irmã mais velha, com quem trabalhava. Ela descrevia
as relações com a família como extremamente aversivas. Dizia que não conseguia
conversar com a irmã quando não gostava de algo que ela fizesse. Quando percebia já
estava gritando. Quanto ao pai, dizia que ele só conversava com ela para cobrá-la sobre
o que ela iria fazer no futuro.
A partir dos dados descritos acima, formulou-se a hipótese de que, a qualquer
momento, a cliente poderia romper a relação terapêutica, da mesma forma como se
comportou com outras pessoas de seu convívio.

Entendendo o Transtorno de Personalidade Borderline


A visão do behaviorismo radicai rejeita a existência de um ‘eu’ interior e reage
contra o pressuposto de que a personalidade é uma entidade responsável pela ocor­
rência de comportamentos (Skinner, 1953/2000). De acordo com este modelo de análi­
se, a personalidade é multideterminada e pode ser entendida como um conjunto de
comportamentos ou respostas funcionalmente unificadas, que estabelecem relações
com suas variáveis de controle. Esse conjunto de comportamentos é determinado pela
interação da ontogênese (história pessoal do indivíduo), da filogênese (história da es­
pécie) e da cultura. Diante de tais aspectos, pode-se pressupor que os comportamen­
tos podem modificar-se ao longo da história de contingências do indivíduo, ou seja, o
indivíduo não nasce pronto e, da mesma forma, que aprende a se comportar (seleção
por conseqüências), pode aprender outros comportamentos mais adequados que pro­
duzam conseqüências positivas.
Esta proposta permite entender o caso exposto sob a perspectiva de que a
cliente aprendeu a se comportar em função de uma história passada de reforçamento.
Sua história de contingências foi determinante para a aprendizagem de comportamen­
tos como: dificuldade em estabelecer metas (em relação ao seu futuro), agressividade
verbal nos relacionamentos em geral, comportamentos de risco (álcool, drogas e sexo
promíscuo), sentimentos de tristeza, abandono e fracasso.
Estes padrões de comportamento não são vistos como adequados do ponto
de vista cultural e, por isso, a cliente poderia ser considerada como apresentando um
transtorno de personalidade (Parker, Bolling, & Kohlenberg, 1998). Os Transtornos de
Personalidade podem ser caracterizados como um conjunto de comportamentos preju­
diciais, tanto para o indivíduo quanto para os que com ele convivem. A utilização de um
referencial classificatório, por um analista do comportamento, deveria ser baseada em
aspectos funcionais, em que seriam analisados os efeitos que eventos ambientais e

Sobre Comportamento e Cognição 23


comportamentais produzem entre si, com a finalidade de modificar a relação entre as
contingências que mantêm positivamente ou negativamente os comportamentos preju­
diciais. No entanto, a comunidade sócio-verbal procura formas de “padronizar” e
“categorizar” tais comportamentos.
O DSM IV (APA, 2003) aponta que os sujeitos que apresentam um conjunto de
comportamentos ou padrão comportamental invasivo, de acentuada instabilidade dos
relacionamentos interpessoais, auto-imagem e afetos e acentuada impulsividade, co­
meçando no início da idade adulta e estando presente em uma variedade de contextos,
pode ser caracterizado como apresentando indicativos de um Transtorno de Personali­
dade Borderline,. Segundo Beck, Freeman, & Davis (2005), este transtorno seria relativa­
mente comum (1,1 a 2,5% da população adulta em geral), com enormes custos sociais,
alto risco de suicídio e considerável prejuízo para a vida da pessoa.
Assim como apresentou Rafaela, indivíduos categorizados como Borderline
têm um padrão de relacionamentos instáveis e intensos, mudanças súbitas de com­
portamento, que podem estar correlacionadas a sua vida pessoal e/ou profissional.
Diante da utilização de um rótulo diagnóstico, destaca-se o cuidado para que a
individualidade do cliente não seja obscurecida e para que ele não seja estigmatizado.
Para um analista do comportamento não basta a identificação de comportamentos
típicos, mas das contingências em operação, sendo estas que irão direcionar o proces­
so de intervenção.
Há uma concepção de que clientes que apresentam o Transtorno de Persona­
lidade Borderline não poderiam ser ajudados (Beck, Freeman, & Davis, 2005). No en­
tanto, propostas terapêuticas recentes e estudos de caso, como o sugerido neste arti­
go, relatam mudanças nos comportamentos típicos. Entretanto, existem algumas pecu­
liaridades relacionadas ao tratamento deste tipo de clientes, que têm como foco o
cuidado com o indivíduo e, também, com o psicoterapeuta, o qual precisaria desenvol­
ver comportamentos específicos.

Construção de Comportamentos Sociais, do Self e Autoconhecimento


Rafaela dizia que a família a considerava estúpida e grosseira. Explicou que
sempre gritava e brigava com todos para conseguir o que queria. Relatou que nunca
teve amigos durante a infância e adolescência, pois brigava com as crianças na vizi­
nhança e na escola era considerada “a esquisita”. Contou sobre um episódio de sua
infância, em que chegou em casa e sua mãe havia feito uma festa surpresa de aniver­
sário. Disse que sentiu muita raiva, porque sabia que todas as crianças estavam ali por
causa da festa, já que não gostavam dela. Ficou a festa inteira trancada no banheiro e
sua mãe chegou a passar o bolo pela janela para que ela pudesse comer um pedaço.
Esses relatos estão de acordo com a hipótese inicial de que Rafaela não
aprendeu a estabelecer vínculos ao longo de sua vida, de modo que não apresentava
comportamentos de amizade e de intimidade.
Défícits em seu repertório social eram visíveis durante sua interação com a
psicoterapeuta. Alguns comportamentos de agressividade começaram a ser emitidos
ao longo das primeiras sessões, tendo sido considerados como CRB1s, isto é, com­
portamentos clinicamente relevantes, que provavelmente eram emitidos no ambiente
natural da cliente, com outras pessoas. Por exemplo, Rafaela chegava às sessões com
os olhos inchados, com a expressão de raiva e dizia que não estava adiantando nada ir
à psicoterapia, pois estava muito mal. Dizia que não adiantava prestar atenção no que a
psicoterapeuta lhe pedia, pois piorava e não conseguia parar de pensar em seus pro­

24 Josy de Souza Moriyama , Kellen Martins Escaraboto, Marcela Umeno Koeke


blemas. Quando a psicoterapeuta lhe descrevia como seu ambiente estava escasso de
amizades, de reforçadores sociais, ela dizia não precisar de amizades.
A partir dos relatos de Rafaela, parecia que quanto mais análises a
psicoterapeuta fazia, mais a cliente ficava sob controle das verbalizações da
psicoterapeuta e não das contingências naturais. Isto pode ser exemplificado, a partir
da seguinte verbalização, em que a cliente relatou não ter conseguido manter relações
sexuais com o namorado, na semana seguinte à intervenção da psicoterapeuta, quan­
do esta a orientou a ficar sensível aos toques e carícias do parceiro e às suas próprias
sensações:
R- (Gritando e chorando) "Eu não consegui de novo! Desta vez foi pior, porque
eu não só não consegui me concentrar, como também fiquei lembrando o tempo todo
de você e do que você me falou!"
Diante dos comportamentos acima descritos, da baixa freqüência de compor­
tamentos de intimidade e da agressividade direcionada à psicoterapeuta e às pessoas
de seu convívio, foi levantada a hipótese de que a cliente estava apresentando compor­
tamentos típicos do Transtorno de Personalidade Borderline.
Em direção a esta hipótese também estavam descrições da cliente sobre si
mesma. Ela dizia não saber o que queria, do que gostava, enfim, quem era. Seu senti­
mento de Selfjou sentimento de “eu” parecia muito instável, como ocorre em clientes
diagnosticados com o Transtorno Borderline (Linehan, & Kehrer, 1999). As poucas ve­
zes que se referia a si, Rafaela dizia: “me sinto má, sou um ser desprezível, sou insen­
sível”. A literatura aponta ser comum que indivíduos borderline se vejam como más
pessoas (Beck, Freeman, & Davis, 2005). Algumas contingências históricas que podem
estar relacionadas com este senso de eu, são comentários negativos dos pais
direcionados à criança (Beck, Freeman, & Davis, 2005). No caso de Rafaela, sua mãe
dizia: “você é uma peste, uma capeta!”, além de levá-la para benzer34.
A visão da Análise do Comportamento sobre a construção do Se/f está funda­
mentada em hipóteses sobre contingências de reforçamento relacionadas ao controle
privado versus controle público, ao longo do desenvolvimento infantil. Para Kohlenberg,
& Tsai (2001) o sentimento de “eu” é uma unidade funcional e, para que seja construído,
é necessário que os comportamentos da criança passem do controle público (desejos,
humor e aceitação dos pais) para o controle privado (sentimentos, desejos e pensa­
mentos da própria criança). Este aprendizado é bastante complexo, uma vez que de­
manda um grau de atenção e comportamentos de validação dos pais em relação à
criança, em detrimento de seus estados de humor ou problemas pessoais. Quanto
mais reforçadores positivos forem dados pelos pais a respostas do tipo “eu X (sinto,
quero, vejo)” maior será a probabilidade da criança construir uma noção de Self. Estu­
dos de caso de indivíduos borderline1 indicam que estes não tiveram pais que valida­
ram seus comportamentos privados, seja por problemas pessoais, inclusive transtor­
nos psiquiátricos (Caballo, Gracia, López-Gollonet & Bautista, 2008), seja por centrarem-
se exclusivamente em problemas conjugais, despendendo pouca atenção à criança
(Sousa & Vandenberghe, 2005). Este parece ter sido o caso de Rafaela, diante das
descrições do conturbado relacionamento de seus pais.
Supõe-se que Rafaela aprendeu que o que sentia ou desejava estava sob o
controle dos outros e, diante da falta de estímulos públicos, sentia-se perdida e instável.
Apresentava comportamentos de desconfiança, ficava extremamente atenta a qualquer
opinião da psicoterapeuta sobre ela e não descrevia sentimentos, desejos, do que
gostava e do que não gostava, do que queria ou não. Estes comportamentos podem ser
vistos como CRB1s e indicam uma falta de controle privado sobre estímulos internos.

Sobre Comportamento e Cognição 25


No geral, toda esta discussão remete aos antecedentes do desenvolvimento
de se tornar consciente de comportamentos privados (sentimentos, pensamentos e
desejos) (Kohlenberg & Tsai, 2001). Para Skinner (1953/2000) um indivíduo pode não
estar consciente de seu próprio comportamento, não sendo capaz de descrever as
contingências de reforço que o afetam, mas, ainda sim, responder a elas. O
autoconhecimento teria origem social, pois apenas quando a comunidade verbal faz
perguntas ao indivíduo, é que ele passa a observar e descrever seus comportamentos
(Skinner, 1953/2000). Para Guilhardi (1999) o psicoterapeuta poderia justamente funci­
onar como uma comunidade verbal, que levaria o cliente ao autoconhecimento, ou seja,
à tomada de consciência de seus comportamentos.
Como sempre esteve privada de relações mais próximas, de afeto e, portanto,
de uma comunidade verbal que questionasse seus comportamentos, provavelmente,
Rafaela desenvolveu um baixo autoconhecimento. Isto explicaria porque as análises
feitas pela psicoterapeuta ganhavam tanta importância e acabavam dificultando o pro­
cesso, já que a cliente ficava extremamente sob o controle do que havia ouvido. Por isso,
a psicoterapeuta optou por diminuir as análises pontuais durante as sessões e passou
a utilizar procedimentos de modelagem direta de comportamentos sociais e de afetividade.
Este tipo de escolha pela observação direta do comportamento, em detrimento de dis­
cussões de análises funcionais é indicado por outros autores em intervenções com
clientes borderline (Sousa, 2003). Portanto, a primeira meta da terapia de Rafaela foi
desenvolver comportamentos de autoconhecimento, concomitantemente ao aumento
do repertório social, para, posteriormente poderem chegar a algumas tomadas de de­
cisão em relação a outros aspectos de sua vida como a sua relação com a família,
trabalho, dentre outros.
Diante dos aspectos expostos acima, sugere-se o desenvolvimento de com­
portamentos específicos do psicoterapeuta, uma vez que, clientes borderline não pos­
suem padrão amigável, pelo contrário, são hostis e dificilmente, vinculam-se à terapia.
Algumas estratégias de intervenção serão descritas com a finalidade de auxili­
ar o psicoterapeuta no manejo dos comportamentos do cliente. É importante lembrar
que não se constituem em regras prontas para serem seguidas, mas comportamentos
do psicoterapeuta que devem ser adequados às necessidades de cada cliente.

1. Investindo na Relação Terapêutica


Todo o processo terapêutico do caso descrito foi fundamentado nos princípios
da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), proposta por Kohlenberg, & Tsai (2001). O
investimento na relação terapêutica teve como finalidade que os comportamentos de­
senvolvidos nesta interação pudessem, posteriormente, ser generalizados para outras
interações no ambiente natural da cliente. Vários autores ressaltam a importância des­
te tipo de procedimento com este tipo de cliente (Linehan, & Kehrer, 1999; Otero, 2002;
Beck et ai, 2005; Caballo, et ai, 2008).
Alguns procedimentos utilizados para aproximar a cliente da psicoterapeuta,
ou fortalecer o vínculo, foram:
• Deixar claro que a psicoterapeuta estava ali para ouvir os problemas da cliente,
pois ela só os contava ao namorado, queixando-se em alta freqüência. Diante de
sua preocupação em perdê-lo por queixar-se tanto, a psicoterapeuta começou a
dizer que agora a cliente poderia contar tudo a ela e deixar de apresentar este
comportamento com ele.

26 Josvde Souza Morivama. Kellen Martins Escaraboto, Marcela Umeno Koeke


• Diante de CRB1s de agressividade perante a psicoterapeuta, esta lhe dizia que
mesmo ouvindo aquele tipo de ameaça (ex: "não sei o que estou fazendo aqui’),
ela não iria abandonar a cliente.
• Após oito meses de atendimento, a cliente reprovou na monografia da faculda­
de e contou à psicoterapeuta por telefone. Esta, imediatamente retornou das
férias que havia tirado entre Natal e Ano Novo somente para atendê-la. Após este
episódio, Rafaela passou a apresentar comportamentos de aproximação em
relação à psicoterapeuta.
Este tipo de cuidado com clientes borderline pode ser fundamental, diante do
padrão de comportamentos de insegurança em tornar-se íntimos. Comportamentos de
cuidado podem modelar comportamentos de segurança e também servir de modelo
para a emissão de comportamentos de intimidade.

2. Colocando-se à disposição
Como estes clientes apresentam sentimentos de impotência e confusão, seus
comportamentos (tanto públicos, quanto privados) tendem a ser contraditórios e mu­
dam rapidamente. Diante de situações de escolha, tendem a ter dificuldades para
tomar decisões, sendo comuns tentativas de suicídio, em função da intensidade do
sofrimento. Desta forma, o psicoterapeuta deveria deixar claro que está à disposição
para ajudar, tanto no contexto clínico quanto fora dele. Algumas opções interessantes
são deixar o número de telefone com o cliente, caso ele necessite ligar, e ligar para o
cliente, algumas vezes antes, pois em alguns casos é preciso modelar o comporta­
mento para que ele seja emitido. No caso de Rafaela, a psicoterapeuta deu seu celular
pessoal e pediu que a cliente a ligasse na sexta sessão. Aproximadamente na semana
anterior à nona sessão, como a cliente não havia ligado, a psicoterapeuta ligou apenas
para lembrá-la que estava esperando sua ligação. Na décima sessão a cliente comen­
tou com a psicoterapeuta que havia tentado ligar, mas o celular desta estava ocupado.
A psicoterapeuta procurou elogiar sua tentativa e descreveu que havia ficado chateada
por ela não ter ligado em outro momento em que o celular não estivesse ocupado. Foi
apenas a partir da décima primeira sessão que a cliente começou a ligar, realmente,
para a psicoterapeuta.
Em situações de crise é importante disponibilizar ajuda imediata, uma vez que
o cliente pode estar apresentado sentimentos negativos intensos. Sugere-se resolver o
problema para o cliente, entendendo-se que tal ajuda deve ser focal e relacionada ao
momento da crise (Aguilera, 1990 apud Freeman, & Fusco 2004).
Isto pode implicar em sessões fora dos horários combinados, em vários aten­
dimentos telefônicos e até mesmo em supervisão ou atendimento domiciliar. Deve-se
avaliar a gravidade da situação da crise, tendo uma idéia do perigo físico imediato para
o cliente. Sugere-se que o psicoterapeuta nunca vá sozinho até o cliente, pois em
alguns casos de tentativa de suicídio, por exemplo, pode implicar em risco de vida para
o psicoterapeuta.

3. Explicando o processo e definindo objetivos junto com o cliente


Diante dos comportamentos de insegurança e desconfiança típicos em clientes
com Transtorno BorderlineAsugere-se que a psicoterapia seja altamente estruturada e
cada procedimento seja explicado ao cliente (Linehan & Kehrer, 1999). Esta postura em
que se discute claramente com o cliente os objetivos de cada intervenção pode evitar a

Sobre Comportamento e Cognição 27


esquiva deste (Sousa, 2003). Como Rafaela verbalizou na primeira sessão, alguns clien­
tes borderline reclamam da passividade de seus ex-psicoterapeutas anteriores
(Kohlenberg, & Tsai, 2001), por isso, recomenda-se que a psicoterapia seja diretiva.
No caso de Rafaela, a psicoterapeuta selecionou os objetivos do processo
junto com a cliente, explicando a necessidade de investirem na relação. A psicoterapeuta
verbalizava que a cliente não precisava preocupar-se com o que traria para discutir
durante as sessões, pois mesmo que elas “jogassem conversa fora”, isto seria impor­
tante, diante do fato de que elas estariam investindo na maior abertura e proximidade
entre elas.

4. Ensinando a discriminar e expressar sentimentos


Uma vez que pessoas com diagnóstico de Borderline têm seus comportamen­
tos pouco controlados por estímulos privados, seria importante, promover contingênci­
as para que este controle seja fortalecido. Para isso, Otero (2002) e Sousa (2003)
sugerem alguns procedimentos:
- Podem ser criadas tarefas que aumentem a auto-observação de respostas privadas.
No caso de Rafaela, a psicoterapeuta pediu para que ela escrevesse seus pensamen­
tos e sentimentos, assim como, a situação em que se encontrava e o que estava
fazendo, quando não se sentisse bem, ou entrasse em crise. As anotações da cliente
eram discutidas nas sessões para que pudesse identificar as relações entre seus
sentimentos e os acontecimentos no ambiente natural.
• O psicoterapeuta pode ensinar o cliente a tatear sentimentos. Era comum a
psicoterapeuta apontar à Rafaela quando suas expressões faciais não eram
condizentes com os sentimentos que, provavelmente, estariam presentes dian­
te de determinadas contingências na sessão.
• O psicoterapeuta pode servir de modelo, expressando seus sentimentos em
relação aos comportamentos do cliente.
• Ensinar o cliente a descobrir como expressa seus sentimentos. Em uma sessão
específica, Rafaela foi bastante agressiva com a psicoterapeuta. A psicoterapeuta
expressou seus sentimentos em relação aos comportamentos agressivos da
cliente, dizendo que havia se sentido muito mal e incapaz de ajudar a cliente. Esta
começou a chorar e verbalizou: R- Isso sempre acontece! Eu me expresso mal e
não tenho a intenção!” Tal verbalização pode ser considerada um CRB2 (compor­
tamento clinicamente relevante esperado) e CRB3 (análise funcional), já que a
cliente expressou seus sentimentos e relacionou seus comportamentos de
agressividade com a reação negativa das pessoas em geral.

5. Ensinando a diferenciar comportamentos públicos de privados


É comum que indivíduos com padrão de comportamentos borderline confun-
dam seus sentimentos e pensamentos com comportamentos públicos. Muitas vezes,
declaram ter medo de conversar com pessoas estranhas, pois elas saberiam tudo o
que sentem ou pensam. Também é comum acharem que seus pensamentos são
inadequados ou errados e que são más pessoas por os terem (Beck et al., 2005).
Uma postura do psicoterapeuta para lidar com esse tipo de preocupação seria
aceitar os sentimentos negativos do cliente e validá-los, ensinando-o a também aceitá-
los. Um enfoque que pode ser sugerido neste tipo de intervenção é a Terapia de Aceita­
ção e Comprometimento (ACT) proposta por Hayes (1987). Um exemplo no caso de

28 Josy de Souza Moriyama, Kellen Martins Escaraboto, Marcela Umeno Koeke


Rafaela foi quando verbalizou sentimentos de inveja e ciúmes, em relação ao casamen­
to de sua cunhada e ao nascimento do bebê de sua irmã. A psicoterapeuta validou
esses sentimentos, dizendo que diante destas situações era bastante natural que ocor­
ressem. Explicou ainda que outras pessoas, provavelmente também sentiriam os mes­
mos sentimentos negativos, mas que a diferença entre ela e estas pessoas, era que
ela os verbalizava, enquanto as outras pessoas os escondiam para evitar prováveis
punições. Este procedimento foi bastante semelhante ao sugerido por Sousa (2003) ao
relatar um caso clínico.
Esta autora também sugere que é preciso separar aquilo que o cliente sente
ou pensa daquilo que ele efetivamente faz. Considerando-se a ACT, o terapeuta poderia
inclusive discutir com o cliente sobre as possibilidades de controlar comportamentos
públicos e a impossibilidade de controlar sentimentos e pensamentos.

6. Validando a fala e verbalizações do tipo “EU X ”, mas bloqueando a


esquiva
O psicoterapeuta deveria reforçar a maioria das verbalizações do tipo “EU X”
apresentadas pelo cliente (Sousa, 2003). Conforme já foi discutido, o psicoterapeuta
pode atuar enquanto a comunidade verbal que possibilita o desenvolvimento do
autoconhecimento.
Diversos autores discutem a importância em validar os sentimentos e expres­
sões do cliente borderline, ainda que estes pareçam exagerados e/ou não consisten­
tes com a realidade (Kohlenberg, & Tsai, 2001; Sousa, 2003; Beck, Freeman, & Davis,
2005). É comum, por exemplo, que caluniem a si mesmos. Caso o psicoterapeuta
dissesse ao cliente que o que ele diz não é verdade, ele estaria reproduzindo os com­
portamentos daqueles que não o ensinaram a ficar sob controle de estímulos privados
(Sousa, 2003). Portanto, parece ser necessário mostrar que compreende que o cliente
tenha determinados sentimentos, o que eqüivaleria a ouvir com empatia. No entanto, o
psicoterapeuta deve tentar bloquear as esquivas comportamentais do cliente, o que
eqüivaleria, por exemplo, a tentar mantê-lo falando sobre um assunto, mesmo que ele
verbalize que aquilo lhe traz maus sentimentos.

7. Identificando e ampliando reservas comportamentais


O conceito de reserva comportamental pode ser entendido como comporta­
mentos adequados, que provavelmente levariam a reforçadores sociais generalizados,
que, no entanto, estariam sendo emitidos em baixa freqüência ou intensidade, devido a
alguma contingência de supressão (Guilhardi, 2006). Outros autores poderiam utilizar
outros termos como habilidades (Sousa, 2003), capacidades (Beck, & cols., 2005) ou
aptidões existentes (Linehan, & Kehrer, 1999) para se referir a este tipo de comporta­
mento que deveria ser identificado pelo psicoterapeuta e reforçado. No caso de Rafaela,
durante as primeiras sessões, apesar da alta freqüência de comportamentos de
agressividade em relação à psicoterapeuta, também foram emitidos alguns comporta­
mentos de atenção e cuidado para com esta. Mesmo que no início, estes comporta­
mentos eram emitidos em baixa intensidade, sendo quase que imperceptíveis, a
psicoterapeuta procurava apontá-los à cliente, elogiá-los e descrevê-los, assim como,
descrevia os sentimentos que eles lhe causavam. Ao longo das sessões, Rafaela foi
aumentando gradualmente a freqüência deste tipo de comportamento. Alguns exem­
plos foram: passou a ligar para a psicoterapeuta, abraçá-la e a chamá-la de querida.

Sobre Comportamenlo e Cognição 29


8. Programando a generalização dos comportamentos para outros
contextos
Mesmo que o foco da psicoterapia seja a relação terapêutica, a finalidade últi­
ma sempre será que o cliente generalize os comportamentos aprendidos nesta relação
para contingências semelhantes em seu ambiente natural (Kohlenberg & Tsai, 2001).
Para isso, é fundamental que o psicoterapeuta programe as generalizações dos com­
portamentos aprendidos na terapia (Guilhardi, 2006).
Uma possibilidade de programar a generalização seria instruir o cliente a emitir
os comportamentos adequados que têm sido emitidos com o psicoterapeuta, também
com outras pessoas em seu ambiente natural. No caso de Rafaela, a psicoterapeuta
dizia que gostava do modo como ela a abraçava, prestava atenção enquanto falava.
Dizia que ela deveria emitir esses comportamentos com outras pessoas, pois provavel­
mente elas também gostariam. A psicoterapeuta chegou a programar qual seria a pri­
meira pessoa com quem Rafaela poderia emitir comportamentos de maior cuidado e
afeição, pois provavelmente teriam grande probabilidade de serem reforçados: sua
irmã mais velha. No entanto, apenas a instrução pode não ser suficiente para assegu­
rar que as contingências naturais sejam positivamente reforçadoras. Diante das recla­
mações da cliente de que estava mudando seus comportamentos e ninguém reconhe­
cia, pois, segundo ela, continuavam vendo-a como estúpida e agressiva, a psicoterapeuta
fez uma sessão de orientação com sua irmã. Nesta sessão, a psicoterapeuta procurou
sensibilizar a irmã para comportamentos de afetividade de Rafaela para com ela. Após
a sessão, a psicoterapeuta também procurou fazer o mesmo em relação à Rafaela,
para que ela ficasse sob controle de novos estímulos na relação com a irmã e reforças­
se seus comportamentos de aproximação.

9. Ampliando as redes sociais


Geralmente, são poucas as pessoas com quem clientes borderline se relacio­
nam. É comum que essas relações se caracterizem como intensas, porém, sejam
abruptamente interrompidas. Por isso, um dos focos da terapia pode ser ampliar suas
redes sociais (Beck e cols., 2005).
As verbalizações de Rafaela eram contrárias às tentativas da psicoterapeuta de
ampliar suas amizades, conforme já foi apontado. Diante de explicações da
psicoterapeuta de que elas estariam investindo na relação entre si para que ela apren­
desse a se comportar em outras relações, ela sempre dizia que não queria fazer ami­
gos. No entanto, com o tempo e o desenvolvimento de comportamentos sociais e de
afetividade, assim como, análises descritivas sobre as conseqüências de seus com­
portamentos de agressividade, Rafaela passou a emitir comportamentos de aproxima­
ção em relação a algumas pessoas. Primeiramente começou a ligar para antigos ami­
gos e a desbloqueá-los do Messenger; Inclusive, retomou a amizade com aquela antiga
amiga com quem havia rompido. Também começou a se relacionar com a família do
namorado, com quem antes não conversava. Em uma das sessões chegou surpresa
relatando o quanto ela conseguia ser clara com as pessoas e que estava se sentindo
mais à vontade para conversar “com todo mundo!” Um dia verbalizou: R- “Eu estou
desesperada para ter uma amiga!”

10. Desenvolvendo tolerância


O esgotamento pode ser uma conseqüência do atendimento de clientes
borderline. Desenvolver o comportamento de tolerância auxilia o psicoterapeuta a en­

30 Josy de Souza Moriyama, Kellen Martins Escaraboto, Marcela Umeno Koeke


frentar as situações de crise de seus clientes. Desta forma, é importante que o
psicoterapeuta busque por supervisão ou até mesmo por terapia.
Para a maioria dos analistas do comportamento não haveria necessidade de
utilizar as classificações psiquiátricas ou de transtornos de personalidade. No entanto,
o termo Transtorno de Personalidade Borderline foi utilizado por estar de acordo, com
algumas vantagens como: alertar os psicoterapeutas das ocorrências de comporta­
mentos típicos e pequenas melhoras nas sessões. Como são casos difíceis de tratar
e de firmarem o vínculo, a classificação pode levar o psicoterapeuta a desenvolver
comportamentos de maior tolerância aos comportamentos inadequados, assim como,
a reforçar as pequenas melhoras do cliente.

Referências

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Sobre Comportamento e Cognição 31


Capítulo 3
Componentes de um programa
comportamental para cessar o
comportamento de fumar
Juliana Accioly Çavazzoni1
Maria Luiza Marinho-Casanova2
Juliana Tramontini Marcatto
Juliane Cristhine Natalin
Universidade Estadual de Londrina

O consumo de tabaco, apesar de ser um hábito bastante antigo, somente em


1960 foi relacionando aos problemas de saúde, a partir dos primeiros relatórios cientí­
ficos. Atualmente, os malefícios do cigarro são amplamente conhecidos, sendo o
tabagismo responsável por 50 doenças diferentes, principalmente as cardiovasculares,
respiratórias e cancerosas (INCA, 2006). As taxas de mortalidade decorrentes do con­
sumo de tabaco são alarmantes: no mundo, 5 milhões de pessoas morrem anualmen­
te e no Brasil, são 200 mil vítimas por ano (Ministério da Saúde, INCA, 2006; OMS,
2006). A prevalência mundial continua alta; no Brasil, identificou-se que 24% dos adul­
tos da cidade de São Paulo são fumantes (Galduróz, Noto, Nappo, & Carlini, 1999).
Diante desta problemática, diversas áreas da saúde, assim como órgãos go­
vernamentais, vêm se dispondo a desenvolver estratégias para reduzir o consumo de
tabaco. Sobre as ações do governo, o principal movimento realizado foi iniciado em
1999, durante a 52a Assembléia Mundial da Saúde, quando os Estados Membros das
Nações Unidas propuseram a adoção do primeiro tratado internacional de saúde públi­
ca da história da humanidade (Ministério da Saúde, INCA, 2007a). Trata-se da Conven-
ção-Quadro para o Controle do Tabaco, que determina um conjunto de medidas cujo
objetivo é preservar as gerações, presentes e futuras, das devastadoras conseqüênci­
as sanitárias, sociais, ambientais e econômicas do consumo e da exposição à fumaça
do tabaco. A criação e a implementação de programas de tratamento da dependência
da nicotina é uma das medidas que fazem parte desta convenção. Outras medidas
incentivadas pelo tratado são: a) aplicação de políticas tributárias e de preços com
vistas à redução do consumo; b) proteção contra a exposição à fumaça do tabaco em
ambientes fechados; c) tornar obrigatória a inclusão de mensagens de advertências
sanitárias, recomendando o uso de imagens em todas as embalagens de produtos de
tabaco; d) desenvolvimento de programas de educação e conscientização sobre os
malefícios causados pelo tabaco; e) proibição de publicidade, promoção e patrocínio

1Parte da dissertação da primeira autora apresentada ao Mestrado em Análise do Comportamento/ UEL. Contato: jugavazzoni@yahoo.com.br
2Contato: malumarinho@pq.aipq.br

32 Juliana A. Gavazzoni, Maria Luiza Marinho-Casanova, Juliana T. Marcatto, Juliane C. Natalin


(Ministério da Saúde, INCA, 2007b). No ano de 2000, já se observou no Brasil a
concretização de algumas destas medidas em forma de lei, como a que proíbe a propa­
ganda do cigarro na mídia e o consumo de cigarros dentro de transportes coletivos (Lei
n° 10.167/2000), no entanto, ainda são muitos os desafios a serem enfrentados neste
sentido.
Sobre a contribuição das áreas de saúde, principalmente da medicina e psico­
logia, observa-se a elaboração de diversos tratamentos para a cessação do fumar. A
área médica tem se dedicado especialmente à pesquisa e desenvolvimento de fármacos
que auxiliem na retirada do cigarro. Atualmente, os medicamentos mais utilizados são
os repositores de nicotina, os antidepressivos bupropiona e nortriptilina, o anti-
hipertensivo clonidina (Ministério da Saúde, INCA, 2001), e o tartarato de vareniclina
(Viegas, 2007). Apesar da eficácia comprovada destes fármacos, os tratamentos que
associam medicação com intervenção psicoterápica vêm apresentando melhores re­
sultados.
Na área da Psicologia, observa-se que os primeiros programas
psicoterapêuticos para deixar de fumar surgiram a partir das técnicas de terapia e
modificação do comportamento na década de 60 (Becona, 1998). No início, houve um
predomínio de procedimentos aversivos, tais como: fumar rápido, saciação, choque
elétrico (Powell, & Azrin, 1968; Lichtenstein, Harris, Birchler, Wahl, & Schmahl, 1973;
Dericco, Brigham, & Garlington, 1977; Erickson, Tiffany, Martin, & Baker, 1983; Tiffany,
Martin, & Baker, 1986). Estes procedimentos são considerados aversivos porque produ­
zem um pareamento entre o cigarro e estímulos que podem adquirir função aversiva,
tais como o choque elétrico, náuseas e tontura (Hajek, & Stead, 2006). No entanto, estas
técnicas foram se mostrando ineficazes, tanto pelo prejuízo à saúde que podem produ­
zir em fumantes com doenças coronarianas ou outras doenças (Law & Tang, 1995),
quanto pela manutenção do comportamento de fumar após o término da intervenção.
Outro procedimento adotado na cessação de fumar, que também obteve críti­
cas em relação a sua eficácia, foi o manejo monetário contingente ao parar de fumar
(Corby, Roll, Ledgerwood, & Schuster, 2000; Lamb, Morral, Galbicka, Kirby, & Iguchi,
2005; Stitzer, & Bigelow, 1984; Stitzer, Rand, Bigelow, & Mead, 1986; Wiseman, Williams,
& McMillan, 2005). O objetivo principal deste procedimento é oferecer dinheiro quando o
fumante reduz seu consumo de cigarros. Esta estratégia, além de também não propor­
cionar resultados em longo prazo, pode ser considerada inadequada pela utilização
restrita de reforço arbitrário, o que dificulta a manutenção do comportamento em seu
ambiente natural.
Enquanto as técnicas com procedimentos aversivos e manejo contingente ao
parar de fumar foram se mostrando ineficazes na cessação do fumar cigarros, outras
estratégias foram se apresentando muito eficientes, principalmente aquelas elaboradas
a partir do enfoque comportamental. Entre estas estratégias se encontram:
automonitoramento, controle de estímulos, feedback, relaxamento e treino assertivo. O
que se observa nas últimas décadas é o uso combinado destas estratégias em um
mesmo tratamento, denominado programa multicomponente (American Lung Association,
2007; Becona, 1993; Ministério da saúde, INCA & CONPREV, 2001; Nacional Câncer
Institute, 2002; U.S. Department of Health and Human Services, 2000). Estes programas
vêm sendo utilizados de forma exclusiva ou associados ao uso de medicações.
Neste contexto, o objetivo do presente texto é apresentar um programa
multicomponente comportamental, o qual foi elaborado por Elisardo Becona, em 1993,
na Espanha (Becona, 1993). Este programa foi adaptado e avaliado em estudos inicias
na Universidade Estadual de Londrina, obtendo resultados promissores (Gavazzoni,

Sobre Comportamento e Cognição 33


2008). Dos 21 participantes que completaram o programa, 13 (62%) pararam de fumar
após a intervenção. De acordo com Becona, na população espanhola, o programa tem
demonstrado eficácia entre 58% e 85% de abstinência ao final do tratamento e de 38%
a 54% de abstinência no ano de seguimento (Becona, 1998).
A apresentação do programa será feita a partir da descrição de cada estratégia
de intervenção utilizada. Pretende-se, também, realizar uma discussão a respeito da
funcionalidade destas estratégias, dentro da perspectiva da análise do comportamen­
to, a partir de algumas observações realizadas na aplicação do programa.

Programa Comportamental para Parar de Fumar


O programa tem formato de 6 sessões, as quais devem ser realizadas sema­
nalmente, de forma individual ou em grupo. A descrição detalhada de cada sessão de
intervenção segue na Tabela 1.As estratégias que compõem este tratamento são: infor­
mação sobre o tabaco; redução gradual do consumo de tabaco; feedback fisiológico;
automonitoramento; controle de estímulos. A seguir será comentado cada um destes
componentes.

Informação sobre o tabaco


Uma das estratégias utilizadas neste programa é apresentar informações so­
bre o tabaco e seus efeitos danosos sobre a saúde e a qualidade de vida. O tempo
destinado a esta estratégia é de apenas cinco minutos na primeira sessão, em função
do pouco efeito que a informação exerce sobre o comportamento de fumar. No entanto,
observou-se durante a aplicação do programa que a maioria dos participantes, apesar
de saber que o cigarro fazia mal à saúde, desconhecia a maioria das doenças que
poderiam ser desencadeadas pelo fumar.

Redução gradual do consumo de tabaco


A redução gradual do consumo de tabaco é iniciada orientando a substituição
da marca de cigarro por outra que contenha menor teor de nicotina. O teor de nicotina
está identificado nos maços de cigarros. Cigarros importados que não contenham esta
informação devem ser considerados como tendo teor máximo (1,0 mg). A redução é de
30% no teor de nicotina por semana, até que uma marca com baixo teor (0,2mg ou
0,1 mg de nicotina) seja alcançada. Por exemplo, se o fumante usa uma marca com 1,0
mg de nicotina, deve substituir na semana seguinte por uma marca com 0,7mg. Além da
substituição da marca, nesta fase de redução, o participante deve calcular a média dos
cigarros fumados por dia na semana anterior e ter esta quantidade como o número
máximo de cigarros diários que pode fumar na semana seguinte. Isso é estabelecido
para que não ocorra a compensação nicotínica, ou seja, consumir cigarros com menor
teor nicotínico e compensar com o aumento da quantidade de cigarros fumados. Após
a troca de marcas até uma marca de baixo teor, a quantidade de cigarros consumida
deve ser reduzida em 30% por semana, até que ocorra a retirada total do cigarro.
Analisando a aplicação desta estratégia, parece que esta contribuiu para expor
gradativamente os participantes a conseqüências que parecem ter funcionado como
estímulos reforçadores do comportamento de consumir menos cigarros. Muitos partici­
pantes relataram melhora nas condições de saúde e no ambiente social, apenas com
a diminuição do consumo de cigarros. Nas condições de saúde, por exemplo, foi rela­
tado melhora no condicionamento físico, no olfato e paladar, a partir da terceira semana

34 Juliana A. Gavazzoni, Maria Luiza Marinho-Casanova, Juliana T. Marcatto, Juliane C. Natalin


Tabela 1. Descrição das sessões do Programa Comportamental para cessar o comportamento de fumar,
adaptado de Becofia (1993, 1998).

Sessões / Objetivos 1a SESSÃO


Procedimento
1 - Informar sobre o tabagismo Apresentar, Proporcionar material escrito sobre estas
sucintamente, dados objetivos sobre informações.
aspectos gerais do tabaco e suas
conseqüências para a saúde.
2 - Discutir sobre o comportamento de Pedir para que o participante faça uma lista das
fumar e parar de fumar razões a favor e contra fumar cigarros no momento
atual e outra lista com as razões a favor e contra
deixar de fumar cigarros no momento atual. Discutir
as respostas após a conclusão da tarefa.
3 - Analisar antecedentes e conseqüentes Explicar o que são antecedentes e conseqüentes do
do comportamento de fumar comportamento e pedir para que o participante
descreva, com base na análise do auto-registro da
semana anterior, os principais antecedentes e
conseqüentes do seu comportamento de fumar.
Discutir sobre as situações descritas pelos
participantes.
4 - Propor estratégias para reduzir a 0 participante deve trocar a marca do cigarro
dependência fisiológica do cigarro fumado para uma que contenha 30% menos de
nicotina, ou diminuir a quantidade de cigarros
fumados, em 30% em relação à média fumada na
semana anterior, caso não tenha uma marca
com nível de nicotina inferior para fazer a troca.
Caso faça a troca de marca, o participante não deve
fumar mais do que a média consumida na semana
anterior.
5 - Propor estratégias para reduzir o Orientar o participante a fumar um terço a menos do
consumo de cigarros cigarro, contanto desde o filtro; reduzir a
profundidade da inalação; levar o cigarro a boca,
somente para fumá-lo; e não aceitar cigarros
oferecidos por outras pessoas.
6 - Ensinar a fazer o gráfico dos cigarros Este gráfico apresenta no eixo x, o número de
consumidos diariamente cigarros, e no eixo y, os dias do tratamento. A cada
dia o participante deve anotar o número de cigarros
consumidos através de um ponto na intersecção
das linhas, e, posteriormente, ligar estes pontos.
Com isso, eles podem ter uma visão mais concreta
de seu comportamento de fumar.
7 - Feedback Fisiológico Relatar para o participante o resultado obtido na
avaliação do monóxido de carbono
Tarefas de casa:
1 - Estabelecer comprometimento social Pedir para que o participante comunique, a pelo
menos uma pessoa, de seu empenho para deixar
de fumar nos próximos 30 dias.
2 - Fazer o auto-registro do comportamento Entregar sete folhas de auto-registro e pedir para os
de fiimar durante a semana participantes anotarem as situações e horários dos
cigarros consumidos diariamente.
3 - Fazer o gráfico dos cigarros consumidos A cada dia, o participante deve anotar o número de
diariamente cigarros consumidos, no gráfico.

Sobre Comportamento e Cognição 35


2aSESSÃO Procedimento

1 - Revisar as tarefas da semana Indagar sobre as atividades realizadas, avaliar as


dificuldades encontradas e elogiar os objetivos
alcançados.
2 - Discutir sobre o efeito da troca de marca Verificar se houve participantes que apresentaram
ou diminuição do cigarro sintomas de síndrome de abstinência. Neste caso,
sugerir a diminuição de cigarros de forma mais lenta
ou o uso das estratégias para aliviar os sintomas da
abstinência.

3 - Analisar antecedentes e conseqüentes Pedir para que o participante descreva, com base
do comportamento de fumar na análise do auto-registro da semana anterior, os
principais antecedentes e conseqüentes do seu
comportamento de fumar. Discutir sobre as
situações descritas pelos participantes.

4 - Propor estratégias para reduzir a Idem 1a sessão.


dependência fisiológica do cigarro
5 - Propor estratégias para reduzir o Continuar com as estratégias estabelecidas na
consumo de cigarros sessão anterior, no entanto, aumentar a parte do
cigarro sem fumar, contanto desde o filtro; se o
participante possuir o hábito de fumar depois de
almoçar ou depois de acordar, atrasar o cigarro 15
minutos nestas situações.

6 - Introduzir a técnica de controle de Apresentar ao participante, uma lista com as


estímulos situações mais comuns nas quais as pessoas
costumam fumar, e pedir para que ele escolha três
situações que considere mais fácil de não fumar.
Durante a próxima semana, o participante não
poderá fumar nas situações escolhidas. Se a
situação não estiver presente na lista, o participante
pode optar por qualquer outra que faça parte de sua
rotina. Orientar o participante, que se houver muita
dificuldade de não fumar em alguma situação, o
mesmo deve sair do ambiente escolhido e esperar
15 minutos para fumar. Discutir com os
participantes sobre comportamentos alternativos e
incompatíveis com o fumar que podem ser
realizados nas situações escolhidas.

7 - Propor estratégias para aliviar os Entregar aos participantes, uma lista com as
sintomas da síndrome de abstinência principais estratégias para aliviar os sintomas da
síndrome de abstinência, tais como: beber bastante
água, sucos; reduzir o consumo de álcool e café;
fazer atividade física; fazer inspirações profundas e
depois expulsar lentamente o ar; chupar balas ou
chicletes sem açúcar; substituir o cigarro da mão
por outro objeto; e realizar atividades prazerosas
que sempre foram adiadas.
8 - Avaliar a rede de apoio dos participantes Analisar como foram as reações das pessoas e
Discutir a tarefa realizada sobre contar para reações dos participantes frente às opiniões e
alguém que estão participando de um sugestões do seu meio social.
programa para parar de fumar.

9 - Feedback Fisiológico Idem 1asessão

36 Juliana A. Gavazzoni, Maria Luiza Marinho-Casanova, Juliana T. Marcatlo, Juliane C. Natalin


Tarefas de casa:
1 - Fazer o auto-registro do comportamento Idem 1a sessão
de fumar durante a semana
2 - Fazer o gráfico dos cigarros consumidos Idem 1asessão
diariamente

3aSESSÃO Procedimento
1 - Revisar as tarefas da semana Idem 2aSessão.
2 - Discutir sobre o efeito da diminuição do Neste momento, os participantes já podem estar
cigarro na condição física observando algumas melhoras nas condições
físicas. Explicar que algumas sensações
desagradáveis, como tosse e pigarro, também
podem surgir, em conseqüência do organismo estar
recuperando sua função de limpeza das vias
aéreas.
3 - Analisar antecedentes e conseqüentes Idem 2a sessão.
do comportamento de fumar
4 - Propor estratégias para reduzir a Idem 1asessão
dependência fisiológica do cigarro
5 - Propor estratégias para reduzir o Continuar com as estratégias estabelecidas na
consumo de cigarros sessão anterior, no entanto, a partir desta semana
deixar a metade do cigarro sem fumar; aumentar o
tempo sem fumar depois do almoçar ou acordar
para 30 minutos e atrasar 15 minutos o cigarro após
o jantar, café e ceia.
6 -Técnica de controle de estímulos Pedir para que o participante escolher mais três
situações para não fumar na próxima semana. Se
algum participante não conseguiu cumprir esta
atividade durante a semana, este deverá
permanecer com as mesmas situações já
escolhidas na sessão anterior.
7 - Discutir as estratégias para aliviar os Verificar quais foram as estratégias escolhidas para
sintomas da síndrome de abstinência aliviar os sintomas da síndrome de abstinência e se
estas tiveram resultados. Propor que aplique as
mesmas ou outras novas.
8 - Discutir sobre a influência do meio social Perguntar aos participantes, se algum evento
cotidiano, tal como programa de televisão, matérias
em revista, afetou positiva ou negativamente o
programa que estão participando. Levantar uma
discussão sobre os fatos.
9 - Feedback Fisiológico Idem 1asessão
Tarefas de casa:
1 - Fazer o auto-registro do comportamento Idem 1a sessão
de fumar durante a semana
2 - Fazer o gráfico dos cigarros consumidos Idem 1a sessão
diariamente

Sobre Comportamento e Cognição 37


4aSESSÃO Procedimento
1 - Revisar as tarefas da semana Idem 2a Sessão.

2 - Analisar antecedentes e conseqüentes Idem 2a sessão.


do comportamento de fumar

3 - Planejar o processo de abandono do Este planejamento constitui-se em reduzir a


comportamento de fumar quantidade de cigarros diariamente, para que no
final da semana seguinte, não se fume nenhum
cigarro. Este procedimento só será iniciado pelos
participantes que seguiram o programa de
tratamento de modo apropriado, ou seja: que
tenham deixado de fumar nas situações previstas;
que efetuaram a mudança de marca ou a
diminuição da quantidade de cigarros
adequadamente, que tiveram poucos sintomas da
síndrome de abstinência ou utilizaram estratégias
adequadas para lidar com esses sintomas. Para
aqueles participantesque não cumpriram os critérios
descritos acima, a data de abandono será adiada
para a sexta sessão. Para estes, a tarefa será
diminuir 30 % a quantidade de cigarros fumados em
relação à média da semana anterior.

4 - Propor estratégias para reduzir o Continuar com as estratégias estabelecidas na


consumo de cigarros sessão anterior, no entanto, aumentar o tempo sem
fumar depois do almoçar ou acordar para 45
minutos e aumentar o tempo sem fumar após o
jantar, café e ceia para 30 minutos.

5 - Técnica de controle de estímulos Idem 3aSessão.

6 - Ensinar como lidar com os impulsos para Explicar que o desejo incontrolável de fumar tende
fumar a diminuir de intensidade e freqüência, com o
passar do tempo.
Orientar os participantes a utilizar as mesmas
estratégias já expostas para controlar os sintomas
da síndrome de abstinência.
7 - Diferenciar caída de recaída A caída significa a ocorrência de um episódio
isolado de consumo de cigarro, sem que a pessoa
volte a fumar regularmente, enquanto que a
recaída, o retorno ao consumo regular de cigarros.
Em um momento de caída, o participante deve ser
orientado a refletir sobre os eventos antecedentes
que o levaram a fumar, e, assim, lembrar das
técnicas já utilizadas para lidar com situações
semelhantes, como por exemplo: sair do ambiente,
fazer alguma outra coisa, etc. Informar que o
segundo cigarro deve ser evitado para que o
processo de dependência não se desenvolva
novamente, o que seria a recaída.
8 - Discutir sobre problemas que podem Orientar o participante, como proceder diante de
surgir nesta altura do tratamento alguns problemas, tais como: estar mais lento do
que o previsto; retroceder no programa; falta de
motivação ou apoio social.

9 - Feedback Fisiológico Idem 1asessão

38 Juliana A. Gavazzoni, Maria Luiza Marinho-Casanova, Juliana T. Marcatto, Juliane C. Natalin


Tarefas de casa:
1 - Fazer o auto-registro do comportamento Idem 1asessão
de fumar durante a semana
2 - Fazer o gráfico dos cigarros consumidos Idem 1a sessão
diariamente

5a e 6a SESSÕES Procedimento

Os objetivos destas sessões dependem da


fase em que se encontra o participante.
Para aqueles que deixaram de fumar na
quinta sessão, o tratamento praticamente
termina neste encontro e a sexta sessão
servirá como um encontro adicional de
reforço. Para aqueles que não atingiram
todos os objetivos propostos e ainda não
estão abstinentes, a quinta sessão será
utilizada para planejar o abandono do
cigarro e o tratamento se encerrará na sexta
sessão. Estes participantes devem repetir
as atividades indicadas na 4a sessão. Serão
descritos a seguir, os objetivos da sessão
para quem já parou de fumar.

1 - Revisar as tarefas da semana Idem 2asessão

2 - Discutir sobre os resultados do programa Indagar ao participante sobre sua experiência de


e planejamento futuro abandono do cigarro, as conseqüências positivas e
negativas que o participante considera ao ter
deixado de fumar, os benefícios observados até o
momento e suas expectativas sobre o futuro como
um não fumante. Revisar as técnicas aprendidas
durante o programa e orientar para que o
participante as coloque em prática no futuro.

3 - Informar sobre sensações físicas que Explicar que os participantes podem sentir a boca
podem ocorrer nas primeiras semanas sem seca ou sabor da nicotina na boca, em função da
nicotina eliminação da nicotina através da saliva. Além
disso, revisar as estratégias já expostas para lidar
com a vontade incontrolável de fumar.
4 - Discutir algumas regras inadequadas em Algumas regras inadequadas sobre o abandono de
relação à cessação do tabagismo cigarros devem ser expostas, tais como: ao deixar
de fumar a saúde piora; ao deixar de fumar fica-se
mais ansioso ou nervoso; ao deixar de fumar
ganha-se peso; ao deixar de fumar fica-se
agressivo; ao deixar de fumar perde-se a
concentração; ao deixar de fumar, se ocorre de
fumar um cigarro, volta-se a ser fumante
novamente. Discutir sobre a inadequação de cada
uma das regras.

5 - Feedback Fisiológico Idem 1a sessão

Sobre Comportamento e Cognição 30


do programa. Já no ambiente social, observaram-se relatos de melhora em relaciona­
mentos pessoais em função da redução do cheiro de cigarro e mau-hálito. É possível
que a presença destas conseqüências reforçadoras tenha produzido um conflito com
as conseqüências punitivas do comportamento de parar de fumar, contribuindo, desta
forma, para que o comportamento de autocontrole se tornasse mais provável. Segundo
Skinner (1953/2003), esta condição de conflito entre conseqüências seria uma ocasião
para se estabelecer o autocontrole, ou seja, para que o indivíduo venha a controlar as
variáveis das quais seu comportamento é função, e neste caso, parar de fumar. É
importante ressaltar que o que vai determinar se estas conseqüências entrarão em
conflito será provavelmente a intensidade e a freqüência das mesmas, o que por sua
vez depende tanto das circunstâncias presentes quanto da história pessoal de reforço
e punição (Baum, 1999). No entanto, aumenta-se a probabilidade de que o conflito
ocorra quando se utilizam estratégias nas quais o comportamento de fumar menos
pode produzir conseqüências reforçadoras.
Comparando a parada gradual da nicotina com a parada abrupta, que é utiliza­
da por muitos programas de intervenção, pode-se supor porque a primeira exerce van­
tagem sobre a segunda. Quando a parada é brusca, pode ocorrer a síndrome de absti­
nência, caracterizada pela presença de algumas alterações comportamentais, tais como:
humor disfórico ou deprimido; insônia; irritabilidade; frustração ou raiva; ansiedade;
dificuldade para concentrar-se; inquietação ou impaciência; freqüência cardíaca dimi­
nuída e aumento do apetite ou ganho de peso (DSM-IV, 1995. p.236). Ao contrário das
possíveis conseqüências reforçadoras mencionadas anteriormente, produzidas pela
parada gradual, a parada abrupta pode produzir conseqüências punitivas à retirada do
cigarro, e com isso, aumentar a probabilidade do indivíduo retornar a fumar.

Feedback fisiológico
Outra estratégia que parece ter tido efeito sobre o comportamento de fumar
durante o programa se refere ao feedback fisiológico. Esta estratégia se caracteriza
pelo fornecimento, aos fumantes, dos resultados obtidos nas avaliações do índice de
monóxido de carbono (CO) do ar expirado, feita através de um aparelho denominado
medidor de monóxido de carbono. O resultado da avaliação ocorre imediatamente após
a expiração de ar no bocal do aparelho. Esta avaliação foi realizada semanalmente
durante as sessões. Quando o participante efetuava a redução do consumo de cigarro,
conforme proposto pelo programa, os valores de CO também diminuíam a cada sema­
na. Desta forma, tanto a informação da diminuição nos valores de CO, como os compor­
tamentos de aprovação emitidos pelos dois terapeutas e outros participantes podem
ter funcionado como conseqüências reforçadoras para o comportamento de fumar
menos. Em contrapartida, quando o participante não realizava a redução do consumo
de cigarros, os valores de CO permaneciam iguais ou mesmo aumentavam; neste
caso, a informação destes valores pode ter funcionado como conseqüência punitiva
para o comportamento de continuar fumando a mesma quantidade.
Portanto, parece que tanto a parada gradual quanto o feedback fisiológico são
estratégias que aumentam a probabilidade de conseqüências reforçadoras do com­
portamento de fumar menos, o que, por sua vez, pode aumentar as chances da retirada
total do cigarro. Estas técnicas podem ser consideradas eficientes na medida em que
promovem o reforço natural do comportamento, ao contrário de técnicas que utilizam
reforços arbitrários, como a gratificação monetária, por exemplo.

40 Juliana A. Gavazzoni, Maria Luiza Marinho-Casanova, Juliana T. Marcatto, Juliane C. Natalin


Automonitoramento
Outra estratégia utilizada no programa se refere ao automonitoramento, realiza­
do através do auto-registro e da representação gráfica. O auto-registro é a anotação
diária dos cigarros consumidos, assim como horários e situações associadas com
cada cigarro fumado. A representação gráfica é a anotação do consumo diário de cigar­
ros em um gráfico, o que possibilita uma visão mais concreta da freqüência do compor­
tamento de fumar. A partir do auto-registro, durante as sessões os participantes são
orientados a identificar os antecedentes e os conseqüentes do seu comportamento de
fumar. Alem disso, são fornecidas explicações sobre a relação entre eventos antece­
dentes, resposta e eventos conseqüentes. Isso possibilita o conhecimento de contin­
gências ambientais envolvidas na manutenção desse comportamento: o fumante pas­
sa a identificar estímulos discriminativos, operações estabelecedoras e regras que
podem estar funcionando como antecedentes (Meyer, 2003), assim como conseqüên­
cias reforçadoras e punitivas do seu comportamento de fumar.
Alguns estímulos apontados como antecedentes por participantes do Progra­
ma foram: estar nervoso, ansioso, irritado, triste, ingerir bebidas alcoólicas, brigar com
alguém, dificuldade com alguma tarefa, falar ao telefone, após acordar, após o almoço,
dirigir, estar na presença de fumantes, entre outros. Sobre os estímulos conseqüentes,
identificou-se: sentir prazer, sentir-se mais relaxado ou mais concentrado em alguma
atividade, sair de um ambiente estressante, redução da fome, redução de peso, entre
outros.
Como se pode constatar, eventos privados como prazer, ansiedade, irritabilidade,
tristeza e relaxamento são freqüentemente apontados como estímulos antecedentes e
conseqüentes ao comportamento de fumar. Isto ressalta a importância do conhecimen­
to pelo terapeuta dos pressupostos da análise do comportamento quando se utiliza a
análise funcional como estratégia de intervenção, pois, desta forma, poderá ajudar o
fumante a reconhecer as variáveis ambientais que estão relacionadas com estes even­
tos internos e, conseqüentemente, com o comportamento de fumar. Portanto, o conhe­
cimento das contingências de manutenção do comportamento de fumar, proporcionado
pelas estratégias expostas acima, auxilia tanto ao terapeuta ou pesquisador, quanto ao
participante, a identificar as mudanças ambientais que podem ter efeito sobre o com­
portamento de fumar, de forma a diminuir sua freqüência. Além disto, permite uma
individualização do programa, ou seja, cada participante faz registro e análise do próprio
comportamento e as alterações no ambiente dependerão desta análise, sendo, desta
forma, diferentes para cada indivíduo.

Controle de estímulos
A identificação dos estímulos ambientais que funcionam como estímulos ante­
cedentes do comportamento de fumar também possibilita a implementação do controle
de estímulos, ou seja, que o indivíduo reduza sua exposição a estímulos que podem
estar associados ao comportamento alvo (Rimm, & Masters, 1983). Várias atividades
propostas pelo programa se fundamentam na evitação inicial de estímulos que exer­
cem forte controle sobre o comportamento de fumar do indivíduo ou na realização de
comportamentos alternativos ao fumar.
Uma das orientações se refere a aumentar gradualmente o tempo entre deter­
minadas situações e o fumar. Os participantes são orientados a fazer um intervalo entre
situações como acordar, fazer uma refeição ou tomar café e o fumar. Na primeira sema­
na, deve estabelecer um intervalo de 15 minutos, passando para 30 minutos e 45

Sobre Comportamento e Cognição 41


minutos nas semanas subseqüentes. Outra orientação é que o fumante deixe de fumar
em três situações a cada semana. Os participantes do Programa são auxiliados na
escolha das situações mais fáceis e discute-se com eles a possibilidade de evitar tais
situações ou realizar comportamentos alternativos ao comportamento de fumar. No
caso de um participante que costuma estar na companhia de fumantes após o almoço,
por exemplo, ele poderá procurar a companhia de pessoas não fumantes neste horário,
ou então, tomar um chá ou chupar uma bala, caso isto o ajude a não fumar.
Algumas regras gerais também são fornecidas para aliviar os sintomas da
síndrome de abstinência, tais como: beber bastante água, assim como sucos e outras
bebidas sem álcool; reduzir o consumo de álcool; reduzir o consumo de café; fazer mais
exercício físico (caminhar, passear, visitar amigos); respirar profundamente; chupar balas
ou chicletes sem açúcar em vez de fumar um cigarro; substituir o cigarro da mão por
outro objeto; e realizar atividades desejadas que sempre foram adiadas. É importante
ressaltar que a mesma estratégia pode ajudar alguns e não outros, como por exemplo,
para um fumante, chupar balas pode ser uma forma de evitar o cigarro, enquanto que
para outro pode até aumentar a vontade de fumar.
Finalmente, a estratégia de prevenção de recaídas se refere a discussões de
planos estratégicos para lidar com situações futuras que podem desencadear a “fissura”
(desejo incontrolável de fumar). Dentre esses planos estratégicos se encontram: sair
de uma situação de alto-risco e substituir o comportamento de fumar por comportamen­
tos concorrentes. Tanto as estratégias que envolvem a evitação de estímulos quanto as
que discutem respostas alternativas ou competitivas contribuem para que o indivíduo
altere seu ambiente, fique sob controle de novos estímulos e, conseqüentemente, dimi­
nua a probabilidade do comportamento de fumar.

Conclusão
Procurou-se, no decorrer do texto, descrever as estratégias de intervenção utiliza­
das em um programa multicomponente comportamental para parar de fumar, assim
como iniciar uma discussão a respeito da funcionalidade destas estratégias a partir da
perspectiva da análise do comportamento. Observa-se, na literatura, que a maioria dos
programas de intervenção para cessação do tabagismo vêm sendo descritos em forma
de pacotes de técnicas sem a preocupação com os fundamentos teóricos envolvidos em
cada uma delas. Acredita-se que para o analista do comportamento, é necessário o
conhecimento das relações que se estabelecem durante uma intervenção para entender
a modificação do comportamento, não se restringindo, desta forma, apenas à avaliação
de resultados. Sem dúvida alguma, conhecer os resultados é extremamente importante e
útil para a aplicação prática de um programa de tratamento. No entanto, entender os
princípios de aprendizagem envolvidos em cada estratégia pode possibilitar maior con­
trole sobre as variáveis ambientais relacionadas com o comportamento de fumar.

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42 Juliana A. Gavazzoni, Maria Luiza Marinho-Casanova, Juliana T. Marcatto, Juliane C. Natalin


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Sobre Comportamento e Cognição 43


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44 Juliana A. Gavazzoni, Maria Luiza Marinho-Casanova, Juliana T. Marcatto, Juliane C. Natalin


-------------- Capítulo 4
Metacontingências, THS e estratégias de
inclusão: dimensões e instrumentos
compatíveis com o tema transversal da
ética?

Kester Carrara
AlessandraTurini Bolsoni-Silva
Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu
UNESP

A dimensão ético-moral está consolidada no contexto dos PCNs (Parâmetros


Curriculares Nacionais) como tema transversal privilegiado pelo Estado democrático
voltado para o reconhecimento de direitos e deveres dos cidadãos e interessado em
fazer avançar uma sociedade livre, justa e solidária. A dimensão ética da educação
escolar, aí assegurada, já dispõe de conteúdos prioritários e estratégias de educação
formal descritas a partir das propostas oficiais. Todavia, a educação ético-moral, que
prioriza a consolidação da cidadania ao garantir direitos civis e políticos, também
acontece fora da escola, no contexto das articulações do processo educacional com as
manifestações culturais de uma sociedade civil particular. Naturalmente, o conceito
ampliado de cidadania vai muito além desses direitos e implica interações sociais
complexas. Por certo, constitui papel fundamental da Psicologia ocupar-se com tais
interações. Estas, sob a mediação teórico-epistemológica do Behaviorismo Radical,
implicam relações do organismo com o contexto antecedente e conseqüente via
comportamento, cabendo particularmente à Análise do Comportamento descrever as
contingências que permeiam os chamados comportamentos pró-sociais e/ou pró-
éticos. Tal responsabilidade já vem sendo assumida pela Análise do Comportamento
(AC) e a literatura mostra algumas iniciativas recentes a respeito. No entanto, para
além das incumbências prescritas pelo Ministério da Educação para as intervenções
em sala de aula, existem possibilidades de atuação de grande alcance, representadas
pelas interações sociais fora da escola. A ocupação desse segmento fundamental de
atuação tem requerido o desenvolvimento de estratégias de amplo espectro, incluindo
mais componentes que as intervenções individuais nos clássicos “problemas de
comportamento”, “problemas de aprendizagem” e “problemas escolares”, embora a
contribuição da AC na programação de contingências de ensino regular e formal continue

Sobre Comporlamento e Cognição 45


constituindo viés de intervenção relevante. A atuação no entorno da escola implica
interações sociais complexas e exige estratégias dirigidas ao redimensionamento de
práticas culturais via políticas públicas. Nessa perspectiva, alguns instrumentos,
estratégias e conceitos, conforme registra a literatura da área, parecem convergir para,
aos poucos, constituírem instrumental consistente de atuação do analista do
comportamento no campo dos temas transversais, especialmente nas questões ético-
morais, cujo processo educacional dá-se, sem dúvida, desde antes da idade escolar.
Nesse contexto, este capítulo prioriza três estratégias de análise e
exemplificação de possibilidades de atuação do analista do comportamento, articulando
o conceito glenniano de metacontingências, a estratégia instrumental do procedimento
de Treino de Habilidades Sociais (THS) e dimensões atuais, éticas e de intervenção, do
processo de inclusão social. A análise toma como pressuposto que tais temas parecem
justificar-se automaticamente no âmbito da busca, pela AC, de respostas para a questão
sobre se será útil: 1) a unidade conceituai das metacontingências (proposta por Sigrid
Glenn) enquanto instrumento para a descrição de interações sociais complexas, 2) um
conjunto de adaptações à estratégia típica do THS, dirigidas à formação ética para a
cidadania e 3) uma abordagem comportamentalista à inclusão social no contexto de
uma sociedade democrática - para, articulados, constituírem aporte significativo para
uma contribuição possível e sistemática da AC ao tema transversal da ética, com
dimensões externas à instituição escolar.
A análise do primeiro aspecto implica tratar diretamente com as questões éticas
mais relevantes e com as estratégias recentes dos delineamentos culturais. Se por um
lado a literatura recente parece tornar muito otimista a idéia de que o desenvolvimento
estratégico-metodológico e o campo de aplicação da Análise do Comportamento às
práticas culturais está se ampliando para situações até recentemente pouco imaginadas,
por outro a questão das prescrições ético-morais nos delineamentos continua mantendo
um fórum aberto de análises e argumentos que buscam esclarecer a possibilidade de
um acordo consolidando regras aceitáveis para a atuação do analista enquanto cidadão-
cientista. Nessa perspectiva, o enfrentamento das escolhas ético-morais para as
intervenções sociais constitui questão inevitável para o analista do comportamento,
tanto quanto para o psicólogo em geral, por conta de seu caráter imanente à atuação
desses profissionais no âmbito individual ou social das interações: trata-se, sempre,
de um campo aberto e complexo de valores em discussão. Todavia, essa preocupação
inevitável e relevante tem estado associada, cada vez mais, a uma tendência recente de
ampliação e diversificação da tecnologia comportamental, sobretudo, através da
incorporação de estratégias nem sempre oriundas do corpo teórico behaviorista radical,
embora freqüentemente com ele compatível. Nessa perspectiva, alguns instrumentos,
estratégias e metas anteriores à consolidação dos delineamentos culturais como campo
de atuação do analista (que a literatura mostra ser recente, embora Skinner já tivesse
previsto desde Waiden Two e Ciência e Comportamento Humano) começam a ser
abordadas como parcerias compatíveis com a análise comportamental aplicada à
cultura. Avaliar e intervir em práticas culturais implica, diretamente, lidar com o
comportamento social, que Skinner explicitava ser “... o comportamento de duas ou
mais pessoas, uma em relação à outra ou, em conjunto, em relação a um ambiente
comum” (1953, p. 17). A presença de outra pessoa deve implicar participação relacionai
na interação, seja constituindo evento ou parte de evento diante do qual o organismo
responde, seja configurando fonte de conseqüências que controlam o comportamento
desse organismo. O comportamento social dimensionado pelo controle face a face já é
bastante complexo, mas sua análise permanece dependendo, basicamente, das
funções inter-individuais que exerce. Por outro lado, o comportamento social adquire

46 KesterCarrara, Alessandra Turini Bolsoni-Silva, Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu


dimensões mais complexas, porque passa ao âmbito das práticas culturais, onde,
para além das conseqüências indivíduo a indivíduo, exercem papel fundamental as
conseqüências “para o grupo”, ou seja, as conseqüências que afetam o comportamento
de diversas pessoas (a um só tempo e/ou na mesma direção). As práticas culturais,
nesse sentido, ultrapassam o próprio conceito de comportamento social (embora o
incorporem) pela sua implicação na transmissão cultural de repertórios, na medida em
que eles sejam funcionais para a preservação dessa mesma cultura.
Por exemplo, no caso da criança com problema de comportamento, se a cultura
prevê e prioriza práticas culturais positivas de educação de filhos, permite a redução de
problemas de comportamento e de práticas negativas, havendo, então, comportamento
social estabelecido entre pais e filhos. Para além das conseqüências para os próprios
indivíduos envolvidos há também uma conseqüência para o grupo, de interesse para a
cultura, que se refere à redução de problemas escolares (comportamentais e
acadêmicos), promoção de comportamentos pró-sociais e saúde, de maneira geral.
Nesse sentido, um dado básico das práticas culturais é sua replicação através
das gerações. Naturalmente, o fato de que algumas práticas culturais sejam - no logo
prazo - deletérias para a sobrevivência dos indivíduos que compõem uma cultura, não
significa que deixem de ser práticas culturais ou que práticas culturais necessariamente
mantenham como princípio a sobrevivência de todos os indivíduos que participam de
determinada cultura, durante todo o tempo. A poluição industrial, sem dúvida, produz
efeitos nocivos à saúde do coletivo de indivíduos, mas, apesar disso, pode reproduzir-
se por muito tempo como produto de uma prática cultural à custa de arranjos de
contingências que provêm conseqüências reforçadoras outras importantes para quem
assim procede (poluindo). Não é diferente no caso das interações estabelecidas entre
pais e filhos, em que práticas coercitivas (bater, gritar, castigar) são comuns e aceitas na
cultura e se são mantidas de geração em geração é porque produzem conseqüências
reforçadoras para os indivíduos e para cultura. Por exemplo, os pais conseguem
obediência, ainda que em parte das vezes e a cultura, em longo prazo, têm indivíduos
que se adequam às normas sociais vigentes, mas por outro lado, há também
comportamentos problema para parte das crianças e problemas psicológicos a curto e
longo prazo, trazendo implicações para os indivíduos e para a cultura.
As conseqüências que agem sobre o indivíduo selecionam respostas
particulares; já as conseqüências que atuam sobre os componentes do grupo
selecionam práticas culturais que, por último, também remetem aos comportamentos
dos indivíduos, mas com uma especificidade e natureza distinta: são tipicamente
comportamentos articulados responsáveis pela produção de conseqüências
compartilhadas pelo grupo social. Esse é um dos sentidos principais em que é possível
falar de contingências entrelaçadas: os comportamentos operantes individuais dos
membros do grupo são controlados por parâmetros de freqüência (e/ou duração,
intensidade, topografia ou outra medida) compatíveis e funcionais para a produção (a
curto ou em longo prazo), de contingências funcionalmente equivalentes para os
participantes dessa comunidade. Conforme Carrara (2008, p. 49):

"Via de regra, quando se examina o envolvimento de uma coletividade na


produção de práticas culturais entre si coerentes e dirigidas à produção de
conseqüências compartilháveis, está-se diante de um conceito, proposto por Glenn
(1988) no contexto da área de delineamentos culturais: o de produto agregado.
Esse conceito tem implicações para a descrição de certo caráter de conformidade
ou, mesmo, acordo cooperativo entre os participantes, algumas vezes atrelado à

Sobre Comportamento e Cognição 47


caracterização de práticas culturais. De fato, em muitas culturas é comum observar
práticas que, embora produzam conseqüências de curto prazo reforçadoras para
todos ou a maioria dos membros do grupo, no longo prazo podem levar a
conseqüências nefastas, como é o caso do uso indiscriminado de recursos naturais,
de que todos podem usufruir num certo momento mediante benefícios individuais
imediatos que alcançam a todos do grupo, mas que, ao final, podem representar o
advento de conseqüências aversivas atrasadas em larga escala. Portanto, não é
um caráter intrinsecamente ubom" ou “mau”, no sentido ético-moral, das próprias
práticas, que leva à sua preservação, mas a disposição (muitas vezes não
planejada) de contingências que tornam menos ou mais provável a emissão de
certos comportamentos que compõem tais práticas

Nesse contexto de discussão, embora pareçam completos e definitivos os


conceitos de contingências e de esquemas complexos de reforçamento, viabilizados
por Skinner, resulta bem-vinda a proposta de Glenn (1986, 1988), que propõe uma nova
unidade conceituai, formulada para viabilizar a descrição das intrincadas relações
funcionais presentes nas práticas culturais. Suas metacontingências se distinguem
das contingências pelo fato de que se estas descrevem relações entre uma classe de
respostas e uma conseqüência comum à classe, aquelas se referem a relações entre
uma classe de operantes e uma conseqüência cultural comum.
As metacontingências, ao incluírem a proposta de um produto agregado,
sinalizam com o fato de que, com freqüência, é possível identificar nas ações articuladas
do grupo o surgimento e compartilhamento de um produto, um resultado que afeta
aqueles que o compõem. Um estudo bem sistematizado, incluindo representações
paradigmáticas de contingências entrelaçadas e metacontingências, pode ser encontrado
em Andery, Micheletto, & Sério (2005).
Portanto, no contexto social (Skinner, 1953), há um modo especial pelo qual se
estabelecem relações funcionais entre comportamento, eventos antecedentes e
conseqüências: práticas culturais estão presentes quando se considera a
interdependência dos comportamentos individuais. Estão sempre em jogo, para sua
manutenção, mudança ou extinção, os efeitos de conseqüências de curto e de longo
prazo. Intervir no contexto das práticas culturais não muda a lógica skinneriana: continua
presente o critério de descrição das relações organismo-ambiente, avaliação de
antecedentes e conseqüentes e programação de (meta) contingências.
De posse dos principais instrumentos conceituais skinnerianos (dimensão
cultural como terceiro nível se seleção pelas conseqüências, conceitos de delineamento
cultural, contingência e esquemas de reforçamento) e da adição conceituai glenniana
(metacontingências), o analista interessado em análise comportamental das práticas
culturais está razoavelmente preparado para enfrentar alguns “problemas sociais”
importantes. No entanto, sempre terá que se defrontar com pelo menos cinco questões
e obstáculos dos quais terá sempre dificuldade de se desvencilhar: 1) o problema da
justificação racional de valores; 2) a necessidade de uma tecnologia consolidada sobre
a dicotomia reforçadores imediatos/reforçadores atrasados; 3) o desenvolvimento de
estratégias de sensibilização dos agentes públicos; 4) a superação das práticas e
conceitos que invocam apenas preceitos ético-morais, via “conscientização”, no âmbito
das políticas públicas; 5) a consolidação de estratégias de intervenção via agregação
tecnológica de diversas áreas que mantêm compatibilidade conceitual-teórica.
A questão primeira parece, no limite, teoricamente insuperável. Com Skinner,
pensaríamos que fazer um julgamento designando algo como bom ou ruim significa
classificá-lo em termos de seus efeitos reforçadores. Com Dittrich (2008), não há nada

48 KesterCarrara, Alessandra Turini Bolsoni-Silva, Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu


além de nossa história (filogenética, ontogenética e cultural) que nos permita justificar
racionalmente os valores que defendemos. Portanto, não se vislumbra de perto uma
solução lógica com base em argumentos que transcendam nossa experiência para a
adoção de valores. Todavia, os diferentes grupamentos sociais, através das próprias
práticas culturais, por conta igualmente da sua história de controle pelas conseqüências,
criam, consolidam ou eliminam regras que dimensionam escolhas ético-morais.
Diversos agentes, por vezes em conflito, são responsáveis por tais prescrições, dentre
eles representados, como no nosso modelo de Estado, nos três poderes e suas
ramificações. Parece razoável, pela via pragmática do behaviorismo radical, que as
escolhas éticas do analista do comportamento, nessa perspectiva, se pautem pelo
valor genérico de busca de justiça social, com auxílio das prescrições compatíveis
presentes em documentos como a Constituição brasileira, o Código de Ética do
Psicólogo. Todavia, não raro, os conflitos surgidos a partir das próprias práticas culturais
sugerem a necessidade de mudanças em tais fontes de prescrições. Essa dinâmica,
portanto, reitera a impossibilidade de superação cabal do problema da justificação
racional de valores. De modo algum, no entanto, poderá o analista (como, de resto,
psicólogos de qualquer mediação teórico-epistem ológica) interessado nos
delineamentos culturais desvencilhar-se da necessidade de enfrentamento desse
primeiro obstáculo.
A segunda questão é um problema eminentemente técnico para a elaboração
de projetos de intervenção cultural mediante estratégias de análise do comportamento.
Não será diferente nas situações abordadas por este texto, no que se refere às interações
sociais no entorno da escola e da escola com a comunidade ou nas diferentes situações
onde se identificam os problemas com a inclusão social. É um problema técnico, por
certo, que tem implicações estratégicas. O fato empírico, já de há muito pesquisado, de
que a imediaticidade do reforçamento participa de sua eficiência, evidencia um confronto
de resultados freqüentemente presente nos resultados de certas políticas públicas:
práticas culturais “desejáveis” e bastante consensuais. Por exemplo, aquelas ligadas à
preservação ambiental tornam-se difíceis de implantar por conta de que o reforço imediato
de atividades predatórias compete com as conseqüências de longo prazo representadas
por um etéreo “bem comum”. Embora essa dicotomia conceituai seja bem conhecida
no contexto dos princípios básicos da Análise do Comportamento, suas implicações e
as possibilidades técnicas de arranjos que superem o conflito ainda estão por acontecer
até que se consolidem enquanto efetiva tecnologia dominada pelos analistas.
O terceiro problema constitui desdobramento do anterior e acrescenta um caráter
quase “autofágico” aos empreendimentos de delineamento cultural: se não conseguimos
estabelecer conseqüências que controlem o comportamento dos agentes que podem
decidir (e, em tese, foram por nós escolhidos para tanto) sobre quais políticas devem
ser implantadas, o trabalho do analista vai à “estaca zero”, já que temos aí um problema
de circularidade. Se não “convencemos” as agências de controle, poucas outras
alternativas estão disponíveis, embora o contracontrole possa vir por outras estratégias,
como pela disponibilização imediata do aparato conceituai diretamente às populações
excluídas do contexto de justiça social. De todo modo, sempre esse tipo de dificuldade
nos remete à inescapável questão da justificação de valores. Também por isso, muito
mais pesquisas, inclusive de natureza filosófica, epistemológica e teórica-conceitual
precisam ser empreendidas.
O quarto problema implica também a superação definitiva das crenças sobre
que a disseminação de valores, nas campanhas de “convencimento” e “conscientização”
da população tenham grande valor de mudança comportamental, se tal veiculação for

Sobre Comportamento e Cognição 49


desacompanhada de conseqüências bem definidas. Exemplos notórios podem ser
lidos nas campanhas de prevenção típicas do uso de tabaco, bebidas alcoólicas e
adição a drogas; de conservação de recursos naturais; de vacinação, de combate à
dengue e tantas outras. Nos projetos de delineamentos culturais, as relações entre
comportamento e conseqüências precisam ficar bastante claras, se se planejam efeitos
estáveis.
Por último, mas igualmente relevante, especialmente do ponto de vista prático,
a questão da consolidação tecnológica das práticas de intervenção comportamentalistas
no contexto das interações sociais complexas. Seja no aspecto filosófico, onde a história
behaviorista mostra alternâncias entre modificações drásticas e sutis, desde o
behaviorismo clássico watsoniano, passando pelo behaviorismo metodológico e se
estabelecendo com o behaviorismo radical skinneriano, seja no aspecto teórico, com o
abandono às dimensões de “drives” e da lógica de reflexos para explicação de
comportamentos específicos que passaram a ser designados de operantes; com o
desenvolvimento refinado de estratégias em equivalência de estímulos, seja no aspecto
de aplicação, com a absorção e adaptação, a partir do conceito de “role-playing”, da
estratégia de ensaio comportamental; com a (discutível) adoção da dimensão (e
designação) “cognitivo”-comportamental às estratégias terapêuticas, é fato que a Análise
do Comportamento dialoga, historicamente, com múltiplos interlocutores. De parte deles,
tem absorvido conceitos, estratégias e técnicas. Quando, como resultado desse
processo colaborativo, resultam conflitos de natureza teórico-filosófica, a tendência, no
curto ou longo prazo, é o abandono das alternativas tentadas. Todavia, parece natural
que, independentemente de terem surgido como conseqüência de pesquisas
desenvolvidas diretamente por analistas do comportamento, quando é possível,
principalmente, a adaptação de instrumentos compatíveis com a AC, seu uso e
aperfeiçoamento sejam validados. Os delineamentos culturais, enquanto estratégias
de desenvolvimento recente e ainda incompleto, por certo podem viabilizar e adaptar
estratégias de atuação, ainda que originários de outras áreas, que se compatibilizem
com os principais pressupostos. “Habilidades sociais”, por exemplo, são efetivamente
vistas, dentro da AC, em primeiro lugar, como repertórios de comportamento; na
seqüência, enquanto repertórios que atendam a prescrições típicas de determinada
comunidade cultural. Nessa perspectiva, a compatibilidade e relevância de instrumentos
e procedimentos viabilizam-se bastante úteis nas intervenções ora examinadas.
No contexto de tal caracterização das análises teóricas, pesquisas e
intervenções típicas da Análise Comportamental Aplicada, dois exemplos e situações
serão destacados na seqüência, ilustrando esforços possíveis para sua descrição,
avaliação e implementação de mudanças de repertórios comportamentais. Trata-se de
dois cenários, em estudos aqui resumidos: 1) o da auspiciosa possibilidade de análise
de um conjunto de regras associadas a um projeto de Estatuto da Pessoa com
Deficiência, onde comportamentos pertencentes à dimensão ético-moral em que se
insere o conceito de inclusão são passíveis de avaliação através da unidade conceituai
das metacontingências; a pesquisa implica uma possibilidade interessante para refletir
sobre a intersecção das técnicas de análise do conteúdo ético-moral ali presente; 2) o
da possibilidade de avaliar em que medida e como um instrumento útil para a instalação,
consolidação e/ou mudança de repertórios mediante Treino de Habilidades Sociais,
quando realizado a partir de um enfoque behaviorista radical, se defronta e lida com a
questão dos valores culturais em jogo.
Estudo 1: Considera-se que políticas públicas devem estabelecer diretrizes para garantia
de igualdade de oportunidade de acesso aos diversos contextos, independentemente

50 Kester Carrara, Alessandra Turini Bolsoni-Silva, Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu


das diferenças individuais. Na prática, tais diretrizes requerem que o foco das ações
seja deslocado da diferença individual para a adaptação do ambiente físico e social.
Caracterizada como decorrência de diferentes ações de intervenção, a inclusão resulta
de interações complexas estabelecidas e mantidas por diferentes agentes e agências,
tais como governo, instituições formadoras de educadores, escolas, pessoas com
necessidades educativas especiais, suas famílias e a mídia. Uma das práticas que
pode oferecer um conjunto de condições para que a inclusão ocorra é o estabelecimento
de leis. Leis, no âmbito deste trabalho, são entendidas enquanto formulações verbais
que descrevem comportamentos e que, para melhor compreensão e controle do que
indivíduos de um grupo fazem, deve especificar as ações a serem realizadas, sob quais
circunstâncias devem ser emitidas e prever conseqüências para seu cumprimento ou
não cumprimento. Nesse contexto, essa pesquisa teve como objetivo analisar o PLS
06/2003, projeto de lei ora em tramitação no Senado, que institui o Estatuto da Pessoa
com Deficiência, sob análise de uma Comissão de Assuntos Especiais em processo
de reformulação. Um objetivo foi identificar e descrever enunciados de contingências e
caracterizá-las: se completas ou incompletas; se contêm prescrição de conseqüências
governamentais; se as formulações são cerimoniais ou tecnológicas; se suas
formulações são afirmativas. Outro objetivo foi verificar se as contingências se
entrelaçavam sob diferentes aspectos: se artigos classificados como antecedentes se
repetiam em contingências diferentes; se diferentes artigos funcionariam como
antecedentes para o mesmo comportamento e se comportamentos descritos em um
artigo funcionariam como ambiente social para outro comportamento descrito em outro
artigo. O método de trabalho adotado foi semelhante ao estudo realizado por Todorov,
Moreira, Prudêncio, & Pereira (2004) na análise do Estatuto da Criança e do Adolescente,
em que foi gerada uma metodologia de análise do entrelaçamento de contingências
presente em códigos de lei. Foram identificadas 74 contingências, sendo que 35% são
completas e 65% incompletas. Das contingências completas, 62% descrevem
formulações positivas e 38% negativas; 42% foram classificadas como cerimoniais e
58% como tecnológicas. Em relação às possibilidades de entrelaçamento de
contingências observou-se que o texto descreve formulações de contingências com as
características de um ambiente social. Discutem-se questões relacionadas ao
planejamento de uma cultura baseada na relação com a diversidade e questões relativas
à ética e ao papel do analista do comportamento frente ao seu planejamento.
Mais especificamente, em relação às características de um ambiente social,
foram identificados na proposta de estatuto artigos que descrevem respostas para
determinados grupos de indivíduos e estes artigos, por vezes, assumirem a função de
ambiente para a emissão de outras respostas, descritas em outro artigo. À exemplo
dessa característica pode-se o artigo (Art. 92) que descreve um comportamento para a
Administração Pública e especifica que, nesse âmbito, deverá ser assegurado, em
todos os ambientes, atendimento prioritário à pessoa com deficiência. Esse
comportamento, por sua vez, funciona como antecedente para que agentes como o
Estado, a Família, a Comunidade e a Sociedade assegurem a efetivação desses direitos
bem como a acessibilidade ao ambiente físico e social em todos campos de atuação
(Art. 4o) alertados de que todo atentado aos direitos da pessoa com deficiência será
punido na forma da lei (Art. 8o); então, tanto o Art. 92, que descreve um resposta, quanto
o Art. 8o, que descreve um antecedente, são condições na presença das quais o
comportamento descrito pelo Art. 4o deve ser emitido. Então, as contingências descritas
pelos artigos presentes na proposta de estatuto da pessoa com deficiência entrelaçam-
se, demonstrando características particulares de um ambiente social.

Sobre Comportamento e Cognição 51


A prescrição de leis de maneira geral impõe questões relevantes relacionadas
ao planejamento de uma cultura. A proposição de políticas públicas que descrevem
formas de se relacionar com a diversidade no contexto desse trabalho, por sua vez,
expõe questões relativas à ética e ao papel do analista do comportamento frente ao seu
planejamento. Se a proposta de estatuto ora analisado tem funções éticas prescritivas,
pois se pretende que ele regule o comportamento dos organismos de um grupo social
com relações mais equilibradas com a diversidade, isto é, que ele atue como variável
que controle o comportamento considerado ético, este pode se constituir em objeto de
análise da sobrevivência da cultura. A sobrevivência de um conjunto de práticas se
obtém pela variabilidade de indivíduos e de comportamentos (Dittrich, 2004; 2006) e,
nesse caso, analisar a proposta do estatuto da pessoa com deficiência no contexto de
políticas públicas pode ser um passo importante para a exposição da variabilidade
ética de nossa cultura

Estudo 2. Em intervenções com pais de crianças com problemas de comportamento


pode-se afirmar que muitos estudos são conduzidos mais na tentativa de suprimir tais
comportamentos (Patterson, Reid, & Dishion, 2002), do que de expandir repertórios
funcionalmente equivalentes (Goldiamond, 1974/2002). Neste caso, estudos prévios
(por exemplo, Bolsoni-Silva & Marturano, 2007; Cia, Pereira, Del Prette & Del Prette,
2006) têm indicado que comportamentos habilidosos, no caso habilidades sociais
educativas parentais e/ou práticas parentais positivas, previnem o surgimento e/ou a
manutenção destes problemas e poderiam, portanto, constituir objetos de intervenção.
Para Goldiamond (1976) interações sociais ocorrem quando uma pessoa está engajada
em interações com outras ou com um sistema e os seus comportamentos são ocasiões
e conseqüências para o comportamento do outro. Skinner (1967) afirma que a família é
uma agência de controle e quando não há equilíbrio de reforçadores (Baum, 1999) pode
gerar contra-controle. Car, & Durang (1985) encontraram que crianças emitiam
comportamentos-problema para obter atenção dos adultos e/ou para resolver problemas
e então as ensinaram a pbter esses reforçadores através da comunicação verbal e os
problemas de comportamento diminuíram, atestando que comportamentos socialmente
habilidosos (Del Prette, & Del Prette, 2001) e problemas de comportamento podem ser
considerados funcionalmente equivalentes.
Para Abib (2001), as sociedades devem planejar conseqüências específicas
em prol da sobrevivência das culturas. Uma cultura pós-moderna requer controle do
imediatismo da natureza e invenção de novas práticas culturais. Entendendo práticas
parentais enquanto práticas culturais, acredita-se que é papel da psicologia colaborar
para a invenção de práticas culturais que garantam equilíbrio de reforçadores e interações
sociais mais reforçadoras que punitivas. Nesse contexto apresentam-se resultados de
uma pesquisa com delineamento experimental com medidas repetidas (Cozby, 2003)
que priorizou ampliar, em 14 sessões, habilidades sociais educativas, na tentativa de
reduzir práticas parentais negativas e problemas de comportamento de pré-escolares.
Participaram da pesquisa 13 mães e duas avós de pré-escolares que apresentavam
problemas de comportamento externalizantes. Para avaliar a efetividade do procedimento
foi utilizado o Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas Parentais - RE-
HSE-P (Bolsoni-Silva, 2008), cujos resultados parciais são apresentados abaixo.
Resultados completos com uma amostra de três pessoas estão descritos em Bolsoni-
Silva, Silveira, & Ribeiro (2008). Maiores informações sobre o procedimento de avaliação
e de intervenção podem ser encontradas em Bolsoni-Silva, Bitondi, & Marturano (2008)
e Bolsoni-Silva, Carrara, & Marturano (2008).

52 KesterCarrara, AlessandraTurini Bolsoni-Silva, AnaCláudia Moreira Almeida-Verdu


Como resultado, o escore total de habilidades sociais educativas parentais
aumentou do pré-teste para o pós-teste. Alterações também ocorreram na avaliação
controle (em que foi avaliada a influência da passagem do tempo sem intervenção) para
o pré-teste, o que pode ser explicado pela característica do instrumento em que são
feitas perguntas abertas sobre as contingências em operação, auxiliando, possivelmente,
no auto-conhecimento (Skinner, 1974). Também se notou redução de problemas de
comportamento da avaliação pré-teste para a de pós-teste. O estudo aponta que as
mães expressavam sentimentos negativos diante de comportamentos externalizantes
dos filhos, sobretudo desobediência e agressividade. Antes da intervenção, elas usavam
práticas negativas para resolver os problemas de seus filhos, por exemplo, batendo e
gritando. Os filhos, na mesma direção, antes da intervenção conseqüenciavam as
práticas negativas das mães com comportamentos externalizantes e, com menos
freqüência, com obediência, o que possivelmente mantinha as práticas negativas por
um esquema de reforçamento intermitente. Após a intervenção os problemas de
comportamento reduziram e os comportamentos denominados de Expressão de
sentimentos e enfrentamento (obediência e expressão de sentimentos de forma
socialmente habilidosa) aumentaram de freqüência. Esses resultados, em conjunto,
indicam relação funcional entre comportamentos das mães e dos filhos, pois as
habilidades sociais educativas passaram a ser utilizadas em situações de conflito.
Naturalmente, exemplifica-se aí a importância das dimensões extra-escolares, de
interação com a família, de modo que uma intervenção nessa perspectiva resulta,
generalizadamente, em avanços para a superação, pela criança, de dificuldades
enfrentadas no âmbito educacional. Hipotetiza-se que as mães ofereceram modelo e
modelaram comportamentos socialmente habilidosos das crianças. Se as mães
conseguem resolver problemas com práticas positivas, as negativas perdem sua função,
o mesmo ocorrendo quanto ao repertório dos filhos: se estes conseguem obter atenção
e lidar com tarefas difíceis de forma socialmente habilidosa (Car, & Durang, 1985), os
problemas de comportamento perdem sua função e reduzem de freqüência.
Entende-se que a intervenção cumpriu seu papel de aplicar o modelo
construcional de Goldiamond (1974/2002) quanto a manter e ampliar repertórios positivos
funcionalmente equivalentes e reduzir práticas negativas e problemas de
comportamento. Acredita-se que seja um procedimento auspicioso para subsidiar a
elaboração de delineamentos culturais que visem instrumentalizar políticas públicas,
por ser razoavelmente simples e apresentar resultados substanciais no contexto de
práticas culturais no contexto da família, da escola e seu entorno.

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Sobre Comportamento e Cognição


Capítulo 5
Autoconhecimento e relações amorosas:
um estudo de caso
Leandra Nunes de Souza Ferreira
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento

Ana Karina C. R. de-Farias


1/nB, IBAC, Centro l/niversitário de Brasília

Quando se fala em relacionamentos afetivos, no dia-a-dia, logo se pensa em


uma gama de sentimentos e emoções, assim como em expectativas/regras/crenças
sobre aquilo que se denomina amor ou do que se espera por “ser amado”. Muitas são
as definições que podem ser encontradas, no senso-comum, para expressar estes
termos. Por exemplo, o site Brasil Escola cita o que Mário Prata escreveu em seu blog:
“sentimento é a linguagem que o coração usa quando precisa mandar algum recado”1.
Para a Análise do Comportamento, os sentimentos envolvem sensações cor­
porais, são produtos colaterais das contingências de reforçamento e punição2, e po­
dem fornecer informações relevantes acerca das interações entre o organismo e seu
ambiente. Os analistas do comportamento valorizam a investigação desses comporta­
mentos, já que relatos referentes ao que é sentido no mundo sob a pele são pistas para
entender o comportamento passado e as condições que o afetaram, assim como para
a compreensão e previsão do comportamento presente e futuro. Sentimentos são pro­
dutos de contingências, e consistem em comportamentos respondentes e operantes.
Como comportamentos respondentes, referem-se àquelas condições corporais que
são eliciadas por estímulos ambientais. Falar de sentimentos como comportamentos
operantes envolve afirmar a existência de predisposições emocionais para agir; estes
comportamentos podem ser privados (observados somente pela pessoa que se com­
porta) e públicos (observados pelo outro). Portanto, os sentimentos, para a Análise do
Comportamento, são determinados pelas contingências, sendo necessário identificar
as relações funcionais contidas em tais contingências (Avancini, Bartolosso* & Faleiros,
2007; Garcia-Serpa, Meyer& Del Prette, 2003; Keller, & Schoenfeld, 1950/1971; Medeiros,
& de-Farias, 2008; Skinner, 1953/2000, 1974/1982).
Neste sentido, o autoconhecimento - entendido como a realização de análises
funcionais - torna-se de grande relevância para o entendimento de sentimentos e
demais comportamentos. Segundo Skinner (1974/1982), “uma pessoa que se ‘tornou
consciente de si mesma’ por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor
posição de prever e controlar o seu próprio comportamento” (p. 31).

1 D is p o n ív e l e m httD://w w w .b ra s ile s c Q la .c o m /n s ic o lo a ia /s e n tim e n to s .h tm . n o d ia 12 d e ju lh o d e 2008.


2 Contingência pode ser entendida como uma regra que descreve uma relação de dependência entre eventos ambientais ou entre eventos
comportamentaise ambientais (Catania, 1998/1999; Moreira, & Medeiros, 2007; Souza, 2001).

56 Leandra Nunes de Souza Ferreira, Ana Karina C. R. de-Farias


Nota-se que muitos clientes chegam à terapia com a queixa de dificuldade no
relacionamento amoroso. Ao traçar um panorama referente a tal assunto, percebe-se que
os conceitos de relacionamento, amor, casamento e sexualidade mudaram muito. Tanto
homens quanto mulheres têm conquistado liberdade no que se refere à sua sexualidade,
escolhas, decisões, etc. No contexto atual, aparecem novos padrões de relação, que
priorizam não só o relacionamento em si, mas também algo que será acompanhado
pelos demais tipos de “benefícios” que o outro possa oferecer (Reis, 2002)
O presente trabalho expõe o caso de Carla (nome fictício), 27 anos, solteira,
estudante universitária. Carla procurou terapia devido às dificuldades que enfrentava
em seu relacionamento com o namorado, mas apresentava também como queixas:
baixa auto-estima, baixa tolerância à frustração, dificuldade em tomar decisões e pouco
contato social (amigos e familiares). Vinha de uma família humilde do interior, com
regras segundo as quais o homem trai, manda, domina, e a mulher obedece. Em seu
histórico afetivo, trazia constantes episódios de traições por parte dos namorados.
Quando procurou terapia, Carla morava com o namorado, no centro de Brasília,
e sofria violência física - a primeira intervenção realizada (com sucesso) foi retirá-la da
casa desse namorado e levá-la de volta para a casa de seus irmãos (em uma cidade
satélite de Brasília, onde morava quando saiu do interior). Após duas semanas, no
entanto, ela retornou à casa do namorado. Durante 9 meses de terapia, apareceram
relacionamentos extraconjugais (pela primeira vez, ela traía um namorado, o que foi
bastante reforçador), e, com isso, novas demandas terapêuticas. Carla era uma pes­
soa que valorizava muito o status que o dinheiro podia lhe oferecer, visto sua história de
privação. Verificou-se que mantinha três destes quatro relacionamentos pelo conforto,
bem-estar e oportunidades financeiras e sociais que os rapazes podiam lhe oferecer.
Os próximos tópicos abordam aspectos relevantes de sua história de vida e esboçam
uma formulação comportamental do caso. De forma alguma, objetiva-se explorar todos
os aspectos de sua vida ou dos relacionamentos, e sim apenas explicitar relações
entre algumas variáveis ambientais e comportamentais.

Formulação Comportamental
Dados da Cliente
Carla (nome fictício), 27 anos, solteira, estudante universitária, nascida no inte­
rior, e a oitava filha de nove irmãos. Quando procurou terapia, trabalhava como secretá­
ria em uma clínica.

Queixas/Demandas
No início do acompanhamento psicológico, a cliente trouxe as seguintes queixas:
- Dificuldade de relacionamento com o namorado;
- Baixa auto-estima;
- Baixa tolerância à frustração;
- Estava emocionalmente e financeiramente desequilibrada; e
- Dificuldade em tomar decisões.
Carla trouxe como objetivos: (a) superar os medos (de morte, de se apaixonar,
de sofrer); (b) “enxergar o que realmente quero” (com relação ao namorado); e (c)
“entender porque sofro quando imagino que poderei ser trocada por outra”. As deman­
das identificadas pela terapeuta a partir das queixas da cliente foram: necessidade de

Sobre Comportamento e Cognição 57


desenvolver habilidades sociais relacionados à assertividade, desenvolver maior
autoconhecimento e autocontrole, e ampliar as redes sociais.
Após alguns meses de terapia e a realização de novas análises funcionais,
chegou-se à conclusão de que a terapia estava andando em círculos e, por isso, novos
objetivos deveriam ser traçados, tais como: (a) ser mais segura e confiante, (b) “ser feliz
sem ter que me ‘agarrar’ a alguém”, (c) “entender porque ‘coloco’ minha felicidade nas
mãos dos homens”; e (d) “entender porque preciso ter um homem que me dê atenção
para que eu possa me sentir feliz e realizada”.

Contingências no Momento da Terapia


Kohlenberg e Tsai (1991/2001) apontam que se deve procurar por comporta­
mentos clinicamente relevantes (CRBs) - comportamentos públicos ou privados,
respondentes ou operantes, que tenham relação com as queixas apresentadas pelo
cliente, assim como com mudanças comportamentais importantes para o caso especí­
fico (ver também Alves, & Isidro-Marinho, no prelo; Dutra, no prelo). No início da terapia
de Carla, foram observados os CRBs: ficar ansiosa (T)3, dificuldade de organizar-se (T),
pensamentos de que seria traída (|), habilidades para lidar com situações conflituosas
), envolver-se afetivamente com outros homens ( ^ ), ter amigas e amigos (J,), acesso
a outras fontes de reforçadores além do namorado ( ^ ) , medo de ser trocada por outra
('['). No segundo momento, após as novas análises, foram observados os CRBs: ficar
sem o namorado (T), disponibilidade para conhecer novas pessoas (T), acesso a outras
fontes de reforçadores além do namorado ( T), envolver-se afetiva e sexualmente com
vários homens (T).
As seguintes contingências estavam envolvidas com estas classes de com­
portamento:
- Ficar ansiosa: ficar telefonando e ter brigas com o namorado;
- Dificuldade de organizar-se: procurar fazer muitas coisas ao mesmo tempo,
priorizar tarefas menos importantes, estar sempre à disposição do namorado;
- Demonstrar ciúmes: desgaste do relacionamento, pensamentos de que seria
traída, medo de perder o namorado, aceitar imposições feitas pelo namorado,
não se impor;
- Pouca habilidade para lidar com situações conflituosas: esquivava-se de tais
situações, procurava outros focos, reclamava de tudo, não se envolvia com ou­
tras pessoas; e
- Aceitar as imposições do namorado (com 7 meses de terapia, e após a sepa­
ração momentânea ocasionada por intervenções terapêuticas devido às agres­
sões físicas que sofria) de que ela fosse para a casa das irmãs duas vezes por
semana: disponibilidade para sair e conhecer novas pessoas, sentir-se bem
com os acontecimentos (valorizada, desejada, etc.).

Histórico
a) Familiar
Carla relatou ter crescido com “pânico” do pai, por ver “toda a grosseria dele”
com a família. O pai foi definido como muito calado, ausente, com grande envolvimento

3O sím bolo'! indica que o comportamento ocorria em alta frequência, enquanto o sím bolo'! indica o oposto.

58 Leandra Nunes de Souza Ferreira, Ana Karina C. R. de-Farias


com bebida. Quando estava bêbado, na maioria das vezes, ameaçava a mãe e os
irmãos. Traía sua esposa. Foi um pai punitivo durante a infância e adolescência. Às
vezes, obrigava Carla e os irmãos a deixarem de ir à escola para trabalharem. Relatou
que o pai sentia orgulho, pois ela sabia ler (“ele fazia questão de chamar os amigos
para verem eu lendo”).
Sua mãe foi descrita como dócil, passível, forte, era quem dava carinho aos
filhos. Sempre teve bom relacionamento com todos. Descreveu a morte da mãe como
algo muito marcante e dolorido, o que a deixou com a cabeça confusa (a mãe de Carla
faleceu quando ela já estava em terapia).

b) Social
Sentia-se rejeitada na escola, gostava de estudar, mas não gostava do ambien­
te escolar, pois havia um grupinho que sempre brigava com ela (eles zombavam, dizen­
do que era feia, por exemplo, e nunca brincavam com ela). Depois dos 5 anos de idade,
começou a se soltar mais. Na adolescência, foi muito sociável, adorava ir a festas e
boates - às vezes, ia escondido do pai, tendo a ajuda dos irmãos.
Depois que conheceu o atual namorado, Emanuel (nome fictício), perdeu o
contato com muitos amigos e afastou-se de seus irmãos. Passou a não ter acesso a
muitos reforçadores positivos e nem ter com quem conversar quando se sentia sozi­
nha. Depois de 3 meses de terapia, este quadro mudou: ela passou a sair mais e a ter
contato com outros reforçadores positivos.

c) Afetivo
Teve o primeiro namorado aos 12 anos. Não queria esse namoro, pois não o
achava tão interessante, mas depois acabou se apaixonando. Afastou-se após ele
inventar para os colegas que haviam tido relação sexual. Aos 13 anos, teve sua primeira
“desilusão amorosa”, pois este mesmo namorado começou a namorar outra menina
(os dois se casaram). Carla relatou que ainda não o havia esquecido.
Aos 14 anos, teve um namorado mais velho, o denominou como “galinha”, pois
ele sempre a traía. Depois voltava atrás, pedindo desculpas e ela aceitava (descreveu-
se nessa época como chata e brigona). O namorado resolveu terminar com ela para
ficar com outra pessoa. Aos 15, teve seu primeiro contato sexual, com um rapaz com
quem havia começado a namorar recentemente: decepcionou-se com este namorado,
ao descobrir que ele estava com outra garota.
Aos 16, foi morar em Brasília, conheceu várias pessoas, e envolveu-se
afetivamente com elas. Teve sua primeira relação sexual “concreta”, aos 17 anos, e
novamente se decepcionou, pois o rapaz se afastou logo em seguida, com a justificativa
de que ela estava se apegando demais.
Até os 22 anos, conheceu outras pessoas. Dentre elas, João (nome fictício), um
rapaz que denominou como “a pessoa mais negativa com quem já me envolvi”. Desco­
briu que ele era casado, tiveram várias brigas e nunca mais se falaram. Segundo ela,
esta foi a maior decepção da sua vida, e chegou a entrar em depressão. Por fim, conhe­
ceu José (nome fictício), namoraram e terminaram depois de 6 meses de relaciona­
mento (relatou ter gostado dele, mas ele era pobre). Após alguns dias do término,
conheceu Emanuel, o atual namorado, com quem estava há quase 2 anos. No início da
terapia, morava com Emanuel em uma casa e ele custeava todas as suas despesas.
Após 8 meses de terapia, estava se envolvendo esporadicamente com José
(porque gostava dele e era com quem mais sentia prazer sexual) e duas outras pesso­

Sobre Comportamento e Cognição 59


as: seu professor e um rapaz “que tinha um carrão”, que conheceu em uma de suas
saídas.

d) Acadêmico e/ou Profissional


Teve muitas dificuldades escolares. Como dito anteriormente, aos 5 anos, foi
para a escola, mas havia uma turminha que brigava com ela, sentia-se rejeitada, e o
ambiente escolar tornou-se aversivo.
No momento em que procurou terapia, trabalhava como secretária em uma
clínica (ganhava pouco) e cursava o segundo semestre em uma faculdade particular.
Como ganhava pouco, estar com Emanuel era bastante relevante: era ele quem custe­
ava suas despesas (faculdade, passagens de ônibus, academia de ginástica, alimen­
tação). A clínica passou por dificuldades e Carla perdeu o emprego, o que tornou a
presença e o suporte financeiro do namorado ainda mais importantes.
Mesmo após as brigas que fizeram com que ela saísse temporariamente da
casa, o namorado continuou pagando suas despesas. Passou a ter mais contato com
os colegas de faculdade apenas quando saiu da casa, e manteve este contato após o
retorno.

e) Médico/Psicológico
Apresentava boa forma física, praticava atividades físicas, fazia acompanha­
mento com dermatologista (devido a manchas no rosto). Esta foi sua primeira terapia,
embora já tenha apresentado sintomas de depressão (descreveu como sendo uma
tristeza profunda), após ter terminado o namoro com João.

Análises Funcionais
a) Análises Micro
O Quadro 1 apresenta exemplos de micro-análises funcionais realizadas ao
longo das sessões terapêuticas.

b) Análise Macro
Diante dos antecedentes de ficar sem os amigos e não poder sair sem Emanuel,
Carla sentia-se sozinha e cobrava mais atenção e contato dele. Após as cobranças, ele
se aproximava (reforçador positivo imediato), brigavam novamente (punição positiva e
negativa atrasada) e, com o tempo, o relacionamento foi ficando desgastado. Os esque­
mas de reforçamento nesta relação eram intermitentes, visto que os reforços eram
apresentados de acordo com a passagem de tempo e/ou com o número de respostas
de cobrança emitidas.
As traições do namorado ocasionavam duas respostas distintas. Ao mesmo
tempo em que ela ameaçava ir embora, aceitava os pedidos de desculpa. Uma das
respostas (ameaçar ir embora) fazia com que as traições baixassem momentanea­
mente de freqüência (o reforço era imediato, e Carla sempre usava isto como forma de
ataque ao namorado). Entretanto, o fato de aceitar as desculpas fazia com que ele
sempre “aprontasse” de novo, pois “aprendeu” que ela sempre iria desculpá-lo, inde­
pendente do que ele fizesse (esta análise foi realizada pela própria cliente, após 4
meses de terapia).
Após várias ameaças, cada vez menos bem-sucedidas, houve uma tentativa
mais “drástica” de chamar a atenção de Emanuel, por meio da tentativa de suicídio (2
meses antes da terapia). Isto foi totalmente aversivo para ela, pois ele simplesmente riu.

60 Leandra Nunes de Souza Ferreira, Ana Karina C. R. de-Farias


Antecedentes Respostas Conseqüências
- Ficar sem amigos e sem - Cobrar atenção do * Tê-lo por perto (mesmo que por í Refoi
contatos sociais, namorado, pequenos instantes), namor»
- Namorado proíbe que ela - Ligar pra ele com - Surgem brigas (sentir-
saia sem ele freqüência

Traições do namorado - Ameaça ir embora, A freqüência das traições cai, T Refoi


- Chora, briga e grita momentaneamente evita m
com ele (fica in:
Traições do namorado Aceita sempre as - Continuar na casa e com o t Refoi
desculpas dele relacionamento, confort
- Ele briga com ela, por ela não confiar (fica in:
nele, agress
- Novas traições
Namorado não dá atenção Tentativa de suicídio Ele ri dela (não dá importância ao que ] Punit
a ela aconteceu) fbaixa
Ter acesso a bens Continuar com ele - "Ganhos secundários", t Refoi
materiais, conforto, ajuda - Sofrer humilhações confort
financeira. Histórico de inferior
privação financeira. Irmãos
moram longe da faculdade
Após a briga/separação, - Vai embora,- Pensa - Evita brigas com o namorado, T Refoi
retornar à casa, namorado que está sendo traída
solicita que ela vá embora (sente-se mal)
Sobre Comportamento e Cognição

para a casa dos irmãos


duas vezes por semana

Ordem do namorado para - Liga para o ex,- - Conhecer pessoas (homens),- Sexo f Refoi
que volte à casa das irmãs Busca novos prazeroso,- Sentir-se bem (desejada, li
relacionamentos,- Sai realizada e feliz) E
para festas - 0 relacionamento deles (namorado e
- Náo há cobranças cliente) fica bom, sem brigas ou
com o namorado, não desconfianças.
‘,mexe,, nas coisas
dele procurando
indícios de traições

Quadro 1. Exemplos de micro-análises funcionais realizadas com


Nota-se que, mesmo diante das conseqüências desfavoráveis/problemáticas,
continuar com esse namorado era bom, pois havia muitos “ganhos secundários”: ela
passou a ter coisas que nunca possuiu, oportunidades de estar em lugares nos quais
nunca esteve, cursar uma faculdade, e morar perto da academia e da faculdade. Essas
“oportunidades” fizeram com que ela quisesse manter-se com ele, mesmo sofrendo
humilhações e agressões (o que dificultava bastante o trabalho da terapeuta). Abrir mão
deste relacionamento, no qual se tinha fácil acesso a vários reforçadores, era aversivo por
vários motivos. Carla teria que se expor a novas contingências (relações) cujas variáveis
de reforço e punição eram desconhecidas, perderia acesso a reforçadores financeiros,
teria que voltar a morar longe e sob a vigilância dos irmãos, perderia (ao menos momen­
taneamente) o status de ter um namorado. Associado a isto, deve-se apontar seu longo
histórico de traições e decepções amorosas, o que podia diminuir o valor de estar sendo
traída também por Emanuel. Manter-se nesta situação fazia com que essa cliente não
encontrasse novos reforçadores (ver Carvalho, & Medeiros, 2005, para maiores discus­
sões acerca da manutenção de relações amorosas problemáticas).
O histórico familiar com o pai foi relacionado com a vontade de “fugir” do contro­
le do namorado. Quando criança, diante das cobranças e da repressão do pai, a cliente
desejava crescer logo, para poder sair das “garras” desse pai. Esse dia chegou, mas
ela “caiu nas garras de outro homem” (Emanuel). Como já dito, Carla foi atraída por uma
série de coisas, que lhe davam prazer, mas que representavam um custo muito alto, o
que fez com que procurasse ajuda psicológica. Entretanto, ser independente também
envolvia respostas com alto custo, e reforçadores de menor magnitude, ao menos em
curto e médio prazo. Desse modo, emitir as respostas que já faziam parte de seu
repertório e que proporcionavam acesso a alguns reforçadores era mais fácil (apesar
das agressões) do que abrir mão de tais reforçadores e desenvolver seu repertório
comportamental.
Apesar de Carla sempre ter condenado a traição do pai e de todos os seus
namorados, ela passou a manter outros relacionamentos. Inicialmente, a cliente apre­
sentava medo da reação agressiva de Emanuel, caso descobrisse as traições. Entre­
tanto, o prazer gerado pelo sexo (algo muito reforçador para essa cliente), sair com
outros homens que também tinham dinheiro e status social, assim como o fato de
“vingar-se” das traições sofridas eram variáveis que mantinham suas relações.

Objetivos Terapêuticos
Após 5 meses de terapia, os primeiros objetivos foram atingidos:
- Os medos (de morte, de se apaixonar, de sofrer) diminuíram;
- Passou a discriminar o que, de fato, sentia por Emanuel e esperava dessa
relação (assumiu que gostava do conforto que ele proporcionava, e que só abri­
ria mão disso caso encontrasse outra pessoa que fizesse o mesmo por ela);
- Avaliou que o sofrimento de ser trocada decorria de suas relações anteriores;
- Estava sendo mais assertiva com o namorado durante as brigas, o que dimi­
nuiu consideravelmente as agressões verbais e físicas sofridas por ela;
- Seu círculo social estava sendo ampliado; e
- Estava freqüentando mais constantemente a casa de seus familiares.
Após uma avaliação da terapia, o foco foi alterado, trabalhando-se com os
seguintes temas:

62 Leandra Nunes de Souza Ferreira, Ana Karina C. R. de-Farias


- Possibilidades de tornar-se menos “dependente” do namorado;
- Projetos de vida;
- Como lidar com os novos “casos amorosos”; e
- O “ser feliz” (ter acesso a reforçadores positivos que não dependessem apenas
do namorado e/ou de outros homens).
A terapeuta passou a discutir com Caria os prós e contras da manutenção
dessas novas relações afetivo-sexuais, os riscos de ser descoberta e possíveis conse­
qüências para isso. A proposta não foi, e não é, fazer com que a cliente mudasse
apenas com o intuito de atingir um padrão socialmente “aceitável” de relacionamento,
mas sim que tornasse os relacionamentos mais prazerosos. Isto implica no reconheci­
mento das expectativas de cada membro do casal e na disponibilidade mútua de integrá-
las para atingir um objetivo comum. Por sua vez, requer a superação de medos e de
inseguranças, e, fundamentalmente, a disposição para comprometer-se e envolver-se
abertamente com a escolha feita, o que permite que duas pessoas promovam a apro­
ximação que pode conduzir a um clima de troca satisfatória entre elas.
Com sua criação machista e os modelos de marido e esposa que teve em sua
família, era muito difícil para Carla aceitar que se mantinha com Emanuel por causa do
dinheiro e das facilidades que ele proporcionava. As humilhações e agressões físicas e
verbais eram bastante aversivas, suas irmãs cobravam uma postura mais ativa, queriam
que ela se retirasse da casa dele. No entanto, abrir mão de todo o conforto, de morar perto
da faculdade, de ter quem pagasse sua faculdade - ainda mais após perder o emprego
- tornavam a decisão de separar-se de Emanuel muito pouco provável. Trabalhar seu
autoconhecimento possibilitou, a esta cliente, a aceitação de suas condições atuais, a
previsão de seus comportamentos públicos e privados (incluindo sentimentos e auto-
regras) e o planejamento de passos a serem implementados para alcançar sua indepen­
dência financeira e emocional. As análises aqui apresentadas ilustram a relevância de
uma avaliação mais completa do caso e a necessidade de desenvolver o repertório de
autoconhecimento e aceitação dos clientes, a fim de que estes possam entender melhor
as variáveis que fazem com que se mantenham em uma relação amorosa e possam,
assim, prever e controlar seus próprios comportamentos.

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Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento
e terapia cognitivista (pp. 88-104). Santo André, SP: ESETec.

64 Leandra Nunes de Souza Ferreira, Ana Karina C. R. de-Farias


Capítulo 6
Informatização do Sistema de Ensino
Individualizado (PSD: uma
análise metodológica

Leonardo Brandão Marques (1)


Olavo de Faria Çalvão (2)
Olívia Misae Kato
Thiago Dias Costa (3)

Universidade Federal do Pará

A Educação à Distância (EAD) vem, a cada dia, ganhando mais adeptos no


Brasil. O número de estudantes, de acordo com a ABED (Associação Brasileira de
Educação à Distância), chega a quase 160 mil brasileiros cadastrados em cursos
reconhecidos pelo MEC em 2005. Os dados do censo de Educação superior de 2006
feitos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas - INEP (órgão de avaliação do
Ministério da Educação) apontam um crescimento de 571% no número de cursos de
educação à distância em relação a 2003.
Uma explicação para essa demanda é o maior acesso a materiais avançados
tais como: computadores, televisões, rádios, etc, pela população brasileira, uma vez
que esses recursos são as principais ferramentas para a EAD (Trindade, & França,
2005). Além disso, a dimensão continental do Brasil impõe dificuldades educacionais
que são facilmente sanadas com a modalidade de ensino à distância.
As bases legais para a modalidade de educação à distância foram
estabelecidas no Brasil pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.°
9.394, de 20 de dezembro de 1996). Em 2004 o MEC emitiu uma portaria (No. 4.059/04)
que permitiu a oferta de 20% da carga horária dos cursos superiores na modalidade
semi-presencial. Outra portaria do MEC a de (n° 873/06) autorizava em 2006, em caráter
experimental, as Instituições Federais de Ensino Superior a ofertarem cursos superio­
res à distância.

1 Bolsista de Mestrado CAPES, no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento.


2 Bolsista de Produtividade em Pesquisa, CNPq. ,
3 Bolsista de Doutorado CAPES, no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento.
4 Versão preliminar deste trabalho foi elaborada pelo primeiro autor como parte dos requisitos da disciplina Equivalência de Estímulos: aplicações
à educação, ministrada pela Profa. Olívia Misae Kato.

Sobre Comportamento e Cognição 65


A educação profissionalizante não fica atrás desse movimento. O Programa
Escola Técnica Aberta do Brasil, lançado em 2007 pela Secretaria de Educação Profis­
sional e Tecnológica vem buscando, através da modalidade de educação à distância, a
democratização do acesso ao ensino técnico público. De acordo com o projeto, a adoção
da modalidade à distância permitirá incluir as regiões distantes das instituições de
ensino técnico e para a periferia das grandes cidades brasileiras, incentivando os jo­
vens a concluírem o ensino médio.
Entretanto, a modalidade de Ensino à Distância tem apresentado desafios
difíceis de serem contornados. Abandono dos estudos, desmotivação, frustração por
parte de alunos e professores (tutores), e a qualidade dos cursos à distância tem sido
os problemas mais apontados nesta modalidade de ensino (Cosme & Maciel, 2005).
Dentro desse contexto que nos propomos a avaliar a utilidade para a EAD de um siste­
ma integrado de ensino, validado empiricamente a mais de 30 anos.
Produções técnico-científicas baseadas na idéia de ensinar sem o professor,
ou uma máquina de instrução individualizada é muito antiga. Sidney L. Pressey já havia
desenvolvido um aparelho que possibilitava aplicar e avaliar testes e ensinar em 1926.
Sua máquina não teve o impacto esperado na década de 30, quando foi proposta por
Pressey. Contudo, seus esforços foram em grande parte aproveitados por Skinner e
outros pesquisadores da aprendizagem após passados alguns anos.
Na Análise do Comportamento a educação tem sido um tema relevante há
muito tempo (Holland, & Skinner, 1961, 1972; Keller, 1968). Essa disciplina tem contri­
buído para o desenvolvimento teórico e prático da psicologia educacional de muitas
formas. Entre suas contribuições está o Ensino Programado, as Máquinas de Ensino
(Skinner, 1958), a Programação das Condições de Ensino (PCE) (Kubo, & Botomé,
2001; Nale, 1998) e o Sistema Personalizado de Ensino (Keller, 1968). Parte desta
tecnologia já havia sido concebida em forma de sistemas autômatos de ensino muito
tempo antes das exigências de Ensino à Distância atuais (Skinner, 1958). Desta forma,
a Análise do Comportamento pode contribuir diretamente para o desenvolvimento de
tecnologias à distância que minimizem os efeitos deletérios apresentados por Cosme
e Maciel (2005).
Entre as tecnologias desenvolvidas pela área que podem contribuir para a
programação de ensino à distância, está o Personalized System of Instruction (PSI).
Grant e Spencer (2003) consideram o PSI como um sistema em constante evolução,
cujas características são definidas a partir de dados empíricos sobre as variáveis que
efetivamente atuam nos processos de aprendizagem acadêmica. Eles enfatizam que
não se trata de um sistema ideológico, que define a priori as práticas que representari­
am um bom programa de instrução.
O PSI foi idealizado e utilizado por Fred Keller na década de 1960, e se diferen­
cia de outros métodos por cinco características básicas: (1) a possibilidade do estudan­
te seguir no curso em seu próprio ritmo; (2) exigência de domínio completo da unidade
anterior antes de passar para a próxima fase; (3) uso de demonstrações e palestras
como meio de motivação ao invés de única fonte de informação; (4) ênfase na palavra
escrita mediando a comunicação entre professor e aluno e, por fim, (5) uso de monitores,
que permitem a repetição de testes, feedback imediato ao estudante e tutoria acessível
(Keller, 1968; Crosbie, & Kelly, 1993).
Apesar de ter sido largamente aplicado nas décadas de 70 e 80, o PSI ainda é
citado como uma alternativa aos métodos tradicionais em trabalhos recentes (e.g. Grant
& Spencer, 2003; Saville, Zinn, & Elliot, 2005). Como o PSI é um modelo que estimula o

66 Leonardo Brandão Marques, Olavo de Faria Galvão, Olívia Misae Kato, Thiago Dias Costa
aluno a continuar no curso por apresentar tarefas possíveis de serem realizadas, apre­
senta-se como uma alternativa aos métodos coercitivos de “motivação” empregados nos
sistemas de ensino tradicionais. Nestes últimos, em geral, poucas avaliações são apli­
cadas e não se exige domínio completo do conteúdo para que o aluno passe de uma
unidade para outra. A divisão das tarefas em unidades pequenas, como é proposto no
PSI, busca uma aprendizagem com menos erros desnecessários. Exigir que o aluno faça
uma avaliação para a qual ele não está preparado é forçá-lo a se engajar em tarefas
frustrantes, que, poderão, até mesmo, atrapalhar futuras aprendizagens. Além disso, em
cursos PSI os objetivos são definidos claramente e estimula-se o estudante a tomar uma
postura ativa em seu processo de aprendizagem. (Lamwers, & Jazwinski, 1989; Buskist,
Cush, & De Grandpre, 1991).
A proposta de Keller compartilha alguns objetivos comuns com a instrução
programada e máquinas de ensino desenvolvidos por Skinner (1958; 1972) (Sherman,
1992; Saville, Zinn, & Elliot, 2005). São características comuns: a análise detalhada de
cada tarefa; a divisão das tarefas em pequenas partes; a seqüenciação das tarefas; a
ênfase no feedback imediato ao aluno e a garantia que o progresso do estudante
ocorra em seu próprio ritmo.
Porém, Keller (1968) afirma que apesar da base comum entre PSI e instrução
programada há diferenças entre as duas propostas. Uma diferença apontada por Keller
(1968) entre o PSI e a Instrução Programada é que no primeiro, as etapas do progresso
correspondem a exercícios, similares a tarefas de casa convencionais, diferentemente
dos desempenhos requeridos pelas máquinas de ensinar e pela instrução programa­
da que são tarefas mais simples e pontuais. No PSI as unidades que segmentam o
curso podem ser tão amplas como a análise de um texto base, uma análise de caso ou
um exercício de laboratório (Teixeira, 2004).
Em seu trabalho sobre instrução programada, Skinner se valia das máquinas
de ensinar para controlar o ritmo dos estudantes no curso e gerenciar mais efetivamente
o feedback aos alunos. Suas máquinas podem ser consideradas as precursoras dos
softwares de ensino atuais. Keller considerava essas máquinas, ou computadores,
como ferramentas úteis em um programa PSI. Todavia, tanto os softwares como as
máquinas não são exigências para o ensino pelo sistema PSI (Keller, 1967)
No PSI as principais etapas do progresso correspondem a exercícios, simila­
res às tarefas de casa convencionais. O monitor pode discutir com o estudante sobre
uma questão de estudo e conta com autonomia para decidir se o aluno efetivamente
entendeu o problema, mesmo que não tenha escrito a resposta da maneira esperada.
Na instrução programada, por sua vez, a máquina de ensino oferecia algumas limita­
ções a um feedback mais flexível, uma vez que o diálogo entre aluno e máquina era
limitado (Keller, 1983).
Existem trabalhos que adaptaram cursos no formato PSI para ambientes
informatizados com bons indicadores de sucesso (i.e. Crowell et a i, 1981; Pear, &
Kinsner, 1988, Brothen, & Wambach 2000; Brothen, & Bazarre 1998). Nas décadas de
desenvolvimento do ensino programado, Skinner não dispunha das facilidades atuais
de uso e acesso aos microcomputadores e à internet. É possível que algumas das
limitações para a avaliação dos exercícios da instrução programada apontadas por
Keller (1968) possam ser remediadas com o uso dos softwares e interfaces
informatizadas atuais (Liu, 2003; Kelly, & Crosbie, 1997; Munson, & Crosbie, 1998; Martin,
Pear, & Martin, 2002b; Pear, & Crone-Todd, 1999; Ray, & Belden, 2007).
Keller vislumbrava a utilização de computadores em cursos planejados com
seu sistema, mas alertava que a informatização dos exercícios ou das correções não

Sobre Comportamento e Cognição


podem ser equacionados com o sistema de ensino em si. Seus trabalhos indicam que
o sistema de monitoria, assistência de fácil acesso em casos de dúvida e um ambiente
que efetivamente respeite os níveis de conhecimento iniciais dos alunos são mais
relevantes do que a simples informatização de exercícios e provas (Teixeira, 2004). Em
outras palavras, é preciso que os objetivos norteadores de um sistema de ensino PSI
sejam mantidos, mesmo em uma versão informatizada.
Contudo, é possível considerar o PSI como uma boa alternativa para a
informatização de ensino. Um dos dados mais consistentes na literatura da
informatização de ensino PSI é a diminuição do tempo de instrução dos estudantes
durante os cursos (Lewis, Dalgaard, & Boyer, 1985). Além disso, a informatização pos­
sibilita a exploração de técnicas alternativas de ensino como apontadas por Buskit,
Cush e DeGrandpre (1991) e Sherman, Ruskin e Semb (1982).
Na década de 70 houve um boom na produção em PSI, a maioria dos estudos
apontaram uma melhora no desempenho dos estudantes nos cursos PSI (Austin, 2000;
Kulik, Kulik, & Cohen, 1979; Liu, 2003, p. 36). Alguns estudos indicam que o sistema
Keller de ensino tem recebido avaliações positivas de estudantes que passaram pela
experiência de ensino do PSI (Keller, 1968; Crosbie, & Kelly, 1993; Pear, & Novak, 1996).
Assim, parece justificável empreender esforços para desenvolver métodos de
educação individualizada com alcance amplo e baixo custo de implementação para
cursos universitários. Com a criação de métodos de ensino informatizados é possível
economizar recursos ao permitir que os professores dêem assistência a mais alunos.
Isso também atenderia áreas carentes de suporte educacional sejam atendidas. Em
outras palavras, aliar a eficácia do PSI com as vantagens dos métodos informatizados
de ensino parece ser uma empreitada válida e relevante (Liu, 2003).
De forma geral, entretanto, há um alto custo para a implantação de um sistema
de ensino baseado no PSI. Exige-se muito tempo na preparação do material didático e
os textos precisam ser revistos freqüentemente, para adaptá-los ao nível de conheci­
mento dos alunos (Boyce, & Hineline, 2002). O professor deve conhecer profundamente
o tema a ser ensinado para poder separá-lo em unidades coesas, mas relativamente
independentes entre si. Esse extenso planejamento do curso é apontado por alguns
autores como uma das causas do PSI não ser aplicado com tanta freqüência como já foi
em anos anteriores (e.g. Engelmann, & Carnine, 1982).
Assim, o objetivo do presente capítulo é analisar dez artigos que mostram
experiências de informatização de ensino em PSI, mostrando as dificuldades e as
soluções encontradas para adequar esta forma de ensino a ambientes informatizados.

Método
Foram analisados dez estudos de cursos de Psicologia ministrados pelo siste­
ma PSI com algumas adaptações para meios informatizados. Em todos os trabalhos,
as variáveis investigadas foram: a forma da apresentação do conteúdo aos estudantes;
a topografia de resposta exigida nas avaliações, a quantidade de avaliações requeridas
por curso; a informatização ou não da apresentação das avaliações do curso; a forma
de monitoria e duração dos cursos.
Os artigos foram selecionados a partir da pesquisa no Journal of Applied Behavior
Analysis, no ERIC e no Web of Science por artigos com as palavras-chave “personalized
instruction”, “PSI”, “programmed instruction” em cruzamento com “computer-based”,
“computer-aided”, “online course” e “web-based”. Após essa primeira busca selecionou-
se os artigos publicados nos últimos 10 anos (1997 a 2007) visando garantir uma amos­

68 Leonardo Brandão Marques, Olavo de Faria Galvão, Olívia Misae Kato, Thiago Dias Costa
tra recente dessa temática. A partir deste ponto foram acrescentados artigos anteriores a
1997 que foram citados em pelo menos dois dos artigos já selecionados com os critérios
anteriores. Este critério foi adicionado para garantir que artigos não recentes mas impor­
tantes nas pesquisas sobre informatização de cursos PSI fossem analisados.
Todas as disciplinas apresentadas nos artigos faziam parte de cursos de gra­
duação em Psicologia, sendo seis de Análise do Comportamento (Pear, & Crone-Todd,
1999; Martin, Pear, & Martin, 2002a; Martin, Pear, & Martin, 2002b; Crosbie, & Kelly, 1993;
Pear, & Novak, 1996), três de bases históricas e filosóficas de teorias da Psicologia
(Pear & Crone-Todd, 1999; Brothen, & Wambbach, 2000) e um curso sobre desenvolvi­
mento infantil (Buzhardt, & Semb, 2002).

Tabela 1. Disciplinas analisadas.

Número Artigo Nome do Curso

1 Pear e Crone-Tood (1999) Behavior Modifications Principies

2 Pear e Crone-Tood (1999) Behavior Modifications Application

3 Pear e Crone-Tood (199?) Leaming Fundations of Psychology

4 Pear e Crone-Tood (1999) Orientation of Psychology Systems

5 Martin, Pear e Martin (2002a) Behavior Modiflcatíons Application

6 Martin, Pear e Martin (2002b) Behavior Modifications Application

7 Buzhardt e Semb (2002) Introduction to Chiíd DeveLopment and

Behavior

8 Crosbie e Kelly (1993) Applications of Behavior Analisys

9 Bronthen e Wambbach (2000) Introduction to Psychology

10 Pear e Novak (1996) Behavior Modification Principies

11 Pear e Novak (1996) fíumanistic an Transpersonal Psychology

Sobre Comportamento e Cognição


C aracterísticas dos c u rs o s PSI inform atizad os

Correção das avaliações


Sete disciplinas, das onze avaliadas, utilizaram mediações informatizadas, mas
com correção humana (CAPSI). Com este tipo de correção as interações entre os estu­
dantes e a monitoria não diferem muito daquelas típicas de cursos PSI presenciais.
Nestes estudos era atribuído ao monitor avaliar cada resposta do testes e aplicar ou
apresentar o feedback apropriado às respostas do estudante (Pear, & Crone-Todd,
1999; Martin, Pear, & Martin, 2002a; Martin, Pear, & Martin, 2002b). Mesmo utilizando a
internet ou redes de computadores para facilitar o intercâmbio entre estudantes e
monitores nos processos de correção, o estudante poderia esperar até 24 horas para
receber as correções de seu teste. Nos demais estudos, um software de ensino era
programado para corrigir imediatamente as respostas dos alunos (Buzhardt, & Semb,
2002; Crosbie, & Kelly, 1993; Brothen, & Wambbach, 2000; Pear, & Novak, 1996).
Os dados levantados nesses trabalhos indicam que a correção via internet é
suscetível a erros quando oferecida por monitores (Martin, Pear, & Martin, 2002b). A
maioria das imprecisões nas correções se deu devido à falta de atenção dos monitores.
Apenas 19% das falhas apresentadas pelos monitores estavam ligadas a imprecisões
conceituais dos mesmos. Um outro problema com este sistema de correção é o atraso
no feedback. Entre a resposta do aluno e o retorno do monitor, períodos de mais de 24
horas podem transcorrer. Esse é um problema sério, tendo em vista que o papel da
conseqüenciação imediata das ações na aprendizagem e manutenção de um compor­
tamento é particularmente importante do ponto de vista da análise do comportamento
(Catania, 1999, p. 81-235).
Uma possível solução para o atraso no feedback das avaliações é a utilização
de correções informatizadas. Três estudos utilizaram sistemas de avaliação do tipo
verdadeiro ou falso ou de completar frases estruturadas (Buzhardt, & Semb, 2002;
Crosbie, & Kelly, 1993; Brothen, & Wambbach, 2000). Questões desta natureza permi­
tem ao sistema corrigir automaticamente a questão e fornecer o feedback imediato ao
aluno.
Entretanto, sistemas de correção com exigência de respostas estruturadas
tem sido apontados como não facilitadores de formação de classes de ordem superior
(Hursh, 1976; Perreco, 1980; Johnson, & Chase, 1981). Esta objeção parte do pressu­
posto de que respostas estruturadas ensinam apenas o comportamento de cópia tex­
tual (Skinner, 1957). Ou seja, o estudante aprende apenas a identificar no textos qual a
resposta requerida, sem o entendimento sobre a mesma. Em questões onde as res­
postas são apresentadas, como no caso das de múltipla escolha, cabe ao aluno ape­
nas reconhecer a questão correta. Não há dúvida que um comportamento diferente é
exigido quando o estudante precisa construir uma respostas a partir de um problema
(Chase, Johnson, & Sulzer-Azaroff, 1985).
Todavia, há fortes evidências de que o método PSI, independente da forma da
resposta do estudante, é um sistema perfeitamente capaz de ensinar assuntos com­
plexos e desenvolver habilidades cognitivas de ordem superior (Reboy, & Semb, 1991;
Mao-Cohen, & Lason, 1976; Kulik, & Jaska, 1977). Para que isso ocorra, o planejamento
adequado das tarefas deve visar este fim, mesmo através de questões do tipo verdadei­
ro ou falso ou múltipla escolha. Botomé (1981) dá algumas direções para este tipo de
planejamento com o conceito de “comportamentos-objetivo”. Este conceito conduz a
análise do processo de aprendizagem como uma díade, da qual há dois comportamen­

70 Leonardo Brandão Marques, Olavo de Faria Galvão, Olívia Misae Kato, Thiago Dias Costa
tos concomitantes e relacionados, o de ensinar e o de aprender. De acordo com ele, o
que define a aprendizagem é a análise das contingências planejadas para que o aluno
aprenda e não a forma de apresentação das avaliações.
A análise dos artigos selecionados não permite uma conclusão com relação a
melhor forma de apresentação das avaliações em cursos PSI informatizados. Apesar
das disciplinas estruturadas pelo método CAPSI permitirem que os monitores avalias­
sem com mais flexibilidade as respostas, o estudante demorava para receber esse
feedback, e, às vezes, a correção era imprecisa como já foi citado.
A correção contingente das respostas, por sua vez, direciona mais rapidamente
o estudante em um conceito. Essa técnica é uma alternativa para a instrução de concei­
tos básicos de uma disciplina. Estes conceitos iniciais devem ser mais simples, pois
servirão de base para as explicações mais complexas posteriores. Além disso, como o
feedback do desempenho no sistema CAPSI depende exclusivamente dos monitores,
o custo geral de implementação do sistema compromete sua aplicabilidade em locais
com poucos recursos. A uma grande demanda por monitores ou auxiliares capacitados,
sujeitos raros em quase todas as áreas especializadas no país, exigindo cuidados
adicionais no treinamento destes.

Tipo do feedback
Alguns estudos indicam que o feedback imediato melhora o desempenho aca­
dêmico (Beeson, 1973; Kulik & Kulik, 1988; Leeds, 1970 apud Buzhardt & Semb, 2002),
outros apontam que o feedback com atraso melhora o desempenho dos estudantes
em testes de retenção da informação mais do que o feedback imediato (0 ’Neill, Rasor,
& Bartz, 1976; Sassenrat & Yonge, 1969; Strang & Rust, 1973; Sturges, 1978; Webb,
Stock & McCarthy, 1994).
O trabalho de Buzhardt e Semb (2002) indica que há boa eficácia tanto em
sistemas de feedback item-a-item, onde a correção ocorre a pós cada resposta do
estudante, como naqueles onde a correção é apresentada ao final de todo o teste.
Entretanto, há um melhor desempenho dos estudantes quando suas respostas às
questões são corrigidas imediatamente após a emissão das mesmas, (feedback item-
a-item). Seus resultados indicam que há diferença entre os 3 tipos de feedback estuda­
dos com relação à retenção imediata do conteúdo pelos alunos. Com relação à reten­
ção atrasada, os índices foram de 73.47% para o grupo que recebeu feedback a cada
item respondido sem apresentação fixa dos itens, 73.53% quando a apresentação dos
itens era fixa e 71.33% se o feedback era apresentado apenas ao final dos testes.
Além da imediaticidade do feedback a qualidade de como o desempenho do
estudante é corrigido é essencial. Kluger & DeNisi’s (1996) consideram três pontos
centrais característicos de feedbacks mais efetivos, quando estes são: (1) específicos
à tarefa que o estudante desempenhou, (2) corretivo com capacidade de análise inteli­
gente da resposta do estudante e (3) é executado de um contexto familiar para a mode­
lagem do comportamento.
Respostas genéricas como “você quase acertou” devem ser substituídas por
feedbacks como “seus resultados indicam que você deve estudar mais sobre reforçador
primário e secundário”. O ideal é que o sistema busque identificar o domínio do conteú­
do ou o desenvolvimento de um raciocínio coerente por parte do estudante. Neste caso
o uso de algoritmos que identifiquem as estratégias anteriores - como escolha por
exclusão, comparação de padrões de resposta com seus colegas e outras variáveis,

Sobre Comportamento e Cognição 71


podem possibilitar um feedback mais preciso. Os tutores inteligentes (STIs) são um
exemplo de desenvolvimento de algoritmos capazes de identificar precorrentes em
tarefas de aprendizagem complexas (Martins, & Carvalho, 2004; Martins, Pererira, &
Nalini, 2004).
Apenas em três estudos, dentre os selecionados (Buzhardt & Semb, 2002; Crosbie
& Kelly, 1993; Brothen, & Wambbach, 2000) as correções das avaliações foram adapta­
das para métodos inteiramente informatizados. Entretanto, com os avanços recentes da
inteligência artificial será possível manter os altos níveis de complexidade nas avaliações
e ensino para universitários em ambientes informatizados (Martins, & Carvalho, 2004;
Martins, Pereira, & Nalini, 2004). Correções precisas e imediatas poderão ser emprega­
das aliando as vantagens do feedback imediato para a retenção da informação à aborda­
gens complexas dos assuntos. Desta forma, as intervenções humanas tornar-se-iam
cada vez mais restritas às tarefas de planejamento e elaboração do material.

Desempenho dos alunos nas disciplinas


As avaliações das disciplinas foram informatizadas em diferentes formas de
provas, como respostas curtas e objetivas, formato típico de gi//zz(Brothen, & Wambbach,
2000), provas do tipo verdadeiro ou falso (Buzhardt, & Semb, 2002), questões com
campos para completar afirmativas (fill the blank) (Crosbie, & Kelly, 1993), múltipla-
escolha (Brothen, & Wambbach, 2000) ou de questões abertas, onde o estudante res­
pondia em um campo de texto e sua resposta era avaliada por monitores (Pear, &
Crone-Todd, 1999; Martin, Pear, & Martin, 2002a; Martin, Pear, & Martin, 2002b).
Os relatos não incluíram dados conclusivos sobre desempenho dos alunos
das disciplinas. Uma descrição mais detalhada foi encontrada apenas no trabalho de
Pear, & Crone-Todd (1999). Nas discipinas descritas nesse último trabalho a pontuação
final dos estudantes era computada a partir de três índices de avaliação: (1) seu desem­
penho nos testes de unidade, sendo que cada teste corretamente respondido
correspondia a 1 ponto; (2) 15 pontos para cada um dos 2 testes de revisão distribuídos
durante o curso; (3) 60 pontos do teste final; 1/4 ponto por prova de unidade avaliada ao
fazer monitoria dos testes dos colegas. Desta forma, levam-se em consideração dife­
rentes desempenhos dos estudantes. Seu desenvolvimento no curso é avaliado a partir
dos testes de conhecimento e de sua capacidade em identificar e corrigir erros nas
tarefas de seus colegas.

Procrastinação
O controle do tempo é um dos fatores essenciais para viabilizar cursos PSI.
Apesar do PSI incentivar que os estudantes avancem no conteúdo em seu próprio ritmo,
a maioria dos cursos programados nesta modalidade tem data de início e término. Esses
prazos limites são naturais e dificilmente não existirão em cursos de formação profissio­
nal ou escolar. Decorrente desses limites a procrastinação deve ser evitada, visando
garantir o término dos cursos. O fato dos cursos PSI permitirem uma maior flexibilidade
quanto aos períodos de avaliação não deve ser confundido com incentivo à procrastinação.
Estudos recentes têm demonstrado que a maioria dos atrasos nos cursos são devidos
mais ao não engajamento nas tarefas das disciplinas do que por dificuldade em entender
o assunto apresentado na mesma (Brothen, & Wambbach, 2000; Fox, 2004).
Uma vez que cursos PSI aplicam uma quantidade consideravelmente maior de
avaliações do que nos cursos tradicionais é possível controlar com maior precisão os
níveis de procrastinação1. Por isso, estratégias específicas para diminuir a

72 Leonardo Brandão Marques, Olavo de Faria Galvão, Olívia Misae Kato, Thiago Dias Costa
procrastinação em cursos PSI têm sido estudadas. Um bom exemplo foi a solução
encontrada por Brothen e Wambbach (2000). Estes autores pontuavam diferencialmen-
te os estudantes que respondiam as questões de estudo nos prazos médios estipula­
dos para cada unidade. Dessa forma conseguiram que 82% dos estudantes comple­
tassem todas as questões de estudo no prazo médio estipulado. A bonificação dos
alunos que conseguiam seguir o ritmo médio da turma é um bom exemplo de solução
para as dificuldades de implantação de cursos PSI (Fox, 2004). Esse tipo de estratégia
é condizente com as propostas de Keller (1968) e Skinner (1972) para uma educação
pautada na visão das variáveis motivacionais enquanto relações ambientais,
inidentificáveis nos históricos da interação do estudante com a disciplina.
O uso de pontuações adicionais para os estudantes que cumprem os prazos,
a diversificação da tarefa e o monitoramento constante da freqüência são algumas das
estratégias utilizadas para diminuir a procrastinação e o abandono dos cursos PSI
(Wesp, 1986; Wilkinson, & Sherman, 1990; Tuckman, 1998; Koen, 2001).

Satisfação com a disciplina


Buzhardt e Semb (2002) pesquisaram relatos de preferência dos estudantes a
cada tipo de teste de uma plataforma PSI. A maior parte dos alunos (60.8%) preferiram
as avaliações da condição IBI/a, em que as correções eram feitas a cada resposta em
uma prova (correção item-a-item). A característica que diferenciava essa condição da
terceira a ser citada é a flexibilidade na seqüenciação das tarefas. Nessa condição (IBI/
a) ao ter dúvida em uma tarefa o estudante pôde avançar para a tarefa seguinte sem
responder a anterior, retornando para respondê-la posteriormente. Outra pequena parte
dos alunos (22.54%) preferiu só receber a correção ao final de toda a avaliação (correção
EOT). Um baixo índice de alunos (11.28%) preferiram a condição item-a-item sem liber­
dade de pular de questão (correção de seqüência fixa ou IBI/i). É importante frisar que as
tarefas em IBI/a e IBI/i são as tarefas componentes de um passo do curso, e que,
portanto, nas três condições era necessário que cada passo garantisse as bases
necessárias para o entendimento do passo posterior.
Os artigos de Buzhardt e Semb (2002) e Pear e Novak (1996) apresentam
indicadores específicos de preferência dos estudantes pelo curso de método PSI em
detrimento ao método tradicional. Todavia não foi possível uma análise comparativa
entre os dois estudos já que no primeiro foi analisada a preferência entre três tipos de
situações de avaliações, enquanto no último verificou-se junto aos alunos a preferência
de forma geral entre um curso PSI e outro tradicional. Porém, os dados permitem afir­
mar que há um meio termo ideal entre o controle para evitar procrastinação e a liberda­
de de “movimento” dentro do curso.

Conclusão
O presente trabalho tenta contribuir para o desenvolvimento de metodologias
de ensino à distância, ainda incipiente nas publicações de Psicologia no Brasil (Bell, &
Goodie, 1997 apud Machado, & Silva, 1998). O método PSI já foi aplicado em diversos
cursos informatizados, e sua eficácia foi verificada em cursos com propósitos de treina­
mento técnico, ensino de línguas e ensino universitário, e algumas conclusões já co­
meçam a ser possíveis.

1Atrasos relevantes nas avaliações com relação à média da turma, dos estudantes

Sobre Comportamento e Cognição 73


Uma desvantagem da informatização de um sistema de ensino como o PSI é
que a perda da interação direta entre aluno e monitor/professor repercute em
procrastinação e abandono (Koen, 2005). Normalmente a maior parte do tempo em
sala de aula já é direcionado para o estudo dos textos e as constantes avaliações, e
também não são programadas exposições diárias dos professores, havendo uma re­
dução nas interações entre os estudantes. Devido a isso, alguns alunos se queixam de
falta de contato humano em cursos PSI (Brothen, & Wambach, 2000), que pode ser
maior com a informatização do ensino.
De fato, o menor contato direto entre os estudantes e os monitores, ou profes­
sores, acentua-se ainda mais nos cursos PSI informatizados. Esta diminuição no contato
pode significar perda de ocasiões para o diagnóstico de falhas no entendimento de
determinado assunto pelos estudantes. Por isso, contingências específicas para man­
ter os estudantes freqüentando o curso devem ser planejadas, mesmo quando este é
mediado por computador (Wesp, 1986; Wilkinson, & Sherman, 1990). A utilização das
bonificações e de sistemas que façam medidas mais precisas sobre o conhecimento
inicial dos alunos pode evitar a procrastinação e o abandono nesses cursos.
As tentativas de informatização deste sistema de ensino serve como oportunida­
de de experimentação de métodos de educação melhor adaptados à realidade atual.
Avaliar qual a melhor forma de corrigir uma tarefa poderia ser pensado a partir das diferen­
ças entre os tipos de feedback, como o foi no estudo de Martin, Pear, & Martin (2002a).
Além do PSI outros métodos baseados na análise do comportamento podem ser
integrados a sistemas informatizados de ensino. Saville, Zinn e Elliot (2005) apresenta­
ram propostas interessantes de ensino como o interteaching (Boyce, & Hineline, 2002) e
cooperative learning (Halpern, 2004), que alia algumas das características do PSI com
discussões entre os alunos. O uso de sistemas prontos de código-livre para viabilizar
foruns de discussão, como o Moodle, por exemplo, que é bastante difundido, também
poderia ser consistente com sistemas de ensino que incorporam os princípios do PSI.
Conclui-se, então, que o PSI tem muitas características compatíveis com os
cursos à distância eficientes. De forma geral, a análise do comportamento pode contri­
buir de diversas formas para o desenvolvimento de tecnologias de ensino à distância.
Propostas interessantes não faltam, é preciso saber agora como adaptá-las a um novo
meio, o informatizado.
De todo modo, o fundamental do PSI é a programação adequada do ensino,
partindo do repertório existente do estudante, que deve ser avaliado previamente, e,
através de pequenos passos, acrescentar habilidades que são partes do objetivo final
que o curso pretende ensinar. Dessa forma, a principal característica da avaliação é que
ela deve ter valor reforçador intrínseco, aparecendo ao estudante como um acréscimo
de repertório que o coloca em condições de resolver problemas que antes ele não era
capaz. Quando o objetivo envolve habilidades verbais, conceituais, é fundamental que
haja probabilidade não desprezível de que as novas habilidades possam ser úteis em
interações com membros de uma comunidade que utiliza os conceitos aprendidos.

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Sobre Comportamento e Cognição TI


Capítulo 7
Análises de generalização e
possibilidades de geração de
comportamentos novos
Lidia Maria Marson Postalli e
Deisy das Qraças de Souza
Universidade Federal de São Carlos

Esse capítulo sobre generalização de estímulos trata, inicialmente, de uma


distinção entre generalização por similaridade física e generalização a partir de abstração
e recombinação de unidades de estímulos. Um segundo tópico, de caráter mais
metodológico, descreve procedimentos para favorecer a ocorrência de generalização, a
partir de estudos experimentais que avaliaram sua eficácia e aponta a importância de
matrizes de treino para programar condições de ensino e avaliação de repertórios
recombinativos.

Discriminação e generalização como relações de controle de estí­


mulos
Discriminação e generalização são tratadas no âmbito do controle de estímu­
los, como questões a respeito de como aprendemos a conhecer o mundo; a conhecer
as situações nas quais os comportamentos produzem certas conseqüências. Portan­
to, discriminação e generalização serão tratadas como relações de controle de estímu­
los do comportamento operante. Um operante discriminado se define por relações
entre os três elementos da contingência de três termos: um estímulo na presença do
qual a ocorrência de uma resposta produz uma conseqüência reforçadora. De acordo
com Skinner (1938), no processo de estabelecimento de uma discriminação “embora a
resposta seja livre para ocorrer em um número muito grande de situações estimuladoras,
somente em uma pequena parte delas será efetiva na produção de reforçamento”
(p. 177). O estímulo (ou situação de estímulos) estabelece a ocasião na qual a resposta
pode ser reforçada (Catania, 1999; Skinner, 1938). Portanto, um operante discriminado
é produto de uma história de reforçamento e seleção. Respostas que produzem conse­
qüências reforçadoras ocorrem no ambiente e as conseqüências desempenham fun­
ção seletiva tanto da relação resposta-conseqüência, quanto da relação antecedente-
resposta. Se pretendemos instalar ou estabelecer um operante discriminado ainda
inexistente, será preciso construir a história de reforço, ou seja, “o estabelecimento de
controle de estímulos antecedentes sobre a emissão da resposta é produto da história
específica de reforçamento” (Sério, Andery, Gioia, & Micheletto, 2002, p. 12).
Dado que a resposta só produz a conseqüência sob certas condições, a histó­
ria de interações organismo-ambiente, especialmente o reforço diferencial (reforçamento

78 Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza


das respostas quando o estímulo está presente e extinção das respostas na ausência
do estímulo) é fundamental para o estabelecimento do operante discriminado. Sem o
reforço diferencial, a resposta pode ser fortalecida pelo reforço, mas sua relação com o
ambiente antecedente não será muito claramente estabelecida.
Para o estabelecimento de discriminação, além das relações com o ambiente,
variáveis do nível filogenético também são importantes (cf. os três níveis de seleção por
conseqüências, Skinner, 1981). Ao longo da seleção das espécies os organismos
presumivelmente desenvolveram uma sensibilidade aos estímulos que antecedem a
resposta e sensibilidade às conseqüências de seu comportamento; essas sensibili­
dades seriam produtos evolucionários que fazem parte da constituição do organismo
que aprende. Nas interações do organismo com o ambiente, as conseqüências
selecionarão não apenas a resposta, mas também a relação entre situação anteceden­
te e a ocorrência da resposta. Assim, de acordo com Sério, Andery, Gioia, & Micheletto
(2002), o comportamento operante supõe “sensibilidade aos estímulos que antece­
dem a resposta e sensibilidade às conseqüências como produtos evolucionários” (p. 11)
No processo de estabelecimento de uma discriminação encontram-se envolvi­
dos pelo menos uma classe de respostas e dois conjuntos de estímulos (embora
processos discriminativos possam se estabelecer concomitantemente com outras clas­
ses de respostas e entre vários conjuntos de estímulos). O caso mais extremo de
reforço diferencial na discriminação de estímulos é aquele em que um esquema de
reforço opera para uma classe de respostas na presença de um estímulo (ou classe de
estímulos), enquanto a mesma classe é colocada sob extinção na ausência do estímu­
lo; portanto, reforço e extinção são os casos extremos do contínuo, mas esquemas de
reforços diferentes podem operar na presença de estímulos diferentes e gerar discrimi­
nação de estímulos, isto é, a classe de respostas é reforçada na presença de diferentes
estímulos, porém as dimensões de reforço - freqüência, duração, magnitude, variam
sob diferentes condições de estímulo, como nos esquemas múltiplos, concorrentes,
encadeados, entre outros.
A generalização de estímulos pode ser considerada como produto da discrimi­
nação. Como afirmou Skinner,

a indução (ou generalização) não é uma atividade do organismo; é simplesmente


um termo que descreve o fato de que o controle adquirido por um estímulo é
compartilhado por outros estímulos com propriedades comuns, ou posto em ou­
tras palavras, que o controle é compartilhado por todas as propriedades do estí­
mulo tomadas separadamente (Skinner, 1953/1998, p. 147).

Nessa descrição de generalização é importante notar a referência a essas


“propriedades comuns” compartilhadas por outros estímulos, o que fica ainda mais
evidente em outro texto do mesmo autor:

Uma vez que um comportamento seja colocado sob controle de um dado estímulo,
freqüentemente verificamos que outros estímulos também são eficazes...... A ex­
tensão do efeito a outros estímulos denomina-se generalização ou indução. O
processo sugere que um estímulo discreto é uma noção tão arbitrária quanto a de
um operante discreto. Os ‘elementos idênticos’ de uma resposta têm seus parale­
los nos valores ou propriedades de um estímulo que são separadamente eficazes.
Se reforçamos uma resposta a um ponto vermelho redondo de um centímetro

Sobre Comportamento e Cognição 79


quadrado de área, um ponto amarelo da mesma forma e tamanho será eficaz em
razão das propriedades comuns forma e tamanho; um ponto vermelho, quadrado,
de mesma área será eficaz pela cor e o tamanho; um ponto vermelho, redondo,
com meio centímetro quadrado de área será eficaz porque tem as mesmas propri­
edades comuns de cor e forma (Skinner, 1957, p. 145).

A definição de generalização apresentada por Keller e Schoenfeld (1950/1973),


também enfatiza a história prévia de discriminação: "... quando um organismo está
condicionado a responder a um estímulo, responderá da mesma maneira a certos
outros. Isto se denomina generalização...” (p. 130). Os autores destacam, como fazem
para outros tópicos, a importância da generalização na vida diária do indivíduo:

... este princípio é importante para qualquer organismo na vida diária. Como o
meio-ambiente é um fluxo contínuo, é pouco provável que um estímulo qualquer
retorne com forma idêntica... A generalização de estímulos empresta estabilidade
e coerência ao nosso comportamento em um ambiente mutável (Keller & Schoenfeld,
1950/1973, p. 131).

Definição mais recente incorpora os aspectos críticos incluídos nos textos


clássicos:

... o efeito do reforço não é restrito apenas a estímulos em posições correlacionadas


ao reforço; ele se dispersa para outras posições. A dispersão do efeito do reforço
na presença de um estímulo para outros estímulos não-correlacionados com o
reforço é denominada generalização (Catania, 1999, p. 147).

Estudos experimentais sobre generalização de estímulos geralmente empre­


garam um procedimento padrão: inicialmente, respostas de uma classe eram sistema­
ticamente reforçadas na presença de um estímulo (por exemplo, bicar um disco, em
uma caixa para pombos, quando o disco ficava iluminado por uma luz verde projetada
por trás do disco); quando o responder mostrava-se bem instalado e estável, era intro­
duzido um procedimento de extinção (para controlar a possibilidade de uma nova apren­
dizagem durante os testes) durante o qual uma dimensão do estímulo era sistematica­
mente manipulada ao longo do contínuo. Um desses estudos foi conduzido por Jenkins
e Harrison (1960). Em um primeiro experimento a resposta de bicar era reforçada na
presença de um som com freqüência de 1000 ciclos por segundo que ficava presente
durante toda a sessão experimental. Nos testes, conduzidos em extinção, o som conti­
nuava presente, mas sua freqüência variava em unidades menores e maiores que
1000 ciclos por segundo. Os resultados mostraram que três pombos continuaram
respondendo como se o som fosse o mesmo, o que gerou uma distribuição de respos­
tas similar ao longo de todas as freqüências; ou seja, o pombo respondia na presença
de som, independente de sua freqüência. No entanto, quando o som era interrompido
os pombos continuaram bicando o disco, o que indicou que presença e ausência de
som não faziam diferença para esses pombos, isto é, eles nem sequer discriminaram
entre presença e ausência de estímulo, e por esta razão o responder na presença de
todas as freqüências não pode ser interpretado como generalização. Em um segundo
experimento com cinco pombos, os experimentadores utilizaram reforço diferencial,
isto é, reforço para a resposta na presença de estímulo discriminativo (som de 1000
ciclos por segundo) e extinção na ausência do som (estímulo delta ou S-). Nessa

80 Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza


condição, quando as freqüências do som foram manipuladas durante o teste, ocorreu
uma concentração de respostas na presença do estímulo que previamente tinha funci­
onado como estímulo discriminativo e dispersão das respostas ao longo do contínuo,
de modo que, quanto mais distante uma freqüência estivesse da freqüência original,
menor a taxa de respostas na presença do som com aquela freqüência. Portanto, o
experimento evidenciou os efeitos de generalização, após uma discriminação, que po­
dem ser observados em uma distribuição quantitativamente diferente de quando não
há uma discriminação como base para a generalização.
Nos casos descritos, a generalização significou um processo de expansão na
ciasse de estímulos que controlava uma mesma classe de respostas e a base para a
expansão era a similaridade física entre os estímulos da classe. Assim, por generaliza­
ção, estímulos que não controlavam respostas da classe passaram a exercer controle
sobre elas, sem uma história prévia de exposição direta a tais estímulos. Esse tipo de
processo não pode ser confundido com a emergência de novas relações de controle,
sem treino direto, como o que ocorre na formação de classes de estímulos equivalen­
tes (de Rose, 1993; Sidman, 1971; 1994; Sidman & Tailby, 1982), após uma história de
reforçamento para o comportamento de relacionar arbitrariamente (apenas pelo efeito
das contingências em vigor) estímulos sem qualquer similaridade física. Nesse caso,
a classe como um todo, que pode ser constituída por estímulos sem qualquer similari­
dade, passa a controlar uma mesma classe de respostas.
Contudo, entre a generalização por similaridade física e a formação de classes
de estímulos equivalentes, podem ser identificados outros tipos de processos conside­
rados como generalização.
Em Princípios da análise do comportamento, Millenson (1967) afirma que

a importância de se ter dimensões quantitativas disponíveis para descrever e


manipular os ambientes dos organismos é vista claramente na quantificação do
fenômeno comportamental conhecido como generalização de estímulo. Este fenô­
meno é observado em uma forma grosseira quando uma criança, aprendendo a
falar, se refere a todos os objetos peludos como “gatos” e chama todos os homens
adultos de "papai”. Nestes exemplos a similaridade de estímulos parece estar
claramente envolvida, mas até que possamos especificar as dimensões quantita­
tivas às quais relacionar objetos tais como gatos, coelhos e casacos de pele, uma
avaliação precisa do grau de similaridade de quaisquer duas situações de estímu­
los é difícil... Depois que uma resposta foi fortalecida na presença de uma configu­
ração particular do meio, ela ocorrerá também, mas em menor extensão, quando
o meio estiver ligeiramente alterado de algum modo. A resposta pode desaparecer
totalmente quando a mudança no meio for grande demais (pp. 190-191).

De acordo com essa definição, a generalização também ocorrerá, mas em


menor extensão, quando o meio estiver ligeiramente alterado de algum modo. Diante
de vários exemplares de cachorros, em um primeiro momento chamamos todos os
animais de cachorro (sem muita dificuldade); mas, se examinarmos bem, o que existe
de similaridade física (de comum) entre diferentes exemplares? Observamos diferen­
ças de raça, cor, tamanho, entre outras. Abstração e formação de conceitos provavel­
mente são fontes desse comportamento complexo, mas sua origem, nos casos exami­
nados até esse momento, são as discriminações simples e a generalização por simi­
laridade física entre os estímulos discriminativos a partir de diferentes exemplares ao
longo das experiências de aprendizagem.

Sobre Comportamento e Cognição 81


De qualquer maneira, estamos familiarizados com a noção de generalização
por similaridade física como um dos processos por meio do qual podemos responder
prontamente a exemplares de estímulos novos, apresentando respostas previamente
aprendidas na presença de outros estímulos. Porém, Stokes e Baer (1977) apresenta­
ram um problema para o tratamento de generalização. No artigo agora clássico, eles
estavam interessados na generalização de situações de intervenção para o ambiente
natural. O problema de que tratavam se referia a como garantir a manutenção de com­
portamentos aprendidos na clínica ou no laboratório quando o ambiente mudava. Stokes
e Baer retomam a idéia de Keller e Schoenfeld (1950/1973) sobre a importância da
estabilidade do comportamento em um ambiente mutável. Há muitos casos em que é
importante que o comportamento instalado na clínica, na escola, no hospital, ou em
outros ambientes educacionais ou terapêuticos se mantenha no ambiente natural (cf.
Holland, 1978). Como apontam os autores, não se pode meramente esperar que a
generalização ocorra; é preciso programar contingências para favorecer a generaliza­
ção, ou seja, é preciso programar o que será feito na intervenção para que a generaliza­
ção ocorra. Isto implica a necessidade de se conhecer minimamente o ambiente a que
o indivíduo estará exposto e incorporar certas características relevantes no ambiente de
ensino, de modo que o comportamento possa se manter nos ambientes naturais.
Stokes e Baer apontam alguns critérios para o tipo de generalização que consi­
deram relevante:

Generalização será considerada como a ocorrência de comportamento relevante


sob condições diferentes, não-treinadas (por exemplo, entre sujeitos, situações,
lugares, pessoas, comportamentos, e/ou tempo) sem a programação, nessas con­
dições, dos mesmos eventos que tinham sido programados nas condições de treino.
Assim pode-se dizer que ocorre generalização quando não são necessárias novas
manipulações para promover mudanças no comportamento fora das condições de
treino; ou quando algumas manipulações extra-treino são necessárias, mas seu
custo ou extensão é claramente menor do que a da intervenção direta. Quando
eventos similares são necessários, para efeitos similares entre condições, não
estaremos falando de generalização' (Stokes & Baer, 1977, p. 350).

Stokes e Baer (1977) apontam a insuficiência da noção de generalização por


similaridade física por considerarem que ao se instalar um comportamento na clínica,
por exemplo, a meta é que esse comportamento ocorra em outros ambientes nos quais
o indivíduo vive - como em casa ou na escola, com todas as complexidades envolvidas
nesses ambientes, tanto as físicas quanto as sociais, derivadas dos comportamentos
das outras pessoas. Nesse caso, a generalização baseada na similaridade física não
é suficiente. Portanto, ao programar as contingências para o comportamento no ambi­
ente de ensino (ou terapêutico), é importante incluir nelas aquelas condições que favo­
recerão a generalização em outros ambientes.

Generalização recombinativa
Diferentes processos podem estar na origem de comportamento novo e a no­
vidade pode estar envolvida em qualquer um dos elementos das contingências de três

1“Generalization will be considered to be the occurrence of relevant behavior under different, nontraining conditions (i.e., across subjects, settings,
people, behaviors, and/or time) without the scheduling of the same events in those conditions as had been scheduled in the training conditions. Thus,
generalization may be claimed when no extratraining manipulations are needed for extratraining changes; or may be claimed when some extra
manipulations are necessary, but their cost or extent is clearly less than that of the direct intervention. Generalization will not be claimed when similar
events are necessary for similar effects across conditions".

82 Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza


termos ou em diferentes combinações entre eles. Este capítulo trata da novidade no
comportamento discriminado que ocorre por um tipo particular de generalização que é
aquela derivada da recombinação de unidades de controle de estímulos.
Inicialmente, é importante distinguir entre combinação e recombinação. A com­
binação de unidades comportamentais mínimas estabelecidas independentemente
no repertório de um indivíduo pode resultar em novos comportamentos (sem o ensino
direto) e isso vale tanto para o comportamento discriminado quanto para a ocorrência
de respostas novas. Por exemplo, uma criança que está aprendendo a falar pode cha­
mar qualquer bola de bola e, ao mesmo tempo, dizer que a blusa da boneca é verm e­
lha ; em uma nova ocasião, quando vê uma bola vermelha, ela pode combinar os dois
repertórios, dizendo, pela primeira vez, bola vermelha. Trata-se de uma combinação de
unidades estabelecidas diretamente por reforço, embora a combinação não tenha sido
diretamente reforçada antes.
A combinação também está envolvida na recombinação, mas vamos reservar
esta última para aqueles casos em que o indivíduo abstrai uma sub-unidade de uma
unidade de comportamento previamente reforçada e diferentes sub-unidades de con­
trole de estímulos podem ser recombinadas na produção de uma nova resposta (Alessi,
1987; Skinner, 1957). Embora o reforço seja contingente a uma certa unidade de contro­
le de estímulos (relação antecedente-resposta), unidades menores componentes do
estímulo também podem adquirir controle, sem reforço direto para elas. As unidades
menores não são dimensões definidoras da contingência, mas quando a conseqüên­
cia é produzida na presença do estímulo constituído por tais componentes, o efeito do
reforço pode se estender para partes do estímulo (ou até mesmo ficar restrita a algu­
mas delas).
Abstrações são resultado de aprendizagem discriminativa depois de muitas
exposições a certas classes de estímulos que podem variar ao longo de múltiplas
dimensões, exceto naquela que é abstraída. Os objetos com os quais lidamos rotinei­
ramente têm múltiplas dimensões. Uma delas é a textura, por exemplo. Quando somos
capazes de reagir a algo como “rugoso” ou “aveludado”, geralmente estamos demons­
trando uma abstração: rugoso pode ter sido aprendido em contato com diferentes objetos,
frutos, tecidos, etc. A abstração dessa propriedade pode permitir que a palavra seja
aplicada a um novo item, como um tipo de papel ou a uma casca de árvore. "Quando um
químico diz diaminodifenilmetano, essa resposta pode estar sob controle de unidades
menores previamente aprendidas di - amino - di - fenil - metano” (Skinner, 1957, pp.
62). O aprendiz de química pode começar repetindo a palavra inteira e gradualmente
ficar sob controle de partes da palavra - e de seus referentes (para cada um dos ele­
mentos). Os componentes, por sua vez, podem ser recombinados para formar novas
palavras - relacionadas a outros referentes. Nesse exemplo teríamos o dois processos:
combinação e recombinação. Inversamente, o mesmo estudante de química poderia
gerar o nome de um composto que nunca nomeou antes, ao recombinar as quantida­
des e os nomes dos elementos que entraram no composto.
Consideremos, como outro exemplo, o comportamento de seguir instruções
como um comportamento discriminado (ou instruído). Uma criança que tenha aprendi­
do a seguir instruções como jo g u e a bola, em purre o carrinho ou g ire o pião, muito
provavelmente pode seguir uma instrução nova, como em purre a bola. O comporta­
mento de jogar a bola, diante da instrução correspondente, geralmente é reforçado
como uma unidade, mas à medida que a criança é repetidamente exposta a uma
contingência como esta, a criança pode começar a abstrair que jogue se refere à ação
e que bola é o objeto em relação ao qual a ação é executada. Em uma nova oportunida­

Sobre Comportamento e Cognição 83


de, quando a mãe diz “jogue o pião”, a criança pode ser capaz de seguir a instrução, pois
já haveria uma correspondência entre a expressão jogue com ação que ela deveria
executar, porém agora com relação a outro brinquedo, o pião. Portanto, nesse caso
teríamos uma recombinação entre os verbos e os objetos aprendidos. Recombinações
ainda mais extensas ou complexas poderiam ser observadas no comportamento de
seguir uma instrução para uma seqüência (Assis & Costa, 2004; Green, Stromer, &
Mackay, 1993; Holcomb, Stromer, & Mackay, 1997; Lazar, 1977; Sigurdardottir, Green, &
Saunders, 1990; Stromer & Mackay, 1993; Verdu, de Souza, & Lopes Jr., 2006), como
quando um adulto diz a uma criança “primeiro jogue o carrinho, depois gire a bola e
empurre o pião”
Os exemplos mostram comportamentos ocorrendo sob controle de estímulos
novos (uma recombinação é um estímulo novo, embora seus componentes façam
parte de relações previamente aprendidas), mas não se trata de generalização por
similaridade física. Quando estímulos familiares são recombinados em novas formas
e os elementos de estímulos continuam exercendo controle preciso e apropriado sobre
componentes correspondentes da resposta, o processo é denominado generalização
recombinativa (Wetherby, & Striefel, 1978). Sintetizando, generalização recombinativa é
o responder diferencial para novas combinações de componentes de estímulos que
estavam incluídos previamente em outras combinações de estímulos aprendidas
(Goldstein, 1983a, p. 281). No tópico seguinte serão descritos alguns estudos experi­
mentais clássicos que identificaram processos de generalização recombinativa e algu­
mas das condições necessárias para sua ocorrência, contribuindo também para o
estabelecimento e o refinamento do conceito.

Investigações experimentais sobre generalização recombinativa e


procedimentos para favorecer sua ocorrência
Um dos primeiros estudos a lidar generalização recombinativa2 foi conduzido
por Esper (1925). Esper estava interessado em como uma nova seqüência de respos­
tas verbais pode ser apresentada como função de aprendizagem anterior. A pergunta
mais geral que ele estava tentando responder era como a linguagem se torna um
sistema organizado e como os componentes tornam-se elementos comuns, possibili­
tando a generalização de palavras ou sentenças a situações novas, com base em
seqüências aprendidas previamente. O estudo foi conduzido com um Sistema Lingüístico
em Miniatura, que consiste de um conjunto de estímulos que variam ao longo de uma
ou mais dimensões (por exemplo, cor, forma, tamanho) e o arranjo desses estímulos
possibilita diferentes combinações das dimensões. Esper empregou uma matriz de
ensino que explicita todas as combinações possíveis e escolheu algumas das combi­
nações para serem diretamente ensinadas, enquanto outras seriam apenas testadas
(ao fazer isto, ele estabeleceu um delineamentò experimental que se tornou clássico no
estudo de repertórios recombinativos).
Com o objetivo de verificar a nomeação de combinações de cor e forma de
estímulos, Esper selecionou quatro cores e quatro formas e empregou uma matriz de
treino 4x4, para a composição de cada par cor-forma, o que resultou em dezesseis
pares combinados entre as quatro cores e as quatro formas. A Figura 1 ilustra a matriz
de ensino adaptada com base na descrição do estudo de Esper (1925). As cores e
formas são ilustrativas (não foram as utilizadas por Esper, 1925). Sílabas sem sentido
foram arbitrariamente atribuídas às cores e às formas e suas combinações formavam

2 Uma extensa revisão sobre assunto pode ser encontrada em Suchowierska (2006).

84 Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza


palavras. A primeira coluna, na Figura 1, lista as sílabas correspondentes às cores
(NAS-, WEC-, SNOWN- e ROJ-) e a primeira linha lista as sílabas correspondentes às
formas (-LING, -CAW, -DEG e -KOP). As duas caselas sombreadas indicam os pares
reservados para testes. No Experimento 1, adultos universitários aprenderam a relaci­
onar 14 palavras, uma a cada par de estímulos cor-forma, conforme a construção da
língua inglesa adjetivo-nome (por exemplo, “red square”) e com divisão regular das
sílabas. No Experimento 2, a ordem dos elementos na palavra foi invertida (forma-cor) e
as sílabas que compunham o estímulo auditivo apresentavam uma divisão irregular.
Essas manipulações tiveram o objetivo de verificar se a aprendizagem cor e forma era
facilitada pela correspondência na ordem dos elementos da palavra na língua inglesa
(adjetivo-substantivo) e das convenções silábicas. Dessa forma, no segundo experi­
mento, as sílabas correspondentes às formas eram NU-, DOJ-, PE- e Wl-, e as sílabas
correspondentes às cores eram -LGEN, -GDET, -ZGUB e -MBOW. Por exemplo, no estí­
mulo auditivo nulgen, o som “nu” correspondia à forma e o som “Igen” correspondia à
cor. Nos dois estudos, nas sessões de ensino o estímulo auditivo era ditado simultane­
amente à apresentação do estímulo visual. O participante deveria repetir o nome falado.
Nas sessões de teste era apresentado apenas o estímulo visual e a tarefa do partici­
pante era dizer o nome do estímulo. Os testes incluíam os pares ensinados e os dois
pares não-treinados. A cada quatro seqüências de treinos era realizada uma seqüência
de testes. No Experimento 1, os participantes aprenderam as relações nome-figura
para os quatorze pares ensinados e foram capazes de identificar corretamente os no­
mes dos dois pares testados. No Experimento 2, os participantes apresentaram apren­
dizagem lenta e incompleta nas séries de ensino e não apresentaram nomeação con­
sistente diante dos dois estímulos testados. Portanto, os resultados mostraram que a
ordem dos elementos na palavra de acordo com a língua inglesa (adjetivo-nome) e a
divisão regular das sílabas favoreceu a ocorrência de generalização recombinativa.

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Sobre Comportamento e Cognição 85


A legitimidade dos estudos de sistema lingüístico de Esper é que participantes
produzem uma seqüência de respostas para itens (estímulos) que são fracionados
em duas dimensões ou classes. Essas dimensões têm sido geralmente, cor,
forma ou tamanho, e os participantes aprendem a produzir novas combinações de
respostas para as novas combinações de estímulos (Wetherby, 1978 p. 408).

Estudos subsequentes avaliaram os efeitos de outras variáveis que caracteri­


zam as condições de ensino necessárias para promover a generalização recombinativa:
tipos de estímulos e quantidade, relação entre a quantidade de relações ensinadas e
avaliadas, seqüência de ensino, entre outras.
Foss (1968a, 1968b) utilizou uma matriz de ensino 4x4 para a distribuição das
duas dimensões de um mesmo estímulo (cor e forma) e empregou duas condições de
ensino (cada uma com um conjunto de estímulos diferentes) uma sem sobreposição e
outra com sobreposição das dimensões dos estímulos. A Figura 2 apresenta uma
ilustração adaptada das matrizes de ensino. Na primeira condição foram ensinadas
quatro relações entre os pares palavra-estímulo (ver diagonal); a combinação cor-forma
era exclusiva em cada estímulo; as caselas em branco correspondem aos estímulos
reservados para testes. Na segunda condição foram ensinados os nomes de oito estí­
mulos e eles foram selecionados de tal forma que cada estímulo compartilhava uma
das dimensões com um outro estímulo, ou seja, foi planejada uma superposição
(overllaping) sistemática, de tal forma que uma mesma dimensão estava presente em
dois dos estímulos usados na fase de ensino (por exemplo, Zintep e Z/nfub). Os resul­
tados mostraram que na condição sem sobreposição os participantes responderam
corretamente apenas aos itens ensinados, enquanto na condição com sobreposição,
além de aprenderem os itens ensinados, os participantes também apresentaram ge­
neralização recombinativa. Foss (1968) demonstrou, portanto, que o arranjo de treino
com sobreposição tem um significativo efeito na aprendizagem e na recombinação de
componentes, o que permite ao aprendiz dizer uma palavra correta, não diretamente
aprendida, quando exposto a novos estímulos. A seleção dos estímulos ensinados na
condição com sobreposição permitiu que as sílabas correspondentes à cor e à forma
fossem apresentadas pelo menos em dois pares palavra-estímulo ensinados. Por
exemplo, tendo sido ensinadas as relações JORPLY, JORFUB, ZINTEP e NIDTEP, dian­
te de um estímulo novo - JORTEP - o participante teria condições de nomeá-lo a partir
das abstrações das unidades menores que compunham os estímulos envolvidos nas
relações ensinadas (a palavra e a figura; a primeira sílaba sob controle da forma e a
segunda sob controle da cor da figura).
Portanto, condições de ensino necessárias para a ocorrência de generalização
recombinativa requerem: 1) a sobreposição de componentes dos estímulos (que são
abstraídos); e 2) regularidade ou sistematicidade na programação da sobreposição.
Vários estudos têm empregado o sistema de linguagem generalizada, princi­
palmente com indivíduos com atraso de linguagem. Na década de 70 alguns estudos
investigaram o controle instrucional, com interesse no seguimento generalizado de
instruções (e.g., Striefel & Wetherby, 1973; Striefel, Bryan, & Aikiens, 1974; Striefel, Wetherby,
& Karlan, 1976). Apesar desses autores não utilizarem a matriz de treino como apoio na
programação das condições de ensino, Wetherby (1978) aponta que os resultados
podem ser analisados como um sistema lingüístico em miniatura, devido à repetição e
sobreposição entre as unidades treinadas.
Striefel e Wetherby (1973) pretendiam ensinar um indivíduo com necessidades
especiais a seguir instruções e a partir do ensino de algumas instruções, verificar a

86 Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza


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generalização para novas instruções (recombinadas). O comportamento de seguir


instruções foi ensinado por reforço diferencial, isto é, quando uma instrução era apre­
sentada e o comportamento emitido correspondia à instrução, o comportamento era
reforçado; se o participante não respondesse ou se fizesse outra coisa, o reforço era
omitido e o participante recebia ajuda em graus variados, começando por ajuda física,
até apresentar uma resposta que pudesse ser consequenciada. Durante a condução
da sessão, o experimentador dizia o nome do participante, aguardava que ele fizesse
contato visual e então, apresentava a instrução verbal. Nas sessões de ensino foram
ensinados vinte e cinco comportamentos, três por sessão; o critério de aprendizagem
era de quatorze acertos em quinze instruções apresentadas na sessão. Nas sessões
de teste, após o ensino dos vinte e cinco comportamentos diferentes, era avaliada a
generalização dos itens para dez novos comportamentos, os quais envolviam uma
resposta e um objeto que faziam parte, separadamente, de outros comportamentos
aprendidos (apenas a combinação era nova); a instrução nova “lançar a pena”, por
exemplo, poderia ser seguida se o participante recombinasse o que havia aprendido na
fase de ensino com as instruções “Assoprar a pena” e “Lançar a bola”. Os resultados
mostraram que o participante aprendeu as seguir as instruções ensinadas, mas não
apresentou generalização. Diante de instruções recombinadas, o participante executa­
va a ação correspondente, porém com o objeto ensinado. Assim, diante da instrução
nova “Lançar a pena”, o participante lançava a bola, ao invés de lançar a pena. Com
base nos dados de Foss (1968), esse resultado seria previsível: os treinos não empre­
garam a sobreposição, que só era introduzida nos testes.
Na busca de estratégias de ensino para obter a generalização recombinativa,
Striefel e colaboradores (1976) realizaram um novo estudo com objetivo de estabelecer

Sobre Comportamento e Cognição 87


seguimento de instruções generalizadas para 144 combinações de doze verbos e doze
substantivos. Nesse estudo eles empregaram duas estratégias propostas em estudos
anteriores. A primeira estratégia para maximizar a recombinação seria ensinar cada um
dos doze verbos com cada um dos doze substantivos. Eles começaram por ensinar um
verbo com cada um dos doze nomes até o critério; somente quando o indivíduo havia
aprendido a realizar a mesma ação com 12 objetos diferentes (eg., jogar a bola, jogar a
banana, jogar a garrafa de boliche, etc), um outro verbo era ensinado com os mesmos
doze objetos, e assim sucessivamente. A segunda estratégia empregada visava favore­
cer a transferência do controle de estímulos do comportamento motor imitativo para o
seguimento da instrução verbal (Striefel, Bryan, & Aikiens, 1974). Inicialmente, o
experimentador instruía o participante a imitá-lo (“Faça isso”) e apresentava reforço
diferencial para acerto e erro; em seguida, apresentava a instrução verbal e simultane­
amente realizava a ação; posteriormente, apresentava a instrução verbal, e um atraso
na realização da ação; e por último, apresentava apenas a instrução verbal. Antes de
ensinar cada nova relação, era conduzida uma sonda. Se o participante apresentasse
o seguimento correto, aquela instrução era considerada adquirida sem treino direto e
passava-se ao ensino da seguinte. Os resultados mostraram a generalização como
função do treino: os dois participantes do estudo responderam corretamente a uma
ampla porcentagem de recombinações não-treinadas. Depois do ensino de apenas
alguns verbos com todos os objetos, a cada novo verbo os participantes passaram a
precisar de menos treino antes de começar a seguir as instruções com os outros
objetos já nas tentativas de sonda. Nas etapas finais, um verbo necessitava ser treina­
do em combinação com apenas um dos objetos, antes da generalização para as outras
instruções com o mesmo verbo.
Ainda na esfera da aquisição, Goldstein (Goldstein, 1983b, 1984; Goldstein,
Angelo, & Mousetis, 1987; Goldstein, & Mousetis, 1989) apresentou uma importante
contribuição na sistematização de procedimentos, especialmente no emprego de ma­
trizes de treino, como condição para acelerar a generalização recombinativa. Em um
dos estudos (Goldstein, 1983), o interesse era a construção de frases com dois ele­
mentos: ação e objeto. Crianças pré-escolares e de ensino fundamental eram ensina­
das a dizer sentenças constituídas de pseudo palavras, cada palavra constituída por
uma sílaba (por exemplo, yok, mep e tek), combinadas em pares sujeito-verbo. Foram
empregadas quatro palavras relacionadas a sujeitos e outras quatro relacionadas a
ações, o que possibilitava 16 combinações diferentes. Quatro diferentes marionetes
eram empregadas como sujeitos da frase e quatro diferentes movimentos com as
mãos eram as ações. Em um treino inicial, cada marionete era apresentada executan­
do um movimento. Durante essa apresentação, o experimentador dizia duas palavras
em seqüência (o nome da marionete e o que ela estava fazendo) e fazia com que a
criança as repetisse. Cada marionete era apresentada “executando” um (e apenas um)
dos movimentos. Após esse treino inicial, eram conduzidas tentativas para avaliar se,
ao observarem uma mesma marionete realizando movimentos diferentes daquele ini­
cialmente treinado, as crianças seriam capazes de nomear tanto o sujeito como o
movimento correspondente, fazendo, portanto, recombinações de expressões sujeito-
verbo. Por exemplo, no treino inicial, a criança poderia observar uma marionete execu­
tando um movimento circular e aprender a expressão “tek mep". Em seguida, ao obser­
var outra marionete executando um movimento retilíneo, aprenderia “yokgup”. A pergun­
ta era se na fase de recombinações a criança seria capaz de dizer “tek gup” ao observar
a primeira marionete executando um movimento retilíneo. Os resultados mostraram
que todas as crianças não só foram capazes de aprender as combinações sujeito-
verbo diretamente ensinadas, mas também de recombiná-las; contudo, a generaliza­

88 Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza


ção só ocorreu depois de pelo menos uma sobreposição. Comparando o desempenho
das crianças pré-escolares com o das mais velhas, o autor observou que as crianças
mais novas precisaram de uma fase de treino mais longa (cerca de três a quatro apre­
sentações a mais que as crianças mais velhas) e mais exemplares com sobreposição
para que pudessem recombinar as expressões aprendidas.
A Figura 3 apresenta a matriz de treino adaptada do estudo de Goldstein (1983).
Os estímulos apresentados na primeira coluna da esquerda indicam os agentes e os
estímulos apresentados na primeira linha indicam as ações. Os números indicam a
ordem prevista para o treino dos pares de estímulos. Goldstein iniciou o ensino com os
quatro estímulos da diagonal da matriz e ordenou a seqüência de ensino dos demais
pares da matriz. Os resultados de generalização recombinativa somente foram obtidos
após o ensino de pelo menos um par recombinado, ou seja, um par que apresentasse
um componente de um estímulo já ensinado. Para as duas crianças mais velhas (8
anos e 8 meses e 7 anos e 4 meses) foi necessário o ensino de cinco pares de
estímulos e depois de apenas uma sobreposição, elas generalizaram a nomeação
para onze combinações de estímulos não-treinadas; uma criança (4 anos e 9 meses)
treinou doze pares e generalizou quatro estímulos; a criança mais nova (4 anos e 5
meses) treinou quinze estímulos e generalizou um par.

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ordem ptwi&tá para o treirio das relações entre os p&res de esimuiíos.

Goldstein e colaboradores realizaram outros estudos empregando matrizes de


ensino mais complexas. Por exemplo, Goldstein e Mousetis (1989) empregaram uma
matriz de treino para ensinar crianças com retardo a combinar três palavras (objeto -
preposição - local) em sentenças. A matriz de ensino distribuía os três elementos -

Sobre Comportamento e Cognição 89


objeto, preposição e local - em um arranjo 3x5x6. O treino de algumas respostas foi
suficiente para promover a generalização recombinativa, o que permitiu um ensino
econômico e eficiente com indivíduos com necessidades especiais.
Estudos sobre aquisição de leitura e escrita também têm buscado a
recombinação de unidades sonoras e textuais. Alguns dos estudos buscaram confir­
mação empírica para a proposição de Skinner (1957) de que, a partir do ensino de
unidades maiores, é possível desenvolver o controle por unidades menores, que então
passariam a controlar o comportamento também quando recombinadas em outros
estímulos (eg., de Rose, de Souza, & Hanna, 1996; Hanna, Kohlsdorf, Quinteiro, Melo,
de Souza, & de Rose, submetido; Hanna, de Souza, de Rose, & Fonseca, 2004; Hübner,
Matos, & Peres, 1998; Matos, Avanzi, & Mcllvane, 2006).
O programa de ensino desenvolvido pelo grupo de pesquisa da Universidade
Federal de São Carlos (cf. de Souza, & de Rose, 2006) tem como objetivo verificar a
efetividade de métodos para desenvolver repertórios de leitura e escrita baseados no
controle de estímulos e no emparelhamento de acordo com o modelo. Na proposta inicial
do programa de ensino não foi planejada a recombinação por meio de matrizes de ensino
(cf. de Rose, de Souza, Rossito, & de Rose, 1989, 1992), porém os autores estavam
interessados em verificar se os estudantes leriam novas palavras, formadas pela
recombinação das sílabas das palavras de treino. Desse modo, as palavras selecionadas
para teste continham somente elementos de palavras previamente ensinadas. Por exem­
plo, após aprender a ler as palavras bolo e apito, os alunos seriam capazes de ler a
palavra boto? Ou seja, o interesse era a recombinação de unidades textuais, na qual as
sílabas de uma palavra nova eram componentes das palavras que estavam sendo ensi­
nadas ao longo de uma unidade de ensino. De modo geral, os resultados mostraram que
alguns estudantes começaram a ler novas palavras em algum ponto do programa de
leitura e, daquele ponto em diante, aumentaram gradualmente o número de palavras de
generalização lidas (cf. de Souza & de Rose, 2006). Esse resultado possivelmente de­
pendeu da exposição do aluno, ao longo do programa de ensino, a palavras constituídas
de sílabas que também eram componentes de outras palavras ensinadas e a repetição
dessas sílabas pode ter favorecido a generalização recombinativa devido à repetição dos
componentes dos estímulos. Esses resultados confirmam a predição de Skinner (1957)
de que o reforço para certas unidades pode também selecionar unidades menores de
comportamento que entraram na contingência, o que é condizente com a noção de que a
generalização recombinativa ocorre a partir da abstração de componentes, quando os
mesmos são recombinados em novos arranjos (Alessi, 1987). Nos estudos de Matos e
colaboradores (Hübner-D'Oliveira, 1990; Hübner-DOliveira & Matos, 1993; Hübner et al.,
1998; Matos et al., 2006), embora não tenha sido empregado o uso de matrizes, o treino
com sobreposição foi sistematicamente empregado (em palavras como boca, bota, bola,
cola, cabo, calo, lobo, bolo) e quanto maior a quantidade de palavras ensinadas, maior a
generalização em tarefas de leitura receptiva (selecionar entre palavras impressas a que
corresponde a uma palavra ditada).
Outros estudos têm adotado uma abordagem de planejar o ensino de modo a
maximizar a abstração e a recombinação de unidades. Esses estudos utilizaram a
matriz de treino como instrumento para o planejamento como, por exemplo, nos estu­
dos de Saunders e colaboradores (Mueller, Olmi, & Saunders, 2000; Saunders, 0'DonnelL
Vaidya, & Williams, 2003), sobre leitura recombinativa e nos de Postalli e colaboradores,
sobre seguimento de instruções (Postalli, 2007; Postalli, Schimdt, & de Souza, 2007).
Mueller et al. (2000) utilizaram a manipulação sistemática de unidades
intrassilábicas (onset e rime) para verificar a generalização recombinativa. Palavras

90 Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza


monossilábicas (por exemplo, mat, sat, sop e sug) eram ensinadas por meio de empa-
relhamento com o modelo auditivo-visual e os testes avaliavam a seleção de palavras
não-treinadas que continham letras recombinadas (por exemplo, mop e mug). Duas
crianças apresentaram generalização depois do treino de um conjunto de palavras e
uma terceira criança após o ensino de dois conjuntos. O desempenho indicou que as
crianças abstraíram unidades menores (onset e rime) dos monossílabos ensinados.
Os resultados desse estudo foram replicados por Saunders et al. (2003) com adultos
com retardo mental.
Postalli e colaboradores utilizaram uma matriz de treino para investigar controle
instrucional derivado da formação de classes. O objetivo de um dos experimentos de
Postalli (2007) foi verificar se pseudo-frases (verbo-objeto) se tornariam equivalentes a
ações e objetos (apresentados em filmes em videoteipes) e figuras abstratas; e se as
palavras e figuras adquiririam controle instrucional sobre o responder não verbal (reali­
zar as ações, isoladas ou direcionadas aos objetos). Adicionalmente, pretendeu-se
verificar se, a partir do estabelecimento de controle instrucional de frases ação-objeto, o
seguimento se estenderia para novas combinações entre os verbos e substantivos
apresentados pelas instruções orais e pelas figuras indefinidas (generalização
recombinativa). A Figura 4 apresenta a matriz das recombinações entre verbos e subs­
tantivos empregadas no estudo de Postalli (2007). A diagonal sombreada indica as
relações ensinadas entre pseudo palavras usadas como nomes de ações e objetos
(verbos e substantivos): mupar a guzata, voquer a reveca e zabir a tabilu. As recombinações
possíveis, representadas nas demais caselas, foram apresentadas apenas em testes
de controle instrucional (execução da ação relacionada ao objeto) e de seleção (discri­
minações condicionais auditivo-visuais). Participaram do estudo seis crianças com
idade entre cinco anos e nove meses e seis anos e um mês. Os estímulos do Conjunto
A eram pseudo-frases ditadas (verbo-objeto); os do Conjunto B eram ações (sem nome
definido) direcionadas a um objeto não familiar (construído com sucata) apresentadas
por meio de videoteipes; e os do Conjunto C eram figuras abstratas (compostas por
dois elementos distintos e separados espacialmente). Foi empregado um procedi­
mento de emparelhamento com o modelo com três estímulos de comparação para
ensinar as discriminações condicionais entre os estímulos dos conjuntos A e B (relação
AB) e entre os dos conjuntos A e C (relação AC) e testar a formação de classes (tentati­
vas de sondas BC e CB intercaladas com tentativas de linha de base). Todas as crian­
ças aprenderam as discriminações e apresentaram formação de classes de equiva­
lência (relacionando, sem ensino direto, pseudo-frases, ações e figuras indefinidas -
emergência de BC e CB). Nos testes de controle instrucional, após a formação de
classes, todas as crianças seguiram ambos os tipos de “instruções”. Porém, nos tes­
tes de recombinação de verbos e objetos de seguimento de instruções e de seleção
das discriminações condicionais, nenhuma criança apresentou generalização
recombinativa. No seguimento de instruções recombinadas, os participantes executa­
vam uma ação em relação a um objeto, porém sob controle de um dos componentes da
instrução. Por exemplo, diante da nova instrução “mupar a reveca” (recombinação das
instruções ensinadas “mupar a guzata” e “voquer a reveca”), algumas crianças executa­
vam as instruções ensinadas mupar a guzata ou voquer a reveca ou as duas ações. Na
seleção das discriminações condicionais, as crianças tendiam a selecionar o estímulo
de comparação sob controle apenas um dos elementos do composto (verbo ou objeto).
A falta de generalização não causa surpresa, uma vez que o treino não envolveu
superposição: pelo contrário, é congruente com os de Striefel e Wetherby (1973) e com
os demais estudos que mostraram recombinação apenas após treino com
superposição. No conjunto de estudos emergiu um conjunto sistemático de dados

Sobre Comportamento e Cognição 91


evidenciando, por um lado, que o treino com superposição de unidades favorece a
recombinação; por outro lado, se o objetivo de um estudo ou intervenção for evitar a
contaminação de um repertório treinado sobre outro (o que pode ser necessário em
certas situações), então o ensino sem superposição é o procedimento por excelência
para garantir a independência entre os repertórios ensinados.

Objetos
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Implicações para a pesquisa e a aplicação


Esse conjunto de pesquisas indica que se o objetivo é estabelecer discrimina­
ções e desempenhos independentes, mutuamente exclusivos; a ênfase deve ser na
diagonal da matriz de treino. Ou seja, deve ser empregada uma condição de ensino
sem sobreposição, na qual os estímulos selecionados, por exemplo, pertencem a
diagonal da matriz de ensino.
Por outro lado, se o objetivo é favorecer repertórios recombinativos, então, deve-
se maximizar a sobreposição; portanto, a ênfase deve recair em treinos combinados
com sobreposição dos elementos e reservar a matriz para avaliação de comportamento
novo, derivado da recombinação.
Para aplicação, o uso de matrizes de treino como instrumento de análise,
planejamento e programação de condições de ensino pode ser muito útil. Para além
dos estudos referidos nesse trabalho e de outros registrados na literatura da área,
parece fundamental que se investiguem empiricamente as condições necessárias e
suficientes para a ocorrência da generalização recombinativa, bem como a investiga­
ção de estratégias para maximizar o uso das matrizes de ensino na promoção de
generalização recombinativa em ambientes naturais. Portanto, descrever esses pro­
cessos e ter controle de variáveis relevantes para seu desenvolvimento tem implica­
ções importantes para a promoção do desenvolvimento infantil, para a prevenção e
reabilitação de deficiências e para estratégias para o desenvolvimento de repertórios
verbais e não-verbais.

92 Lidia Maria Marson Postalli e Deisy das Graças de Souza


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Sobre Comportamento e Cognição 95


Capítulo 8
Habilidades maternas de mulheres que
sofrem violência do parceiro:
uma revisão1
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams*
UFSCar, LAPREV

Elíane Aparecida Campanha Araújo**


LAPREV, UFSCar

O presente artigo tem por objetivo proceder à revisão dos aspectos teóricos
envolvidos no ensino de habilidades maternas a mulheres vítimas de violência conju­
gal, de acordo com a literatura da área.
A violência contra a mulher consiste em uma grave violação dos Direitos Huma­
nos. Tal tipo de violência, freqüentemente denominada por violência doméstica é, se­
gundo Saffiotti, & Almeida (1995), um fenômeno internacional que assume proporções
epidêmicas, cujo estudo científico teve início apenas nas décadas mais recentes. Difi­
cilmente será construída uma sociedade não violenta se a devida cultura de paz não for
propagada, desde o início, no âmbito privado de cada família.
O Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (LAPREV), vinculado ao
Departamento de Psicologia da UFSCar tem desenvolvido inúmeros projetos de pes­
quisa, intervenção e prevenção da violência em geral, e em específico, da violência
praticada contra a mulher vítima de violência intrafamiliar (ver portal do laboratório para
uma descrição detalhada dos objetivos, projetos e publicações do mesmo:
www.ufscar.br/laprev). Tal trabalho é vinculado ao grupo de Pesquisa do CNPq “Impacto
da Violência sobre o Desenvolvimento Humano: Prevenção e Intervenção”, liderado pela
presente autora, divulgado internacionalmente por Williams, Gallo, & Brino (2005).
O estudo da violência intrafamiliar foi possibilitado com as contribuições do
movimento feminista (Soares, 1998) que alertou sobre o impacto nocivo do sistema
patriarcal nas construções de gênero. Williams (2001a) cita a revisão de Meichenbaum
(1994), apontando as seqüelas verificadas na literatura por mulheres agredidas pelo
parceiro conjugal, sendo essas: alto nível de depressão, ideação suicida, dependência
de álcool ou drogas, sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, ansiedade
crônica, sensação de perigo iminente, distúrbios do sono e/ou alimentação, freqüentes

1Artigo referente a projeto de pesquisa financiado pelo CNPq - Bolsa Produtividade da primeira autora
‘ Professora Titular, Departamento de Psicologia, UFSCar, Coordenadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência - LAPREV
“ Pesquisadora Pós-Doutorado FAPESP/LAPREV, Departamento de Psicologia, UFSCar

96 Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, Eliane Aparecida Campanha Araújo


queixas somáticas, baixa auto-estima, dificuldade de tomada de decisão, passividade
e extrema dependência.
No entanto, as decorrências nocivas ao desenvolvimento humano não se resu­
mem à esfera da mulher vitimizada pelo parceiro. Mais recentemente, os pesquisado­
res têm se debruçado sobre os efeitos da exposição à violência conjugal por parte da
criança ou o fenômeno da vitimização indireta. (Holden, Geffner, & Jouriles, 1998). Em
um artigo de revisão sobre o assunto, Brancalhone, & Williams (2003) analisam o
conceito de “estar exposto à violência”, o que não necessariamente significa estar pre­
sente na cena em que ocorre a agressão, bastando ter uma mãe que seja agredida
pelo parceiro. A literatura revista aponta uma série de dificuldades de desenvolvimento
em tal criança, como por exemplo, problemas de interação social, dificuldades escola­
res, problemas de saúde, dificuldades comportamentais e risco de desenvolvimento de
psicopatologias (Brancalhone, & Williams, 2003).
Apesar da abrangência do conceito de exposição à violência doméstica, o fato é
que a maioria dessas crianças é testemunha da violência sofrida pela mãe. Brancalhone,
Fogo, & Williams (2004) constataram, em um estudo que procurou avaliar o desempenho
acadêmico da criança cuja mãe sofria violência por parte do parceiro, que 93% das crian­
ças do estudo haviam presenciado a violência sofrida pela mãe, sendo tal resultado
semelhante ao encontrado na América do Norte (Stenberg & Lamb, 1999).
Um dos problemas sérios associados à exposição à violência é a questão da
modelação do comportamento agressivo do pai, geralmente por parte das crianças de
sexo masculino e a imitação da passividade generalizada da mãe, por parte das meni­
nas. Além disso, a literatura tem verificado uma alta correlação entre a existência de
violência contra a mulher e a existência de violência contra a própria criança ( vitimização
direta). De fato, a taxa de co-ocorrência da agressão física à criança e à mulher da
mesma família tem se mostrado maior do que 50% em amostras clínicas (0 ’Leary,
Slep, & 0 ’Leary, 2000), embora os autores afirmem que há muito a ser pesquisado para
compreender a correlação entre os dois fenômenos.
Há dados indiscutíveis mostrando os efeitos deletérios da violência física pra­
ticada contra o ser humano. Barnett (1997) considera os maus-tratos infantis como
sendo o mais grave estressor ambiental para o desenvolvimento humano, afirmação
substanciada nos estudos da primeira autora (Williams, 2003a; D’Affonseca, & Williams,
2003). O comportamento agressivo é um dos comportamentos que traz mais proble­
mas ao convívio social, implicando numa transgressão dos direitos do outro (Maldonado,
& Williams, 2005).
Um histórico de violência infantil tem sido uma das variáveis fortemente asso­
ciadas à ocorrência de atos infracionais por jovens (Gallo, & Williams, 2005; Reid,
Patterson, & Snyder, 2002), e a agressividade infantil está associada, segundo o DSM-
IV (American Psychiatric Association, 2002), a sérios problemas de saúde na criança e
no adolescente, como Transtorno Desafiador Opositivo, Transtorno de Conduta, Trans­
torno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, dentre outros. Em um estudo para ava­
liar o comportamento agressivo de crianças do sexo masculino na escola e sua relação
com violência doméstica (Maldonado, & Williams, 2005), comparando crianças agres­
sivas e não agressivas em pares, constatou-se a existência de violência nas famílias de
ambos os grupos, porém maior incidência e severidade de violência praticada contra a
mulher no grupo de crianças agressivas.
Na experiência da primeira autora coordenando projetos de intervenção com
mulheres vítimas de violência ao longo de diversos anos (Williams, 2001b), nota-se que

Sobre Comportamento e Cognição 97


a mulher vítima de violência tem dificuldade em orientar e manejar o comportamento de
seus filhos. Tal fato se dá, possivelmente, por várias razões: em primeiro lugar é prová­
vel que essa mulher tenha um histórico de violência em sua família biológica (pais
agressivos) e, assim sendo, por falta de um repertório diferenciado, a mulher inadverti­
damente acaba por imitar os padrões coercitivos de seus pais. Em segundo lugar,
diante do sofrimento imposto pela violência do parceiro, a mulher pode perder a calma
com a criança, passando a agredi-la. Finalmente, há que se computar o estado
depressivo com que a mãe agredida, freqüentemente, se encontra e a falta de disponi­
bilidade emocional para enfrentar os desafios envolvidos na educação de crianças,
bem como dificuldades associadas aos próprios filhos, que se tornam “difíceis” por
vivenciarem uma situação de violência. Tal impressão clínica encontra respaldo na área
de violência doméstica (ver por exemplo, Sinclair, 1985; Zucarin, Bliss, & Cohen-Callow,
2005; Jarvis, Gordon, & Novaco, 2005.).
Pesquisas brasileiras que documentam a ocorrência de maus-tratos a crianças
apontam para uma maior incidência de agressões por parte da mãe do que do pai
(Azevedo, & Guerra, 2001; Santos, 2001). Tal fato, segundo Santos (2001), se dá porque
muitas mulheres chefiam lares monoparentais, com menor renda do que o homem e,
portanto, estão expostas a um maior nível de estressores, com pobre rede de apoio,
possibilidade de histórico de violência conjugal e maior tempo de interação com os filhos
do que o pai. Adicionalmente, poder-se-ia argumentar que as agressões do pai em rela­
ção à criança podem ser consideradas mais severas, entretanto, há uma lacuna na
literatura sobre esta questão, o que indica a necessidade de mais pesquisas nesta área.

O ensino de habilidades parentais


Para Gomide (2003), as práticas educativas parentais são as diversas estraté­
gias e técnicas das quais os pais se utilizam para orientar os comportamentos dos
filhos, cumprindo seu papel como agentes de socialização, sendo o conjunto de práti­
cas educativas, denominado estilos parentais. Em uma organização familiar saudável,
os pais apresentam estilos parentais baseados no uso de contingências positivas - e
não coercitivas - que facilitam a aquisição de comportamentos pró-sociais dos filhos e
permitem o desenvolvimento de um autoconceito adequado nos próprios (Padilha, &
Williams, 2004). Segundo Gomide (2003), práticas parentais que incluam a monitoria
positiva e comportamento moral são responsáveis pela inibição de comportamentos
inadequados ou anti-sociais. Do contrário, para essa pesquisadora, a negligência,
abuso físico e psicológico, a disciplina relaxada, punição inconsistente e monitoria
negativa estão associados à ocorrência de problemas de comportamento em crianças.
Em se tratando de intervenções sistemáticas com crianças com problemas de
comportamento e seus pais, um trabalho pioneiro é o Modelo de Intervenção de Oregon
desenvolvido por Patterson e cols. (Patterson, Reid, & Dishion, 1992; Reid, Patterson, &
Snyder, 2002). Tais autores defendem, entre outros aspectos, a importância do estabe­
lecimento de regras por parte dos pais, do acompanhamento ou monitoria do cumpri­
mento das mesmas e do estabelecimento de contingências claras para o não cumpri­
mento das regras estabelecidas. Prada (2005) cita a descrição de Chamberlain, Fisher,
& Moore (2002) dos componentes centrais do modelo de Oregon envolvendo ensinar
pais a apontarem com precisão e registrar problemas de comportamento da criança, a
utilização de técnicas comportamentais de reforçamento, de disciplina, monitoramento
dos filhos e aplicação de estratégias cognitivas de solução de problemas.
Outra referência clássica de intervenção na área é o trabalho de Webster-Stratton
(1997), inspirado nos estudos de Patterson et al. (1992), cujo programa é baseado em

98 Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, Eliane Aparecida Campanha Araújo


apresentações de vídeos com demonstrações de interações positivas e negativas pais-
criança. Finalmente, outra referência atual é o Programa Triple P - Positive Parenting
Program, desenvolvido na Austrália por Sanders e colaboradores (Sanders, Markie-
Dadds, Tully, & Bor, 2000, Bor, Sanders, & Markie-Dadds, 2002), com o objetivo de
prevenção de problemas emocionais e comportamentais graves em crianças. Tal pro­
grama é composto por níveis diferentes, mas apoiados, como os já citados, em um
paradigma comportamental que utiliza feedback positivo, role-playing, time-out, etc.
No Brasil, já há exemplos sólidos de programas de intervenção com famílias,
voltados para a prevenção de comportamentos anti-sociais em crianças, utilizando uma
abordagem Comportamental, como os de Marinho (1999) e Silvares (2001) e, mais
recentemente, queixas gerais de problemas de comportamento (Bolsoni-Silva, Bitondi,
& Marturano, 2008; Bolsoni-Silva, Carrara, & Marturano, 2008).

A experiência de pesquisa da primeira autora na área de interven­


ção com famílias
Desde a década de 80, a primeira autora vem produzindo estudos científicos
voltados para a intervenção com famílias envolvendo aspectos preventivos. Tal foi o
caso de sua tese de doutorado (Williams, 1983; Williams, & Mattos, 1984 e Williams, &
Aiello, 2001). Mais recentemente, como coordenadora do LAPREV (Laboratório de Aná­
lise e Prevenção da Violência), vinculado ao Departamento de Psicologia da Universida­
de Federal de São Carlos, a autora tem supervisionado diversos trabalhos de pesquisa
avaliando programas de intervenção com familiares (Cia, Williams, & Aiello, 2005; Gallo,
2006; Gravena, & Williams, 2004; Hobles, Williams, & Aiello, 2002; Ormeno, & Williams,
2006; Rios, 2006: Santos, & Williams, 2006; Santos, & Williams, 2008).
Dentre tais trabalhos, serão destacados alguns que ilustram exemplos de
prevenção primária, secundária e terciária de problemas de comportamento em crian­
ças. Em um trabalho de mestrado ilustrativo de prevenção terciária, Santos (2001) rea­
lizou um estudo com um casal e duas mães com o objetivo de testar a viabilidade de um
programa de intervenção para pais agressores (denunciados no Conselho Tutelar) de
forma a promover reduções ou eliminar comportamentos agressivos dos mesmos. Tal
estudo utilizou um delineamento experimental do tipo AB. Os participantes foram três
famílias que praticavam violência física contra os filhos, sem dependência química ou
problemas psiquiátricos. Apenas um casal completou a intervenção até o final, sendo
ambos os pais portadores de deficiência: deficiência física (pai), deficiência mental
(mãe). A intervenção durou 26 sessões, conduzidas na Universidade, sendo que novos
repertórios de manejo na educação dos filhos foram ensinados por meio de discus­
sões, aulas expositivas, vídeos, tarefas de casa, feedback, role-playing e técnica de
relaxamento. Houve uma eliminação total das agressões parentais ao filho (diagnosti­
cado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), sendo tal resultado man­
tido em um follow-up de seis meses (Santos, & Williams, 2008). Gallo (2006), em sua
tese de doutorado, realizou, dentre outros estudos, uma intervenção com mães de
adolescentes infratores, utilizando um delineamento experimental do tipo AB, sendo tal
esforço uma das primeiras intervenções sistemáticas, na realidade brasileira, com
essa população.
Em um trabalho de prevenção secundária, Ormeno, e Williams (2006) avalia­
ram um programa de intervenção com crianças pré-escolares agressivas, dando su­
porte à escola e à família com o intuito de reduzir a agressividade das mesmas. Três
crianças do sexo masculino de quatro a seis anos, suas mães e professoras participa­
ram do estudo. Foram realizadas sessões de observação do comportamento agressivo

Sobre Comportamento e Cognição 90


das crianças na escola, em um delineamento de linha-de-base múltipla, acompanha­
das de entrevistas e questionários aplicados às mães e professoras. A intervenção
domiciliar com as mães ocorreu uma vez por semana, durante sete meses, com o
objetivo de capacitá-las a lidar com os comportamentos dos filhos e maximizar sua rede
de apoio. Os resultados mostraram que as crianças diminuíram seus comportamentos
agressivos de forma significativa. Um dado pertinente do estudo foi o alto histórico de
violência conjugal das mães participantes, além do fato dessas mães serem agressi­
vas com os seus filhos, confirmando dados da literatura já mencionados.
Adicionalmente, há dois estudos ilustrativos de prevenção primária de proble­
mas, de comportamento em crianças. Gravena, e Williams (2004) conduziram uma inter­
venção em grupo com oito adolescentes gestantes de baixo poder aquisitivo. O estudo foi
realizado em uma sala do Posto de Saúde em que as participantes faziam o pré-natal e
envolveu discussões e dinâmicas de grupo, relaxamento, simulações de cuidados infan­
tis, exposições orais, atividades lúdicas, dentre outras atividades. O estudo das autoras
utilizou o delineamento AB. Os resultados indicaram que as participantes obtiveram gan­
hos nas áreas trabalhadas (aumento de auto-estima, desenvolvimento de habilidades
interpessoais e maior conhecimento sobre métodos contraceptivos e cuidados de crian­
ças pequenas), mantendo tais resultados por três meses. Confirmando a argumentação
aqui defendida, seis das oito participantes haviam crescido em lares violentos, relatando
que presenciaram constantes agressões dos pais às mães que resultaram em separa­
ção do casal parental, além de terem sofrido agressões, elas próprias, dos pais enquan­
to eles se encontravam sob o efeito do álcool.
Finalmente, em um outro estudo (Rios, 2006), procurou analisar os efeitos de
um programa de intervenção precoce com famílias de baixa renda (pais pela primeira
vez de crianças de 0-3 anos), utilizando um delineamento de linha de base múltipla,
visando aprimorar fatores de proteção e minimizar os fatores de risco que têm sido
relacionados com problemas de comportamento em crianças. O estudo procurou pro­
mover afetividade e responsividade parental, técnicas de disciplina, padrões de comu­
nicação entre os pais e a crianças, monitoria parental positiva e desenvolvimento de
rede de apoio social. Embora o estudo tenha incluído pais (homens), as mães tiveram
desempenho predominante, sendo que novamente os dados apontam para um alto
histórico de violência conjugal por parte das mesmas. O fato de ocorrer um predomínio
no envolvimento das mães como participantes do estudo apóia os achados da literatura
da área que ainda consideram a mãe como um instrumento psicossocial mais presen­
te na educação dos filhos, embora atualmente esteja ocorrendo um envolvimento maior
dos pais na educação e supervisão dos mesmos (Chacon, 1999).
Do ponto de vista metodológico, os delineamentos intrasujeitos utilizados nos
referidos estudos mostraram-se adequados, uma vez que privilegiaram o ambiente natu­
ral em que tais eventos ocorriam e combinaram vários procedimentos de coleta e análise
de dados característicos dos estudos de caso (Hersen, & Barlow, 1976).

O ensino de habilidades maternas à mulher que sofre violência por


parte do parceiro
Na ampla revisão de literatura1 aqui realizada não foram encontrados quais­
quer estudos que avaliassem programas de ensino de habilidade parental específicos
para a mulher vítima de violência doméstica. Em um artigo recente de revisão sobre o
atual estado da arte de intervenções para violência entre parceiros íntimos (Sullivan,
2006), nâo há menção de um só projeto de intervenção voltada para o ensino de habili­
dades maternas a mulheres com tal histórico.

100 Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, Eliane Aparecida Campanha Araújo


Entretanto, a literatura contempla artigos que fornecem pistas sobre quais se­
riam as habilidades maternas de mulheres que sofrem violência pelo parceiro. Segun­
do Holden (2007), há 12 estudos entre 1991 a 2006 que analisam a qualidade da
maternagem de mulheres que sofrem abusos, entretanto nem todos os trabalhos em­
pregam grupos de comparação e a maioria usa medidas de auto-relato e não observa­
ções. Em sua revisão, Holden (2007) encontrou, também, 12 estudos de 1985 a 2004
que abordam a questão de agressões maternas a crianças, citando o estudo de Coohey
(2004), no qual mães com histórico de violência conjugal que sofreram agressões das
próprias mães teriam maior probabilidade de vir a agredir seus filhos.
Dentre as seguintes variáveis que poderiam afetar a relação mãe-criança,
paraHolden (2007) destacam-se: afeição, calor humano, centrar-se na criança, consis­
tência, controle, método disciplinar, eficácia, disponibilidade emocional, regulação emo­
cional, hostilidade, envolvimento, estabelecimento de limites, estilo parental, espanca­
mento, supervisão e qualidade da interação. Apenas as variáveis calor humano, consis­
tência, regulação emocional, estabelecimento de limites e qualidade da interação seri­
am supostamente alteradas segundo a restrita literatura da área, na relação de
maternagem de mulheres vítimas de violência. Holden (2007) recorda, entretanto, que
há diversas variáveis que afetam a parentalidade tais como: um histórico múltiplo de
violência ou abuso, estresse, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, depressão, bai­
xa auto-estima, abuso de álcool e drogas, viver em condições de pobreza ou em comu­
nidades violentas. À essa lista do autor poderíamos acrescentar quatro outros riscos:
problemas psiquiátricos dos pais, deficiência mental dos mesmos, a baixa idade (i.é.
gravidez na adolescência) e baixa escolaridade materna.
Um estudo de Levendosky, Leahy, Bogat, Davidson, & von Eye (2006), com 203
díades de mães e bebês, utilizando diversos instrumentos e inclusive dados
observacionais. encontrou que mães com histórico prévio de violência doméstica ti­
nham bebês com problemas de comportamento externalizadores. Entretanto, após re­
ver a literatura, Holden (2007) conclui que não se sabe muito a respeito das habilidades
maternas de mulheres que sofrem violência, porém a visão da mãe como sendo alta­
mente agressiva e inadequada não tem respaldo. O mesmo autor completa que, certa­
mente, tais mães sofrem estresse em demasia e que, algumas, tem um desempenho
materno melhor do que as outras. Holden (2007) propõe, então, que se estudem as
formas de enfrentamento dessas mães, propondo para isso um novo constructo: o de
meta-parentagem (Hawk, & Holden, 2006). Tal constructo, segundo os autores, envolve
o sistema de crenças e os pensamentos dos pais sobre a educação dos filhos, sendo
composto por quatro componentes: antecipação (planos), avaliação, resolução de pro­
blemas e reflexão (incluindo ruminação).
Para Holden (2007), a mãe que sofre violência utiliza a meta-parentagem para
fazer um cálculo do dano que a violência pode acarretar para seu filho, envolvendo
desde as explicações que ela dá à criança sobre a violência, negando ou assumindo a
responsabilidade pelo relacionamento violento, até a própria razão que a mãe dá a si
mesma para permanecer ou sair do mesmo. Hawk, & Holden (2006) propõem, inclusi­
ve, um instrumento para avaliar a meta-parentagem de pais.
Um estudo muito citado na literatura foi conduzido por Levendosky, & Graham-
Bermann (1999), no qual foi observada a interação de 95 mulheres e seus filhos (algu­

1Fonte de busca: Web of Science, CAPES, Medline, Sage, SpringerLink, Lilacs, Psych. Info, Bireme, Psych. Doc., acervo do LAPREV; palavras-
chave: parentalstyle & dcmestic violence; domestic violence & parenting/mothering; parent intervention; familv intervention: abuseri women &
n arp n tin n : child behavior n ro b le m s & abused women e tradução das mesmas em português.

Sobre Comportamento e Cognição 101


ma delas abrigadas) concluindo que a violência doméstica tem um papel importante no
sentido de predizer o afeto parental, mas não autoridade e controle. O abuso psicológi­
co sofrido pela mãe mostrou-se um importante preditor de comportamento anti-social
nas crianças.
Em outro exemplo, Jarvis, Gordon, & Novaco (2005) trabalhando com 30 díades
de mães e crianças abrigadas encontraram que os problemas de comportamento das
crianças apresentados em diversos instrumentos, inclusive o CBCL, estavam relacio­
nados à ansiedade e irritação das mães. Segundo os autores, uma possível explicação
para os resultados seria de que uma mãe que é ansiosa e irritada pode interagir nega­
tivamente com sua criança e com isso incita a mesma a apresentar sintomas internos
ou responder com agressão. Crianças agressivas podem evocar reações de irritabilidade
de suas mães ou uma criança depressiva pode causar ansiedade em sua mãe (Jarvis,
Gordon, & Novaco, 2005).
Os mesmos autores constataram que a qualidade do relacionamento
maternorelacionou-se significantemente com a depressão materna. Quando mulheres
relatam a qualidade da relação mãe-filho como sendo pobre isso pode ser um reflexo
da percepção de habilidades parentais inadequadas (acreditar que elas deveriam ter
feito mais para proteger seus filhos da violência), o que por sua vez contribui para a
depressão (Jarvis, Gordon, & Novaco, 2005).
Hazen, Connelly, Kelleher, Barth, & Landsverk (2006) afirmam que apesar dos
resultados na literatura não serem inteiramente, consistentes, muitos estudos sugeri­
ram que sofrer violência conjugal pode trazer impactos negativos na qualidade das
práticas parentais maternas. Os autores apontam estudos que encontraram que mu­
lheres vítimas de violência relatam mais estresse associado com as práticas parentais
(Holden, & Ritchie, 1991) exibem menos afeição aos filhos (McCIoskey, & Figueredo,
1995) e mais conflitos com seus filhos (Holden, & Ritchie, 1991), em relação a mulheres
que não sofrem violência. Porém, os mesmos autores mencionam que Holden, & Ritchie
(1991), não encontraram diferenças entre mulheres vítimas e não vítimas de violência
no uso de práticas parentais negativas tais como: agressão verbal e física ou práticas
parentais positivas.
Hazen et ai (2006), também, afirmam que os estudos mostram que o estresse e
comportamentos relativos às práticas parentais são significantes em predizer problemas
de comportamentos nas crianças, após controlar os efeitos da violência, sendo tal resulta­
do confirmado, igualmente, por Owen, Kaslow, & Thompson (2006) que trabalharam com
139 díades mãe-crianças afro-americanas e constataram que a violência doméstica estava
associada à estresse parental e esse, por sua vez, estava associado a pior funcionamento
psicológico da criança. Trabalhando com um número expressivo de crianças (2020) enca­
minhadas ao Conselho Tutelar americano, avaliadas em diversos instrumentos, Hazen et
ai (2006) constataram que mulheres vítimas de violência conjugal severa foram associa­
das a crianças que apresentavam problemas de comportamento (internalizantes e
externalizantes). Porém, esse resultado, segundo os autores, está longe de ser represen­
tativo de todas as mulheres vítimas de violência conjugal. Segundo eles, os resultados
podem ser generalizados para situações envolvendo outros fatores de riscos potentes tais
como: baixo status socioeconômico, comportamento anti-social do cuidador e maus-tratos
infantis. Pobreza, estrutura familiar, violência na comunidade e outras formas de vitimização
(abuso da criança) são fatores contextuais que podem afetar a criança e suas respostas à
exposição à violência, conforme acatam Prinz, & Feerick (2003).
Contrariando a literatura, para Hazen et ai (2006), a presença de depressão
nas mães não foi um moderador significante na relação entre a violência doméstica e

102 Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, Eliane Aparecida Campanha Araújo


problemas externalizantes e internalizantes em crianças. Entretanto, a severidade da
violência vivida pelos cuidadores foi um fator influente em predizer o comportamento da
criança. Nesse caso, ter sofrido violência física como ser chutado, mordido, espancado,
sufocado e ameaçado com uma arma foi associado a problemas internalizantes e
externalizantes, mas nenhuma relação foi encontrada para as formas menos severas
de violência tais como: ter sido empurrado, agarrado e esbofeteado (Hazen e ta l. , 2006).
Para Prinz & Feerick (2003), definições mais inclusivas da violência são neces­
sárias, fundamentando escalas da intensidade e indicação dos comportamentos en­
volvidos, de forma a se desenvolver uma linguagem e medidas comuns nas pesquisas.
O tempo e o modelo de exposição da criança à violência conjugal (idade em que teve
início a exposição à violência, freqüência de exposição, episódio único x múltiplos epi­
sódios, coincidência com uma transição importante no desenvolvimento), o tipo e inten­
sidade da violência envolvidos precisam ser medidos e examinados nos estudos sobre
exposição da criança à violência (Prinz, & Feerick, 2003).
Em um artigo mais opinativo, Davies, & Krane (2006) afirmam que os Centros de
Proteção à Criança (Conselhos Tutelares), nos EUA, não estão preparados para lidar
com a experiência da mulher que sofre violência doméstica como mãe, muitas vezes,
desconhecendo tal realidade. A invisibilidade contínua da experiência da maternidade em
tais locais, segundo os autores, pode agravar as dificuldades das mulheres. Para evitar
isso, uma compreensão aprofundada da experiência da mulher vítima de violência e da
experiência de suas práticas maternas (narrativa materna) se faz necessária para se
desenvolver uma intervenção colaborativa sensível e efetiva (Davies, & Krane, 2006).
A literatura confirma que filhos de mães com histórico de violência estão expos­
tos a uma série de riscos para seu desenvolvimento físico e psicológico (Holden, Stein,
Ritchie, Harris, & Jouriles, 1998). Entretanto, segundo os mesmos autores, há grande
variabilidade nos resultados da variável acima para o desenvolvimento da crianças.
Segundo Holden etal. (1998), tal variação se dá por pelo menos três razões: a) o tipo e
extensão da violência; b) características da própria criança; e c) a parentagem recebida
por essa criança. Os autores afirmam, entretanto, que a terceira variável tem sido am­
plamente negligenciada pela literatura, apesar da crença de ser ela associada a proble­
mas de comportamento infantil. \
Para Holden et al. (1998), poucos estudos incluíram medidas de parentagem
em lares violentos ou tentaram relacionar variáveis parentais a problemas de compor­
tamento em crianças. É interessante notar que, transcorrida uma década, a mesma
lacuna persiste na literatura. Radford, & Hester afirmaram, em 2001, que transcorridos
quase 30 anos de pesquisa e ativismo combatendo a violência contra a mulher, pouco
se escreveu sobre a maternagem num contexto abusivo, quer sob a ótica da experiência
da mulher, quer sob a ótica da experiência da criança, quer em termos de revisão de
políticas públicas ou no discurso acadêmico. As duas sociólogas feministas fazem um
alerta no sentido de que os serviços sociais têm a prática rotineira de culpar a mãe, uma
vez que rotineiramente trabalha-se com a mulher (em oposição a se trabalhar com o
homem violento). O fato de as pesquisas serem realizadas com amostras de conveni­
ência (por exemplo, mulheres abrigadas) acrescenta mais dificuldade à generalização
dos dados. Finalmente, Radford, & Hester (2001) discutem a controvérsia existente na
literatura no sentido de se culpar a mulher vitimizada por homens violentos, assumindo-
lhes pouca responsabilidade no sentido de proteger os próprios filhos da violência,
opinião que também é considerada injusta por Holden (2007).
Apesar de não se encontrar programas específicos para o ensino de habilida­
des parentais a mulheres vitimizadas, foram encontrados em periódicos ou na Internet

Sobre Comportamento e Cognição 103


diversos programas voltados para populações de risco, embora esses não venham
acompanhados de avaliações tais como o de Cerezzo (2008) (voltados para crianças de
baixo peso ou mães adolescentes); Plateau, & Durrant (2008) para o ensino de discipli­
na positiva a pais de crianças e adolescentes dos zero aos 18 anos; The GREATFamilies
Program para pais de alunos com comportamentos agressivos na escola (Smith, Smith,
Quinn, Rabiner, Tolan & Winn, 2004); e PUP (Parents under Pressure Program ou Pro­
grama para Pais que sofrem Pressões de Dawe, & Harnett, 2007), para famílias de alto
risco, com múltiplos problemas.
Em contraste aos programas de intervenção acima relatados cabe mencionar
que o programa canadense Parents for Youth de Harvey Armstrong (2008), para pais de
crianças com problemas comportamentais severos, apresenta avaliações publicadas
em periódicos indexados (Armstrong, Wilkis, & Melville, 2003a e 2003b). Cabe lembrar,
entretanto, que o Projeto Triple P, anteriormente descrito, de Saunders et at. (2000) é o
projeto de intervenção e de ensino de habilidades parentais com maior freqüência de
avaliações sistemáticas e com maior controle metodológico (controle randomizado e/
ou estudos longitudinais), tais como em Markie-Dadds, & Sanders (2006); Mihalopoulos,
Sanders, Turner, Murphy-Brennan, & Carter (2006). A prova é que foi publicada, recente­
mente, uma meta-análise revendo 55 estudos com o Triple P (Nowak, & Heinrichs,
2008), encontrando mudanças parentais positivas, diminuição de problemas de com­
portamento nas crianças e aumento de sensação de bem estar parental, ainda que os
efeitos sejam entre pequenos a moderados.

Sobre a relevância do estudo


A parentalidade desempenha um papel vital na transmissão intergeracional da
violência (Libby, Orton, Beals, Buchwald, & Mason, 2008). A carência de informações na
literatura, quer sobre habilidades maternas de mulheres com histórico de violência,
quer sobre programas de intervenção com o objetivo de ensinar tais habilidades a
mães vitimizadas, na literatura acima revista, ressalta a relevância do Projeto Parceria,
prújeto de pesquisa financiado pelo CNPq, voltado para tal fim. O referido Projeto está
sendo conduzido pelas autoras da presente revisão, auxiliadas por bolsistas de pós-
graduação e iniciação científica do CNPq e tem por objetivos desenvolver e avaliar um
programa de intervenção a mães vítimas de violência pelo parceiro, de forma a prevenir
problemas de comportamento em seus filhos.
Para Prinz, & Feerick (2003), há necessidade de se saber como a violência
doméstica afeta as práticas parentais e a interação cuidador-criança. Como a violência
altera a paternidade e a maternidade, o que as mães fazem para proteger seus filhos,
como a forma de enfrentamento do trauma das mães afeta suas práticas parentais, o
comprometimento do pai e o envolvimento com seus filhos e se o contato ou não com o
pai é prejudicial para o desenvolvimento da criança como possíveis pesquisas a serem
desenvolvidas (Prinz, & Feerick, 2003).
Por se tratar de um assunto delicado - a violência que impera no lar - algumas
palavras de cautela são necessárias. Propor um programa de ensino de habilidades
parentais à mulher vitimizada pela violência doméstica não significa, em hipótese algu­
ma, defender que toda a intervenção a ser feita com tal clientela tenha que ser voltada
para a intervenção com seus filhos. Pelo contrário, o combate e prevenção da violência
contra a mulher necessitam de ações rigorosas que envolvam estratégias comunitári­
as, mudanças estruturais econômicas, mudanças no sistema legislativo, criação de
abrigos para mulheres espancadas, programas educacionais preventivos desde a mais
tenra idade e programas específicos de intervenção com a vítima e agressores (Hamby,

104 Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, Eliane Aparecida Campanha Araújo


1998), sendo que o LAPREV tem diversos projetos ilustrativos dos exemplos acima
nomeados.
Portanto, enfatiza-se aqui o ensino de habilidades parentais à mulher vítima de
violência não como substituto de ações voltadas para o próprio cessar da violência
conjugal. Mas o fato é que, além de a mulher vítima de violência necessitar de apoio
para o seu repertório afetivo-emocional como mulher, também necessita de auxílio na
área de educação dos filhos. Muitas vezes o que se vê é que os próprios filhos mobili­
zam tal mulher para uma situação de mudança, saindo de uma posição passiva de
vítima para uma posição de pessoa empoderada e capaz de mudar sua história de vida
(Williams, & Aiello, 2004).

O problema de pesquisa
Um aspecto a ser esclarecido diz respeito ao trabalho exclusivo com as mulhe­
res e não com os parceiros, quando a ênfase sistêmica atual recomenda o envolvimento
de todos os membros da família. O proposital não envolvimento do agressor conjugal
nesse momento se dá por diversas razões: a) a necessidade de um trabalho de inter­
venção específico com o agressor no sentido de diminuir seus comportamentos agres­
sivos antes de uma intervenção conjunta com a mulher (ver, por ex. Cortez, Padovani, &
Williams, 2005; Padovani, & Williams, 2002); b) uma porcentagem considerável das
mulheres agredidas encontra-se separada dos parceiros em função da própria violên­
cia sofrida (ver Williams, 2001c); e c) há poucos dados disponíveis, no momento, sobre
a relação parental de homens que agridem suas parceiras (Guille, 2004).
Feitas tais considerações, a questão decorrente seria: que características de­
veriam ter um programa de ensino de habilidades parentais voltado para a mulher
vítima de violência? Tal programa seria útil na prevenção de problemas de comporta­
mento nos filhos de tais mulheres? No entendimento das autoras não seria suficiente
a proposta de um programa de natureza exclusivamente educacional, direcionado ao
ensino de habilidades parentais, como os descritos anteriormente.
Pressupõe-se que seria necessário um programa, mesclado com componen­
tes psicoterapêuticos e educacionais. A intervenção psicoterapêutica seria fundamental
para lidar com os aspectos emocionais associados ao histórico prévio de violência e
outras experiências traumáticas de forma a gerar autoconhecimento e, assim, maximizar
os aspectos educacionais sobre manejo de comportamento infantil. Além disso, tal
programa deveria prever o desenvolvimento e a adaptação de instrumentos e materiais
educativos para as mães (por ex. cartilhas para a mulher vítima de violência), a adapta­
ção e validação de instrumentos estrangeiros úteis para a aferição de medidas envolvi­
das na pesquisa e a avaliação da sua eficácia com rigor metodológico. Outra conside­
ração a ser feita, é que a intervenção teria que ter uma filosofia de acolhimento de mães
que as vissem como parceiras do profissional e não subalternas, tal como proposto por
Williams e Aiello (2004).

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108 Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, Eliane Aparecida Campanha Araújo


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Sobre Comportamento e Cognição 100


Capítulo 9
Persuasão e comportamento verbal
Maria Martha Hubner
Augusto Amato Neto
Renata Ferreira dos Santos Coelho
Luciana Ono Shima
l/SP

Nosso objetivo, no presente capítulo, é apresentar uma análise comportamental


da persuasão, identificando, na primeira parte, ainda que brevemente, definições de per­
suasão na Língua Portuguesa e nas áreas de Propaganda e Marketing e, em seguida,
relacionando tais definições com conceitos envolvidos no comportamento governado ver­
balmente, bem como no comportamento controlado por contingências não verbais.
Na segunda parte do artigo, discutiremos as relações entre persuasão e as
descobertas de pesquisa sobre os efeitos do comportamento verbal sobre o não verbal,
realizadas no Laboratório de Operantes Verbais (LEOV), do Instituto de Psicologia da
USP, junto ao Departamento de Psicologia Experimental.

Definições correntes sobre persuasão e relações com a Análise do


Comportamento
No dicionário Aurélio Buarque de Holanda, 2005, persuadir é: 1) “levara crerou
a a c e ita ro autor oferece, como exemplo, um trecho da obra de José de Alencar, Sonhos
D’Ouro, p. 176:
“uma ocasião, ardendo ele em febre, a mulher o persuadiu de que estava
perfeitamente bom.”
No exemplo, vemos que o falante busca efeitos sobre o comportamento verbal
do ouvinte. É uma situação em que se tem definido, como persuadir, a possibilidade de
mudança de um comportamento verbal (do falante) sobre outro comportamento verbal
(do ouvinte). Apenas a título de anúncio, tal relação é aquela estudada pelos Analistas do
Comportamento nos fenômenos conhecidos como “auto-regras” ou “auto-falas” A auto-
fala é um procedimento descrito na literatura de psicologia do esporte (Scala, 2004), que
consiste no uso de instruções dadas por um atleta para ele mesmo. Pode-se enquadrá-
la como um procedimento de controle de estímulos, no qual uma descrição verbal
controla o desempenho esportivo, ou seja, o comportamento não verbal (Cillo, 2006).
Na segunda parte da definição de dicionário, persuadir é: 2) “Decidir (a fazer
algo), convencer, in d u z ir O autor, busca, desta vez, um exemplo em Ciro dos Anjos,
Explorações no tempo, p. 212:
"...entre os refugos da filial, havia uma porção de frascos de perfumes franceses,
a evaporarem. Não consegui persuadir a freguesia a levá-lo, nem mesmo por preço
irrisório."

110 Maria Martha Hubner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
Note-se que aqui persuadir já determina um efeito do comportamento verbal do
falante sobre o comportamento não verbal do ouvinte. Esta relação é aquela estudada
pelos Analistas do Comportamento em toda uma área denominada “comportamento
governado por regras” ou “comportamento governado verbalmente” (Catania, 2003).
Em outro momento da definição do dicionário de Aurélio Buarque de Holanda,
encontra-se um aspecto complexo da persuasão: quando falante e ouvinte são a mes­
ma pessoa, possibilidade essa aventada por Skinner (1957); vejamos o que aponta a
definição:
“adquirir persuasão ou convicção; convence r-seno exemplo fica clara essa
possibilidade de auto-persuasão:
Tersuadira-se de que já estava condenada ao inferno". (Inglês de Sousa, p. 65,
em Aurélio Buarque de Holanda, 2005).
Neste exemplo, verifica-se que o ouvinte e falante, sendo a mesma pessoa,
busca efeitos no próprio comportamento verbal e no não verbal, a partir de sua auto-
verbalização.
Américo de Sousa (2001) é um autor português bastante citado quando o
assunto é persuasão. Para o autor, persuadir (do lat. persuadere) é convencer, levar
alguém a crer, a aceitar ou decidir (fazer algo), sem que daí decorra, necessariamente,
prejuízos ao outro. Américo de Sousa busca retirar do conceito uma certa desqualificação
do persuadido, como se esse fosse manipulado, Alerta para o fato, porém, de que como
qualquer outra interação envolvendo um confronto de opiniões, a manipulação (no
sentido de engodo ou dissimulação) sempre pode se instalar nos discursos persuasi-
vos.
A manipulação na persuasão, mencionada pelo autor, remete-nos ao que nós,
analistas de comportamento, chamamos de distorções nos operantes verbais: as topo­
grafias podem enganar. Um operante verbal com topografia de tato, por exemplo, pode
indicar um mando sutil (Skinner, 1957). Um exemplo dessa “manipulação” é o de uma
mãe dizer para o seu bebê : “Hum, que comida gostosa!”. Embora a topografia possa
sugerir um tato, pode ter a função de mando para que o bebê coma. Um outro exemplo
dessa manipulação do comportamento verbal, manipulação aqui no sentido de um
possível engodo ou dissimulação, é o que pode ser encontrado na ironia. Um elogio,
em tom irônico, pode ter a função de uma crítica velada.
Américo de Sousa (2001) comenta também que a persuasão pode ocorrer de
maneira pacífica (verbalmente) ou até mesmo de maneira quase coercitiva (com o uso
de graves ameaças e/ou uso de violência). Dependendo do seu objeto e forma de
manipulação, pode acarretar efeitos jurídicos, podendo configurar crime. Alguém pode
responder por crime alheio se for demonstrado “nexo causai” (relação entre causa e
efeito) entre a persuasão e o delito, diz o autor.
Vale ressaltar, ainda na seara jurídica, que persuadir (em forma de coação)
alguém a fazer algo que a lei não permita ou que ela não obrigue, também é crime.
“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver
reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei
permite, ou a fazer o que ela não manda.” (Art. 146, Código Penal Brasileiro)
Vê-se, portanto, que é necessário discutir-se uma ética da persuasão, colocan­
do-se limites até para o comportamento verbal. Skinner (1957) aponta que palavras não
removem montanhas. Mas as questões persuasivas do comportamento verbal nos
apontam que ele pode levar pessoas a derrubarem montanhas por nós (Hübner, 1997).

Sobre Comportamento e Cognição 111


E pelas relações de equivalência estabelecidas entre as palavras, fenômenos e
objetos do mundo (Sidman, 1994), palavras podem se configurar em graves ameaças e
fazer com que as pessoas se sintam ofendidas e moralmente afetadas, como se o fato,
em si, a que as palavras se referem, tivesse ocorrido com elas. E a lei prevê que graves
ameaças verbais se constituam crimes. Nossos estudos em relações de equivalência
nos ajudam a entender que o significado das palavras foi construído nas contingências
de reforçamento e que, por isso, o comportamento verbal, as classes verbais formadas,
tornam-se um operante importante de ser estudado em seus efeitos sobre comporta­
mentos não verbais a elas relacionados, como aquelas relações existentes entre o falan­
te que constrói respostas verbais e persuade o ouvinte a fazer o que está especificado na
resposta verbal do falante. As palavras “ganham força” pela história de reforçamento
construída nos pareamentos entre palavras, objetos e fenômenos do mundo. Pesquisas
na área de equivalência mostram que quando formamos classes de equivalência, proce­
dimentos que afetam um membro da classe (uma palavra, por exemplo, cuja emissão
por alguém é reforçada socialmente) podem ter efeitos sobre outros membros da classe
(ações relacionadas à palavra em questão). Assim, se aprendemos, por reforçamento,
em nossa história, a parear a bandeira de nosso país com o próprio país (que envolve
nossa terra, nossa gente), queimar a bandeira de nosso país pode evocar reações emo­
cionais de revolta e dor (Sidman, 1994) e evocar atos legais de prisão. Analogamente,
dizer ofensas ao outro ou dizer ao outro para que faça o que é ilegal, pode levar alguém à
prisão, pela estreita relação de equivalência que nossa sociedade estabeleceu entre
palavras e os fenômenos e objetos a que elas se referem.
Outro aspecto que cabe ao Analista do Comportamento compreender no tocan­
te aos aspectos éticos e coercitivos que podem estar envolvidos no comportamento
verbal persuasivo é o valor reforçador e o benefício para o ouvinte ou persuadido. Quem
se beneficia com a execução do ato solicitado ou sugerido na persuasão? Estudos
experimentais em comportamento verbal possivelmente nos estão levando a encontrar
melhores formar de fazer o outro a fazer o que solicitamos. Mas mesmo diante das
descobertas, não podemos nunca perder de vista esta questão ética e as implicações
de um ato coercitivo, mesmo que verbal. E devemos apenas aceitar os caminhos mais
eficientes em termos de persuasão ou controle instrucional quando o beneficiado for o
ouvinte e quando o conceito de benefício estiver amplamente discutido e aceito pelo
próprio ouvinte.
Tal discussão nos leva àquela sobre ética e persuasão na publicidade. Uma
rápida análise sobre o que é feito e discutido sobre persuasão, nos indica que nossos
colegas publicitários empregam princípios comportamentais com bastante eficácia,
indicando a constante verificação da aplicação de “técnicas persuasivas” para o supos­
to bem do cliente. O “bem” do cliente tem sido um aspecto que preocupa aqueles que
constroem os fundamentos científicos da publicidade.
Um dos mais destacados estudiosos da persuasão nesta questão é Robert B.
Cialdini (2002), autor, dentre outros, do livro: “Influence: science and practice” (2001, 4a
edição). O autor cita seis grandes áreas de facilitação que ajudam na persuasão:
“Amizade, Reciprocidade, Consistência, Autoridade, Validação Social e Raridade”.
A idéia, neste trecho do texto, é apenas identificar possíveis princípios
comportamentais nos princípios de persuasão de Cialdini (2002), ainda de modo bre­
ve, para, em seguida, na segunda parte, aprofundar a discussão de processsos
comportamentais empiricamente estudados e que podem estar envolvidos na persua­
são verbal, do ponto de vista comportamental.

112 Maria Martha Hubner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
1. Erincíoio da amizade (Cialdini. 2002)
"Para influenciar pessoas, ganhe amizades, descubra semelhanças e elogie
sinceramente. As pessoas preferem dizer “SIM” àqueles que eles conhecem e têm
amizade9’
Nesta orientação de Cialdini, fica claro que o sucesso da persuasão está clara­
mente relacionado com a história de vida de reforçamento nas interações entre falante
e ouvinte e, sobretudo, na relação com reforçadores sociais para o ouvinte, emitidos por
aquele que quer persuadir. Skinner (1953) comenta, nesse sentido, os “perigos” de um
reforçador positivo, lembrando da possibilidade de sedução que ele traz.Um a”boa”
persuasão levaria, sem dúvida, em conta os poderes de reforçadores sociais positivos,
que tem a possibilidade de aumentarem a probabilidade de que respostas desejadas
aumentem de freqüência.

2. O Princípio da Reciprocidade (Cialdini, 2002)


“As pessoas dão o troco na mesma moeda’’.
Tal princípio de Cialdini (2002) nos remete novamente à noção de reforçadores
sociais. Diz-nos que devemos identificar os reforçadores comuns entre falante e ouvinte
e anunciá-los nas verbalizações, para que sejam persuasivas. Além disso, na noção de
“dar o troco”, leva-nos a discutir os dados obtidos por analistas experimentais do com­
portamento que vêm estudando comportamentos de cooperação e competição, dentro
de um modelo experimental chamado “dilema do prisioneiro” (Faleiros, 2009). Estas
pesquisas vêm demonstrando um fenômeno chamado “tit for tat”, traduzido como “toma
lá dá cá”, em que participantes aprendem a cooperar se o outro coopera e a competir se
o outro também compete. Trata-se de uma complexa situação experimental, ainda em
estudo e seus resultados, embora indiquem relatividade de condições, revelam que o
princípio de Cialdini deve, de fato, ter sucesso na prática. Em outras palavras, ninguém
é persuadido por um competidor ou adversário. E só irá colaborar se perceber colabo­
ração da outra parte.

2 .0 Princípio da Consistência
“As pessoas seguem e perseguem compromissos claros e consistentes”.
Nesse momento, Cialdini (2002) aponta que o ouvinte (ou suposto cliente) olha
para resultados anteriores, para a relação resposta-conseqüência antes de ser persu­
adido ou convencido a comprar.

3. O Princípio da Autoridade
Segundo Cialdini (2002), as pessoas reconhecem o notório saber e têm mais
boa vontade em seguir direções e recomendações de um comunicador no qual enxer­
guem uma autoridade reconhecida ou com um conhecimento significativo.
O autor nos remete, neste princípio, ao falante como fonte de credibilidade em
sua história de vida com o ouvinte (ou , como diz Skinner, na crença do ouvinte na
acurácia e precisão do falante). A reação do ouvinte ao falante dependerá dessa história
de vida. O falante deverá ser confiável para o ouvinte.

Sobre Comportamento e Cognição 113


4. O Princípio da Validação Social:
Cialdini (2002) destaca que as pessoas seguem caminhos abertos por seme­
lhantes.
Que as pessoas têm mais boa vontade em executar uma ação recomendada
se eles percebem evidências de que algumas outras pessoas, especialmente os se­
melhantes, já estão executando. Do ponto de vista comportamental significa apontar a
importância de modelos semelhantes ao ouvinte para que este compreenda e siga o
falante. Skinner (1957) aponta fenômeno semelhante quando se refere ao fato de que
reagimos como ouvintes de tato (no sentido de nos engajarmos em ações coerentes à
informação mencionada no tato) a depender de nossa história de confiança no falante,
do quanto já o vimos fazer algo semelhante ao que nos está indicando fazer.

5. Princípio da Raridade
As pessoas precisam mais daquilo que elas têm menos, diz Cialdini. A Análise
do Comportamento têm incontáveis demonstrações dos efeitos da saciação e privação
como operações estabelecedoras que aumentam ou diminuem a probabilidade de
ocorrência de comportamentos. Penso ser a estes fenômenos que o princípio da rari­
dade de Cialdini se refere.
Apesar dos princípios da persuasão de Cialdini (2002) parecerem coadunantes
com muitos dos princípios comportamentais descobertos em laboratórios de análise
experimental do comportamento, discussões e pesquisas em Análise do Comporta­
mento apontarão, adiante, as relatividades destes aspectos / princípios empregados
pela área publicitária.

Persuasão e comportamento verbal : questões conceituais


Para a Análise do Comportamento, tais questões sobre persuasão centram-se
no que é estudado sob a rubrica de comportamento verbal. Este, segundo Catania
(1999) pode ter três funções: 1) controle instrucional, 2) formação de relações de equi­
valência e 3) processos autoclíticos. Vamos a cada um deles.
Dizemos uns aos outros o que fazer e o que dizer (Catania, 1999). Tais estímu­
los verbais podem ser denominados de instruções. A Análise do comportamento tem
inúmeros estudos descrevendo seus efeitos. O tema é complexo, mas já se sabe que
as instruções são úteis e podem modificar o comportamento do ouvinte em situações
em que as conseqüências naturais são, por si mesmas, ineficientes ou são eficazes
somente a longo prazo (Catania, 1999). Exemplos clássicos dessas condições são: o
uso de cinto de segurança e orientações para o comportamento de estudar. As conse­
qüências que beneficiam aquele que usa o cinto ou pune o não uso são esporádicas e
não instalariam o comportamento de usar o cinto não fosse pelo poder instrucional das
regras. O mesmo ocorre com o comportamento de estudar para uma prova. Esperar
pelas contingências naturais de adquirir conhecimento ou pelas contingências de ir
bem na prova para que estas, saudavelmente, mantenham o comportamento de estu­
dar, pode fracassar como relação de controle. As orientações e instruções para que um
jovem estude mantêm com maior segurança, em termos imediatos, o comportamento
de estudar, do que as conseqüências naturais que ocorrem a longo prazo.
Estudos experimentais sobre controles instrucionais ou por regras mostram
que o controle de descrições verbais é mais efetivo se o controle discriminativo da

114 Maria Martha Hübner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
contingência é fraco (Torgrud e Holborn, 1990) e se não está claro o reforçador positivo
e se não estão claros os elementos aversivos da contingência (Braam, & Mallot, 1990).
Dito de outra forma, instruções ou controles verbais não podem substituir as sutilezas
de um contato direto com as contingências, pois estas acabam por se imporem (feliz­
mente!). Mas as sutilezas persuasivas podem distanciar o contato com as contingênci­
as e aumentar a obediência ou evocar a emissão do comportamento, ainda que uma
única vez (e, por vezes, uma única vez é decisiva e irreversível- tomar um remédio, fazer
uma cirurgia, matar, suicidar-se, ter relações sexuais, engravidar, comprar, dentre ou­
tros comportamentos). O controle verbal pode se instalar rapidamente e persuadir o
ouvinte. Costuma-se dizer, pelos dados que temos encontrado em nossos experimen­
tos, que o controle verbal é temporário e não permanente. Mas, reitero, há situações em
que basta uma única emissão de uma resposta a uma persuasão para que seu efeito
seja deletério. Isso, por si só, justifica nossa preocupação e interesse em estudar as
condições em que a persuasão é efetiva e aquelas em que ela não é.
No que diz respeito à função do comportamento verbal de estabelecer relações
de equivalência, Catania (1999) organiza os achados nos estudos de relações de equi­
valência dando-lhes um destaque em sua relação com o comportamento verbal. Para
Catania (1999), o poder instrucional do comportamento verbal, como já mencionamos
anteriormente, é amplificado pela capacidade que temos em estabelecer relações de
equivalência. Analisemos o que diz o autor:
“As comunidades verbais estabelecem certas correspondências entre as pala­
vras e os eventos. As correspondências operam em ambas as direções, como
nas classes de equivalência; nomeamos as coisas que vemos e localizamos as
coisas que nomeamos.
Outra correspondência importante para a comunidade verbal é a existente entre o
que dizemos e o que fazemos. Nesse caso, também, a correspondência pode
operar em ambas as direções: se fizemos alguma coisa, podemos dizer que a
fizemos e, se dissermos que faremos algo, então poderemos fazê-lo. Na medida
que a comunidade verbal estabelece certas contingências para tais correspon­
dências, podemos modificar o comportamento não apenas por meio de instruções,
mas também modelando o que se diz acerca do mesmo. Se forem reforçados tanto
o dizer quanto a correspondência entre o dizer e o fazer, o fazer poderá ocorrer.
Por meio de tais contingências, o próprio comportamento verbal de cada um pode
se tornar eficaz como estímulo instrucional. ” (Catania, 1999, p.280).
Observem que neste momento Catania (1999) nos traz um aspecto novo sobre
o controle verbal e que pode se relacionar com o que estamos analisando na persua­
são: modificar o comportamento de alguém não apenas por meio de instruções, mas
modelando o que se diz acerca do mesmo. Seria a modelagem do comportamento
verbal um procedimento persuasivo?
Em outro trecho de seu texto, Catania (1999) nos aponta para um possível efeito
potencial persuasivo do comportamento verbal:
“A modelagem do comportamento verbal é uma técnica potente para modificar o
comportamento humano, especialmente, sabendo-se aue a distinção entre o com­
portamento governada verbalmente .e.o çeim ortm entQ governado qoí çontingéit
cias é relevante tanto para o comportamento, verbal como-para o nã o -ve rb a l, Q
comportamento verbaI modelado ou governado oor contingências é. como o com­
portamento não-verbal modelado, sensível às suas conseqüências, mas é. tam­
bém. acompanhado pelo comportamento não-verbal correspondente: se o aue
dizemos é modelado, fazemos o aue dizemos.” (Catania, 1999, p. 282)

Sobre Comportamento e Cognição 115


Vê-se que o autor coloca um poder imenso nos processos verbais que são
instalados por modelagem, argumentando que o falante, por não perceber a origem de
sua fala, a interpreta como sendo originária em si mesmo e, por isso, a segue mais
facilmente. Já na instrução, prossegue o autor, o outro é claramente identificado como o
autor da instrução, o que pode diminuir o efeito persuasivo. Logo em seguida, Catania
(1999) fortalece a noção de que o efeito persuasivo da instrução seria menor do que o
da fala modelada:
“Por outro lado, o comportamento verbal instruído ou governado verbalmente é,
como o comportamento não verbal instruído, relativamente insensível a suas con­
seqüências, mas é menos acompanhado pelo comportamento não verbal corres­
pondente; se nos disserem o que temos que dizer, o que fazemos não decorre
necessariamente do que dizemos, mesmo quando falamos exatamente o que nos
disseram para dizer." (Catania, 1999, p. 282).
Tais idéias de Catania (1999) tiveram impactos na pesquisa experimental e
produziram muitas pesquisas, sobretudo pela instigante e polêmica frase de que o
controle verbal instala a insensibilidade às contingências. Entretanto, entendo que
Catania estivesse apenas chamando a atenção para a importante diferença entre o
controle verbal por instrução e o controle verbal por modelagem, entendendo este últi­
mo como mais sutil e, ao mesmo tempo, mais persuasivo. Muitas pesquisas foram
experimentar a veracidade desta frase de Catania (1999), originária do estudo de Catania,
Mattews e Shimoff (1982): “se o que dizemos é modelado, fazemos o que dizemos.”
Uma das mais citadas é a de Torgrud e Holborn, 1990, em que os autores conseguiram
demonstrar que nas situações experimentais em que as contingências foram clara­
mente discriminadas pelos participantes, o controle verbal, seja por modelagem ou por
instrução, não se estabeleceu facilmente. O controle verbal apenas se instalou, como já
apontamos anteriormente, quando o controle discriminativo da contingência era fraco,
òu seja, quando não estavam claros os diversos controles em operação.
Nosso laboratório no Instituto de Psicologia da USP (LEOV- Laboratório de
Estudos de Operantes Verbais) também tem se dedicado a testar empiricamente o
alcance dessa frase “se dizemos o que é modelado, fazemos o que dizemos” e acres­
centou a esses estudos uma análise do operante autoclítico, considerado por Catania
como uma das três funções do comportamento verbal.
O tema é bem interessante se pensarmos na persuasão e nos processos
terapêuticos verbais. Uma das implicações práticas dessa idéia de Catania (1999) é
que pode ser viável mudar o comportamento humano modelando aquilo que alguém diz
e não só modelando aquilo que esse alguém faz. Há, inclusive, uma provocação inte­
ressante feita pelo autor aos cognitivistas. As terapias que fazem referências à modifica­
ção do comportamento cognitivo, ou à eficácia cognitiva (induzir o fazer ou persuadir
para o fazer), dizem modificar o comportamento do cliente pela mudança de suas
cognições, mas isso é feito, de um modo geral, pela mudança do comportamento
verbal do cliente, diz Catania.
Nas pesquisas da área, o comportamento de “dizer” tem sido o de tatos sobre
o próprio comportamento não verbal e sobre um comportamento não verbal simples,
tais como o de completar sentenças sobre o desempenho não verbal recém apresen­
tado, completar sentenças sobre as contingências recém experimentadas, relatar uma
atividade específica recém feita (Ribeiro, 1989).
A proposta dos estudos do LEOV é o de modelar tatos com autoclíticos
qualificadores (positivos) sobre uma imagem ou sobre um fazer complexo (como uma
atividade física, por exemplo).

116 Maria Martha Hübner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana OnoShima
Cabe aqui, antes de descrever nossas pesquisas, uma pequena explicação
sobre o termo autoclítico de Skinner (1957): são arranjos que o falante faz de sua própria
fala. Skinner (1957) comenta que qualquer falante não é um mero expectador de sua
fala, mas um ser ativo que organiza e arranja o modo de dizer, explicitando os controles
sobre o seu próprio comportamento. Se alguém diz, por exemplo, “Eu leio e gosto
muito”, o tato sobre o ler é modificado pelo autoclítico “gosto muito”, que qualifica (adjetiva)
o tato de um modo positivo, dando ao ouvinte pistas sobre o valor reforçador do evento
descrito no tato.
Neste sentido, os autoclíticos são partes do comportamento verbal, que modi­
ficam a outra parte que os acompanha. Um dos efeitos apontados por Skinner (1957),
para os autoclíticos, é o de aumentar a precisão do controle sobre o comportamento do
ouvinte.
Se o falante é o próprio ouvinte, o tato com autoclítico poderia aumentar o con­
trole sobre o próprio comportamento. Se o falante é outra pessoa, o autoclítico pode ter
o mesmo efeito e pode-se descrever o operante em questão como um mando
Se o autoclítico for qualificador e a qualificação for positiva, poder-se ia supor
um aumento na probabilidade do valor reforçador do evento qualificado? E, com isso,
poderia haver um aumento na probabilidade de emissão do comportamento não verbal
descrito e qualificado pelo tato com o autoclítico? Estabelecer-se-ia uma relação
“motivacional” entre o evento qualificado e o comportamento não verbal a ele referente?
Os autoclíticos acrescentariam aspectos persuasivos ao comportamento verbal?
Mandos com autoclíticos qualificadores positivos que têm o efeito aqui descrito
podem ser compreendidos como persuasivos, no sentido de que levariam o outro a
fazer algo, mesmo que uma única vez, para ações de baixa probabilidade de emissão
na história do indivíduo.
Condições em que mandos ou auto-mandos com estas características têm
maior ou menor poder de persuasão serão descritos adiante.

Persuasão e comportamento verbal: pesquisas


Instigados por tais questões persuasivas do comportamento verbal, nosso
laboratório iniciou pesquisas com a seguinte pergunta: se reforçarmos tatos auto-des-
critivos com autoclíticos positivos sobre um comportamento não verbal específico, nós
poderemos esperar mudanças em tais comportamentos, na direção de aumentar a
sua freqüência? A primeira pesquisa que realizamos (Dias, & Hübner, 2003, Hübner
Austin, & Miguel, 2008) teve o propósito de verificar se o tempo de leitura poderia ser
aumentado, através do reforçamento de tatos sobre leitura com autoclíticos qualificadores
positivos sobre o ler. Poeticamente falando, o sonho era ver a “consciência” sobre a
importância da leitura surgir após reforçamento diferencial de tatos e autoclíticos pró-
leitura e, com isto, fazer surgir também o comportamento de ler propriamente dito.
Queríamos persuadir as crianças e lerem. Para nós, os benefícios para a criança, desta
persuasão, se bem sucedida, eram muito claros. É lógico que estamos falando de uma
leitura de qualidade, de textos apropriados às idades das crianças pesquisadas.
Foram participantes desta pesquisa cinco crianças de nove a dez anos de
idade, de uma escola particular da cidade de São Paulo (quarta série do Ensino Funda­
mental), com baixo interesse em leitura. Eram leitores fluentes, sem dificuldades de
aprendizagem. O procedimento incluía as seguintes fases: a) sessões de avaliação de
leitura, para verificar se as crianças não apresentavam nenhum déficit de leitura; b)
sessões de escolha (com a duração de vinte minutos), em que as crianças eram instru-

Sobre Comporlamento e Cognição 117


idas a escolher entre atividades com brinquedos, pintura, livros e revistas; c) sessões
de reforçamento de tatos com autoclíticos qualificadores positivos sobre leitura (com a
duração de vinte minutos), em que os relatos verbais pró- leitura eram diferencialmente
reforçados com atenção e elogio.
Por meio de um delineamento de Pré e Pós-Teste, verificamos que quatro de
cinco crianças aumentaram o tempo de leitura durante as sessões de escolha depois
das sessões de reforçamento de verbalizações sobre “vantagens do comportamento
de ler” (procedimento esse que denominamos de modelagem de respostas verbais
sobre o ler). Pudemos concluir que o reforçamento do comportamento verbal relaciona­
do aos aspectos positivos da leitura (tatos com autoclíticos qualificadores positivos)
teve o efeito de aumentar o tempo de leitura durante as sessões de escolha, indicando
o possível efeito do reforçamento do comportamento verbal sobre o comportamento
não verbal relevante . Assim, provavelmente, persuadimos nossas crianças a lerem.
Em 2006, aplicamos os mesmos procedimentos com adultos e com o compor­
tamento de fazer exercícios físicos (Hübner, Almeida, & Faleiros, 2006). Realizamos a
modelagem do comportamento verbal, reforçando socialmente, com elogios, paráfra­
ses e acenos de cabeça, tatos com qualificadores positivos sobre exercícios físicos,
emitidos diante de fotografias de pessoas realizando atividades físicas diversas, como
jogar futebol, nadar, correr, etc.. Antes e após estas sessões, observávamos a freqüência
de escolha de atividades de fazer exercício físico, colocando os participantes em uma
sala em que havia uma bicicleta ergométrica, pesos, vídeos sobre assuntos variados,
livros e origami. Dávamos a instrução para que ele escolhesse a atividade a ser realiza­
da por ele e que a realizasse.
Caso o procedimento de modelagem não surtisse o aumento na freqüência de
fazer exercícios físicos na fase de Pós-Teste, dávamos uma instrução para que ele
realizasse exercício físico na sala (na fase de Pós-Teste apenas).
Os resultados indicaram que a modelagem do comportamento verbal não foi
suficiente para que o comportamento não verbal correspondente emergisse. Foi ape­
nas após a fase de instrução que o comportamento esperado emergiu.
Replicamos, então, estas pesquisas com mais pessoas e em ambientes mais
controlados, que descrevemos a seguir.

ESTUDO I
Participantes
Participaram da pesquisa quatro estudantes universitários, sendo dois do sexo
feminino - Thaís e Bianca, nomes fictícios - com idade de 17 e 19 anos, respectivamente
e dois do sexo masculino - Marcos e Adriano, nomes fictícios - com 18 e 20 anos,
respectivamente. Os participantes não tinham familiaridade com os conceitos de análi­
se do comportamento e não praticavam atividade física regularmente.

Procedimento
As coletas de dados foram realizadas em dois ambientes:
• Uma sala com um microcomputador, em que foram apresentadas fotos de
pessoas realizando atividades como ler, fazer origami, assistir vídeo, pular cor­
da, pular na cama elástica e brincar com bambolê.
• Uma sala de espelho unidirecional em que foram disponibilizados: corda de

118 Maria Martha Hubner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
pular, bambolê, cama elástica, revistas, fitas de vídeos diversas (clipes musi­
cais, seriados, desenhos animados, instruções de exercícios físicos), papéis e
instruções para fazer origamis. Além desse material, havia disponível uma mesa,
cadeira, televisão e videocassete.

O procedimento experimental consistiu em seis fases:


I. Linha de tese 7 (LB1): Tinha por objetivo verificar as atividades realizadas na
sala de espelhos, durante 10 minutos, registrando-se o tempo que o participante
permaneceu engajado em cada atividade. Ao entrar na sala o participante rece­
beu a instrução: “Nesta sala há revistas que você pode ler, fitas de vídeo diversas
que você pode assistir, televisão, videocassete, papéis e instruções para fazer
origami, corda que você pode pular, bambolê e cama elástica. Você pode reali­
zar qualquer uma das atividades ou uma combinação entre elas. Você ficará
nesta sala por 10 minutos” Foram realizadas sessões até que se estabilizasse,
por três sessões consecutivas, o tempo do participante em cada atividade. Não
houve nenhum tipo de reforçamento disponibilizado pelo experimentador.
II. Linha de base 2 (LB2): Tinha por objetivo medir a freqüência de autocliticos
qualificadores positivos diante das fotos apresentadas no microcomputador.
Foram apresentadas 18 fotos (três de cada tipo de atividade), de maneira
randômica. Foi dada a instrução: “Descreva o que você vê nas figuras e o que
acha delas” Foi realizada uma sessão. Não houve nenhum tipo de reforçamento
disponibilizado pelo experimentador.
III. Consequenciação diferencial (CD): Foram apresentadas 18 figuras (fotografi­
as) que ilustravam as atividades possíveis de serem realizadas na sala, da
mesma maneira que na Linha de Base 2. Foi dada a mesma instrução da Linha
de Base 2, sendo conseqüenciado diferencialmente tatos com autocliticos
qualificadores positivos (AQP) a respeito de atividades físicas. Foram considera­
dos estímulos reforçadores elogios orais com ou sem acenos de cabeça, sorri­
sos, confirmações (“hum, hum”) e paráfrases. Foram realizadas quatro ses­
sões. Caso os tatos com AQP não surgissem até a terceira apresentação conse­
cutiva de fotos de atividades físicas, na quarta apresentação, dar-se-ia a seguin­
te instrução: “fale algo positivo sobre a atividade física desta foto
IV. Pós-teste 1 (PT1): Os participantes voltaram para a sala de espelho para a
mesma situação de escolha apresentada anteriormente sendo dada a mesma
instrução e realizadas as mesmas observações da linha de base 1. Foram rea­
lizadas quatro sessões, sendo intercaladas duas sessões de reforçamento di­
ferencial, duas de Pós- teste 1 e novamente duas de reforçamento diferencial e
duas de Pós-teste 1.
V. Instrução completa (I): Os participantes tiveram mais duas sessões de 10
minutos na mesma sala do Pós-teste 1. Nesta fase, foi dada uma instrução
explícita. "Entre na sala e faça exercício físico, nem que seja um pouco"
VI. Instrução com anúncio de contingência não verbal (IAC): Os participantes
voltaram para mais uma sessão de 10 minutos na mesma sala do Pós-teste 1.
A seguinte instrução foi apresentada: “Entre na sala e faça exercício físico, nem
que seja um pouco. Se você fizer, você ganhará R$ 30,00".

Sobre Comportamento e Cognição 119


RESULTADOS
As Figuras 1 a 4 mostram o tempo despendido em atividades físicas nas diver­
sas fases do experimento, pelos quatro participantes. As setas indicam as sessões em
que houve conseqüenciação diferencial.

Figura 1. Tempo despendido com exercício físico antes e após sessões com CD, das sessões
realizadas por Thais.

Figura 2. Tempo despendido com exercício físico antes e após sessões com CD, das sessões
realizadas por Bianca.

120 Maria Martha Hubner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
I
1

Figura 3. Tempo despendido com exercício físico antes e após sessões com CD, com Marcos

I
Fiaura 4. Tempo despendido com exercício físico antes e após sessões com CD, das sessões
realizadas por Adriano.

A Figura 1 descreve o tempo despendido em atividades físicas nas diferentes


condições experimentais para a participante Thaís. Como pode ser visto, tanto nas três
sessões da linha de base quanto nas sessões subseqüentes às de conseaüenciação
diferencial, a Participante não se engajou em atividades físicas. Foi somente a partir da
fase de instrução que descrevia a resposta e o critério de desempenho que a Partici­
pante passou a despender algum tempo (6,6 min.) em atividade física.
Na segunda vez em que essa mesma condição (instrução) foi apresentada, a
Participante aumentou seu engajamento em atividades físicas em cerca de 1 min. Na

Sobre Comportamento e Cognição 121


terceira condição experimental envolvendo instrução (com anúncio de contingência não
verbal, que mencionava o ganho de um prêmio (um vale CD ou trinta reais, caso a
participante se engajasse em uma atividade de exercício físico), Thais passou o tempo
total da sessão realizando atividade física. É importante destacar que embora esta
condição envolvesse instrução, e fosse totalmente verbal, envolvia o anúncio de conse­
qüências generalizadas potentes.
Pode-se discutir que não foi a terceira condição a responsável pelo aumento do
dispêndio de tempo em atividade física, pois ocorreu aumento da primeira sessão de
instrução para a segunda. Entretanto, dado o aumento mais abrupto pode-se hipotetizar
que o anúncio da conseqüência generalizada possa ter exercido uma função
discriminativa para o aumento do tempo de engajamento em atividade física.
Tal como ocorreu para Thaís, a Participante Bianca (Figura 2) também não
despendeu tempo em atividades físicas, seja nas sessões de linha de base, como nas
sessões subseqüentes às de conseqüenciação diferencial. Não podemos afirmar nada
sobre seu comportamento nas fases de Instrução, já que a Participante abandonou o
experimento antes dessa fase.
Da mesma forma, o Participante Marcos (Figura 3) também não despendeu
tempo em atividades físicas, seja nas sessões de linha de base, como nas sessões
subseqüentes às de conseqüenciação diferencial. Já para as condições que envolviam
instrução com especificação de critérios de desempenho (11, 12), o Participante, pela
primeira vez em todo o experimento, despendeu um tempo para atividade física, ainda
que representasse menos de 1/3 do tempo total da sessão. Como a instrução envolvia
o autoclítico “nem que seja um pouco”, pode-se dizer, ainda assim, que Marcos compor­
tou-se sob controle das instruções.
Na segunda sessão de instrução ele reduziu seu tempo de engajamento em
atividades físicas e na última sessão, em que havia anúncio da conseqüência genera­
lizada poderosa (dinheiro), ele volta a despender tempo de engajamento em atividade
física semelhante ao que apresentou na condição 11, mas ainda assim muito abaixo do
apresentado por Thais. Hipotetiza-se que o alto custo da resposta de se exercitar ou um
valor aversivo atribuído a atividades físicas na história de vida de Marcos, possa ter
contribuído para esses baixos valores. Ou, ainda, as próprias características do ambi­
ente onde a atividade poderia ser realizada.
O Participante Adriano (Figura 4) também não se engajou em atividades físicas
nas três sessões da linha de base nem nas subseqüentes às de conseqüenciação
diferencial. Assim como os Participantes anteriores, Adriano também envolveu-se em
atividade física apenas a partir da Fase de Instrução, no entanto por menos tempo.

ESTUDO II
O objetivo inicial deste estudo era verificar se as condições ambientais da sala
de atividades eram desfavoráveis à prática de exercícios físicos. Entretanto, a partir dos
resultados parciais, verificou-se que os participantes realizavam atividades físicas e
passou-se a estudar a relação entre o comportamento verbal e não verbal na prática do
origami.

Participantes
Participaram da pesquisa dois estudantes universitários, um do sexo masculi­
no - Hugo, 19 anos - e uma do sexo feminino - Suzana, 18 anos. Os participantes não
tinham familiaridade com os conceitos de análise do comportamento e praticavam
atividade física regularmente.

122 Maria Martha Hübner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
Procedimento
O mesmo do Estudo I.

Resultados
Os dois participantes selecionados para este estudo já apresentaram, em Li­
nha de Base, o comportamento de fazer exercício físico (como cama elástica e alonga­
mento). Sendo assim, foi selecionado o comportamento de menor freqüência - origami
- para o estudo. Nesta fase de Linha de Base ambos os participantes realizaram todas
as atividades possíveis da sala: leitura, origami, assistir TV e fazer exercício físico, tendo
sido a de fazer origami a de freqüência mais baixa (as figuras, descritas a seguir, só
apresentarão os dados relativos à atividade de origami, por ser a atividade de interesse
neste Estudo II).
O objetivo inicial deste estudo era verificar se as condições experimentais eram
desfavoráveis à prática de exercícios físicos. Para tanto, foram escolhidos participantes
que declarassem gostar de atividades físicas e realizá-las com regularidade. Ambos os
participantes realizaram atividades físicas já nas sessões de Linha de Base, indicando
que a sala não era uma condição inibidora para a prática de exercício físico. Com base
nesses resultados parciais, decidiu-se por aplicar o método à atividade de menor
freqüência observada na Linha de Base, que foi para a atividade de fazer origami, como
já apontado.

As Figuras 5 e 6 mostram o tempo gasto em origami nas diversas fases do


experimento, pelos participantes Hugo e Suzana.

*v' : ' ' • • í"

EiflUjaJL Tempo despendido com origami antes e após sessões com CD, das sessões realizadas por
Hugo.

Sobre Comportamento e Cognição 123


Fiaura 6: Tempo despendido com origami antes e após sessões com CD, das sessões realizadas por
Suzana.

A Figura 5 descreve o tempo despendido em origami nas diferentes condições


experimentais para o participante Hugo. Apenas na primeira sessão da Linha de Base o
Participante se engajou em fazer origami, não tendo realizado essa atividade nas outras
sessões da Linha de Base. Na sessão de Pós-Teste 1 o Participante se engajou na
atividade, durante todo o tempo da sessão, após o procedimento de conseqüenciação
diferencial, mas não a apresentou mais nas outras sessões de Pós-Teste. Após as
sessões de Instrução, o Participante voltou a despender tempo na atividade de origami,
chegando a se engajar durante o tempo total da sessão após a Instrução 1 e após a
Instrução com Anúncio de Contingências não verbais (dinheiro). De qualquer forma, ob-
serva-se que Hugo passa a se engajar mais tempo com a atividade de origami do que ele
o fazia na Linha de Base, após a fase de instrução para que ele realizasse esta atividade.
Na Figura 6 pode-se observar o tempo despendido em origami pela Participan­
te Suzana. É possível notar que ela se envolveu na atividade em duas sessões da Linha
de Base, embora em menor tempo do que para as atividades físicas (esta dado de
Suzana, relativo a outras atividades, não está apresentado). Nas outras sessões de
Linha de Base a Participante não fez origami. Vale dizer que a participante Suzana
decidiu deixar de participar da pesquisa após a segunda sessão de Pós-Teste por
problemas de horário, tendo sido possível, entretanto, verificar que as sessões de
conseqüenciação diferencial para respostas verbais favoráveis ao origami não tiveram
o efeito de gerar um aumento na freqüência desta atividade.

Discussão
O procedimento de modelagem do comportamento verbal não gerou o efeito de
fazer emergir o comportamento não verbal a ele referente, quando a resposta requerida
foi exercícios físicos. O procedimento de instrução e de instrução com anúncio de
reforçador generalizado poderoso (dinheiro) gerou o efeito de fazer emergir o comporta­

124 Maria Martha Hubner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
mento não verbal referente.
Quando se trata da resposta de origami, o procedimento de modelagem do
comportamento verbal parece ter efeitos semelhantes (pelo menos para um dos parti­
cipantes) aos encontrados nos estudos de Hübner e Dias (2003), em que a resposta
era leitura.
Uma possível interpretação dos resultados pode estar relacionada com o custo
da resposta e aspectos aversivos envolvidos: quando o custo é alto e há conseqüências
aversivas envolvidas (desgaste físico, por exemplo), apenas a modelagem do compor­
tamento verbal mostrou-se insuficiente para fazer o exercício físico ocorrer.
Entretanto, mesmo para respostas de alto custo, o controle verbal ocorreu na
forma de instruções, sobretudo instruções com anúncio de reforçador generalizado
poderoso (dinheiro).
Já com a resposta de origami, que existia na história do participante, embora
em freqüência menor do que outras respostas, a modelagem do comportamento verbal
aumentou a freqüência do comportamento não verbal a ele referente.
Tais resultados estão de acordo com Catania (1999) e Braam e Malott (1990),
que afirmam ser o controle verbal da instrução eficaz quando a resposta envolve compo­
nentes aversivos.
No tocante à modelagem do comportamento verbal, o presente estudo aponta
novas condições em que este procedimento pode não apresentar o “sucesso” previsto
por Catania (1999), ao afirmar que ela é uma técnica poderosa de modificação do
comportamento não verbal. A persuasão embutida nesta técnica só parece funcionar
quando a resposta envolvida contém reforçadores intrínsecos ou mais naturais como o
da leitura.
Cazatti e Hübner (2007) realizaram um estudo com seis crianças, cursando o
segundo ano do ensino fundamental, da rede pública de ensino, todas com oito anos
de idade e pertencentes à mesma sala de aula, com objetivos semelhantes àqueles
dos estudos até aqui relatados. Entretanto, a resposta alvo era a leitura e as resposta
modelada verbalmente era a de escolher frases pró-leitura em uma tela de computador.
Foi utilizado um notebook, equipado com mouse e um software especialmente
construído para a pesquisa, programado na linguagem Delph por Andrade, Barros e
Carnevale1.
Nas sessões de livre escolha, foram utilizados lápis de cor, papel sulfite, livros
infantis, massinha de modelar e jogo da memória.
Na linha de Base - Escolha de Atividades de Cazatti e Hübner (2007), os partici­
pantes escolhiam as atividades de seu interesse. O objetivo desta fase foi verificar que
tipo de atividades a criança escolhia, se havia alguma preferência entre as atividades
disponíveis e quanto tempo permanecia em cada uma delas.
Três sessões foram realizadas, com duração de 20 minutos cada. As sessões
foram realizadas com intervalo de 24 horas entre elas, totalizando quatro dias, uma por
dia. Os objetos disponíveis para escolha eram: livros infantis, lápis de cor, papel sulfite,
massinha e jogo da memória. Três sessões de Linha de Base II foram realizadas em
seqüência, totalizando 36 tentativas ao longo das três sessões.
A etapa de treino: Reforçamento Diferencial de Escolhas de Frases referentes a
Ler, no estudo de Cazatti e Hübner (2007), envolvia a apresentação de uma tela do
computador na qual apareciam quatro frases diferentes compostas por verbo no infinitivo,
verbo ser no presente e adjetivo (ver Quadro I, extraído de Cazatti e Hübner, 2007).

Sobre Comportamento e Cognição 125


Quadro I: Frases apresentadas em cada uma das três sessões experimentais.

Verbo Sessão 1 Sessão 2 Sessão 3

Ler é gostoso é divertido é importante


Jogar é gostoso é divertido é importante
Pintar é gostoso é divertido é importante
Modelar é gostoso é divertido é importante

O treino era constituído por três sessões, totalizando 36 tentativas. Apenas as


tentativas com frases contendo o verbo Ler acarretavam em pontos. A cada acerto, dez
pontos eram somados ao contador e um som era produzido para alertar, ao participan­
te, que pontos estavam sendo adicionados. O contador estava localizado na parte supe­
rior e central da tela. Os pontos eram contabilizados no final da sessão e o participante
poderia trocá-los por brindes que variavam de acordo com os pontos obtidos.
O objetivo do treino era verificar se o reforçamento diferencia! (pontos), dispen­
sado para as escolhas das frases que continham o verbo LER, seria eficiente em
selecionar estas respostas e não outras até que o critério de 100% de acertos nas
escolhas das frases contendo o verbo LER fosse atingido.
O critério para passar para a fase seguinte era de 100% de acerto, ou seja, se
atingisse a pontuação máxima que era de 360 pontos. Portanto, o treino era repetido até
que o critério fosse atingido.
Havia ainda a fase de “Efeitos do Treino de Reforçamento Diferencial de Esco­
lha de Frases sobre a Escolha de Atividades”, no estudo de Cazatti e Hübner (2007).
Esta etapa era realizada após o Treino de Escolha de Frases. Esta fase era
idêntica à Linha de Base I, e tinha a função de verificar o possível efeito do treino de
reforçamento diferencial de escolha de frases sobre as escolhas de atividades. Três
sessões eram realizadas, uma a cada dia.
Cazati e Hübner (2007) observaram que a atividade de ler foi a atividade mais
escolhida no Teste e o tempo de permanência nesta atividade aumentou para todos os
participantes depois dos treinos de escolha de frases referentes à leitura, qualificadas
como ‘gostosas”, “divertidas” e “importantes”. Mesmo os participantes que não perma­
neceram na atividade de ler todo o tempo da sessão apresentaram um aumento no
tempo de permanência, se comparado aos dados da Linha de Base.

Considerações finais e dois textos literários ilustrativos.

Nossas pesquisas revelam que o poder persuasivo da modelagem de respos­


tas verbais só ocorreu com as crianças e com a resposta de ler, que envolve reforçadores
naturais, como o de obter informações sobre uma história. Com adultos, o poder do
verbal só ocorreu mais fortemente via a instrução, que explicita mais claramente o que
é para ser feito e, sobretudo, nas condições em que a instrução anunciou reforçadores
poderosos.

126 Maria Martha Hubner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
Neste sentido, o poder persuasivo do comportamento verbal parece estar liga­
do diretamente à liberação de reforçadores. Se estes são poderosos, na história do
indivíduo, e se o comportamento verbal os anuncia, ao requerer a resposta, este ocorre
na direção do que o falante propõe ou solicita, direta ou indiretamente. Os princípios de
Cialdini sobre pesuasão abordam, ainda que de modo leigo e sutil, esta questão, mas,
obviamente, não empregam o termo técnico que aqui destacamos. Os autocliticos,
embora não tenham sido manipulados diretamente nos estudos, podem ter tido algum
efeito maximizador do poder verbal encontrado, mas não como uma condição suficien­
te, pois, se os fossem, os adultos teriam se engajado nas atividades que foram valori­
zadas. Há mais estudos a serem conduzidos, para que as sutilezas dos autocliticos
possam ser compreendidas.
Uma boa ilustração, a nosso ver, desta íntima relação entre persuasão e
reforçadores, podem ser encontradas em dois textos da literatura brasileira. Apreciem e
estabeleçam relações entre o fracasso persuasivo do pai da menina, no primeiro conto
e do sucesso persuasivo de Chicó, no segundo texto de Ariano Suassuna à questão
que aqui apresentamos: persuadir verbalmente requer o anúncio de reforçadores posi­
tivos (ou negativos). E estamos, assim, de volta ao bom e velho princípio comportamental.

No Restaurante
Carlos Drummond de Andrade

Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabrochando na


ultraminissaia - entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não
precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria.
Queria lasanha.
O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu
para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.
- Meu bem, venha cá.
- Quero lasanha.
- Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
- Não, já escolhi. Lasanha
Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante a garotinha condescendeu em
sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
- Vou querer lasanha
- Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
- Gosto, mas quero lasanha.
Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de
camarão. Tá?
- Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
- Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que
tal?
- Você come o camarão e eu como lasanha.
O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:

Sobre Comportamento e Cognição 127


- Quero lasanha.
O pai corrigiu:
- Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por
que é proibido comer lasanha? Essas interrogações apenas se liam no seu
rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos
e o serviço, ela atacou:
- Moço, tem lasanha?
- Perfeitamente, senhorita.
O pai, no contra-ataque:
- O senhor providenciou a fritada?
- Já sim, doutor.
- De camarões bem grandes?
- Daqueles legais, doutor
- Bem, então me vê um chinite, e para ela... O que é que você quer, meu anjo?
- Uma lasanha.
- Traz um suco de laranja para ela.
Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para
a surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimen­
tos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa
manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
- Estava uma coisa, hem? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado
- Sábado que vem, a gente repete... Combinado?
- Agora a lasanha, não é, papai?
- Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniaisl Mas você vai comer, mesmo?
- Eu e você, tá?
- Meu amor, eu...
- Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.
O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha,
bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A
garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com
força total, o poder ultrajovem.

Auto da Compadecida - Ariano Suassuna- a bênção do cachorro

CHICÓ:
- Mandaram avisar para o senhor não sair, porque vem uma pessoa aqui trazer
um cachorro que está se ultimando para o senhor benzer.
PADRE:

128 Maria Martha Hubner, Augusto Amato Neto, Renata F. dos Santos Coelho, Luciana Ono Shima
- Pra eu benzer?
CHICÓ:
- Sim.
PADRE, com desprezo,:
- Um cachorro?
CHICÓ:
- Sim.
PADRE:
- Que maluquice! Que besteira!
JOÃO GRILO:
- Cansei de dizer a ele que o senhor não benzia. Benze porque benze, vim com
ele.
PADRE:
- Não benzo de jeito nenhum.
CHICÓ:
- Mas padre, não vejo nada de mal em se benzer o bicho.
JOÃO GRILO:
- No dia em que chegou o motor novo do Major Antonio Morais o senhor não o
benzeu?
PADRE:
- Motor é diferente, é uma coisa que todo mundo benze. Cachorro é que eu nunca
ouvi falar.
CHICÓ:
- Eu acho cachorro uma coisa muito melhor do que motor.
PADRE:
- É, mas quem vai ficar engraçado sou eu, benzendo cachorro. Benzer motor é
fácil, todo mundo faz isso, mas benzer cachorro?
JOÃO GRILO:
- É Chicó, o padre tem razão. Quem vai ficar engraçado é ele e uma coisa é
benzer o motor do Major Antonio Morais e outra benzer o cachorro do Major Anto­
nio Morais.
PADRE, mão em concha no ouvido:
-Como?
JOÃO GR/LO:
- Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do Major Antonio Morais.
PADRE:
- E o dono do cachorro de quem vocês estão falando é Antonio Morais?
JOÃO GRILO:
- É. Eu não queria vir, com medo de que o senhor se zangassse, mas o Major é
rico e poderoso e eu trabalho na mina dele. Com medo de perder meu emprego,

Sobre Comportamento e Cognição 129


fui forçado a obedecer, mas disse a Chico: o padre vai se zangar.
PADRE, desfazendo-se em sorrisos.
- Zangar nada, João! Quem é um Ministro de Deus para ter direito de se zangar?
Falei por falar, mas também vocês não tinham dito de quem era o cachorro!

Referências

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Capítulo 10
Livro de histórias: uma proposta de
intervenção com o paciente
ocológico infantil
Maria Rita Zoéga Soares1
Mariana Amaral2
UEL

Câncer é um termo que designa um conjunto de patologias que têm como


característica comum o crescimento celular anormal. Este crescimento pode resultar
no acúmulo de células e conseqüente formação de tumores ou neoplasias malignas. O
câncer pode originar-se em qualquer tecido humano e em qualquer faixa etária.

As causas são variadas e inter-reiacionadas, podendo ser internas ou externas ao


organismo. As externas incluem o ambiente e os hábitos de determinado meio
social e cultural. Dentre elas podem ser citadas a radiação solar; hábitos de
alimentação, fatores ocupacionais, tabagismo e adicção ao álcool. Por outro lado,
causas internas envolvem predisposições genéticas (Instituto Nacional do Cân­
cer, 2000).

Segunda maior causa de morte por doenças no Brasil, esta enfermidade é


considerada um problema de saúde pública. Devido à alta taxa de mortalidade, a
oncologia teve um grande desenvolvimento nas últimas quatro décadas. O aumento no
número de casos de câncer pode ser atribuído à ampliação do tempo de vida média da
população mundial e à maior ocorrência da doença na população mais jovem (Santos,
Amaral & Domingos, 2006). Segundo o Instituto Nacional do Câncer (2008), estima-se
para o ano de 2008 cerca de 9.890 novos casos em crianças e adolescentes até os 18
anos.
O progresso no tratamento do câncer na infância foi grande nas quatro últimas
décadas, sendo que 70% das crianças com a doença, se diagnosticadas precocemen-
te e tratadas em centros especializados, podem ser curadas e levar uma vida normal.
As causas do câncer em adultos são freqüentemente relacionadas a fatores ambientais,

1Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano ( U S P ) , Pós-Doutorado em Psicologia da Sa úd e (Universid ad e de Valência


- Espanha). Participa do Programa de Mestrado em Análise do Comportamento (Universidade Estadual de Londrina - UEL).
?Especialista em Análise do Comportamento Aplicada. Mestranda em Análise do Comportamento pela Universidade estadual de Londrina.

132 Maria Rita Zoéga Soares, Mariana Amaral


e o mesmo não pode ser dito sobre o câncer infantil. Portanto, o foco atual do câncer na
infância não é a prevenção, e sim o diagnóstico precoce (Instituto Nacional do Câncer,
2008).
Os tratamentos mais freqüentes para a doença são cirurgia, quimioterapia e
radioterapia. Os sintomas associados à doença e ao tratamento podem incluir cansa­
ço, transtornos do sono, falta de apetite, dor e queda de cabelo. Além dos sintomas
físicos, a doença pode causar medo, incerteza quanto ao futuro, ansiedade e depres­
são (Santos, Amaral, & Domingos, 2006).
No caso de crianças, existe uma especial dificuldade de entender a doença.
Além de um tratamento intensivo de saúde, a criança apresenta necessidades sociais,
emocionais, pedagógicas e recreativas que devem ser identificadas e atendidas. O
paciente com câncer pode vivenciar perdas sociais significativas, como o afastamento
da escola e períodos longe dos amigos (Ortiz, 1997; Amaral, 2001; Gregianin et aL
1997).
Portanto, tão importante quanto o tratamento do próprio câncer, é essencial a
atenção fornecida aos aspectos sociais da enfermidade, já que a criança está inserida
em outros contextos, em especial o da família. Além da recuperação biológica, a cura
deve basear-se no bem-estar e na qualidade de vida do paciente. Médicos, enfermei­
ros, psicólogos e outros profissionais da área da saúde devem estar envolvidos no
processo (Instituto Nacional do Câncer, 2008). Os psicólogos, juntamente com os de­
mais profissionais, devem atender as demandas básicas desta população, gerando
maior adesão ao tratamento e diminuição do sofrimento enfrentado (Amaral, 2001;
Gorayeb, 2001; Gregianin et al., 1997; Santos, Amaral & Domingos, 2006).
Psicólogos atuam em diversos níveis, seja com a criança, a família ou a equipe
de saúde. Devem atender as demandas, buscando melhor adaptação, maior adesão
ao tratamento e diminuição do sofrimento. Para tanto, é necessário avaliar diferentes
aspectos relacionados ao tempo de hospitalização, tratamentos utilizados, atitude dos
pais e preparo da criança para lidar com a situação, considerando sua idade, maturida­
de e capacidade de adaptação. Neste contexto apresenta-se a Psico-Oncologia
Pediátrica, um campo da psicologia da saúde que estuda a influência de fatores psico­
lógicos sobre o desenvolvimento e a manifestação do câncer em crianças (Ortiz, 1997;
Gorayeb, 2001; Santos, Amaral, & Domingos, 2006).
O analista do comportamento tem um vasto campo de trabalho nesta área. Sua
atuação deve envolver um planejamento de contingências direcionado ao desenvolvi­
mento comportamental do paciente. Para isto, é importante que descreva as contingên­
cias ambientais em que se dá o tratamento, realizando intervenções que promovam
condições favoráveis à adaptação do paciente às experiências aversivas a serem en­
frentadas, como por exemplo, procedimentos invasivos (Costa Jr, 1999).
A literatura aponta algumas formas de intervenção na Psico-Oncologia Pediátrica
junto ao paciente. O fornecimento de informação descritiva sobre o procedimento a ser
utilizado é uma estratégia preparatória que auxilia na orientação de como comportar-se
nesta situação. Esta estratégia mostra-se eficaz no preparo do paciente a ser submeti­
do aos devidos tratamentos e em sua adaptação ao contexto hospitalar. A informação
pode ser utilizada como recurso para melhorar o autocontrole, porque a criança sabe o
que esperar de uma determinada situação (Whaley, & Wong, 1989).
Fornecer informações é papel fundamental dos profissionais da saúde e, por­
tanto, parte do trabalho do psicólogo. Este deve utilizar seu conhecimento para que a
informação seja compreendida. Além de ser um direito do paciente, esta condição faz

Sobre Comportamento e Cognição 133


parte do processo terapêutico, sendo que bem informado ele evolui melhor, mais rapi­
damente e sofre menos (Gorayeb, 2001).
Dentre as possíveis estratégias informativas utilizadas para ajudar a criança a
enfrentar o processo de tratamento oncológico, encontra-se e a leitura (Costa Júnior, 2001).
O livro infantil é um método utilizado em aconselhamento e em uma variedade de trabalhos
terapêuticos, e refere-se à sugestão de material escrito aos clientes que lhes forneça
informações, experiências e soluções relevantes para o problema (Shechtman, 1999).
O livro de história no ambiente hospitalar é uma estratégia de informação acer­
ca do contexto que envolve um procedimento médico, e inclui a explanação das razões
que conduzem à necessidade de sua execução, bem como dos possíveis resultados a
serem obtidos e eventuais efeitos desconfortáveis.
A informação é fundamental para a criança em sua preparação, adaptação e
recuperação. O bem-estar do paciente pode ser influenciado positivamente pelo aces­
so à dados sobre sua doença, hospitalização e procedimentos utilizados. A criança que
tem conhecimento sobre a realidade pode auxiliar durante as intervenções, sentindo-se
mais confiante ao poder confirmar esses dados.
No contexto hospitalar, os livros devem descrever o ambiente, informar a função
dos profissionais da saúde e a razão dos procedimentos médicos. Devem também
identificar a percepção da criança com relação à doença e à hospitalização, e incentivar
a verbalização de sentimentos e pensamentos em face dos procedimentos.
Tal recurso pode ser explorado especialmente quando o paciente está com
pouca energia para dispender em brincadeiras, podendo preferir que alguém leia para
ele (Whaley, & Wong, 1989). Deve-se selecionar livros que apresentem relação com as
contingências nas quais a criança está inserida. Dentre os possíveis temas destacam-
se os que abordam saúde, doenças, medo e expressão de sentimentos. Além de sali­
entar aspectos relativos à hospitalização, é necessário fornecer condições para que a
criança expresse sua percepção com relação à doença e ao contexto. Isto pode ser feito
através da solicitação de que ela conte ou desenhe a história do seu jeito, ou descreva
sua própria experiência.
Figuras com desenho do corpo humano podem ser utilizadas como um recur­
so auxiliar na indicação de órgãos e na explicitação do funcionamento do organismo.
Juntamente com os livros, tal estratégia pode demonstrar a condição orgânica do paci­
ente, permitindo que ele lide de uma forma menos aversiva com a complexidade da
situação, aumentando sua capacidade de compreensão.
Além dos benefícios durante o tratamento quimioterápico, a literatura infantil
também pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades comportamentais que serão
importantes em outros aspectos da vida da criança, por exemplo, melhorando sua
criatividade, a capacidade para a resolução de problemas e a expressão de sentimen­
tos (Shechtman, 1999).
Portanto, os livros de histórias são instrumentos importantes de intervenção
psicológica junto à criança com câncer. As atividades propostas não são exclusivas do
psicólogo, sendo que demais profissionais da saúde podem utilizar estes recursos. A
equipe não deve eximir-se da responsabilidade de fornecer informações sobre a
hospitalização e os procedimentos médicos. Cabe ao psicólogo cumprir seu importan­
te papel neste processo através de ações psicoterápicas adequadas e efetivas, traba­
lhando diretamente com os pacientes ou fornecendo instrução à equipe de saúde que
envolva a relevância da utilização de histórias como estratégia de informação no ambi­
ente hospitalar.

134 Maria Rita Zoéga Soares, Mariana Amaral


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Sobre Comportamento e Cognição 135


Capítulo 11
Programa de Intervenção
Comportamental Direcionado a
Mulheres com Câncer de Mama
Maria Rita Zoéga Soares1
Renatha El Rafihi Ferreira2
Universidade Estadual de Londrina

Considerado um problema de saúde pública, o câncer de mama é o que mais


acomete mulheres no Brasil, atingindo altos índices de mortalidade. O comportamento
de pessoas com este tipo de câncer tem sido objeto de estudo na psicologia da saúde,
uma área preocupada com o aprimoramento, prevenção, tratamento e reabilitação
(Miyazaki, & Amaral, 2001; Straub, 2005).
O desenvolvimento do câncer de mama pode estar relacionado a anteceden­
tes familiares, reposição e terapia hormonal, primeira gravidez após 30 anos,
nuliparidade, prolongado uso de contraceptivos orais, exposição a altas doses de radi­
ação ionizante, antecedente pessoal de hiperplasia atípica ou carcinoma lobular, menarca
precoce, menopausa tardia, obesidade na pós-menopausa e idade elevada (Pinho, &
Coutinho, 2007).
Atualmente, o tratamento disponível para o câncer de mama tem obtido alto
índice de sucesso. A aparição de novas técnicas, fármacos, procedimentos cirúrgicos e
campanhas de conscientização contribuíram para melhoras em aspectos sociais e
psicológicos dessas pacientes (Fernandes Jr., 2000; Pérez, & Galdón, 2002). No entan­
to, mulheres nesta condição tem grande probabilidade de desenvolver estresse, de­
pressão, fadiga, ansiedade, problemas de sono, distúrbios cognitivos e baixa auto-
estima (Bower, 2008; Reich, Lesur, & Perdrizet-Chevallier, 2007).
Como as primeiras manifestações do quadro geralmente aparecem de forma
súbita, imprevisível e incontrolável, o diagnóstico ainda está associado a situações
relacionadas ao sofrimento, mutilação e morte, sendo percebidas, na maioria das
vezes, como uma ameaça à integridade física da pessoa (Andreu, Galdón, & Durá,
2002; Lõhr, 2000).
A idade na ocasião do diagnóstico, as formas de tratamento (hormonioterapia,
cirurgia, radioterapia e quimioterapia), bem como outros elementos, como síndrome
climatéria, sexualidade e relacionamento conjugal, são condições que devem ser ana­
lisadas, pois contribuem e influenciam de forma interdependente na qualidade de vida
dessas mulheres (Conde, Pinto-Neto, Junior, & Aldrighi, 2006).

' Doutorado em Psicologia Escolare do Desenvolvimento Humano (USP), Pós-Doutorado em Psicologia da Saúde (Universidade de Valência
- Espanha). Participa do Programa de Mestrado em Análise do Comportamento (Universidade Estadual de Londrina - UEL).
2 Mestranda em Análise do Comportamento - UEL.

136 Maria Rita Zoéga Soares, Renatha El Rafihi Ferreira


Programas de intervenção em pacientes com câncer devem incluir apoio, de­
senvolvimento de estratégias de enfrentamento, além de informação sobre a doença e
tratamento. É necessário considerar que diferentes aspectos psicossociais estão pre­
sentes nas diversas etapas do processo: prevenção, diagnóstico, tratamento e reabili­
tação (Lõhr, & Amorim, 1997; Miyazaki, & Amaral, 2001; Santos, Amaral, & Domingos,
2006).
Cabe considerar que programas que modificam padrões comportamentais
prejudiciais à saúde ou que previnem sua ocorrência, constituem parte importante do
trabalho na área (Miyazaki, Domingos, & Caballo, 2001). O psicólogo que adota o mode­
lo comportamental, aplica teoria e técnicas advindas da análise do comportamento e
utiliza conhecimentos das áreas biológicas e das ciências comportamentais, buscan­
do auxiliar profissionais a solucionar problemas (Amaral, 1999; Amaral, & Albuquerque,
2000; Arndorfer, Allen, & Aljazireh, 1999).
Outra estratégia muito utilizada no setor da oncologia são os grupos. Este tipo de
intervenção pode ser vantajosa, pois além da redução de custos, permite o trabalho com
vários pacientes ao mesmo tempo. Membros do grupo podem perceber que não são os
únicos que possuem o problema, tendo a oportunidade de aprender através da experiên­
cia de outras pessoas. Este tipo de trabalho permite que o paciente adquira habilidades
sociais e as pratique dentro do próprio grupo (Venâncio, 2004; Wessler, 1996).
Há evidência de que diversos fatores podem afetar a qualidade de vida de
mulheres com câncer de mama. A interação entre fatores biológicos e ambientais cons­
titui elemento essencial no campo da análise do comportamento. Fatores ambientais
são considerados oportunidades contingenciais para a evocação ou emissão de res­
postas específicas. A modificação de configurações de estímulo da situação (a interven­
ção) deve proporcionar alterações na probabilidade de ocorrência de comportamentos
adaptativos do indivíduo (Costa Jr., 2001). Intervenções psicológicas nesta área tem
demonstrado resultados favoráveis. Nesse sentido, será apresentado um programa de
intervenção desenvolvido para o atendimento de mulheres com câncer de mama.

Programa de Intervenção
O programa foi desenvolvido em um hospital especializado em oncologia. Mu­
lheres participantes do grupo haviam recebido o diagnóstico de câncer de mama recen­
temente e ainda não haviam se submetido ao tratamento. Encaminhadas ao setor de
psicologia através de médicos e enfermeiros, as pacientes passaram por uma entre­
vista individual e foram convidadas a participar das atividades. Foi utilizada intervenção
breve e em grupo, por ser uma alternativa viável para a atuação do psicólogo no contexto
hospitalar. Tal programa foi aplicado em oito sessões semanais, com duração média
de 90 minutos.
A intervenção utilizada foi do tipo multimodal, onde os conteúdos trabalhados
foram distribuídos entre as sessões e abrangeram: educação para a saúde (informa­
ção sobre a doença, tratamento, qualidade de vida, comunicação e expressão emocio­
nal); gestão do estresse; ensino de habilidades de enfrentamento; avaliação de rela­
ções familiares e incentivo ao suporte do grupo. Para tanto, foram utilizados role-play,
feedback positivo, tarefas entre sessões, auto-observação, treino comportamental e
treino em relaxamento.
Os objetivos foram elaborados a partir das necessidades das pacientes. No
contato inicial, as participantes foram informadas sobre a atuação dos profissionais da

Sobre Comportamento e Cognição 137


equipe, funcionamento da instituição, objetivos e atividades do programa. Como estra­
tégias de intervenção foram apresentadas informações a respeito da doença, opções
de tratamento e procedimentos médicos. Vários profissionais participaram do proces­
so como, médico, enfermeiro, nutricionista, assistente social e educador físico, sendo o
psicólogo o responsável pela coordenação.
O fornecimento de informação é tarefa de responsabilidade dos profissionais
da saúde. No presente programa, o médico e o enfermeiro trabalharam conteúdos
relacionados às causas, curso, progressão, alternativas de tratamento, efeitos secun­
dários e prognóstico para o câncer. O psicólogo auxiliou na elaboração de estratégias
para que essas informações fossem compreendidas da melhor maneira possível.
Aspectos nutricionais relevantes durante o período de tratamento foram discu­
tidos com um nutricionista. Além disso, a assistente social esclareceu dúvidas sobre
direitos e serviços disponíveis na comunidade: aspectos relacionados a transporte,
alimentação, creche, saúde, trabalho, etc. Orientações sobre alternativas para o desen­
volvimento de atividade física foram realizadas por um educador físico.
O programa enfatizou a troca de experiências entre pacientes e ex-pacientes,
incentivando questionamentos sobre nutrição, alívio dos sintomas, efeitos secundári­
os, mudanças físicas resultantes do tratamento e procedimentos empregados. Foram
discutidos a importância da realização de atividades esportivas, dicas de organização
da rotina diária e de trabalho, convivência com a família e apoio social.
Foi realizada análise funcional de comportamentos encobertos e manifestos
através de modelos relacionados à depressão, ansiedade e estresse. Atividades
ilustrativas também foram inseridas para trabalhar o autoconceito e a autoconfiança. O
treino em relaxamento foi realizado com objetivo de reduzir tensões musculares,
estresse, dor, ansiedade, além de melhorar a capacidade de enfrentamento de proble­
mas cotidianos (Simonton, & Simonton, 1975).
O apoio e o relacionamento social entre os membros do grupo foi bastante
incentivado. Uma participante poderia acompanhar outra em sua ida à consulta médica
ou durante a realização de um exame específico. O grupo programou encontros entre as
sessões com objetivos relacionados ao entretenimento, estabelecimento de repertório
comportamental mais saudável (realização de caminhadas, refeições) e apoio a situa­
ções difíceis (pós-quimioterapia, corte de cabelo, período pré-cirúrgico, etc.).
Assim, o programa propôs auxílio em tomadas de decisão, incentivo a amplia­
ção de relações sociais, possibilidade de expressão emocional e treino de estratégias
de enfrentamento e de assertividade. Buscou-se trabalhar com a análise funcional que
possibilitou o planejamento de um ambiente organizado com contingências que re­
duzissem sensações desagradáveis.

Resultado e Discussão
O programa realizado buscou fornecer informação a respeito do câncer de
mama e ensinar estratégias de relaxamento e de enfrentamento de situações
estressantes, com o objetivo de auxiliar na adaptação ao tratamento. Tal condição pos­
sibilitou que pacientes emitissem respostas apropriadas às alterações impostas pela
doença e às exigências resultantes desta.
O fato de pacientes se organizarem em atividades extrasessão proporcionou
maior desenvolvimento em habilidades sociais. O contato com ex-pacientes também

138 Maria Rita Zoéga Soares, Renatha El Rafihi Ferreira


permitiu a troca de experiência entre os membros, o que contribuiu para a adesão ao
tratamento e ampliação do repertório comportamental de enfrentamento da doença.
Constatou-se que a habilidade em lidar com situações difíceis está diretamente
relacionada ao apoio social recebido. No presente programa, tais habilidades foram
treinadas para que o indivíduo planejasse ações diante de estímulos que evocassem
respostas emocionais. Experiências individuais também foram utilizadas como mode­
lo de enfrentamento.
Assim, salientamos a importância de estudos que permitam detectar reações
comportamentais relacionadas a esta enfermidade, fatores de risco e avaliação da
adequação de intervenções psicológicas, buscando reduzir dificuldades em fases inici­
ais da doença e aumentando a frequência de comportamentos adaptativos.
A psicologia no contexto da saúde tem contribuído para o desenvolvimento de
estratégias de enfrentamento e incentivado a participação em programas de prevenção
a doenças. Alguns serviços tem conseguido aliar o desenvolvimento científico e a efici­
ência metodológica, tornando mais suportável o tratamento do câncer. Esses resulta­
dos favoráveis também dependem de mudanças nas políticas públicas de saúde e no
atendimento às necessidades psicossociais dos indivíduos.

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140 Maria Rita Zoéga Soares, Renatha El Rafihi Ferreira


Capítulo 12
A produção de conhecimento sobre o en­
velhecimento na psicologia: uma análise
à luz das metacontingências
Marianna Braga O. Borges
IBAC

Ana Karina C. R. de-Farias


UniCEVB, UnB, IBAC

Eileen P. Flores
UniCEUB, IBAC

Já é senso-comum afirmar que a população mundial está envelhecendo. Esta


é uma afirmação recorrente nos trabalhos sobre a velhice na atualidade, e o fenômeno
de inversão da pirâmide etária no Brasil é constantemente utilizado para justificar a
relevância da investigação científica acerca do tema.
O envelhecimento populacional passa a ser uma questão de relevância social,
e a atrair a atenção de diferentes áreas de atuação (ciência, governo, tecnologia, empre­
sários), a partir do momento em que passa a se configurar uma ameaça aos cofres
públicos (Previdência Social e Sistema Único de Saúde - SUS). Neste momento, surge
a questão da velhice como um problema social.
Como no caso de todos os problemas sociais, o envelhecimento populacional
requer um grupo de especialistas para resolvê-lo. Geriatras e gerontólogos podem ser,
atualmente, considerados os “profissionais da velhice”. Estes profissionais, contudo,
não são unânimes na definição de seu próprio campo científico, e a dificuldade parece
residir também na delimitação da área de atuação de cada um. No Brasil uma definição
comumente aceita é a da Gerontologia como conjunto amplo de estudos sobre o enve­
lhecimento, que se dividiria ainda em Geriatria e Gerontologia Social. A Geriatria é espe­
cialidade médica que estuda o processo de envelhecimento e as patologias a ele asso­
ciadas. Por sua vez, a Gerontologia Social consiste na soma de esforços de teóricos de
várias áreas, inclusive da Psicologia, que tentam compreender a velhice nos seus diver­
sos aspectos (Groisman, 2002).
A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), com seu forte viés
biomédico, firmou-se como a organização responsável por estabelecer os critérios de
identificação da população idosa, os temas de estudos a serem realizados, os métodos

Sobre Comportamento e Cognição 141


de pesquisa utilizados, as form as de tratam ento convencionadas para as pessoas
dessa idade, dentre outros fatores que dizem respeito às áreas de Saúde e Ciência.
Algumas questões devem ser colocadas frente ao estabelecimento da Geria­
tria e Gerontologia Social e de todos os seus estudos e publicações: o estudo do
envelhecimento exige um novo campo científico? Como dirimir os problemas conceituais
envolvidos na definição do que é e de quando começa o envelhecimento? Como não
cair na armadilha de ter como meta a resolução do “problema" da velhice? Estas ques­
tões dizem respeito ao papel que a Gerontologia vem tendo como “agência controladora",
tal como definido por Skinner (1953/2000). O presente trabalho abordará, sucintamente,
o conceito de agências controladoras, o que vem sendo observado na prática de geriatras
e gerontólogos no que se refere ao controle do fenômeno “envelhecimento”, e o papel
desempenhado pela Análise do Comportamento, mais especificamente.

Agências Controladoras
Agências controladoras podem ser definidas como grupos responsáveis pela
manipulação de determinado conjunto de variáveis. São melhor organizadas que o
grupo como um todo e, por isso, são mais efetivas no que se refere ao controle ético, ao
poder de estabelecer reforçadores e punidores para os comportamentos dos indivídu­
os. Dentre elas, podem-se citar família, escola, religião, governo, psicoterapia e Medici­
na (Baum, 1994/1999; Skinner, 1953/2000). No caso específico relatado neste capítulo,
a Geriatria e a Gerontologia Social podem ser consideradas agências controladoras,
tendo em vista o fato de serem grupos formados por diversos especialistas de áreas
afins, com o objetivo de legitimar o envelhecimento como um campo de estudo e inter­
venção separado dos estudos envolvendo outras fases da vida.

A Gerontologia como uma Agência Controladora


Os teóricos da velhice tomaram para si a demanda de compreender o fenômeno
do envelhecimento e auxiliar o Estado na criação de políticas públicas específicas para o
conjunto cada vez mais expressivo dos velhos. Groisman (2002) aponta para o fato de que
o projeto da Gerontologia é o de conhecer o envelhecimento para retardá-lo, sendo a
qualidade de vida na velhice definida pela ausência de sinais da mesma. Ainda segundo
o autor, se o critério para o estabelecimento do início da velhice é difuso, e o binômio
saúde-doença é problemático, a saída encontrada foi a da prevenção. Se a velhice deve
ser prevenida, evitada, não existem limites para a atuação de seus especialistas.
A velhice, além de fato biológico, é uma categoria social, e cada sociedade encara
as transformações advindas da idade de maneira própria (Bosi, 1973). Sendo assim, as
mudanças no organismo e suas conseqüências são contingências entre muitas contin­
gências a serem estudadas para uma compreensão mais acurada do fenômeno.
Um dos pontos mais importantes na investigação acerca da produção de conhe­
cimento sobre envelhecimento é o que Haddad (1986) chamou de ideologia da velhice,
reprodução de regras sobre o envelhecimento baseadas nas determinações do modo
capitalista de produção. Uma vez que o Brasil é um país que adota uma estrutura de
produção capitalista, o envelhecimento é um fenômeno complexo a ser estudado em
diversos planos, não apenas no biológico individual. Portanto, o papel do velho em nossa
sociedade deve ser compreendido em termos da função de um indivíduo “improdutivo”, e
mais ainda, no impacto social de um contingente cada vez maior de velhos. A autora
aponta que as propostas dos teóricos sobre o envelhecimento da população passam por

142 Marianna Braga O. Borges, Ana Karina C. R. de-Farias, Eileen R Flores


uma educação do velho para a velhice. Eles enfatizam a necessidade da capacitação de
todos aqueles que lidam com os indivíduos que envelhecem e que é preciso “saber
envelhecer” para viver bem. Assim sendo, o saber científico produzido pelaGerontologia
conferiria aos teóricos o status de “professores da velhice”.
Podemos concluir a partir disso, junto com Haddad (1986), que se estabelecem
então relações de poder quando surge a velhice como problema a ser resolvido e a
Gerontologia reivindica para si o papel de resolvê-lo. Se o receituário da Gerontologia dita
que o velho deve aprender a continuar produtivo, funcional, é também porque foi escrito
em uma sociedade afeita aos valores capitalistas. A funcionalidade do sujeito é, para nós,
critério para atestar normalidade, mas por quê?
Groisman (2002) fala das diferenças entre Ocidente e Oriente no que diz respeito
à doença de Alzheimer. Tida como o grande mal da velhice, ela é tratada como um fato
biológico irrefutável e vem sendo alvo de inúmeros estudos, com o argumento de que
precisamos nos preparar para lidar com o contingente de velhos doentes que vem en­
grossando a cada ano. Este autor conta um episódio em que, em um congresso sobre
envelhecimento, o antropólogo Lawrence Cohen presenciou a palestra de um indiano
sobre longevidade em uma tribo da índia. O palestrante foi questionado por um america­
no acerca da demência entre os idosos da tribo. O antropólogo indiano simplesmente
não entendeu a pergunta, ao que a platéia respondeu com definições variadas, e o
palestrante parecia desconhecer o significado de “doença de Alzheimer”. Quando final­
mente entendeu que se tratava de senilidade, respondeu apenas que não havia senilida­
de na tribo.
Supondo que nossas diferenças biológicas não sejam tão gritantes, teremos
que admitir que o modo como produzimos nossa subsistência interfere na maneira como
estudamos e interferimos na velhice dos indivíduos em nossa sociedade. Daí a importân­
cia de esforços epistemológicos que aumentem nosso conhecimento sobre as variáveis
que controlam nossa produção teórica, para que possamos ir além da contribuição na
criação de políticas públicas paternalistas. O destino do velho é o destino do trabalhador,
a realidade do trabalhador assalariado é distinta da realidade do indivíduo que acumulou
bens. A produção intelectual de alguns velhos é comumente apontada como modelo de
envelhecimento bem-sucedido, mas em uma sociedade de classes, em que alguns dos
trabalhos necessários à manutenção da estrutura vigente são extremamente
desgastantes, quem pode ter uma velhice em que os anos conferem apenas mais pres­
tígio ao indivíduo? Falamos em velhices diferentes quando nos referimos a indivíduos de
classes diferentes, e é pela análise das conseqüências de nossa produção que pode­
mos avaliar a reprodução de uma ideologia da velhice em nosso discurso.
No caminho para a consolidação da Geriatria e da Gerontologia Social, os
teóricos acabaram por legitimar a velhice como um problema, uma fase do desenvolvi­
mento em que as perdas advindas do avanço do tempo cronológico podem comprome­
ter a funcionalidade do indivíduo. É importante salientar que o interesse pela velhice é
também interesse por delimitar espaços de trabalho em um campo de produção teórica
emergente.

O Viés da Negatividade
Ao longo do tempo, diversos eufemismos foram utilizados para abordar os
sujeitos alvos de seus estudos e intervenções: “idoso”, “pessoa idosa”, “adulto madu­
ro”, “felizidade”, “melhoridade”. A utilização desses “eufemismos” sugere o quão difícil é
tratar a pessoa mais velha sem se reportar a problemas, sejam eles de saúde ou

Sobre Comportamento e Cognição 143


ocupacionais (Siqueira, Botelho & Coelho, 2002). As mudanças na nomenclatura - de
“velho” para “idoso”, até surgir o termo “melhoridade” - vieram acompanhadas de tenta­
tivas de dim inuir o preconceito em relação às pessoas acima de determinada idade.
Entretanto, a mudança de nomenclatura não veio suficientemente acompanhada de
mudanças efetivas nas políticas públicas de saúde e ocupação para as pessoas encai­
xadas neste grupo. Não obstante, os eufemismos ajudaram a mascarar o desconforto
das pessoas em relação aos velhos e a separá-los da realidade material a eles reser­
vada em nossa cultura.
Embora nos trabalhos atuais sobre o envelhecimento o viés da negatividade
seja mais velado do que quando teóricos afirmavam, no final da década de 70, que os
velhos inativos eram “pesos mortos” (Haddad, 1986), encontramos nos mesmos, e
difundidos na sociedade atual, evidências de que a situação do velho ainda é crítica.
Nas propagandas que os ridicularizam pelo uso dos estereótipos da velhice (Debert,
2003), nas famílias em que perdem a individualidade, no país em que não são notados
enquanto não se tornam numerosos ao ponto de ameaçarem a estrutura social vigente.

O que o Analista do Comportamento Pode Fazer?


Teixeira (2004) aponta o grande interesse da Análise do Comportamento em
tornar-se “uma ciência forte e influente nos demais campos de investigação científica”
(p. vii). A preocupação skinneriana em mudar o ambiente em que as pessoas vivem e,
desse modo, torná-las mais felizes, está demonstrada em diferentes trabalhos (Skinner,
1948/1973, 1953/2000, 1971/1992, 1978). Porque, então, a Análise do Comportamento
ainda não é uma alternativa de investigação e atuação com o contingente de velhos de
todo o mundo?
Essa pergunta nos remeteu a analisar a quantidade de apresentações de tra­
balho sobre envelhecimento, nos Encontros Anuais da Associação Brasileira de
Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC). Estes Encontros são os mais im­
portantes de nossa área no Brasil. Tendo em vista a dificuldade de encontrar o termo
“envelhecimento” nos títulos ou resumos das apresentações (em seus diferentes tipos:
mesas-redondas, palestras, comunicações orais, simpósios, painéis), foram incluídos
como critérios de busca os termos “idosos”, “Alzheimer” e “velhice”. Optou-se por com­
parar essas apresentações com aquelas destinadas à Psicologia Infantil. A Figura 1
apresenta essa comparação, entre os anos de 2002 a 2007, deixando clara a discre­
pância entre apresenta­
ções de temas
direcionados à infância em
relação àqueles destina- |
dos a estudos sobre enve- i§ 2
lhecimento. JI ^
Deve-se ressal- j§
tar a queda de produção, ;| m
nestes Encontros, também i %&
em relação a estudos so- ;f
bre infância. Esta análise, ; v
apesar de simplificada,
pode chamar a atenção

144 Marianna Braga O. Borges, Ana Karina C. R. de-Farias, Eileen P. Flores


para o fato de que os analistas do comportamento estão destinando poucos investi­
mentos à área denominada “Psicologia do Desenvolvimento”. Isto implica em perda de
espaço para outras abordagens, além de limitação no nosso conhecimento acerca do
comportamento humano.
Um tema de interesse crescente entre os analistas do comportamento é o
estudo de práticas culturais ou metacontingências. Embora os termos e métodos de
estudo ainda sejam criticados por uma série de autores, a discussão mostra-se bas­
tante relevante para a ampliação da atuação da Análise do Comportamento em contex­
tos sociais (Andery, 2001; Andery, Micheletto, & Sério, 2005; Glenn, 1991,2004; Malagodi,
1986; Martone, 2002; Mattaini, 2001; Otero, 2004; Rakos, 1992; Teixeira, 2002; Todorov,
& de-Farias, 2009; Todorov & Moreira, 2005). A variedade de objetos de estudo a serem
abordados ao se considerar o terceiro nível de variação e seleção, proposto por Skinner
(1981), inclui estudos sobre Psicologia do Desenvolvimento e, mais especificamente,
sobre as variáveis determinantes dos conceitos de “certo e errado”, “normal e patológi­
co”, “sadio e doente”, dentre outros que podem ser classificados pela Gerontologia e
demais entidades envolvidas no estudo do envelhecimento e suas características.
Cabe aos analistas do comportamento, por meio do desenvolvimento conceituai
e empírico, oportunizar mudanças de contingências para que tenhamos uma socieda­
de mais justa, e não apenas arcabouço para prever e controlar comportamentos neces­
sários à manutenção de um sistema baseado na desigualdade entre as pessoas,
promovendo a adequação dos inadequados para tanto. E, tendo em vista que a noção
de normalidade na velhice é cada vez mais estreita, estamos falando de um enorme
contingente de desajustados.
Assim, teremos maior probabilidade de diferenciar o direito dos velhos a uma
vida melhor da necessidade de adequação que responde às demandas da inversão da
pirâmide etária no Brasil.

Considerações Finais
O tema do envelhecimento não teve destaque nas apresentações dos encon­
tros da ABPMC, e muito mais se produziu sobre infância. Talvez seja relevante o fato de
serem as crianças sujeitos privilegiados no estudo da aquisição de repertório
comportamental. Há que se levar em conta que os profissionais da infância atendem
também a demanda de ajustar o futuro produtor e (atual) consumidor, e que a socieda­
de seleciona trabalhos que ensinam o que os pais devem fazer para que seus filhos
tenham um desenvolvimento “pleno”. Um estudo mais elaborado poderá apontar pos­
síveis variáveis que controlaram o estabelecimento de um cenário em que o estudo da
infância foi priorizado. Certamente, tal estudo deverá investigar as demandas sociais
que controlam também o analista do comportamento.
O cenário atual da investigação sobre o envelhecimento poderia contar com
mais estudos que atentassem às diversas variáveis que controlam nosso comporta­
mento de produzir conhecimento sobre velhice, e esta é uma tarefa para a qual os
analistas do comportamento podem contribuir. Se temos o propósito de, com as ferra­
mentas em que tanto confiamos, transformar o mundo em um lugar mais justo, em que
a ciência possa servir a todos, podemos começar olhando para nossa própria produ­
ção científica, nunca abandonando os questionamentos sobre o que produzimos e as
conseqüências sociais dos nossos estudos.

Sobre Comportamento e Cognição 145


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Capítulo 13
Habilidades sociais no contexto de uma
educação inclusiva: a criança
com necessidades educacionais
especiais e seus pais.
Maura Qloria de Freitas
Margarette Matesco Rocha
UEL

Introdução

Nos últimos anos, o ensino especial passou por transformações com o objetivo
de reduzir o seu caráter segregacionista em favor de uma proposta pedagógica
integradora das diferenças individuais, privilegiando a educação aos alunos com ne­
cessidades educacionais especiais ou deficiências (física, sensorial ou mental) dentro
das classes regulares, isto é, ao lado de alunos considerados normais nas chamadas
classes inclusivas (Feitosa, 2007). A atual Política Nacional da Educação Especial (Bra­
sil, 2008) enfatizou ainda mais a garantia do direito à escolarização, à convivência e
aprendizagem em ambientes heterogêneos aos alunos da Educação Especial.
Assim, a importância em focalizar o conjunto de respostas de interações soci­
ais de crianças com necessidades educacionais especiais baseia-se na compreen­
são de que a sua permanência em sala de aula regular propicia o aprendizado de
comportamentos socialmente mais habilidosos e aumenta a aceitação por pares e
professores (Del Prette & Del Prette, 2005). Por outro lado, repertório social substanci­
almente deficitário, como se observa nessa população, pode se tornar uma barreira
para a sua inclusão no ensino regular (Merrell & Gimpel, 1998).
O aprendizado de respostas descritas como de habilidades sociais está pri­
meiramente sob a responsabilidade mais direta da família e depois de outros ambien­
tes responsáveis pela educação da criança, como a pré-escola, a escola e as agências
de assistência e atendimento à criança (Del Prette & Del Prette, 2001). Assim, entende-
se como primordial o papel da família para a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais, pois enquanto parte do contexto social do filho, tem influência
na sua preparação para o mundo escolar (Freitas, 2005) e precisa aprender a ser um
agente do processo de integração/inclusão (Lopes & Marquezan, 2000).

maurafreitas@sercomtel.com.br

148 Maura Gloria de Freitas, Margarette Matesco Rocha


Dessa forma, ensinar aos pais um conjunto de respostas socialmente relevan­
tes para seu papel de educador do filho, favorece o aprendizado, pela criança, de formas
mais eficazes de interagirem, bem como outros comportamentos que lhe confira auto­
nomia de vida. Nesse contexto, o propósito desse capítulo é descrever a importância
das habilidades sociais para crianças com necessidades educacionais especiais, o
papel da sua família no aprendizado dessas habilidades e diretrizes gerais para pro­
gramas destinados a essas famílias.

Habilidades sociais na perspectiva da Análise do Comportamento

Para Elliott, Sheridan e Gresham (1989), em uma definição comportamental de


habilidades sociais, os comportamentos socialmente habilidosos são caracterizados como
comportamentos emitidos em situações específicas em que há a máxima probabilidade
de reforçamento contingente a um comportamento social específico. Uma vantagem dessa
definição é a identificação de comportamentos sociais específicos, suas variáveis
controladoras e a situação em que esses comportamentos são desempenhados.
Para Caballo (1996), as habilidades sociais são entendidas como característi­
cas do comportamento e não da pessoa. Enquanto característica do comportamento,
Skinner (1993/1953) enfatiza que a habilidade é demonstrada a partir de pequenas mu­
danças na direção de uma maior eficácia em um comportamento existente. Para tanto, o
reforço diferencial é a contingência que aperfeiçoa a habilidade produzindo diferenças
extremamente refinadas na execução de um comportamento que, por sua vez produz
diferenças importantes nas conseqüências. Assim, enquanto a aquisição do comporta­
mento ou “saber como fazer alguma coisa” é produto do reforço operante, a habilidade ou
“fazer bem alguma coisa” ocorre especificamente em função do reforço diferencial que,
quanto mais imediato, mais preciso será seu efeito (Skinner, 1993/1953).
Ainda nessa perspectiva, Del Prette e Del Prette (2001) consideram que as
habilidades sociais, definidas como diferentes classes de respostas sociais, contribu­
em para o desempenho de relacionamentos adequados e produtivos com outras pes­
soas nas diferentes demandas de interação. Esses autores consideram que esse tipo
de desempenho tem alta probabilidade de obter conseqüências reforçadoras imedia­
tas no ambiente social, o que contribui para que seu aprendizado seja eficaz e sua
generalização, efetiva.
Nesse sentido, habilidades sociais é um conjunto de respostas aprendidas,
produto do processo de reforçamento diferencial responsável pelos comportamentos
sociais emitidos na interação com o outro. Como qualquer classe de respostas, não há
uma forma universal de se comportar socialmente, pois estes estão condicionados a
contextos e parâmetros estabelecidos pela cultura (Vila, Silveira, & Gongora, 2003).
Considera-se, portanto, que não existe um tipo de comportamento chamado habilida­
des sociais e sim um conjunto de fenômenos comportamentais (relações ambiente-
organismo) que após a sua análise permitem caracterizar o comportamento como
socialmente competente (Caballo, 1996).
Sendo as habilidades sociais avaliadas e interpretadas como uma amostra do
comportamento ou classe de comportamentos em situações específicas, essa abor­
dagem torna-se importante uma vez que componentes comportamentais observáveis
de qualquer dada habilidade social podem ser definidas e operacionalizadas de forma
a serem medidas, não necessitando recorrer a inferências desnecessárias (Gresham,

Sobre Comportamento e Cognição 149


Cook, Crews, & Kern, 2004). Assim, comportamento socialmente competente pode ser
definido como aquelas respostas que, em uma dada situação mostra-se efetiva ou, em
outras palavras, maximiza a probabilidade de produzir, manter e aumentar os efeitos
positivos para o emissor (Foster & Ritchey, 1979).

Habilidades sociais para uma educação inclusiva


A presença do aluno com necessidades educacionais especiais em sala regular
segue a premissa de que a inclusão propicia a essas crianças, oportunidade de apren­
der comportamentos socialmente mais habilidosos, aumentando a sua aceitação por
pares e professores (Del Prette & Del Prette, 2005). Analisando as vantagens de uma
proposta inclusão em contraposição as escolas especiais, Guralnick, Connor, Hammond,
Gottman, & Kinnish (1996) apontaram que o ambiente da sala regular pode ser mais
estimulante, responsivo e exigente socialmente para as crianças com necessidades
educacionais especiais. Aiém disso, as interações entre as crianças com e sem neces­
sidades especiais pode resultar para aquelas, aprendizados decorrentes da observação
dos pares, da avaliação emitida pelos mesmos e da oportunidade de compreender,
pelas conseqüências de suas respostas, sua participação nas interações sociais.
Embora seja indiscutível as vantagens da inclusão para ampliar as interações
sociais da criança com necessidades educacionais especiais, Roberts, Pratt e Leach
(1991) defendem que a simples colocação em sala de aula regular não resulta automa­
ticamente no aprendizado ou aumento das interações sociais entre as crianças com e
sem deficiências. Isto demonstra que, oferecer a elas oportunidade de interagir com
pares típicos, freqüentemente não ê suficiente para ocorrência de interações
satisfatórias.
O início da vida escolar é um momento enriquecedor para o desenvolvimento
de qualquer criança, mas pode ser crítico como entendem Del Prette e Del Prette (2001),
pois a criança começa a ser testada quanto ao repertório social aprendido no contexto
familiar, além de ter de aprender novas habilidades para atuar de forma mais autônoma
na nova situação. A inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais no
ensino regular é enriquecedora para ela e o sucesso acadêmico dessas crianças deve
ser mensurado pelo seu desempenho acadêmico e também de acordo com o critério
social. Marturano e Loureiro (2003) consideram que o desempenho escolar é um indi­
cador não apenas do rendimento acadêmico, mas também do desenvolvimento da
criança e dos comportamentos de interação com o meio, o que lhe possibilita lidar com
os eventos da vida. Kekelis (1997) também considera que, somente quando crianças
deficientes tiverem a oportunidade de aprender comportamentos socialmente habilido­
sos para desenvolver relações sociais adequadas com outras crianças, é que se pode­
rá dizer que a proposta de inclusão total será verdadeiramente efetiva.
Com relação às interações mantidas entre crianças com e necessidades edu­
cacionais especiais, Guralnick e Groom (1987, 1988) e Guralnick, Connor e Hammond
(1995) observaram que as com desenvolvimento típico interagem menos
freqüentemente com as que apresentam alguma deficiência. Além disso, constataram
também que as com necessidades educacionais especiais são menos aceitas e mais
rejeitadas em avaliações sociométricas, além de apresentarem dificuldades para fazer
e manter amizades quando comparadas às outras crianças.
As evidências de que pessoas com necessidades educacionais especiais têm
dificuldades significativas para o aprendizado e manutenção de relações interpessoais

150 Maura Gloria de Freitas, Margarette Matesco Rocha


satisfatórias, tem sido comumente detectadas em estudos com crianças e adultos que
apresentam deficiência mental (Aguiar, 2002; Angélico; 2004; Batista & Enumo, 2004;
Rosin-Pinola, Del Prette, & Del Prette, 2007), sensorial (Costa, 2005; Freitas et al.. 1999,
Freitas, 2005), física (Pereira, 2006) e problemas emocionais (Gresham et al.. 2004).
Adicionalmente, a ampla literatura da área de Habilidades Sociais considera que essas
dificuldades interferem negativamente não só nas suas interações sociais, mas tam­
bém no seu desempenho acadêmico e podem acarretar problemas de comportamen­
tos (Del Prette & Del Prette, 2005).
Para explicar a relação entre habilidades sociais e desempenho acadêmico,
diversos estudos (DiPerna, Volpe, & Elliott, 2001; DiPerna & Elliott, 2002; Malecki &
Elliott, 2002) mostraram que as habilidades sociais podem ser facilitadores acadêmi­
cos, pois enquanto um conjunto de respostas, as habilidades sociais podem favorecer
a participação ativa do aluno na sala de aula e aumentar suas realizações acadêmicas
(Gresham, n.d). Para Sugai e Lewis (1996), as habilidades sociais são pré-requisitos
necessários para as habilidades acadêmicas, isto é, pedir permissão para perguntar,
levantar a mão antes de falar, trabalhar com pares, esperar sua vez para falar e buscar
ajuda dos outros, são alguns dos comportamentos que a criança precisa emitir para ter
êxito no contexto escolar. É provável que estudantes que não se comportem assim no
contexto escolar, não se beneficiem das instruções do professor, de atividades que
favorecem a aprendizagem independente ou cooperativa e podem fracassar acadêmi­
ca e socialmente.
A correlação entre habilidades sociais e problemas de comportamentos tam­
bém tem sido bastante evidenciada (Bandeira, Rocha, Souza, Del Prette, & Del Prette,
2006; Baraldi & Silvares, 2003; Elias & Marturano, 2004). Para Elliott e Gresham (1990),
os problemas de comportamento (internalizantes e externalizantes) podem impedir a
emissão de comportamentos socialmente habilidosos, inviabilizando o seu aprendiza­
do. Por outro lado, aprender comportamentos socialmente habilidosos pode tornar
esses comportamentos competitivos e substitutos daqueles pouco habilidosos, no
sentido de ter a mesma equivalência funcional dos problemas de comportamento
(Gresham, Sugai & Horner, 2001).
Para exemplificar esse aspecto, esses autores descrevem a seguinte situa­
ção: empurrar o amigo na fila pode ser mais eficiente que esperar ou mesmo perguntar
se pode entrar no seu lugar da fila. Nesse caso, os comportamentos de empurrar e
perguntar poderiam ser funcionalmente equivalentes, isto é, podem produzir a mesma
conseqüência. No entanto, se o comportamento de pedir gentilmente o lugar na fila não
for mais eficiente (mais difíceis de desempenhar e com menor probabilidade de obter
conseqüências imediatas) então ele pode ser emitido com menor freqüência que o
comportamento de empurrar (mais eficiente para a criança naquele momento, porém
menos desejável). Com isso, o conjunto de respostas descritas como habilidades
sociais a serem desenvolvidas, precisa ser igualmente ou mais eficientes que os com­
portamentos competitivos.
O reconhecimento da correlação significativa entre competência social da cri­
ança e desempenho acadêmico (Malecki & Elliott, 2002; Welsh, Parke, Widaman; &
0 ’Neil, 2001) e os evidentes benefícios do aprendizado de um conjunto respostas des­
critas como habilidades sociais sobre a diminuição de problemas de comportamento,
justificam a necessidade de um maior investimento para o aprendizado de comporta­
mentos socialmente habilidosos pela criança (Del Prette & Del Prette, 2005).

Sobre Comportamento e Cognição 151


O papel dos pais para o aprendizado de comportamentos socialmente
habilidosos pelos filhos
O aprendizado desses comportamentos depende, como qualquer outro, de
múltiplas condições educativas que devem ser planejadas e garantidas. Isto é, esse
aprendizado depende das condições oferecidas à criança nos diversos contextos onde
participa e que podem afetar de alguma maneira, a qualidade de suas interações
subseqüentes (Del Prette & Del Prette, 2005). Enquanto comportamento aprendido,
esse processo está primeiramente sob a responsabilidade mais direta da famíiia e
depois de outros ambientes responsáveis pelo desenvolvimento e educação da crian­
ça, como a pré-escola, a escola e as agências de assistência e atendimento à criança
(Del Prette & Del Prette, 2001).
O sucesso ou não da socialização no contexto escolar,, parece depender de
repertórios prévios que a criança tenha aprendido na família e, portanto, a relação que
existe entre dificuldades de adaptação social e de desempenho acadêmico na escola
pode ter sua origem na família (Del Prette & Del Prette, 1997; Del Prette, Del Prette,
Garcia, Silva, & Puntel, 1998; 2003; Gresham, 1995; Johnston & Mash, 2001; Melo,
2004; Molina, 2003; Villa, 2004;).
No caso de crianças que ingressam no ensino regular e apresentam deficiên­
cia sensorial, física ou mental, é comum atribuir-se, à deficiência e à escola, os proble­
mas de comportamento que possam ocorrer. Porém, é fato que muitos déficits apre­
sentados por elas (assim como por crianças sem deficiência), têm sua origem na
dificuldade dos pais em reconhecer a sua responsabilidade de ensinar e/ou criar con­
tingências para que a criança aprenda comportamentos pró-sociais.
A atuação da família é um dos aspectos mais importantes a ser considerado
para qualquer criança, principalmente por ser o contexto onde diversos comportamen­
tos são aprendidos e, no caso das com necessidades educacionais especiais, isto
influencia de maneira significativa o aprendizado de comportamentos sociais. Diferen­
temente de pais de crianças sem diagnóstico de alguma deficiência, esses pais compor­
tam-se de maneira mais diretiva e com maior controle e domínio sobre as atividades de
seus filhos. Essa maneira de agir, pode afetar o aprendizado de comportamentos que
descrevem diferentes classes de habilidades sociais infantis, bem como, expressões
adequadas de afeto (Behl, Akers, Boyce, & Taylor, 1996; Buhrow, Hartshorne, & Bradley-
Johnson, 1998).
Quando pais não têm conhecimento dos princípios de aprendizagem
subjacentes às suas práticas educativas, nem habilidades que lhes possibilitem atuar
efetivamente na educação de seus filhos, os pais reproduzem modelos ou comporta­
mentos baseados em suas histórias de vida que, se forem inadequados, podem ter
efeitos deletérios sobre o aprendizado de comportamentos socialmente habilidosos do
filho. No caso de crianças com necessidades educacionais especiais, o efeito pode
representar atrasos no aprendizado de diversos comportamentos que as impede de
integrar-se plenamente na sociedade,
Considerando as circunstâncias do cotidiano familiar e as interações entre
pais e filhos, é possível que pais socialmente mais habilidosos tenham mais compe­
tência para sua tarefa de educador, transformando ações cotidianas em verdadeira
educação dos filhos e não somente em controle eficaz de comportamentos
desadaptados. Del Prette e Del Prette (2001) denominaram esse conjunto de ações de
habilidades sociais educativas que, conceitualmente, “são aquelas intencionalmente
voltadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em situa­

152 Maura Gloria de Freitas, Margarette Matesco Rocha


ção formal ou informal de ensino (p. 95)”. Essas habilidades devem estar presentes
nas interações entre o educador (pais, professor e outros agentes sociais) e o educan­
do (filho ou aluno) e conferem, em relação a quaisquer comportamentos a ser modela­
do, melhores resultados educativos, tanto no planejamento como na condução das
ações adotadas.
Alguns recursos pessoais de educadores (sejam eles professores ou pais)
remetem a um conjunto elaborado e diversificado de comportamentos socialmente
habilidosos visando favorecer a educação e o desenvolvimento socioemocional. Con­
forme Del Prette e Del Prette (2001), tais recursos incluem, por exemplo: criatividade
para diversificar as possibilidades de interações educativas; capacidade de observa­
ção, análise e discriminação dos desempenhos da criança e dos progressos obtidos;
habilidade de incentivar a criança a se empenhar na solução de seus problemas cotidi­
anos; apresentação de novos desafios à criança; flexibilidade para recuar ou admitir
falha e, se necessário, mudar para melhor atender às necessidades da criança.
Historicamente as habilidades sociais identificadas como essenciais aos pais
foram descritas por Barclay e Houts (1995) que afirmam que pais podem atuar como
educadores de seus filhos na medida em que ensinam a eles habilidades sociais
necessárias para atuarem de maneira eficaz em sociedade e inibir outras respostas
incompatíveis com esse objetivo. No Brasil, Del Prette e Del Prette (no prelo) ao revisa­
rem a literatura nacional sobre programas direcionados a pais e professores, constata­
ram que os estudos avaliados destacam a importância de ensinar aos pais, o manejo
de comportamentos dos filhos, que contribuam para o aprendizado de habilidades
sociais esperadas para crianças e jovens. De acordo com os autores, os estudos no
Brasil têm destacado um conjunto de comportamentos requeridos por pais, semelhan­
tes aos descritos por Barclay e Houts (1995). O atual sistema de categorias das Habili­
dades Sociais Educativas, proposto por Del Prette e Del Prette (no prelo), apresenta 32
comportamentos que foram subdivididos em quatro classes amplas, a saber:
a) Estabelecer contextos interativos potencialmente educativos: que compreende os
comportamentos verbais ou não verbais do educador que organiza material, contexto
físico ou social para favorecer interação educativa;
b) Transmitir ou expor conteúdos sobre habilidades sociais: que engloba os comporta­
mentos verbais ou não verbais do educador, mediados (ou não) por recursos visuais e
auditivos que apresentam conteúdos de habilidades sociais (informações, conceitos,
histórias, dados etc.);
c) Estabelecer limites e disciplina: que engloba os comportamentos verbais e/ou não
verbais do educador que estabelece (justifica, explicita, solicita, indica, sugere) regras
ou normas ou valores e,
d) Monitorar positivamente: que refere-se aos comportamentos verbais e/ou não ver­
bais do educador envolvidos em administrar contingências sobre o comportamento
diretamente observável ou sobre comportamento relatado pelo educando.
Esse sistema de categorias proposto por Del Prette e Del Prette (no prelo)
apresenta uma descrição dos comportamentos parentais considerados essenciais na
interação com os filhos e pode, aparentemente, levar a falsa consideração de uma
descrição apenas topográfica dos comportamentos em detrimento da sua função. No
entanto, os autores defendem que “as habilidades sociais se definem pela relação
funcional entre instâncias de respostas observáveis e determinados antecedentes (de­
mandas ou estímulos discriminativos) e conseqüentes (observados ou inferidos como
prováveis a curto e/ou médio prazo) em episódios de interação social”.

Sobre Comportamento e Cognição 153


No caso específico das habilidades sociais educativas, Del Prette e Del Prette
(no prelo) argumentam que essas habilidades somente serão consideradas educativas,
dependendo dos efeitos que produzirem ou da probabilidade de gerarem mudanças no
repertório comportamental do educando, o que implica na necessidade de avaliar os
efeitos ou a função dos comportamentos dos pais sobre o comportamento dos filhos.
Assim, a preocupação com a funcionalidade das habilidades sociais educativas de­
monstra que a forma da resposta em si não determinará se um comportamento é mais
ou menos habilidoso, mas sim a função desse comportamento.
No Brasil, foram encontrados estudos que avaliaram a efetividade de progra­
mas para ensinar habilidades sociais educativas a pais de crianças sem queixas clíni­
cas (Silva, Del Prette & Del Prette, 2000), com deficiência visual (Freitas, 2005), com
problemas de comportamento (Pinheiro, 2006), com queixas escolares (Barros, 2008)
e com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (Rocha, 2008). Considerando os
resultados desses estudos, observa-se consistência entre eles ao demonstrarem que
o desenvolvimento das Habilidades Sociais Educativas pode aumentar a probabilidade
dos pais estabelecerem contingências para o desenvolvimento e refinamento das habi­
lidades sociais de seus filhos.
Ainda no caso específico de crianças com necessidades educacionais especi­
ais, Rocha (2008) considerou que o treinamento das chamadas habilidades sociais
cotidianas (Habilidades de Comunicação, de Assertividade, de Civilidade), assim deno­
minadas por Del Prette e Del Prette (1999), pode favorecer o aprendizado de interações
positivas das mães com aqueles com os quais interagem cotidianamente, seja com
relação à problemática dos seus filhos, seja em questões pessoais alheias aos com­
portamentos dos filhos, mas que podem ter implicações para as interações com eles.
Apesar do reduzido número de estudos citados na literatura que adotaram o
treino de habilidades sociais cotidianas em programas para pais, no Brasil, o estudo
realizado por Freitas (2005) e por Rocha (2008) demonstraram melhora na competên­
cia social das mães de crianças com deficiência visual e de crianças com transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade como resultado da definição dessas classes de
habilidades sociais como comportamentos-alvo a serem ensinados.. Esses resulta­
dos são especialmente encorajadores por se tratar de pais de filhos com necessida­
des educacionais especiais, o que requer um repertório elaborado para cumprir o seu
papel de educador bem como para lidar no cotidiano, com as diferentes demandas
provenientes das dificuldades da criança.

Diretrizes para o Treinamento de Habilidades Sociais Educativas


Conforme a literatura da área, esse aprendizado pode ser alcançado por meio
de um programa de habilidades sociais que tenha como foco o aprimoramento e/ou
aquisição de habilidades sociais cotidianas pelos pais que possam favorecer a educa­
ção de seus filhos, bem como de habilidades sociais educativas com vistas ao alcance
de melhores resultados nas ações que ocorrem no contexto familiar. Uma possibilida­
de de atendimento a pais de crianças com necessidades educacionais especiais é a
intervenção em grupo, que permite maior envolvimento entre os participantes (tanto nas
sessões como fora delas), mais oportunidades de aprendizagem observacional dos
integrantes e melhores condições, para o coordenador, de aplicação de técnicas que
requerem a cooperação de auxiliares. Outra vantagem do procedimento em grupo,
refere-se à oportunidade que o coordenador do grupo tem de conhecer a subcultura
grupai, o que o auxiliará nas decisões quanto a objetivos a serem alcançados e a
critérios de avaliação (Del Prette & Del Prette, 2001).

154 Maura Gloria de Freitas, Margarette Matesco Rocha


Realizar o atendimento individual dos participantes do grupo, concomitante ao
atendimento grupai, é uma estratégia que possibilita a avaliação contínua do desempe­
nho de todos na sessão e dará uma maior disponibilidade ao coordenador para mode­
lar os comportamentos-alvo e para escolher ou mesmo alterar, de forma mais imediata,
procedimentos para atender necessidades específicas do cliente que possam interferir
na boa evolução da intervenção proposta (Del Prette & Del Prette, 2001). No caso espe­
cífico de pais, o coordenador pode identificar aspectos que requerem uma atenção
mais individualizada, como por exemplo, quando faltam informações já disponíveis aos
demais (que podem ser supridas individualmente) e mesmo maior necessidade de
apoio e incentivo.
Com relação à definição dos comportamentos-alvo que serão objetos do pro­
grama de treinamento em habilidades sociais educativas, considera-se que deve ser
respaldada por critérios que privilegiem aqueles considerados de menor complexidade
e/ou aqueles com maior valor funcional para o grupo, quando a sua relevância não está
relacionada à sua complexidade (Del Prette & Del Prette, 2001). Além disso, esses
autores também consideram que os comportamentos-alvo devem estar baseados nas
respostas consideradas relevantes para os pais, respeitando-se principalmente possí­
veis limitações em relação à saúde e/ou deficiência (do filho), recursos financeiros (da
família) e outras especificidades dos participantes. Os objetivos de um programa, como
o proposto neste trabalho, devem incluir: a) a aquisição e/ou aperfeiçoamento de com­
portamentos descritos nas categorias de habilidades sociais cotidianas e educativas
para os pais, b) a aquisição e/ou aperfeiçoamento de categorias de habilidades sociais
dos filhos associada à redução de comportamentos problemas e c) a manutenção e a
generalização do aprendizado, tanto dos pais como dos filhos.

Considerações Finais

O grande desafio de uma educação inclusiva é a transformação do contexto


escolar de modo que nele sejam educadas, sem distinção, todas as crianças. A
concretização dessa transformação não depende apenas das políticas públicas nem
somente das escolas, mas de uma parceria com todos aqueles envolvidos com a
criança, incluindo principalmente a família. Além disso, essa transformação não pode
se restringir aos aspectos eminentemente acadêmicos, pois falar em inclusão é tam­
bém valorizar as interações sociais positivas do aluno com outros participantes do
contexto escolar como indicadores da efetiva inclusão escolar.
A questão do desempenho social deficitário, de crianças em geral e de crianças
com necessidades educacionais especiais, em particular, deve ser analisada levando-
se enfaticamente em conta as condições de ensino. Essas condições remetem aos
princípios de aprendizagem e habilidades sociais educativas presente nas práticas
educativas de seus pais. O aprendizado, pelas mães, de habilidades que motivam e
valorizam as ações do filho, levam a criança a generalizar comportamentos para outros
ambientes e, assim, aprimorar habilidades tais como conversar, agir por iniciativa pró­
pria, entrar em grupos de amigos e lidar com conflitos que são exemplos de demandas
constantes nas interações de crianças e adultos.
Desta forma, priorizar atendimento aos pais com vistas a ações educativas
mais efetivas, pode tanto contribuir para a superação das dificuldades/déficits parentais
como para o aprendizado das habilidades sociais dos filhos. O aprimoramento do
desempenho social dos pais no seu papel de educador e dos filhos nas suas relações

Sobre Comportamento e Cognição 155


cotidianas, poderá ser considerada uma variável significativa no processo de inclusão
escolar de crianças com necessidades educacionais especiais, favorecendo que des­
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158 Maura Gloria de Freitas, Margarette Matesco Rocha


--------------Capítulo 14
Leitura dialógica, consciência fonológica
e o desenvolvimento de
repertórios verbais
Mislene Lima Camelo
Carlos Barbosa Alves de Souza
Universidade Federal do Pará

O desenvolvimento de repertórios verbais está relacionado diretamente com a


qualidade e quantidade das interações entre as crianças e seus cuidadores (Hart &
Risley, 1995; Souza, 2003; Souza & Affonso, 2007; Souza & Brasil, 2007; Souza & Pontes,
2007; Souza & Vieira, 2007). Whitehurst e colaboradores (e.g. Crone & Whitehurst, 1999;
Lonigan & Whitehurst, 1998; Payne, Whitehurst, & Angell, 1994; Storch & Whitehurst,
2002; Whitehurst, Falco, Lonigan, Fischel, Debaryshe, Valdez-Menchaca, & Caulfield,
1988; Whitehurst & Lonigan, 2001) têm observado que duas formas de interação
cuidador-criança denominadas ‘leitura dialógica’ e ‘treinos de consciência fonológica’
têm relevantes efeitos na aquisição de diferentes competências verbais (e.g. repertóri­
os de compreensão e produção de palavras/frases, leitura textual e com compreensão,
etc). Este texto procura apresentar esta literatura para aqueles na área da Análise do
Comportamento interessados na investigação das variáveis de controle da aquisição e
desenvolvimento de repertórios verbais.

Leitura Dialógica
A leitura dialógica consiste em um treino focalizado no uso de estratégias evocativas
de comportamentos verbais, utilizando como instrumentos livros ilustrados e a
apresentação de modelos verbais sutis contingentes as verbalizações da crian­
ça. É um programa caracterizado pela troca de papéis durante a leitura de livros,
no qual a criança gradualmente torna-se o contador da história, enquanto o cuidador
(pais, irmãos, professores) passa a atuar como um ouvinte ativo, estimulando,
recompensando e expandindo a fala da criança (Whitehurst et a i, 1988).

email de contato: carlos.souza@pesquisador.cnpq.br


Trabalho financiado pelo CNPq
Em um programa de leitura dialógica o cuidador estimula a criança por meio de
freqüentes questões sobre as figuras dos livros, usando “quem, o quê, quando, onde,
como e qual”. Uma vez que a criança responde adequadamente ao nome de algum
objeto/ação presente nas ilustrações, o cuidador apresenta outras perguntas sobre o
objeto; repete as respostas corretas da criança para “encorajá-la” e para indicar quando
está correta; apresenta modelos de uma boa resposta; provê elogios; fala sobre aspec­
tos do livro nos quais a criança presta atenção; proporciona uma leitura divertida utilizando
jogos; faz perguntas abertas pouco estruturadas que requeiram que a criança fale sobre
algo presente na ilustração (por exemplo, “O que você vê nesta página?”) e expande as
repostas por ela apresentadas (Arnold, Lonigan, Whitehurst, & Epstein 1994).
O procedimento mencionado foi desenvolvido por Whitehurst et al. (1988) com
o objetivo de avaliar quais efeitos produziria no repertorio verbal da criança. Para tanto,
realizou-se um estudo com 30 crianças e seus respectivos cuidadores (a maioria mães).
Essas crianças eram de classe alta e média, tinham entre 21 a 35 meses de idade e
apresentavam desenvolvimento normal. Todas foram pré-testadas e posteriormente
distribuídas em dois grupos (controle e intervenção). O programa teve uma duração de
quatro semanas; nesse período os pais do grupo de intervenção utilizaram a leitura
dialógica, enquanto os do grupo controle leram para seus filhos, porém, sem nenhuma
orientação específica. Os pais do grupo experimental participaram de duas sessões de
treino direto: a primeira sessão ocorreu antes do início das intervenções e a segunda,
duas semanas depois. Esses treinos envolviam explicações verbais das habilidades
envolvidas e demonstrações da técnica através de “role-playings”. Os pais eram orien­
tados a gravar todas as sessões que realizavam em casa e a anotar em uma agenda os
dias que as sessões foram cumpridas.
Os resultados mostraram que variações no modelo de leitura utilizado com
crianças tinham grandes efeitos no desenvolvimento lingüístico medido pelo desempe­
nho em testes padronizados de vocabulário expressivo e receptivo (e.g Peabody Picture
Vocabulary Test-Revised - PPVT; One Word Picture Vocabulary Test -EOWPVT; Illinois
Test of Psycholinguistic Abilities -ITPA). Com esses instrumentos foi possível constatar
que durante a fase de pós-testes, os escores do grupo experimental eram aproximada­
mente 8.5 meses à frente daqueles de grupo controle nos teste de vocabulário expres­
sivo e 6 meses no de vocabulário receptivo.
Arnold et al. (1994) também detectaram significantes avanços no repertório
lingüístico de crianças quando os cuidadores foram treinados a utilizar a leitura dialógica
por meio de treinos com videotapes. Nesses treinos os pais receberam instruções escritas
e assistiram filmes que apresentavam modelos de leitura dialógica e enfatizavam questões
que eram para ser adotadas ou evitadas durante as intervenções. O treino com videotapes
proporcionou a apresentação de modelos padronizados, pois cada mãe que assistia a fita
era exposta a idênticas descrições e exemplos dos componentes chaves da leitura dialógica.
As crianças de cuidadores que participaram do treino com videotape exibiram resultados
superiores nos testes de linguagem quando comparadas com aquelas que os pais foram
treinados através do treino direto (ver também Whitehurst et al., 1988).
Outras variáveis relevantes para a aquisição lingüística foram analisadas por
Payne, Whitehurst e Angell (1994). Essas variáveis estão relacionadas ao ambiente de
leitura no lar. Estudos sobre o efeito de tal ambiente no desenvolvimento da criança
sugerem que oportunidades limitadas no lar de famílias de baixa renda, como as refe­
rentes às atividades de leitura, têm grandes efeitos sobre a linguagem da criança e
sobre seu posterior repertório de leitura (Hart & Risley, 1995).

160 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


Com a finalidade de avaliar o modo como o ambiente de leitura no lar interfere na
obtenção da linguagem de crianças de baixa-renda, Payne et al. (1994) examinaram a
relação entre os comportamentos de leitura de cuidadores sobre as competências
lingüísticas expressivas e receptivas de suas crianças. Participaram dessa pesquisa 323
crianças de baixa renda, com 4 anos de idade e matriculadas em programas pré-escolares.
Para obter uma medida adequada sobre o ambiente de leitura no lar, as cuidadoras preen­
cheram um questionário com questões de múltiplas escolhas (Stony Brook Family Reading
Survey) que mediam algumas variáveis do ambiente familiar. Dessas variáveis, nove foram
empregadas no trabalho, como a freqüência de leituras compartilhadas de livros ilustrados,
a idade que a criança começou a leitura de livros com figuras, a média de duração do tempo
de cada leitura, a quantidade de livros infantis no lar, a freqüência de pedidos da criança para
se engajar em leituras compartilhadas, a freqüência com que a cuidadora realizou leituras
individuais e o prazer que sente com essas leituras.
Constatou-se neste estudo, mais do que em estudos anteriores, uma grande
correlação entre o ambiente de leitura e o desenvolvimento lingüístico da criança. Su­
põe-se que essa diferença ocorreu pelo fato de que outras pesquisas destacaram
apenas um aspecto do ambiente de leitura em relação a uma única medida de capaci­
dade lingüística. Outro dado relevante encontrado foi a baixa correlação entre as práti­
cas individuais de leitura do adulto e o aperfeiçoamento do repertório lingüístico da
criança. Essa variável apresentou menor influência do que as atividades de leituras em
que a criança participava diretamente. Os dados demonstraram também que há subs­
tanciais diferenças nas atividades de leitura entre famílias de baixa-renda, e que essas
diferenças têm efeitos no desenvolvimento lingüístico da criança.
Tendo em vista que a leitura dialógica parecia ser uma importante variável do
ambiente de leitura no lar, Valdez-Menchaca e Whitehurst (1992) avaliaram seu efeito no
repertório lingüístico de crianças quando aplicada por profissionais graduados em cen­
tros de cuidados diários públicos. Para essa avaliação foram selecionadas 20 crianças
de baixa renda, entre 21 a 35 meses de idade, atendidas em um programa publico de
cuidados infantis no México. Essas crianças apresentavam desenvolvimento normal
dos aspectos físicos e motores, mas apresentavam baixas freqüências de respostas
lingüísticas nas avaliações dos testes padronizados. Elas eram designadas aleatoria­
mente a dois grupos específicos (intervenção e controle), e atendidas individualmente
por profissionais graduados durante seis semanas em salas reservadas na institui­
ção. Ao grupo de intervenção era aplicada a técnica de leitura dialógica e ao grupo
controle, atividades como construir com blocos e montar quebra-cabeças. A leitura
dialógica proporcionou um amplo efeito nas medidas de verbalizações espontâneas
das crianças em três testes padronizados de linguagem.
Para Whitehurst, Arnold, Epstein, Angell, Smith e Fischel (1994) embora o estu­
do de Valdez-Menchaca e Whitehurst (1992) demonstrasse um poderoso efeito da leitu­
ra dialógica no desenvolvimento lingüístico de crianças de baixa-renda, havia limites
para sua validade externa. O principal entre eles era o fato do leitor ser um aluno gradu­
ado em psicologia. Desta forma, esta pesquisa deixava não respondida a questão:
adultos com menor grau de escolaridade poderiam ser capazes de usar a técnica de
leitura dialógica? Uma outra limitação seria o fato do grupo de intervenção ter trabalha­
do as crianças individualmente, sendo que um programa prático de leitura dialógica em
instituição pré-escolar envolveria a aplicação da leitura para grupos, uma condição
mais próxima da realidade dessas instituições.
Whitehurst et al. (1994) em resposta a estas duas limitações realizaram um
estudo com 73 crianças de baixa renda com o vocabulário e habilidades expressivas
abaixo da média. Essas crianças foram inicialmente testadas (testes de habilidades e

Sobre Comportamento e Cognição 161


capacidades lingüísticas) e em seguida aleatoriamente distribuídas em três condi­
ções: 1) ‘leitura na escola’, 2) ‘leitura na escola e em casa’, e 3) grupo controle.
A condição ‘leitura na escola’ era caracterizada pela participação do professor ou
ajudante na aplicação do programa na escola em grupos de 5 crianças. As intervenções
ocorriam diariamente com uma duração de dez minutos para cada grupo. A condição ‘leitura
na escola e em casa’ tinha as mesmas características do grupo anterior, com a exceção de
que os membros desse grupo também realizavam com suas respectivas cuidadoras a
leitura dialógica em casa. O grupo controle engajava-se em atividades com jogos em
pequenos grupos de cinco crianças supervisionados pelo professor ou auxiliar. O progra­
ma teve uma duração de seis semanas. Os pais e professores foram treinados a aplicar a
leitura dialógica através de videotapes, textos informativos, modelação e feedbacks. Os
livros escolhidos para as intervenções possuíam ilustração que possibilitavam desenvol­
ver uma narrativa sem depender dos textos escritos e eram semanalmente substituídos
levando em consideração a gradual aquisição do vocabulário da criança. No final das
sessões de intervenção e após seis meses de pós-teste, as crianças foram avaliadas com
os testes de medida de vocabulário expressivo e receptivo (e.g PPVT-R e ITPA).
Os resultados deste estudo indicaram que o efeito da leitura dialógica em
crianças de baixa renda 1) é maior quando a intervenção ocorre em pequenos grupos
do que individualmente; e 2) quando a leitura é realizada por professores ou pelos
pais da criança do que por profissionais graduados. Outro dado relevante foi que o
grupo da condição ‘escola e lar’ apresentou um melhor desempenho lingüístico no
pós-teste do que os outros grupos. No entanto, Lonigan e Whitehurst (1998) ressalta­
ram que a falta de um grupo de intervenção em que a leitura dialógica fosse realizada
somente no lar, impossibilitou avaliar se os resultados obtidos foram unicamente em
razão da intervenção dos pais ou devido a eficácia da intervenção combinada de pais e
professores.
Objetivando replicar os achados de Whitehurst et al. (1994) e avaliar a contribui­
ção de professores versus pais na implementação de programas de leitura dialógica
para crianças de baixa renda, Lonigan e Whitehurst (1998) realizaram um estudo com
91 crianças de 3 a 4 anos de idade, participantes do programa Head Starts\ que possu­
íam o vocabulário receptivo e expressivo abaixo da média (pré-teste). Essas crianças
foram aleatoriamente designadas para uma das quatro seguintes condições: 1) ‘ leitura
na escola’; 2) ‘leitura em casa’; 3) ‘leitura na escola e em casa’, e 4) ‘grupo controle’. O
procedimento realizado neste estudo foi o mesmo mencionado em Whitehurst et al.
(1994), com exceção do acréscimo da condição ‘leitura em casa’. Os resultados mos­
traram uma melhoria significante no repertório lingüístico das crianças das três condi­
ções experimentais analisadas no pós-teste; sendo que os resultados apresentados
pelas crianças da condição ‘leitura em casa’ foram superiores aos produzidos pelas
outras duas condições.

Leitura dialógica, consciência fonológica e repertórios verbais


Whitehurst, Epstein, Angell, Payne, Crone e Fischel (1994) ressaltam que no
período pré-escolar as atividades de leitura são divididas entre as que enfatizam a
leitura compartilhada (ex. leitura dialógica) e as que enfatizam mais diretamente os
sons e letras que formam a base dos códigos de leitura (ex. aprendizagem de letras do

1Head Starts são programas nos EUA que objetivam o aumento da aprendizagem escolar de crianças de baixa-renda, possuindo como público
alvo crianças de zero a cinco anos de idade; mulheres grávidas e suas respectivas famílias.

162 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


alfabeto através de palavras cruzadas e jogos com rimas que ensinam as estruturas
das letras). Variações na freqüência ou na forma das atividades de leitura na pré-escola
irão refletir na aquisição de diferentes respostas lingüísticas, como: linguagem oral,
escrita, consciência fonológica e formação do conceito de símbolos impressos.
Whitehurst, Epstein et al. (1994) objetivando promover em crianças atendidas
em Centros Head Starts a aquisição de repertórios verbais de compreensão e produção
vocal e de leitura e escrita, desenvolveram um programa de leitura emergente2 combi­
nando atividades de leitura compartilhada (leitura dialógica) e uma adaptação do Sound
Foundation, um currículo de consciência fonológica desenvolvido na Austrália. Partici­
param desse programa 167 crianças de 4 anos de idade, baixa renda, aleatoriamente
distribuídas em dois grupos (controle e intervenção). O grupo controle era orientado por
um currículo pré-escolar regular, enquanto o grupo de intervenção era exposto à leitura
dialógica e ao treino de consciência fonológica. Antes das intervenções ambos os gru­
pos realizaram um pré-teste utilizando o One Word, o ITPA, PPVT-R forma M e o
Deveioping Skills Checklist (DSC). O DSC mede o repertório de leitura emergente,
como: nomear letras e identificar a função de palavras e números. Ao final da interven­
ção foram aplicados os mesmos instrumentos do pré-teste sendo que a forma M do
PPVT-R foi substituída pela L e a versão original do One Word, pela versão revisada.
A leitura dialógica era aplicada no lar da criança e na escola (ver Whitehurst et al.
1994), com uma freqüência mínima de três vezes por semana, durante 7 meses. Os
livros utilizados (disponíveis comercialmente) recebiam algumas alterações que servi­
am como dicas para lembrar tópicos anteriormente abordados na estória e para esti­
mular perguntas. As propostas de cada livro e as orientações de como introduzir as
leituras eram apresentadas em livros-guias que acompanhavam os mesmos. Os livros
direcionados aos professores eram diferentes, pois eram acrescidos de instruções
para realizar atividades extras em sala de aula envolvendo os livros do programa. No
primeiro dia de cada semana, a criança levava para casa uma cópia do livro que estava
sendo utilizado pelo professor em sala de aula para aplicar a leitura dialógica. Os
cuidadores eram orientados a devolvê-lo no último dia da semana.
O treino de consciência fonológica era realizado na escola e aplicado somente
pelo professor por um período de 4 meses. Nessa intervenção o professor apresentava
as crianças 7 sons de consoantes (s, m, p, g, I, t, sh) no começo e no fim das palavras, e
2 sons de vogais (a e e ) apenas no início das mesmas. Em cada semana era trabalhado
o som de uma letra específica. Por exemplo, na segunda feira a criança era solicitada a
achar objetos com nomes que iniciavam com o som /s/ em um grande pôster colorido; na
quarta-feira, pedia-se para encontrar objetos desenhados em folhas de papel, cujo nome,
começasse com o som Is/ e para colori-los com giz de cera; e na sexta-feira, jogava-se
partidas de “batata quente”. Nesse jogo a criança sentava em uma roda e passava um
objeto para outras crianças enquanto tocava uma música. No momento que parava a
música, a pessoa que estava segurando o objeto tinha que achar algo na sala que
começasse com o som /s/. Foram feitas também algumas adaptações, como apresentar
letras manuscritas através de um grande painel fixado na sala de aula. Nessa atividade o
professor apontava para uma letra do painel e dirigia-se para o aluno da seguinte forma:
“Esta é a letra s; ela é dita...”. Neste estudo não foi esclarecido se o período em que as
crianças eram submetidas ao treino de consciência fonológica era o mesmo em que
estavam envolvidas em atividades de leitura dialógica.

2Habilidades precursoras da leitura e escrita, assim como o ambiente que sustenta esses precursores (Whitehurst & Lonigan, 1998,2001). No
presente trabalho tais habilidades são abordadas como tendências ou tipos de categorias disposicionais que identificam a probabilidade de
que ocorram certas ações (Ribes,2000; Ryle, 1949).

Sobre Comportamento e Cognição 163


Os resultados desse programa de leitura emergente mostraram significantes
efeitos nas competências referentes à leitura e escrita e a formação do conceito de
símbolos impressos (ex. diferenciar letras maiúsculas de minúsculas e letras de pala­
vras). Foram observadas também melhoras nos repertórios verbais de compreensão e
produção vocal, mas apenas para aquelas crianças cujo cuidador primário participou
ativamente no programa cumprindo todas as instruções apresentadas.
Posteriormente, Whitehurst, Zevenbergen, Crone, Schultz, Velting e Fischel (1999)
replicaram o estudo original de Whitehurst, Epstein et al. (1994) e avaliaram se os
efeitos obtidos naquele estudo poderiam ser mantidos até o final da 2a série. Esses
autores partiram da hipótese de que uma intervenção que gerava diferenças significati­
vas nas respostas de leitura emergente melhoraria o repertório de leitura da criança no
início da escola primária. Participaram desse trabalho 250 crianças de baixa renda com
seus respectivos pais e professores. A condição para a criança ser aceita no programa
era não ter um escore nos testes de vocabulário a cima de 105, ser inscrita em um dos
8 Head Starts selecionados para o estudo, ser pré-testada no início do Head Start e pós-
testada no final e garantir que participaria do follow-up no término do jardim de infância,
1a série e 2a série. Os procedimentos realizados foram semelhantes aos de Whitehurst,
Epstein et al. (1994).
Nesse trabalho os resultados positivos da intervenção registrada pelo estudo
anteriormente mencionado foram replicados com um novo grupo de diferentes centros
Head Starts, porém os efeitos da leitura emergente não foram generalizados para os
escores de leitura no final da 1a e 2a série. Sugere-se que respostas componentes da
pré-leitura teriam sido mais freqüentes e detectadas no final da 1a e 2a série se as
intervenções tivessem enfatizado mais as relações entre sons e letras. Para Whitehurst
et al. (1999) o conhecimento de letras e sons, e a conexão entre eles, são pré-requisitos
para aquisição da leitura. Esses autores ressaltam que os alvos da leitura dialógica no
Head Start eram a semântica e a narrativa, e que os seus efeitos seriam mais importan­
tes para as crianças em estágio de aprendizagem da leitura, depois que elas passas­
sem do estágio de codificação das palavras escritas para a leitura com compreensão.
Outro resultado relevante foi que diferenças nos centros Head Starts e nas
escolas elementares que atendiam crianças nesses dois estudos (Whitehurst, Epstein
et al., 1994; Whitehurst, Zevenbergen et al., 1999), relacionadas com a qualidade dos
serviços ofertados e a condição socioeconômica dos alunos destas instituições, ti­
nham fortes influências sobre o aumento de respostas de leitura emergente e do reper­
tório de leitura durante o período longitudinal investigado. Verificou-se também que
embora essas crianças começassem a receber a instrução da leitura formal com baixo
nível de leitura emergente, mostravam ganhos substanciais, com base nas normas
nacionais, no final da 2a série.
Os resultados de Whitehurst, Epstein et al. (1994) e Whitehurst, Zevenbergen et
al. (1999) levaram Whitehurst e seus colaboradores a defenderem a idéia de que certas
competências relacionadas com símbolos podem ser adquiridas durante a pré-escola,
e se mostram essenciais para a aquisição da leitura (Whitehurst & Lonigan, 1998,
2001; Storch & Whitehurst, 2002). Estas competências incluem conhecer 1) a forma das
palavras escritas (ex. escrever o próprio nome), 2) normas de impressos (ex. saber que
se escreve da esquerda para a direito e iniciando pela extremidade superior da folha), 3)
grafemas (ex. nomear letras do alfabeto), 4) correspondência entre grafema-fonema
(ex. a letra b faz o som Ibl); e 5) consciência fonológica (ex. a palavra bata começa com
o som Ibl).

164 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


Em adição as competências relacionadas com símbolos, uma variedade de
competências lingüísticas orais adquiridas também durante a pré-escola tem um papel
relevante no desenvolvimento do repertório de leitura da criança. Essas competências
abrangem o domínio semântico (ex. conhecer palavras, vocabulário receptivo e expres­
sivo), sintático (ex. conhecer a ordem das palavras e as regras gramaticais), bem com
o discurso narrativo (ex. construir estórias originais) (Storch & Whitehurst, 2002).
Storch e Whitehurst (2002) visando avaliar o papel das competências relacio­
nadas com símbolos (ex. consciência fonética e correspondência grafema-fonema) e
da “linguagem oral “ (ex. vocabulário expressivo - competências referentes a falar sobre
objetos, nomeá-los ou descrevê-los, e receptivo - corresponde a respostas de apontar
objetos quando nomeados por terceiros) no desenvolvimento da leitura, realizaram um
estudo com 626 crianças de baixa renda, 4 anos de idade no início do estudo, atendidas
em um dos 8 Head Starts selecionados. Essas crianças participaram de seis avalia­
ções ocorridas: no Head Start, no jardim da infância e da 1a a 4a série. Nessas avalia­
ções testes padronizados foram aplicados em duas sessões.
Para avaliar as competências relacionadas com símbolos foram aplicados no
Head Start e no jardim da infância 12 subtestes extraídos de 4 sub-escalas do DSC
referentes ao desenvolvimento da leitura: memória (nomear letras impressas, identifi­
car sons e letras); auditório (segmentar sentenças e palavras regulares); formação de
conceito de símbolos impressos (identificar componentes da comunicação escrita e
diferenciar letras de numerais); escrever e redigir conceitos (escrever o primeiro nome
e desenhar uma pessoa).
As competências lingüísticas orais foram avaliadas no Head Start e no jardim
da infância através dos seguintes testes: PPVT-R (também aplicado da 1a a 4a ‘série); o
One Word; e o Renfrew Bus Story (BUS). No BUS era analisada competências de
recontar uma estória recentemente escutada. No jardim da infância também foi incluído
o Basic Concepts do Clinicai Evaluation ofLanguage Fundamentais - Preschool (CELF-
R), com a finalidade de medir conhecimento conceituai. Na 1a série, para medir compe­
tências sintáticas, foi aplicado o subteste Word Structure do Clinicai Evaluation of
Language Fundamentais- Revisd (CELF-R).
Os testes padronizados utilizados para avaliar o repertório de leitura foram
aplicados quando as crianças começaram a receber instruções da leitura formal. Elas
foram avaliadas no final da 1a série através da sub-escala Word Reading do Stanford
Achievement Test - 8a edição (SAT), usada para identificar respostas de emparelhar
palavras com figuras; da sub-escala Reading do Wide Range Achievement Test-Revised
(WRAT-R) que mede competências relacionadas à leitura em voz alta de palavras im­
pressas aumentando gradualmente a dificuldade da tarefa; e da sub-escala Word Attack
do Woodcock Reading Mastery Tests-Revised (WRMT-R) utilizada para medir as res­
postas das crianças de detectar falsas palavras impressas. No final da 2a série o subteste
Word Reading do SAT e o Word Attack do WRMT-R foram novamente aplicados, e o
subteste Reading do WRAT-R foi apresentado com duas tarefas mais complexas do
SAT: o Reading Comprehension subtest, um teste que avalia as respostas referentes a
questões sobre pequenos parágrafos, e o Word Study Skill subtest, um teste de leitura
acurada que avalia as seguintes competências: reconhecer relação entre letras e sons
dentro de um contexto de palavras, identificar o som de palavras impressas e dividir
palavras em sílabas. O Word Attack, Word Study Skills e o Reading Comprehension
subtest foram novamente administrados na 3a e 4a série, sendo adicionados a estes o
Reading Vocabulary subtest do SAT, que avalia respostas de associar palavras im­
pressas a seus significados.

Sobre Comportamento e Cognição 165


Storch e Whitehurst (2002) dividiram as medidas de leitura conceitualmente
em dois domínios: a leitura acurada e compreensiva. A leitura acurada incluía aqueles
subtestes que sondam o repertório da criança de identificar palavras, enquanto a com­
preensiva incluía os que destacam competências relacionadas a determinar o signifi­
cado de palavras e textos.
Os resultados indicaram que tanto as competências lingüísticas orais quanto
as relacionadas com símbolos apresentam um importante papel em diferentes pontos
durante o desenvolvimento da leitura. No jardim da infância o conhecimento de palavras
e a consciência fonológica atuavam como variáveis relevantes no fracasso ou sucesso
que a criança tinha no início da aprendizagem da leitura. Na 1a e 2a série, embora as
tarefas se tornassem mais complexas, as competências relacionadas com símbolos
adquiridas no jardim da infância mantinham uma influência sobre a leitura enquanto as
competências relacionadas com a “linguagem oral” não desempenhavam um papel
preponderante.
Nos estágios iniciais do desenvolvimento da leitura, a leitura acurada e a com­
preensiva estão vinculadas. A compreensão está relacionada à aquisição de competên­
cias referentes ao reconhecimento de palavras (saber nomear palavras e representá-
las graficamente, por exemplo). No entanto, em estágios posteriores, a leitura acurada
é estabelecida pelas competências referentes a reconhecer e decodificar palavras en­
quanto que a compreensiva é determinada tanto pelas competências mencionadas
quanto pelas referentes à “linguagem oral”.

Considerações Finais
Os resultados gerais dos estudos de Whitehurst e colaboradores apontam que
os precursores de leitura acurada e compreensiva devem ser trabalhados durante a
pré-escola, evitando assim possíveis problemas no processo de aprendizagem da
leitura no início do processo formal de alfabetização. Para esses autores não é adequa­
do esperar que a criança primeiro aprenda as competências relacionadas com símbo­
los, tais como consciência fonológica e conhecimento de impressos, para posterior­
mente começar as instruções da “linguagem oral” (ex. sintaxe e vocabulário). “A lingua­
gem oral” deveria ser parte integral das instruções iniciais de leitura na pré-escola e
durante a escola primária, pois ela não apenas está vinculada a competência relaciona­
da com símbolos, que promovem a leitura de palavras, como também proporciona a
fundação para o desenvolvimento de uma “linguagem oral” mais aprimorada, necessá­
ria para o sucesso da leitura compreensiva.
Por outro lado, há evidências de que a consciência fonológica associada ao
ensino das relações entre grafemas e fonemas é indispensável para o desenvolvimen­
to da leitura, e que a aquisição dessa competência pode prevenir possíveis atrasos
nesse repertório (Byrne & Fielding-Barnsley, 1991; 1993; Capovilla & Capovilla, 2000,
2004; Cardoso-Martins & Batista, 2005). Byrne e Fielding-Barnsley (1989, 1990), ressal­
tam que tal competência permite o desenvolvimento do princípio alfabético, o qual con­
siste em reconhecer que fonemas podem ser representados por letras específicas,
independente da posição que ocupa em uma palavra. Para esses autores, a aquisição
do princípio alfabético é considerada imprescindível para o desenvolvimento da leitura.
No caso do idioma português deve-se ressaltar que alguns estudos têm desta­
cado que a aquisição da leitura e escrita se beneficia mais do ensino da identificação e
manipulação de segmentos silábicos do que treinos de consciência fonêmica, que
enfatizam a discriminação de fonemas (Barrera & Maluf, 2003; Capovilla & Capovilla,
1998, 2000, 2004; mas ver Cardoso-Martins & Batista, 2005).

166 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


Recentemente, na área da Análise do Comportamento, alguns estudos têm
começado a ampliar o tipo de análise dos processos comportamentais implicados na
aquisição e desenvolvimento de repertórios verbais de produção e compreensão vocal
e de leitura enfocando aspectos relacionados com aqueles apontados por Whitehurst e
colaboradores (e.g. Bernardino Junior, Freitas, de Souza, Maranhe, & Bandini, 2006;
Camelo, 2006; Hanna, Kohlsdorf, Quinteiro, Fava, de Souza, & de Rose, 2008; Souza &
Affonso, 2007; Souza & Pontes, 2007). Espera-se que a leitura deste trabalho reforce
este processo de ampliação e estimule novos estudiosos do tema a buscarem uma
maior aproximação ao conhecimento que vem sendo gerado neste campo de estudo.

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168 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


Capítulo 15
Equivalência de estímulos e leitura: uma
revisão de procedimentos e
resultados de estudos realizados
no Brasil

Mislene Lima Camelo


Carlos Barbosa Alves de Souza
Universidade Federal do Pará

Este trabalho é parte da dissertação de Mestrado da primeira autora, orientada


pelo segundo autor e apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesqui­
sa da Universidade Federal do Pará. Trabalho financiado pelo CNPq
O paradigma de equivalência de estímulos foi proposto inicialmente por Sidman,
& Tailby (1982) como marco conceituai na explicação dos estudos de discriminação
condicional do tipo Emparelhamento Arbitrário ao Modelo1, nos quais relações condici­
onais entre estímulos eram explicitamente ensinadas, e com isso, emergiam novas
relações condicionais sem treino específico (e.g. Sidman, 1971). Para comprovar a emer­
gência dessas novas relações, os autores sugeriram a aplicação de testes derivados
das propriedades que a matemática apresenta como definidoras de equivalência:
reflexividade, simetria e transitividade.
A reflexividade é identificada quando, por exemplo, ensinadas as discrimina­
ções condicionais AB e AC, cada estímulo apresenta relação condicional com estímulos
idênticos (A=A, B=B e C=C), sem ensino para tal. A simetria, por sua vez, é demonstrada
quando o estímulo condicional (modelo) e o discriminativo (comparação) trocam de
função. Assim, após ter sido ensinada a relação condicional entre um estímulo modelo
A e um estímulo de comparação B, verifica-se a simetria se na presença do estímulo
modelo B: o sujeito escolhe A como estímulo de comparação correto, sem que esse
desempenho tenha sido explicitamente ensinado. A transitividade é observada quando
após o ensino de duas discriminações condicionais que partilham um mesmo membro
em comum (AB e BC), emerge uma nova relação condicional (AC e CA).

1 Diante da apresentação de um estímulo modelo o participante deve selecionar entre os estímulos comparações apresentados aquele que foi
relacionado condicionalmente ao modelo pelo experimentador.

Sobre Comportamento e Cognição 160


O paradigma de equivalência de estímulo tem sido utilizado de maneira siste­
mática nos estudos sobre a aprendizagem de relações simbólicas. De acordo com
Sidman (1994, 2000), as relações de equivalência formam a base do comportamento
simbólico. Por meio dessas relações, os símbolos (sons, gestos, figuras, pictogramas,
etc.) tornam-se equivalentes aos eventos ou coisas aos quais “se referem”, formando
assim, classes de estímulos funcionalmente substituíveis. Com a formação dessas
classes, ocorre a transferência do controle discriminativo exercido por um determinado
estímulo sobre uma resposta, para outros estímulos, mesmo não existindo caracterís­
ticas físicas em comum entre eles.
A leitura é um tipo de comportamento simbólico que vem sendo estudado sob
o enfoque do paradigma de equivalência de estímulos (e.g. Sidman,1994; Stromer,
Mackay, & Remington, 1996). Esse comportamento é caracterizado por Sidman (1971,
1994), como a formação de classes de estímulos entre palavras faladas, palavras
impressas e figuras correspondentes a essas palavras. De maneira mais restrita, a
leitura com compreensão seria o responder condicional estabelecido entre palavras
impressas e suas figuras, e vice-versa (Sidman, 1994).
No momento da aquisição do comportamento de ler, a resposta de dizer uma
palavra (letra ou sílaba) escrita tem sido denominada de comportamento textual2
(Skinner, 1957). De acordo com Skinner (1957), o estabelecimento do compor­
tamento textual pode proporcionar também o controle por unidades verbais mínimas
que compõem as palavras lidas, possibilitando a aquisição do comportamento de leitu­
ra generalizada3 ou recombinativa.
A partir das idéias de Skinner (1957) e com base no paradigma de equivalência
de estímulos, uma série de estudos realizados por pesquisadores brasileiros vem
procurando investigar os processos comportamentais relevantes para a aquisição e
desenvolvimento da leitura recombinativa. Esses estudos têm adotado diferentes pro­
cedimentos que visam estabelecer métodos mais simples e efetivos para ensinar esse
repertório. Este texto procura realizar uma revisão dos diferentes procedimentos empre­
gados nesses estudos e dos seus resultados.

Procedimentos e resultados nos estudos sobre leitura recombinativa4


- Exclusão
A Exclusão é um procedimento no qual os estímulos de comparação que se
tornaram definidos em função de uma história anterior de condicionamento, passam a
servir como “dicas discriminativas” em um novo pareamento: assim, quando é apre­
sentado um estímulo modelo indefinido para o sujeito, ele pode selecionar adequada­
mente um estímulo de comparação também indefinido (de Rose, Souza, Rossito, & de
Rose, 1989; Dixon, 1977).
Os estudos que deram ênfase ao procedimento de Exclusão adotaram um pro­
grama de ensino distribuído em passos consecutivos, sendo os dois primeiros utilizados
para a formação de uma linha de base (de Rose, Souza, & Hanna,1996; de Rose et al.,

2 Resposta verbal controlada por um estímulo verbal escrito anterior, ocorrendo correspondência ponto-a-ponto entre a resposta e o estímulo
(Skinner, 1957). Por exemplo, diante da palavra escrita MESA uma pessoa diz “M ESA".
3A leitura generalizada ou recombinativa consiste no responder adequadamente a diferentes combinações das unidades lingüísticas que
compõem os estímulos verbais complexos (palavras) previamente ensinados (Mueller, Olmi, & Saunders, 2000). Neste trabalho será usadc o
termo leitura recombinativa pois esse termo tem sido usado de forma mais consistente na área.
4Os estudos mencionados neste item e nos seguintes estão apresentados de forma detalhada no Anexo 1 da dissertação de mestrado de Mislene
Lima Camelo, disponível online em:http://www.ufpa br/ppgtpc/dmdocuments/MisleneCamelo pdf

170 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


1989; de Rose, Souza, Rossito, & de Rose, 1992; Medeiros, Antonakopoulu, Amorim, &
Righetto, 1997; Medeiros, Monteiro, & da Silva, 1997; Medeiros & Silva, 2002; Melchiori,
Souza, & de Rose, 1992; Melchiori, Souza, & de Rose, 2000; Souza, Hanna, de Rose,
Fonseca, Pereira, & Sallorenzo, 1997; Souza, de Rose, Fonseca, & Hanna, 1999; Rodrigues,
& Medeiros, 2001). Em seguida, passos de Exclusão eram realizados nos quais duas
palavras impressas eram apresentadas como estímulos de comparação: uma perten­
cente à linha de base e uma palavra de treino, sendo esta última ditada como modelo.
Os treinos de exclusão eram intercalados com tentativas de controle de novida­
de, que apresentavam uma configuração semelhante à exclusão, exceto que o modelo
era uma palavra da linha de base. Nas duas primeiras tentativas de exclusão com cada
palavra de treino, após a palavra impressa ser selecionada corretamente, letras móveis
eram utilizadas para reproduzi-la. Durante esse processo o modelo permanecia pre­
sente (tarefa de resposta-construída). A cada dois passos de exclusão eram aplicados
testes de equivalência e dois testes extensivos de generalização eram realizados ao
longo do procedimento. Todos os passos de treino de exclusão iniciavam e finalizavam
com sondas de leitura das palavras de treino e de generalização.
Nesses estudos, observou-se a aquisição extremamente rápida de discrimi­
nações condicionais entre palavras ditadas e palavras impressas, a emergência do
comportamento textual de palavras de treino e, na maioria dos participantes, a aquisi­
ção gradual da leitura recombinativa. Verificou-se também que quando o programa era
aplicado a pré-escolares, os resultados encontrados eram mais regulares do que os
apresentados por crianças da 1a e 2a série com histórico de fracasso nas tarefas relaci­
onadas à leitura. Estas quando não apresentavam dificuldades em manter a leitura das
palavras ensinadas, adquiriam a leitura recombinativa à medida que avançava o pro­
grama, porém sem atingir 100% de acertos nos testes de generalização. Por outro lado,
os pré-escolares apresentavam melhores desempenhos, com percentagens de 100%
nos testes mencionados. A Exclusão demonstrou ser muito eficaz para crianças não
alfabetizadas. Já os resultados apresentados pelas crianças da 1a e 2a série indicaram
que a história passada do sujeito, como por exemplo, a sua experiência acadêmica
com fracasso, pode interferir nos resultados (de Rose et al., 1989; Melchiori et al., 1992).
Participantes da 1a série da educação especial, ao serem submetidos ao mes­
mo procedimento, apresentaram uma média de números de sessões por unidades de
ensino, maior do que a apresentada por alunos pré-escolares, crianças do primeiro
grau e adultos. Ao final do experimento, mostraram um progresso nos escores de
leitura de palavras novas com percentuais acima de 40%. Acredita-se que o fato dos
mesmos terem recebido instrução de íeitura em sala de aula, tenha contribuído com os
resultados encontrados. Contudo, os adultos que não foram submetidos a essa
instrução, também apresentaram a leitura de palavras de treino e de generalização, o
que sugere que tal resultado tenha ocorrido unicamente em função do programa
(Melchiori et al., 2000).
Cinco crianças com paralisia cerebral ao participarem do programa de ensino
mencionado, passaram a ler todas as palavras de treino. Porém, somente três crianças
apresentaram o controle de unidades mínimas durante os testes extensivos de genera­
lização, alcançando percentuais de acertos que variaram de 50 a 95%. Essas três
crianças conseguiram ler e responder perguntas sobre textos elaborados com as pala­
vras usadas em sala de aula e com palavras de treino e de generalização aplicadas no
procedimento (Rodrigues, & Medeiros, 2001).
Esse programa de ensino ocasionou também um elevado percentual de leitura
das palavras ensinadas e das palavras de generalização a um adulto analfabeto, e a

Sobre Comportamento e Cognição 171


uma criança do sexo masculino que apresentava um baixo desempenho em leitura e
escrita. Esses resultados foram atribuídos à natureza das palavras utilizadas no treino,
pois todas faziam parte do contexto social dos participantes (Medeiros, Antonakopoulu
etal., 1997; Medeiros, Monteiro et al., 1997).
Os estudos que dão ênfase ao procedimento de Exclusão têm propiciado a
aquisição de leitura tanto de palavras da língua portuguesa compostas por duas ou três
sílabas simples (consoante seguida de vogal), quanto de palavras que possuem frag­
mentos complexos, como por exemplo, encontros consonantais e dígrafos. Nos estu­
dos que foram utilizadas palavras com fragmentos complexos, após sucessivas tenta­
tivas de exclusão com palavras compartilhando a mesma “dificuldade”, observou-se
um aumento nos escores tanto do pré-teste quanto do pós-teste, e com isso, uma
melhora considerável na nomeação oral de palavras de treino e de generalização. Uma
vez ensinada a leitura de palavras contendo uma certa “dificuldade”, as crianças sub­
metidas ao programa eram capazes de ler novas palavras que continham “dificulda­
des” semelhantes (de Rose et al., 1992; Souza et al., 1999).

Variações no procedimento de Exclusão


Observou-se que dentre os procedimentos aplicados nos programas de ensi­
no que adotaram a Exclusão, a tarefa de resposta construída teve um papel importante
no desenvolvimento da leitura e escrita recombinativa. Por exemplo, em um estudo com
sete crianças da primeira série que foram submetidas a essa tarefa (de Rose et al.,1996),
cinco apresentaram o controle de unidades mínimas, inferido a partir do desempenho
nos testes de leitura recombinativa. Além disso, essas cinco crianças obtiveram altos
índices de acertos em testes ortográficos5 de palavras de treino e de generalização,
aplicados após as unidades de equivalência. Por outro lado, quando quatro crianças
foram expostas ao mesmo programa sem a atividade de resposta construída, todas
leram as palavras de treino, mas somente uma apresentou leitura e escrita recombinativa.
Supõe-se que a manipulação das unidades textuais para reproduzir as pala­
vras impressas exigida no procedimento de resposta construída, facilitou a aquisição
do controle de unidades verbais mínimas. Supõe-se, ainda, que o progresso na escrita
em participantes que mostraram alto escore de leitura de palavras novas, ocorreu em
função da formação de classes de equivalência. Com a formação dessas classes,
houve a transferência do controle exercido pelas palavras impressas sobre a escrita
durante as tarefas de resposta construída, para a palavra ditada.
Em outro estudo que também utilizou o procedimento de Exclusão, sondas de
nomeação (testes de nomeação das palavras de ensino e de generalização) foram
aplicadas durante e após os testes de equivalência. Durante esses testes, crianças
com idades entre 8 e 11 anos foram solicitadas a nomear uma palavra impressa (o
estímulo modelo) na presença dos estímulos de comparação (figuras), e em seguida,
a nomear a mesma palavra quando apresentada isoladamente. Nesse estudo, a tarefa
de resposta construída não demonstrou ter um papel determinante na aquisição da
leitura recombinativa, uma vez que quase 50% dos participantes não apresentaram o
controle de unidades verbais mínimas inferido durante os testes de nomeação de pala­
vras de generalização (Souza et al., 1997).
Verificou-se que quando as sondas de palavras de generalização foram aplica­
das na presença da figura, o percentual de acertos era invariavelmente maior do que na
sua ausência. Porém, as figuras estando presentes ou não, os participantes apresen­
tavam um alto percentual de leitura de palavras de treino.

172 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


Em um estudo realizado por Medeiros e Silva (2002), com alunos da 1a série,
testes de leitura de palavras de generalização foram acrescentados entre as tentativas
das etapas da Exclusão (Pré-teste, aprendizagem e Pós-teste). Durante esses testes,
dois conjuntos diferentes de palavras de generalização foram apresentados (AAA ou
ABA). Aos alunos submetidos ao grupo AAA, as palavras de generalização eram as
mesmas nas etapas de pré-teste, na fase de aprendizagem, bem como, no pós-teste.
Aos alunos do grupo ABA, as palavras de generalização adotadas na fase de aprendiza­
gem, diferiam das do pré-teste e pós-teste.
Nesse estudo constatou-se que os participantes do segundo grupo, obtiveram
um desempenho melhor nos testes de leitura recombinativa, do que os do primeiro
grupo. Sugere-se que o fato dos participantes da segunda condição terem sido apre­
sentados a uma diversidade de palavras de generalização, possibilitou um maior con­
trole de unidades mínimas do que os do conjunto AAA (Medeiros, & Silva, 2002).
Crianças com histórico de fracasso escolar, que já haviam participado de um
programa de ensino com Exclusão, foram submetidas a estudos que objetivaram veri­
ficar os efeitos do intervalo entre o treino de cópia pela construção de palavras com
modelo atrasado6 e o pós-teste, sobre o desempenho de ditado. Objetivaram, ainda,
avaliar a influência desse treino na aquisição da leitura recombinativa. Nesses estudos,
tanto no pré-teste quanto no pós-teste, avaliou-se a performance dos participantes em
tarefas de ditado e leitura de palavras de treino e de generalização (e.g. Hanna, Souza,
de Rose, & Fonseca, 2004; Hanna, Souza, de Rose, Melo, & Quinteiro, 2004; Hanna,
Souza, de Rose, Quinteiro, Campos, Alves, & Siqueira, 2002).
Observou-se com os resultados obtidos, que os participantes apresentaram
uma melhora considerável no pós-teste, ao serem aplicados após cada bloco de treino.
Por outro lado, quando eram aplicados ao finalizar todos os blocos de treino, verificou-
se que nas tarefas de ditado com palavras de treino, houve um aumento na porcenta­
gem de respostas corretas, apenas para aqueles que apresentaram escores acima de
zero no pré-teste. Observou-se também, que o treino não interferiu no desempenho de
ditado e leitura de palavras novas. Os dados apresentados permitem a conclusão de
que o efeito da cópia com atraso sobre o desempenho de ditado depende do repertório
inicial apresentado pelo participante e da proximidade do treino e do pós-teste.

-O ensino da leitura recombinativa


Uma série de estudos buscou avaliar diretamente se o ensino via paradigma
de equivalência além de propiciar, sem ensino direto, o emparelhamento entre figuras
e palavras impressas (relação BC) e vice-versa (relação CB), denominado de leitura
com compreensão, também ocasionaria o surgimento da leitura com compreensão
recombinativa7. Para isso, foram acrescentados outros dois testes ao paradigma de
equivalência, denominados de C’B’ e B’C\ que envolviam palavras formadas pela
recombinação das unidades verbais mínimas (sílabas e letras) das palavras de ensino
(Hübner, & Matos, 1993; Matos, & Hübner, 1992).
Em um estudo realizado com quatro crianças pré-escolares, as relações condi­
cionais AB (palavras ditadas - figuras) e AC (palavras ditadas-palavras impressas),

5Nos testes ortográficos os participantes tinham que escreverem uma folha de papel cada palavra ditada.
6No treino de cópia pela construção de palavras com modelo atrasado, uma palavra impressa era apresentada como modelo e em seguida removida
para o participante iniciara seleção de letras móveis para reproduzi-la. Depois que o participante finalizava a sua resposta, a palavra modelo era
reapresentada para a criança compará-la com a palavra construída.
7A leitura com compreensão sob controle textual das unidades verbais mínimas que compõe as palavras ensinadas.

Sobre Comportamento e Cognição 173


empregando as palavras BOLA, BOCA e BOTA, foram ensinadas pelo procedimento de
emparelhamento de acordo com o modelo. Posteriormente, foram testadas as rela­
ções BC (desenho-palavra impressa) e CB (palavra impressa-desenho), e em seguida
as relações B’C’ e C’B\ Durante o teste das relações B’C’ e C’B’, verificou-se a transfe­
rência das funções discriminativas para as novas formas verbais (C’- BALA, CABO e
LATA), constituídas por sílabas e letras das palavras de ensino. Nesse estudo, obser­
vou-se que as quatro crianças demonstraram a leitura das palavras de ensino. No
entanto, nem todas apresentaram a leitura de novas palavras (Hübner, & Matos, 1993).
Em virtude desses resultados, outros estudos objetivaram investigar variáveis
que proporcionariam o controle de todas as unidades verbais mínimas sobre o compor­
tamento textual. Esses estudos utilizaram o mesmo procedimento mencionado, com
algumas adaptações, como por exemplo: 1) o ensino de B’ (nome das novas figuras),
que teve como resultado manter o desempenho dos participantes nos testes B’C’ e C’B’
ao nível do acaso; 2) o ensino das relações condicionais A’B’(novas palavras impressas
- novas figuras) e A’C’(novas palavras ditadas - novas palavras impressas), seguido do
teste de leitura recombinativa com três novas palavras (C”- COLA, LOBO e TOCO), que
proporcionou 100% de acertos nos testes B”C” e C”B” para dois dos três participantes
e; 3) o aumento do número de palavras de treino AB e AC (C -BOCA, CABO, BOLO e
LOBO) com variações mais sistemáticas de suas sílabas, que pode ter favorecido o
desempenho dos participantes nos testes de leitura recombinativa. Nesses testes os
índices de acerto eram acima do acaso, embora nenhum dos participantes tenha de­
monstrado 100% de acertos (Hübner, & Matos, 1993).

O ensino de leitura recombinativa com procedimentos especiais


Como os estudos anteriores demonstravam que o controle por unidades míni­
mas era possível, mas os procedimentos até então realizados não tinham sido eficazes
para proporcionar um aumento desse controle e a aquisição da leitura recombinativa a
todos os participantes, pesquisas posteriores desenvolveram procedimentos especi­
ais para que aliados ao paradigma de equivalência de estímulos pudessem modificar
esse quadro (Cardoso, 2001, 2005; Matos, Hübner, & Peres,1997; Matos, Hübner, Serra,
Basaglia, & Avanzi, 2002; Matos, Peres, Hübner, & Malheiros, 1997; Sena, 2004).
Os procedimentos especiais mencionados foram aplicados a crianças não
submetidas a qualquer treino de leitura (com idades entre 3 a 5 anos e 11 meses), e
acoplados, individualmente ou de forma combinada, aos experimentos em diferentes
momentos, como: antes do ensino das relações condicionais AB e AC; no decorrer do
ensino das relações AB e AC; e após os testes BC e CB. Duas condições de treino
especial foram adotadas: cópia e oraiização. A cópia consistiu em solicitar que a crian­
ça, utilizando dominós silábicos, construísse sem a exigência de qualquer vocalização,
uma palavra correspondente ao modelo que lhe era apresentado de forma impressa e
oral. Em alguns estudos ocorreu ao longo do procedimento o fading o u f do modelo oral
(Matos, Hübner et al.,1997; Matos, Peres et al.,1997), e em outros, a escansão silábica
do modelo visual apresentado (Matos et al., 2002).
Dois diferentes tipos de oraiização foram treinados: a fluente e a escandida.
Na oraiização fluente, o experimentador apresentava para o participante a palavra ditada
e escrita, sem espaçamento entre sílabas, e o mesmo tinha que ecoá-la. Gradualmente
ocorria o fading out da palavra ditada para que o participante nomeasse a palavra

9 O fading outdo modelo oral é caracterizado pela redução gradual do volume de voz do experimentador ao nomear a palavra impressa e pelo aumenlc
do tempo entre a apresentação do modelo visual e o modelo auditivo.

174 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


escrita na ausência do modelo oral. Na oralização escandida, inicialmente era apresen­
tada uma palavra impressa seguida de sua nomeação pelo experimentador, que deve­
ria ser ecoada pelo participante. Posteriormente, a palavra impressa era reapresentada
com um espaçamento entre sílabas de 10 cm. O experimentador passava a nomear a
palavra com escansão silábica, enquanto apontava com o dedo a sílaba que nomeava.
O sujeito tinha a tarefa de ecoar o modelo escandido. Esse procedimento era repetido
e gradualmente havia o fading out da palavra ditada e do espaçamento entre as sílabas
da palavra impressa. Ao final, quando somente a palavra impressa estava presente,
sem espaçamento entre as sílabas, o participante tinha que nomeá-la (Matos, Hübner
et al.,1997; Matos et al.,2002; Matos, Peres et al.,1997).
A inserção do treino de oralização fluente durante o ensino das relações condi­
cionais AB e AC, demonstrou ser parcialmente eficiente para gerar leitura recombinativa.
Supõe-se que tal treino tenha acelerado a aquisição das relações pré-requisito AB e AC,
ocasionando um maior controle das unidades mínimas de mais da metade dos partici­
pantes submetidos a esse procedimento (Matos, Hübner et al.,1997).
Observou-se que os procedimentos especiais quando aplicados individual­
mente ou de forma seqüencial, porém com uma certa distância temporal, proporciona­
ram índices próximos ao acaso, ou com grande variabilidade entre os sujeitos (Matos,
Peres et al., 1997). Por outro lado, resultados positivos foram alcançados, como o
aumento do percentual de acertos nos testes de leitura recombinativa, quando o treino
simultâneo de cópia com oralização fluente ou escandida foram introduzidos como tal
ou após outros treinos (oralização fluente ou escandida) (Matos et al., 2002). A inserção
do treino de cópia com oralização, principalmente a escandida, após a emergência das
relações BC e CB, produziu melhores resultados do que aqueles quando estes proce­
dimentos foram aplicados antes do emparelhamento AB e AC (Matos et al., 2002).
O treino conjunto de cópia com oralização fluente, como descrito anteriormente,
foi aplicado a adolescentes com dificuldades de aprendizagem após os testes de equiva­
lência (C’B\ C”B” e C”’B’”), quando os mesmos não conseguiam nomear as palavras
apresentadas como modelo (BOLA, TALA e PACA, C”- BOTA, LATA e MACA e C’”- MAPA,
CAPA e MATA) antes de emparelhá-las com as figuras correspondentes (B’; B”; B’”). Ob­
servou-se que, quando tais treinos foram realizados com as próprias palavras não nome­
adas (C’ ou C” ou C", dependendo da relação condicional testada), todos os alunos
passaram a nomeá-las e a apresentar 100% de acertos nos testes de leitura recombinativa.
Porém, quando esse procedimento era aplicado com as palavras ensinadas durante as
relações condicionais AB e AC (C-MALA, CABO e MATA), nenhum aluno conseguiu nomeá-
las e o desempenho nos testes foi ao nível do acaso (Maués, 2000).
Esses estudos sugeriram que as habilidades necessárias para a leitura de­
vam ser ensinadas simultaneamente, para que dessa forma haja o desenvolvimento
do controle discriminativo das unidades verbais mínimas, e que a formação de classes
de equivalência entre palavras ditadas, palavras impressas e figuras tem um papel
importante no processo de aquisição da leitura (Matos, Hübner et al., 1997; Matos et al.,
2002; Matos, Peres et al., 1997).
No entanto, Malheiros (2002) chegou a conclusões diferentes em um estudo
realizado com sete crianças pré-escolares que consistiu na replicação do experimento
de Hübner, Malheiros e Saraiva (2000, apud Malheiros, 2002). No estudo de Malheiros
os participantes não foram submetidos a procedimentos especiais, e além disso, fo­
ram expostos a um número menor de tentativas de treino das relações condicionais AC/
A’C’ (palavra ditada e palavra escrita) e dos testes de equivalência (BC e CB) e das
novas formas verbais (B’C\ C’B’, B”C” e C”B”).

Sobre Comportamento e Cognição 175


Constatou-se neste trabalho que com uma menor exposição a treinos e testes,
em comparação com outros estudos (Matos, Hübner et al. 1997; Matos, Peres et al.,
1997), os participantes passaram a apresentar a leitura recombinativa textual e com
compreensão e a redução da variabilidade intersujeitos. Supõe-se que diminuição da
exposição do participante à situação experimental, devido às modificações realizadas
no procedimento, reduziu os comportamentos de fadiga e aumentou a atenção dos
participantes às atividades realizadas. No decorrer do experimento, apenas um partici­
pante apresentou um desempenho com percentuais inferiores aos demais, provavel­
mente em função da deteriorização da linha de base.

Variações no ensino de procedimentos especiais

1. Aplicação de sondas de controle silábico


Como pôde ser observado nos estudos mencionados anteriormente, a aquisi­
ção da leitura recombinativa parece depender do estabelecimento do controle de todas
as unidades mínimas que compõem as palavras ensinadas. No entanto, a leitura
recombinativa é prejudicada quando o controle é estabelecido inadequadamente, res­
tringindo-se a um dos componentes da palavra. Esse fenômeno é denominado na
literatura de superseletividade de estímulos, e é freqüentemente apresentado por indi­
víduos com algum tipo de alteração no desenvolvimento (Litrownik, Mclnnis, Wetzel-
Pritchard, & Pilipelli, 1978; Stromer, Mcllvane, Dube, & Mackay, 1993).
Stromer et al. (1993) para investigar o fenômeno da superseletividade de estí­
mulo, realizaram seis experimentos nos quais sondas9 foram aplicadas em adultos
com retardo mental através do procedimento de emparelhamento com o modelo. Nes­
ses experimentos estímulos simples (com um elemento) e complexos (com dois ele­
mentos) foram apresentados durante tentativas10 de emparelhamento (simultâneo e
com atraso), e constatou-se que quando o modelo era um estímulo complexo, no qual
o controle discriminativo devia ser exercido pelos dois elementos que os constituíam, a
percentagem de acertos era baixa em função do controle restrito exercido por um dos
elementos do estímulo.
Em outros dois experimentos, sondas11 baseadas no estudo de Stromer et al.
(1993) foram aplicadas com o objetivo de identificar o controle restrito por unidades
silábicas em palavras dissílabas ensinadas por meio de emparelhamento arbitrário
com o modelo. Procedimentos especiais também foram utilizados visando à reversão
do controle silábico inadequado e a aquisição da leitura recombinativa. Esses procedi­
mentos tinham função remediativa, pois eram aplicados após testes de leitura das
palavras de generalização (formadas pela recombinação das sílabas das palavras
ensinadas) e das sondas de controle silábico, quando os participantes não demonstra­
vam controle das unidades verbais mínimas. Antes dos testes de leitura recombinativa
foram ensinadas as discriminações condicionais AB (palavra ditada-desenho) e AC
(palavra ditada-palavra impressa), e conduzidos os testes de equivalência BC (dese­

9No estudo de Stromer et al. (1993) sondas eram avaliações realizadas através de procedimentos de emparelhamento com o modelo (simultâneo
ou com atraso) que identificavam se o responder do indivíduo estava sob controle de todos os componentes de um estímulo complexo ou se estava
restrito a um desses componentes.
10As tentativas eram representadas por um sistema de três letras de Cox e D’Amato, 1982 (citado em Stromer et al., 1993). “S" se referia a um
estímulo composto de um elemento (estímulo simples) e “C", a um estímulo constituído de dois elementos (estímulo complexo). As tentativas
utilizadas no estudo foram sss, css, scc, ccc, csc, ccs, ccc*, scs e ssc, nas quais a primeira letra fazia referência ao estímulo modelo (ordem
da esquerda para a direita), a segunda ao estímulo comparação positivo, e a terceira ao estímulo comparação negativo.
11 Nestas sondas os estímulos complexos (C) foram substituídos por palavras dissílabas (D), e os estímulos simples (S) por palavras monossílabas
(U).

176 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


nho-palavra escrita) / CB (palavra escrita - desenho) e de leitura das palavras ensina­
das (Alves, 2002; Cardoso, 2001).
Em um desses experimentos (Cardoso, 2001), no qual participaram seis crian­
ças com dificuldades de aprendizagem, observou-se que nas sondas de controle silá­
bico, aplicadas após o teste de generalização, houve o controle restrito da primeira
sílaba em duas das três palavras ensinadas para quatro crianças, e em três palavras
apresentadas para duas crianças. Observou-se também, que das seis crianças que
participaram do experimento, cinco passaram a ler palavras de generalização depois
de serem submetidas ao treino combinado de cópia com oraiização (escandida e fluen­
te), e uma, após o treino isolado de oraiização (escandida e fluente). Todos os partici­
pantes ao final do programa apresentaram a leitura textual das dezoito palavras de
generalização, assim como a leitura com compreensão através dos testes de empare-
Ihamento com três palavras de generalização e seus respectivos desenhos e vice-
versa - C’B’ e B’C’.
Quando alunos portadores de necessidades especiais foram submetidos a
um procedimento semelhante, exceto pelo acréscimo do ditado como procedimento
remediativo, verificou-se que os participantes passaram a nomear palavras novas e
apresentar a leitura com compreensão dessas palavras não explicitamente ensinadas,
após o treino combinado de cópia, oraiização e ditado. Esses resultados sugerem que
para adquirir a leitura recombinativa, “participantes com necessidades educacionais
especiais, necessitam de um treino combinado que envolva a discriminação visual
(cópia) e sonora das sílabas (ditado e oraiização), além da resposta verbal, definida em
termos de oraiização pelo participante” (Alves, 2002, p. 5).
Segundo Matos et al. (2002), as unidades verbais que compõem algumas pa­
lavras possibilitam o surgimento da superseletividade ou controle restrito de estímulos,
impedindo a independência funcional das unidades mínimas que as constituem. Por­
tanto, consideram importante a análise estrutural dos estímulos antes de selecioná-los
para serem utilizados nos procedimentos de ensino de leitura. Matos, Hübner et al.
(1997) ressaltam que para evitar o controle parcial de estímulos, as sílabas que cons­
tituem as palavras não devem se repetir na mesma palavra e de uma palavra para outra
ocupando sempre a mesma posição e/ ou seqüência (como por exemplo, BOLO, LOBO,
BOCA e CABO).
Os estudos realizados por Sena (2004) e Cardoso (2005) também utilizaram as
sondas de controle silábico com objetivo de verificar o controle parcial de estímulos.
Esses estudos são tratados no tópico seguinte.

2 .0 ensino combinado de procedimentos especiais


O ensino combinado de procedimentos especiais como cópia, ditado e oraiização
(escandida e fluente) tem demonstrado ser eficaz para a reversão do controle parcial de
estímulos. Tal ensino ao ser aplicado após a formação de classes de equivalência,
quando o participante não demonstra leitura recombinativa, possibilita a aquisição da
leitura de palavras novas (formadas pela recombinação das unidades verbais das pa­
lavras ensinadas) (Alves, 2002).
Sena (2004) aplicou esses procedimentos combinados a crianças com dificul­
dades em leitura antes do estabelecimento das relações pré-requisitos (palavra falada
-figura - AB e palavra falada - palavra impressa - AC). Observou-se que no primeiro teste
de leitura textual realizado após o ensino combinado desses procedimentos, nenhum

Sobre Comportamento e Cognição 177


dos participantes leu as palavras de generalização e todos nomearam corretamente as
três palavras de ensino (MALA, PATO e BOCA). Nas sondas silábicas conduzidas poste­
riormente a esse teste, o desempenho dos participantes foi acima de 90%, indicando a
aquisição do controle pelas unidades silábicas. Os procedimentos combinados de
cópia, ditado e oralização, foram reaplicados após a formação de classes de equivalên­
cia e em seguida, realizou-se novamente o teste de leitura textual. Nesse teste, uma das
crianças leu duas palavras de ensino (MALA e PATO) e onze das vinte e sete palavras de
generalização, e duas nomearam corretamente todas as palavras de ensino e nenhu­
ma das novas palavras. As sondas de controle silábico foram mais uma vez aplicadas
e os participantes apresentaram 100% de acertos. Em um outro momento do progra­
ma, esses mesmos participantes ao serem ensinados a um segundo grupo de pala­
vras (CAMA, CABO e BOLA), continuaram a não realizar erros nas sondas de controle
silábico e passaram a apresentar leitura textual e com compreensão das palavras de
generalização.
Com base nos dados apresentados concluiu-se que o controle pelos compo­
nentes das palavras não proporcionou o desenvolvimento da leitura recombinativa. E
que tal leitura só ocorreu quando os participantes foram submetidos ao ensino de pala­
vras constituídas pela recombinação das sílabas das palavras de ensino. Esses resul­
tados enfatizaram a importância da habilidade de recombinar as sílabas para a aquisi­
ção da generalização.
Com o objetivo de obter um procedimento eficiente e econômico que proporci­
onasse a leitura recombinativa, Cardoso (2005) realizou dois Experimentos com crian­
ças da 1a série que apresentavam dificuldades em leitura. No Experimento 1, durante o
ensino das relações pré-requisito AC (C-MALA, PATO e BOCA), foi introduzido o procedi­
mento de cópia, ditado e oralização fluente. Nesse Experimento, durante as sondas de
controle silábico os participantes apresentaram altos percentuais de acertos, o que
indicou o controle por todas as unidades mínimas das palavras de ensino. No entanto,
constatou-se que a leitura correta de todas as palavras de generalização foi verificada
somente após o ensino das relações condicionais envolvendo o segundo conjunto de
palavras (C’- LAPA, CABO e TOCA). Esses resultados foram semelhantes aos do estu­
do de Sena (2004).
Durante o Experimento 2 foi adotado um procedimento semelhante ao do Expe­
rimento 1, com as diferenças que: 1) o ensino do procedimentos de oralização foi
realizado de forma escandida e depois fluente; e 2) um teste de nomeação das sílabas
foi introduzido depois da emergência das relações de equivalência BC e CB. Os resul­
tados mostraram que posteriormente à emergência das relações de equivalência com
o primeiro conjunto de palavras, os participantes apresentaram 100% de acertos nos
testes de nomeação das sílabas das palavras de ensino e realizaram a leitura textual de
todas as palavras de ensino e de generalização. Os participantes apresentaram a trans­
ferência de função para novas palavras recombinadas (B’C\ C’B’, B”C” , C” B” , B’” C” ! e
C’” B’”), após o ensino das relações A’B’, A” B” e A’” B”’ respectivamente, sem ser neces­
sário o ensino das relações pré-requisito A’C’, A” C” e A”’C”\
Estes resultados sugeriam 1) que os procedimentos de cópia, ditado e oralização
(escandida e fluente) ao trabalharem as sílabas da palavra de forma separada e em
seguida, juntas, garantiram a independência funcional de tais componentes e propor­
cionaram a leitura com compreensão recombinativa; e 2) que o momento de introdução
do ensino combinado (junto com o treino AC) contribuiu para a eficácia desse procedi­
mento.

178 Mislene Lima Camelo, Carlos Barbosa Alves de Souza


Considerações finais
Tomadas de forma geral, as informações analisadas neste texto apontam que
a adoção dos diferentes procedimentos utilizados para o ensino de leitura, a partir da
lógica estrita do paradigma da Equivalência de estímulos, favorece a leitura com com­
preensão de palavras, mas não ocasiona a leitura recombinativa generalizada. Por
outro lado, pesquisas sobre leitura que adotaram a aplicação do paradigma de Equiva­
lência aliado ao ensino implícito da discriminação fonológica através do treino combina­
do de procedimentos especiais (cópia, ditado e oralização), obtiveram resultados
satisfatórios tanto nos testes de leitura textual, como nos testes de compreensão das
palavras de generalização (Alves, 2002; Cardoso, 2005; Sena, 2004).
Verificou-se ainda, em um estudo realizado com crianças com atraso no desen­
volvimento (Cruz, 2005), no qual foi adotado o procedimento de equivalência de estímu­
los mais treinos de consciência fonológica (i.e. treinos explícitos de discriminação de
palavras e de sílabas), a aquisição da leitura com compreensão, leitura textual e escrita
por anagrama das palavras de ensino e de generalização, bem como a leitura de
pseudopalavras. Nesse estudo, como os participantes após três sessões de ensino
das relações AC (palavra ditada-palavra impressa), não alcançaram o critério de apren­
dizagem, foram submetidos a tarefas de consciência fonológica. Em seguida a obten­
ção do critério de aprendizagem nessas tarefas, foram expostos ao ensino de novas
relações condicionais entre palavras faladas e figuras (XY) e entre palavras faladas e
impressas (XZ). Depois de atingiram o critério de acertos tanto nas discriminações
condicionais XZ quanto nos testes de equivalência (ZY e YZ), foram expostos ao teste de
leitura e escrita por anagrama sob ditado das palavras ensinadas. Na etapa seguinte,
foram conduzidos ao ensino da relação X’Y \ ao teste (com resultados positivos) das
relações Y’Z7Z’Y’ (compreensão de leitura com novas palavras), Z’D (leitura oral das
novas palavras), Y’E (escrita por anagrama do nome das novas figuras), X’E (escrita por
anagrama sob ditado das novas palavras recombinadas) e ao teste de leitura de
pseudopalavras (Bernardino Junior, Freitas, de Souza, Maranhe, & Bandini, 2006, obti­
veram resultado semelhante em um estudo com 4 alunos do ensino fundamental, com
história de dificuldades na aquisição de leitura e escrita, que foram expostos a um
ensino de leitura via um treino conjunto de equivalência e consciência fonológica).
A partir dos dados apresentados, sugere-se que, no caso do ensino de leitura
da língua portuguesa, o uso conjunto de procedimentos baseados no paradigma de
equivalência de estímulos e de procedimentos de consciência fonológica (com treinos
da relação grafosilábica) seja uma estratégia que facilite o desenvolvimento da leitura
recombinativa. Supõe-se que, enquanto o uso do paradigma de equivalência proporci­
ona principalmente a aprendizagem da leitura com compreensão, os procedimentos de
discriminação fonológica (implícito ou explícito), promovem a discriminação dos seg­
mentos da fala e a correspondência entre grafemas e seus sons correspondentes
(repertórios fundamentais para a aquisição da leitura recombinativa). Conforme apon­
tado por Cruz (2005), estes procedimentos, apesar de baseados em diferentes enfoques
acerca da aquisição de leitura, podem se complementar na definição de um método
que otimize o ensino da leitura.
Deste modo, parece fazer pouco sentido prosseguir no questionamento sobre
a superioridade de estratégias de tipo sintéticas (das unidades verbais menores para
as maiores - ex. da sílaba para a palavra) ou analíticas (das unidades verbais maiores
para as menores). Como já havia salientado Rego

Sobre Comportamento e Cognição 179


"... deve-se buscar um equilíbrio entre atividades que estimulem diretamente a
decodificação e aquelas voltadas para a análise do texto e sua compreensão. É
possível que a ausência de atividades que estimulem diretamente a decodificação
possa transformar o desenvolvimento dessa habilidade [leitura] em um processo
lento, e mais dependente de conhecimentos prévios da criança, e que, por outro
lado, a ênfase exclusiva nesta habilidade resulte em prejuízos do ponto de vista do
desenvolvimento da compreensão" (1995, p.59)

Nesta linha de pensamento, o presente texto conclui sugerindo que novas in­
vestigações que usem esta combinação de procedimentos sejam realizadas. Suge­
rem-se como propostas iniciais de novos estudos, os seguintes procedimentos: 1)
replicações dos estudos sobre a aplicação conjunta dos procedimentos de equivalên­
cia de estímulos (com procedimentos de oraiização, cópia e ditado combinados) e de
consciência fonológica (com treino de relação grafosilábica) e 2) o uso do procedimento
de equivalência de estímulos com a substituição dos procedimentos combinados por
tarefas de consciência fonológica (com treino de relação grafosilábica) (ver Connell, &
Witt, 2004, para um estudo nesta linha no idioma inglês, e Barros, 2007, no idioma
português). Acredita-se que experimentos nesta direção ajudarão na identificação de
métodos mais eficazes para o ensino de leitura.

Referências

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Sobre Comportamento e Cognição 181


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182 Mislene Lima Camelo. Carlos Barbosa Alves de Souza


Capítulo 16
Multídetermínação de uma disfunção
sexual: um breve estudo de caso

Mônia Camilla da C. Arruda


IBAC

Ana Karina C. R. de-Farias


UnB, UniCEUB, IBAC

As relações amorosas propiciam aos indivíduos a obtenção de reforçadores


incondicionados (e.g., sexo) e condicionados (alguns dos quais poderiam ser denomi­
nados como satisfação e auto-realização). Quando o indivíduo não obtém “satisfação”,
“domínio” ou “prazer”, seus padrões comportamentais podem se alterar, gerando, as­
sim, sofrimento (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001). O sofrimento e sua forma de expres­
são (assim como os demais sentimentos) estão relacionados à história de vida indivi­
dual, ou seja, variam de acordo com o aprendizado e com o contexto atual no qual o
organismo está inserido. O que foi aprendido ao longo de seu desenvolvimento será
expresso (controlará) em seus relacionamentos interpessoais e, portanto, em suas
relações amorosas. Isto se torna de grande relevância ao analista clínico do comporta­
mento porque entender como as pessoas se sentem é, neste contexto, tão importante
quanto entender tudo o mais que elas fazem (Skinner, 1974/1982, 1989/2003).
Partindo do pressuposto de que o comportamento humano (o que envolve o
comportamento sexual) é aprendido por condicionamento respondente e operante, o
presente capítulo analisa brevemente o caso clínico de Roberto, 42 anos, casado, que
procurou terapia devido a um problema de disfunção erétil em um relacionamento
extraconjugal. Relatou estar envolvido há quase 2 anos, sempre se encontrando escon­
dido em ambientes inadequados como em escadas e guaritas, correndo o risco de ser
flagrado. Roberto tinha histórico de traição desde o início do casamento, tendo sido um
desses casos revelados à esposa, o que ocasionou uma separação durante um mês.
Após reatarem o casamento, Roberto continuou traindo-a. Nas outras traições, não
apresentava disfunção erétil, e relatou sentir prazer e satisfação sexual quando se
relacionava com a esposa. No entanto, havia brigas constantes com a esposa, devido
às finanças e a problemas familiares dela. Estes dados serão melhor destrinchados a
seguir.

Sobre Comportamento e Cognição 183


Estudo de Caso
Roberto (nome fictício), 42 anos, agente de segurança, casado, três filhos,
procurou terapia devido a um problema de disfunção sexual no relacionamento
extraconjugal, o qual mantinha há 2 anos. Sua “amante” (como ele denominava) traba­
lhava na mesma empresa, em outro cargo. Os dois encontravam-se todos os dias,
inclusive nos fins de semana. Anteriormente, Roberto teve dois relacionamentos
extraconjugais, sendo um com uma parente da esposa, com suspeita de gravidez, e
outro com uma mulher que morava próximo ao seu trabalho.
Roberto se considerava protetor e prestativo, sempre disposto a suprir as ne­
cessidades das pessoas que estavam ao seu redor, geralmente mulheres. Relatou
não estar satisfeito por trair a esposa. Além disso, neste último relacionamento
extraconjugal, não estava conseguido atingir uma satisfação sexual, pois apresentava
uma disfunção sexual com a amante: “tem que ser logo em seguida que fica excitado,
sem ‘preliminares’, mal dá para tirar a roupa”, caso contrário, não continuava com a
ereção1. A amante relatava a ele não sentir orgasmo, mantendo relações sexuais ape­
nas para agradá-lo. Os locais onde se encontravam eram considerados de risco (guarita
de trabalho, nas escadas, ou de madrugada na casa em que a amante morava -
quando fingia estar em plantões e temia que a esposa descobrisse a mentira).
Em contrapartida, mantinha relação sexual com a esposa frequentemente, e
não tinha dificuldades, tendo vezes em que a ereção durava cerca de 30 minutos. Com
ela, em algumas ocasiões, tinha que parar a relação sem ejacular, pois apresentava
ejaculação tardia. Seu relacionamento com a esposa estava conflituoso, pois ela “dis­
cordava de tudo” que ele fazia, principalmente quando estavam tratando de assuntos da
família dela. Quando procurou terapia, apresentava atritos com o cunhado, o que au­
mentava os conflitos com a esposa.
Como já dito, o cliente não estava satisfeito por trair a esposa e por não obter
satisfação sexual; com isso, trouxe como objetivo terapêutico separar-se da amante. O
relacionamento extraconjugal estava deixando Roberto sensível, depressivo, frustrado
e agressivo com a esposa. As cobranças da amante para que Roberto se separasse da
esposa estavam-no incomodando, e ele afirmava que não se separaria. Segundo ele, a
amante “não faz o tipo de pessoa que gostaria de ter como uma nova esposa”. Ela tinha
pouco estudo e histórico de decepção amorosa.
Após o primeiro relacionamento extraconjugal (com uma parente da esposa), a
esposa descobriu e quase se separou definitivamente (ficaram um mês separados).
Ele relatou que “essa mulher era louca e inventou uma gravidez” para toda a família da
esposa, assim gerando um atrito na família que durava até o momento da terapia. A
esposa perdoou a traição.
O seu relacionamento com os filhos era ótimo: “são meus ajudadores e cúm­
plices” para algumas atividades. Roberto conversava bastante com a filha mais velha, e
acreditava que ela desconfiava do relacionamento com a amante, pois fazia algumas
perguntas relacionadas às saídas constantes nos fins de semana.
O cliente relatou não se conhecer, pois tinha muitas questões que não conse­
guia resolver. Tinha poucos amigos, e conversava mais com a amante, a esposa e a

1Este relato aponta para um possível diagnóstico de ejaculação precoce, definida como uma ejaculação persistente ou recorrente devido à
estimulação sexual mínima, antes, durante ou logo após a penetração, e no tempo não desejado pelo indivíduo (Associação Americana de
Psiquiatria, 2002; Martins Filho & de-Farias, no prelo).

184 Mônia Camilla da C. Arruda, Ana Karina C. R. de-Farias


filha mais velha. Sentia-se fracassado e não sabia mais o que fazer para solucionar
esse caso. Relatou que, quando as coisas saíam do seu controle, sentia-se incapaz,
com vontade de morrer. Em situações de disputa, sempre se achava inferior às outras
pessoas e acabava desistindo, abria mão de tudo para não ter que lutar com outras
pessoas.
Teve uma infância sofrida e de privações materiais. Saiu de casa com 11 anos
para trabalhar e ajudar a família. Morava no Nordeste, passava dias sem comer, ou
comia pouco, pois tinha que dividir com os irmãos. Relatou ser comparado com os
irmãos, que gostavam de estudar e ele não. O pai o humilhava muito (o cliente, durante
toda a terapia, mostrou resistência em falar do pai). Relatou ainda ajudar a mãe a
administrar o dinheiro que ela ganhava; no entanto, três meses antes da terapia, teve
um problema com um dos irmãos, que o teria acusado injustamente de estar pegando
o dinheiro da mãe e investindo em seus próprios bens.
Ultimamente, sentia gastrite, vontade de sumir e chorar, dificuldade de se des­
fazer dos bens materiais conquistados. Apesar destes outros problemas, seu maior
objetivo terapêutico era conseguir terminar o caso extraconjugal.
No decorrer da terapia, o nível de ansiedade que gerava disfunção erétil foi
controlado. Roberto estava há um ano em terapia e seu principal objetivo, neste mo­
mento, era se separar da amante e ter uma vida estabilizada com a esposa. Após o
controle de seu nível de ansiedade, surgiram novas demandas para a terapia, tais
como: não saber resolver seus problemas, agressividade, intolerância, dificuldade em
tomada de decisões e baixa auto-estima.

Análise Funcional
Como apresentado esquematicamente no Quadro 1 (página seguinte), a quei­
xa inicial de ejaculação precoce estava acompanhada por ansiedade, gerada no mo­
mento de estar com a amante (geralmente, em locais inapropriados); pela cobrança de
separação, por parte da amante; pelas desconfianças, em diversos momentos, por
parte da esposa e dos filhos; pelo medo de ser descoberto mais uma vez pela esposa.
Todas estas contingências (passadas e atuais) favoreciam a ocorrência da ejaculação
precoce com a amante. Além disso, deve-se frisar que Roberto culpava a amante pela
disfunção sexual, afirmando coisas do tipo: “essa sua pressão é que me faz ficar as­
sim”.
Observa-se que o relacionamento com a amante se mantinha não pela relação
sexual, mas como uma fuga-esquiva do ambiente familiar: estar com a esposa e os
filhos apresentava contingências aversivas. Estar com a amante era reforçado pelo
carinho, atenção e, em suas palavras, pela “valorização, aumento da auto-estima e
auto-realização”.
Durante a psicoterapia, Roberto atingiu alguns objetivos. O nível de ansiedade
diminuiu, chegando a ter diversas relações sexuais satisfatórias com a amante. Com o
passar do tempo, rompeu este relacionamento, pois as cobranças de separação esta-
vam cada vez maiores. No momento em que o presente trabalho foi redigido, o cliente
estava buscando maior autoconhecimento, assim como mudanças em relação à espo­
sa e aos momentos de lazer com os filhos.

Sobre Comportamento e Cognição 185


Antecedentes Respostas Conseqüências Ambientais e
Efeitos Emocionais
Contextos que geram Com a amante: disfunção Não gera prazer sexual na
respondentes de erétil amante;
ansiedade Vergonha
Voltou a fumar e beber Sente-se relaxado e tranqüilo

Agressividade com a esposa Fuga-esquiva de brigas com a


e vontade de morrer esposa;
Desenvolveu gastrite nervosa
Família da esposa Brigas com a esposa e sua Sente-se desvalorizado e sem
família; importância para a família da
Ficar com a amante nos esposa;
plantões e fins de semana ''Depressão1';
Fuga-esquiva da relação com a
família da esposa;
Recebe atenção da amante
Estar em casa; Sair de casa pelo maior Fuga-esquiva de brigas com a
Cobranças da esposa e período possível esposa e filhos (mas se sente
dos filhos desvalorizado e humilhado)
Problemas familiares Sair de casa para encontrar Contato afetivo;
com a amante Sente-se bem, valorizado e
importante;
No entanto, cobrança, por parte
da amante, de oferecer
"qualidade de vida" e segurança
para ela
Estar com a amante, em (Medo de que a esposa Aumento de ansiedade e a
locais inapropriados descubra); "necessidade de terminar com a
Apresenta disfunção erétil amante"
Cobrança da separação Muda de assunto; Fuga-esquiva de críticas e
por parte da amante Agressividade verbal; reclamações por parte da
Apresenta disfunção erétil; amante
Culpa a amante pela
disfunção
Quadro 1. Alguns exemplos de micro-análises funcionais realizadas com o cliente Roberto.

Considerações Finais
A manutenção de um comportamento operante (e.g., manter-se em um relacio­
namento extraconjugal) pode ocorrer de duas formas: (a) apresentação ou acréscimo
de estímulos reforçadores positivos - neste caso, relacionamento sexual diversificado,
ser valorizado, elogios dos colegas, contato sexual contingente a uma resposta ou
situação; e (b) remoção ou adiamento de algum estímulo aversivo, por exemplo, man­
ter-se fora de casa diminuía o contato com as brigas constantes com a esposa (embora
tenha passado a gerar cobranças por parte da amante). Em ambos os casos, o efeito
do reforço será o mesmo: ele será responsável pelo aumento da probabilidade de
resposta, ou seja, eventos que são reforçados no passado têm a probabilidade de
ocorrer no futuro (Catania, 1998/1999; Moreira, & Medeiros, 2007; Skinner, 1953/2000).

186 Mônia Camilla da C. Arruda, Ana Karina C. R. de-Farias


Apesar da ejaculação precoce, havia diversos reforçadores positivos para o
comportamento de estar com a amante: receber carinho, sentir-se importante e útil, ser
desejado e agradado. Estar com a esposa produzia como conseqüências reforçadoras
a aceitação social, a alegria dos filhos, e ter segurança emocional, devido aos muitos
anos juntos. Entretanto, a vida dupla de Roberto, assim como sua falta de assertividade,
produzia brigas, cobranças da amante em relação à sua separação da esposa, aumen­
to excessivo da ansiedade (uma das possíveis causas para uma disfunção erétil com a
amante). Este “duelo” entre reforçadores positivos e negativos mantinha os comporta­
mentos de Roberto, tendo como efeitos tristeza, baixa auto-estima e disfunção sexual
(ejaculação precoce).
Muitos relacionamentos amorosos são baseados nos esquemas de
reforçamento intermitente, nos quais os reforçadores positivos e negativos não acom­
panham todas as respostas emitidas pelo organismo, mas sim vêm de tempos em
tempos (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Moreira & Medeiros, 2007). Em muitos
relacionamentos amorosos, um dos parceiros desconfia, briga, mas não abre mão de
estar junto com o cônjuge, o qual mantém financeiramente a casa, retribui carinho,
cuida dos filhos, mas também sai aos fins de semana, mente, superestima os gastos
de casa, gera conflitos entre o casal. Esse tipo de esquemas de reforçamento aumenta
a resistência à extinção do comportamento de trair a(o) esposa(o).
No caso aqui analisado, manter o relacionamento com a amante, mesmo não
obtendo satisfação sexual plena, era controlado pelos sentimentos de baixa auto-esti­
ma presentes na relação com a esposa e sua família, assim como pelo histórico de
outros relacionamentos extraconjugais terem sido descobertos e perdoados. Além dis­
so, manter relacionamentos extraconjugais, segundo o cliente, fazia parte da cultura
nordestina e produzia reforçadores sociais em seu ambiente atual, tais como o título de
“garanhão”.
A análise dessas múltiplas contingências junto ao cliente, a aplicação de técni­
cas de relaxamento, intervenções pertinentes aos comportamentos de traição e a habi­
lidades sociais e de resolução de problemas em geral, mostraram-se necessárias
para mudanças comportamentais no presente caso. Esta breve análise objetivou de­
monstrar a multideterminação dos comportamentos, e a necessidade de análises fun­
cionais mais completas, que abarquem as queixas específicas e também outros com­
portamentos que possam estar diretamente ou não relacionados à queixa/demanda
inicial.

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Sobre Comportamento e Cognição 187


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Papirus.

Mônia Camilla da C. Arruda, Ana Karina C. R. de-Farias


188
Capítulo 17
Avaliação psícométríca da depressão,
ansiedade e compulsão alimentar de
crianças e adolescentes obesos e seus
cuidadores.
Myriam Christina Alves Rodrigues
Consultório Particular

Doralice Oliveira Pires


Universidade Católica de Qoiás

Sônia M aria Mello Neves1


Universidade Católica de Qoiás

1. Definição e epidemiologia
A palavra obesidade é composta por ob (excesso) e edere (comer), comer em
excesso. Pode ser definida como o excesso de gordura corporal, ou seja, é o excesso
de gordura resultado de sucessivos balanços energéticos positivos, em que a energia
ingerida é maior do que a energia gasta.
A epidemiologia da obesidade estuda a freqüência e distribuição dessa doen­
ça nos indivíduos, bem como os possíveis fatores que determinam o seu aparecimento
ou desenvolvimento, que podem ser ambientais e genéticos. A obesidade é uma reali­
dade que atinge todas as faixas etárias da população e é comumente avaliada como
um dos transtornos nutricionais mais freqüentes nas crianças e adolescentes. Sua
prevalência tem aumentado de forma gradual nos países desenvolvidos e em vias de
desenvolvimento (Mello, Luft, & Meyer, 2000; Oliveira, & Fisberg, 2003).
O interesse em registrar dados epidemiológicos está em localizar graus de
risco, que aceitem programar linhas de atuação específicas para um determinado gru­
po. Dessa forma, existe uma correlação clara entre a gravidade da obesidade e o índice
de desenvolvimento de complicações, principalmente quando o índice de massa cor­
poral ultrapassa valores de 40kg/m2 (Damiani, 2000).
O índice de Massa Corporal (IMC - peso em quilos divididos pela altura em
metros ao quadrado) é o parâmetro de escolha para identificar e classificar os tipos de
obesidade. O termo sobrepeso é aplicado quando o IMC excede o percentil 95 para
crianças da mesma idade e sexo, enquanto que o risco para sobrepeso é aplicado para
crianças ou adolescentes cujo IMC está entre os percentis 85 e 95. Em países desen­
volvidos a obesidade é considerada um problema de saúde pública e pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) é uma epidemia global. Nos Estados Unidos a prevalência de
obesidade representou cerca de 15% na população infantil e adolescente no período de

Sobre Comportamento e Cognição 189


1999 a 2002. A tendência do aumento de sobrepeso em grandes proporções na popu­
lação tem levado ao reconhecimento do problema da obesidade como relevante para a
saúde coletiva e individual

2. Etiologia e Complicações
Embora a etiologia da obesidade seja ainda desconhecida, alguns fatores
conhecidos podem favorecer o excesso de peso, classificando a obesidade como uma
doença multifatorial: (1) fatores genéticos (obesidade endógena); (2) fatores ambientais
como: ausência de atividade física e maus hábitos alimentares (obesidade exógena);
(3) fatores psicológicos, psicossociais e culturais (obesidade psicogênica), (Azevedo, &
Spadotto, 2004; Coutinh, & Dualib, 2006).
Os autores ainda afirmam que a obesidade infantil está associada a inúmeras
conseqüências adversas e, atualmente, provou ser um fator de risco para co-morbidades
na idade adulta. As pesquisas indicam que 60% das crianças obesas, de 5 a 10 anos,
apresentam no mínimo um fator de risco para doenças cardiovasculares tais como:
aumento da pressão arterial, dos níveis de insulina sérica ou da dislipidemia, sendo
que 25% das crianças têm dois ou mais fatores de risco. As alterações metabólicas que
ocorrem nos adultos definidas como Síndrome Metabólica (SM) também é diagnosticada
em crianças e adolescentes obesos (Oliveira, Mello, Cintra &, Fisberg, 2004).
Os parâmetros são modificados para adolescentes, nesses identifica-se uma
prevalência de 4,2% de SM e o risco aumenta para quase 50% entre os jovens severa­
mente obesos. As doenças crõnico-degenerativas estão aparecendo nos grupos mais
jovens quando associadas com obesidade. Existe forte associação entre obesidade na
juventude e diabete melito tipo 2. Nos adolescentes e adultos jovens, o excesso de gordu­
ra abdominal está associada à hiperandrogenemia. Essas alterações hormonais colo­
cam a adolescente em alto risco para distúrbios menstruais e síndrome dos ovários
policísticos. A obesidade está correlacionada a diversas alterações hepáticas. E tanto a
obesidade quanto a SM, podem estar ligadas ao desenvolvimento de litíase biliar.
inúmeras outras alterações podem afetar a criança obesa, entre elas: maior
predisposição a problemas ortopédicos (artrose, epifisiólise da cabeça femoral, genu
valgo)', idade óssea avançada; problemas dermatológicos (acantose nigricans); altera­
ções neurológicas (pseudotumor cerebri) e problemas psicossociais como isolamen­
to e discriminação.

3. Diagnóstico
A antropemetria é um método diagnóstico muito eficiente, dando estimativa da
prevalência e riscos das alterações nutricionais. Alguns métodos diagnósticos podem
classificar o indivíduo em obeso e com sobrepeso. O IMC é o padrão internacional para
classificação de obesidade para adultos. Em crianças e adolescentes, a classificação
de sobrepeso e obesidade a partir do IMC é mais arbitrária, não se correlacionando
com morbidade e mortalidade, como se define para adultos. A classificação da obesida­
de de adultos, de acordo com o IMC, segundo a Metropolitan Life Insurance Company,
pode ser verificada no Quadro 1 (Halpern, et al., 1988). Sobre a classificação para
crianças e adolescentes, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos
Estados Unidos desenvolveu curvas que são padrões de referência mais empregados,
para gênero-específico entre as idades de 2 a 19 anos. Esses critérios permitem definir
que crianças com o percentil acima de 95 são classificadas com obesidade e as que se
situam entre os percentis 85-95 são ditas com sobrepeso (Halpern, & Rodrigues, 2006).

190 Myriam Christina Alves Rodrigues, Doralice Oliveira Pires, Sônia Maria Mello Neves
IMC (kg/m*) Classificação Risco para a saúde
18J0 - 243 Peso saudável Sem risco
25JO - 293 Sobrepeso Moderado
30JO - 343 Obesidade Grau I Alto
35JO - 393 Obesidade Grau II Muito alto
>40,0 Obesidade Grau III Extremo
ou Mórbida
Quadro N° 1- Classificação da obesidade segundo o risco para a saúde para adultos

A circunferência da cintura (CC) e a relação cintura-quadril (RCQ) têm sido


consideradas como estimativa indireta da gordura intra-abdominal ou visceral. Esses
parâmetros estão associados como fatores preditivos para risco metabólico e
cardiovascular em crianças obesas, embora não existam valores específicos para
crianças e adolescentes. Já para o adulto o ponto de corte para medida da circunferência
abdominal está definido e é valido como indicador de risco metabólico. Essa medida foi
recomendada para o uso na prática médica, pois é um método não-invasivo e de baixo
custo que auxilia na identificação de indivíduos com alto risco para síndrome metabólica.
(Sichieri, & Souza, 2006; Halpern, & Rodrigues, 2006).
As crianças e os adolescentes obesos são os mais afetados pela mudança no
padrão estético. São constantemente alvos de discriminação social, principalmente
entre os pares, apresentando com freqüência problemas de relacionamento social e
psicológico. Segundo tais situações podem levar à depressão, baixa estima e outras
disfunções emocionais.
Alguns artigos estudaram a correspondência entre fatores emocionais e
obesidade, utilizando diferentes instrumentos para a avaliação. Como exemplo, Assumpção
Junior, & Coletty (2005) analisaram em adolescentes obesos e com sobrepeso a correlação
entre Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica - TCAP e a ansiedade. Os autores
utilizaram como instrumentos de avaliação e de medida a (1) entrevista para identificação
do transtorno segundo critérios do DSM-IV; (2) o índice de Massa Corporal - IMC; (3) a
Escala de Compulsão Alimentar - ECAP e (4) o Inventário de Ansiedade e Traço-Estado -
IDATE. Os 73 adolescentes que participaram da pesquisa tinham entre 11 a 18 anos e
foram divididos em grupos com TCAP e sem TCAP. Os resultados do experimento
indicaram que os índices de IMC e ansiedade foram estatisticamente mais expressivos
no grupo com TCAP, apresentando uma maior incidência de ansiedade e de obesidade
nos adolescentes com TCAP. Os autores concluíram que esses resultados podem ser
indicativos de fatores de risco consideráveis para a etiologia da obesidade e outros
transtornos da adolescência, no entanto, novas pesquisas devem ser realizadas para
investigar os fatores emocionais envolvidos no ato alimentar.
Campos (1999) verificou que na obesidade exógena a cultura familiar representa
a maior parte dos casos e tem como características o excesso de ingestão alimentar, o
sedentarismo, os hábitos alimentares, o relacionamento intrafamiliar complicado, o
consumismo, o desmame precoce, a introdução precoce de alimentos sólidos, as
substituições de refeições por lanches, as relações afetivas alteradas, os grandes
conflitos, os distúrbios do vínculo mãe-filho.
Caíaneo, Carvalho, & Galindo (2005) analisaram variáveis psicológicas, como:
locus de controle, autoconceito, maturação cognitiva e emocional e problemas
comportamentais em crianças. Para tanto, 54 crianças entre 10 a 12 anos participaram

Sobre Comportamento e Cognição 191


do estudo e foram divididas em grupos de crianças obesas e não obesas. Segundo os
resultados dos instrumentos e procedimentos utilizados, como: (1) Desenho da Figura
Humana - DFH; (2) entrevista; (3) Escala infantil Piers-Harris (1984) de Auto-conceito
adaptada por Jacob, & Loureiro (1999); (4) Escala de Ansiedade - RCMAS Reynolds, &
Richmond (1978) e padronizada por Gorayeb (1994); (5) Escala de Locus de Controle
construída por Milgram, & Milgram (1975) e padronizada por Feres (1981) e (6) Escala
Comportamental de Rutter A2, indicaram sofrimento psicológico em ambos os grupos
tendo então os autores concluído que os dados desses instrumentos não apresentaram
correlação entre obesidade e problemas psicológicos ou comportamentais.
Luiz, Gorayeb, Liberatone Júnior, & Domingos (2005) realizaram um levantamento
na literatura sobre os fatores emocionais e envolvidos na obesidade infantil e perceberam
que há indicativos de aspectos psicológicos, tais como depressão, ansiedade e déficits
de competência social. No entanto, não existe uma relação causai nitidamente formada,
porém segundo os autores novas pesquisas devem ser realizadas para analisar a co-
ocorrência de obesidade e essas alterações psicológicas. Os autores ainda afirmam,
que o aumento de estudos sobre a obesidade infanto-juvenil e sua correlação com os
fatores emocionais, produzirão intervenções eficazes para essa população que vem
crescendo nas últimas décadas e sofrendo terríveis danos à sua saúde física e psicológica.
Pereira (2004) desenvolveu um projeto com objetivo de orientar e tratar jovens
com problemas de obesidade direcionando para a perda e controle do peso corporal,
para a promoção de estilos de vida e hábitos alimentares saudáveis e a inserção em
psicoterapia de apoio. Segundo a autora, as variáveis psicológicas podem estar
associadas à obesidade juvenil. Assim, participaram do projeto 15 adolescentes obesos,
que no decorrer do tratamento foi observado um decréscimo nos valores do IMC (índice
de Massa Corporal); aquisição de hábitos alimentares mais saudáveis; aumento das
atividades físicas e melhora nas relações sociais.
Para avaliar esses resultados Pereira utilizou instrumentos de avaliação
psicológica, como: (1) Entrevista, (2) Inventário de Perturbações do Comportamento
Alimentar - (Eating Disorders Inventory - EDI), elaborado por Gamer, Olmsted, & Polivy
(1983), (3) Escala de Auto-conceito elaborada por Piers-Harris (1988), (4) Inventário
Depressivo de Beck - BDI criado por Aron Beck (1993), (5) Diários Alimentares com o
objetivo de promover autoconhecimento e identificar quais as situações e os sentimentos
envolvidos no ato alimentar e (6) estratégias de coping que ajudam a correlacionar as
atividades diárias e a hiperfagia, ou seja, enfrentar e solucionar as situações problemas
em vez de fugir ou esquivar das dificuldades utilizando a comida como uma estratégia
alternativa para evitar a tomada de decisão diante desses eventos específicos.
A autora concluiu que os jovens apresentavam algum tipo de sofrimento psico­
lógico, que conduziam a um baixo rendimento escolar, baixo autoconceito, tendência ao
afastamento social principalmente com jovens da mesma idade, grande dependência
familiar e baixa autoconfiança em suas habilidades, especialmente nas mudanças
comportamentais para a perda de peso. Durante a entrevista psicológica foram verifica­
dos estilos de vida pouco saudáveis, tais como: maus hábitos alimentares e
sedentarismo. Alguns familiares apresentavam sobrepeso e obesidade indicando in­
fluencia da cultura familiar nos hábitos de vida dos jovens adolescentes. Alguns jovens
tinham registro de tratamentos médicos e dietéticos, mas sem bons resultados, o que
reforça a necessidade de um trabalho multidisciplinar para aumentar as possibilidades
de sucesso na perda e manutenção do peso corporal.
O presente trabalho teve como objetivo avaliar as possíveis correlações entre a
obesidade infanto-juvenil e os transtornos comportamentais, tais como: a ansiedade, a de­
pressão e a compulsão alimentar periódica. E se propôs, também, verificar se havia ocorrên­

192 Myriam Christina Alves Rodrigues, Doralice Oliveira Pires, Sônia Maria Mello Neves
cia de transtornos emocionais e comportamentais entre os familiares. Para tanto, foram
utilizados alguns instrumentos de medida como o CDI - Inventário de Depressão Infantil,
MASC - Escala Multidimensional de Ansiedade para Crianças e ECAP - Escala de Compulsão
Alimentar Periódica. As escalas de Beck: BDI - Inventário de Depressão Beck e BAI - Inventário
de Ansiedade Beck. Os autores responsáveis pela validação, tradução e adaptação para a
população brasileira, dessas escalas, serão abordados no método a seguir.

Método
Participantes
Participaram desse estudo seis crianças, cinco adolescentes e seus respecti­
vos cuidadores (11), todos pacientes de um programa de atendimento multidisciplinar
no tratamento da obesidade infanto-juvenil, oferecido pela Santa Casa de Misericórdia
de Goiânia. As crianças e adolescentes foram identificados pelos números de 1 a 11,
sendo que do 1 ao 5 os sujeitos são os adolescentes (Ad) e seus cuidadores (C) e do
6 ao 11 os sujeitos são as crianças (Cç) e seus cuidadores (C). As idades, sexo e IMC
dos adolescentes constam na Tabela 1 e das crianças na Tabela 2. O IMC dos adoles­
centes e crianças foi classificado segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doen­
ças (CDC) dos Estados Unidos (Halpern, & Rodrigues, 2006) e dos adultos, segundo o
Metropolitan Life Insurance Company (Halpern, et ai 1988).

Materiais/ Ambiente
A aplicação dos testes aconteceu na Santa Casa de Misericórdia, em três dife­
rentes salas igualmente apropriadas para essa finalidade. Os testes utilizados foram
BDI, BAI, BES, MASC e CDI cuja descrição e validação são apresentadas a seguir;
Golfeto, Veiga, Souza, & Barbeira (2002) avaliaram as propriedades psicométricas
do Inventário de Depressão Infantil (CDI) adaptado para o Brasil, por meio da análise
fatorial e de consistência interna, com uma amostra de 287 escolares de Ribeirão Preto
na faixa etária de 7 a 14 anos. Os resultados indicaram que o CDI é um bom instrumento
para analisar sintomas gerais de depressão.
Freitas, Lopes, Coutinho, & Appolinário (2001) tiveram como objetivo traduzir,
adaptar e avaliar a aplicabilidade da versão para o português da Binge Eating Scale
(BES) da Escala de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP), que avalia a gravidade da
compulsão alimentar periódica em pessoas obesas. Participaram da avaliação 32 pa­
cientes obesos com transtornos da compulsão alimentar periódica (TCAP), os resulta­
dos indicaram que a escala é adequada para uso clínico.
A escala MASC - Escala Multidimensional de Ansiedade para Crianças foi pro­
duzida p por John March (1997) e validada por Michelle Moreira Nunes, cujo estudo, no
entanto, aguarda publicação (http://www.psiauiatriainfantil.com.br/escalas2.htmn. E,
Cunha (2001) traduziu e adaptou as escalas Beck (BDI e BAI) com a permissão de The
Psychological Corporation, U.S.A., com direitos reservados a Aaron Beck (1991).
Foram disponibilizados aos participantes lápis, canetas e borrachas.

Procedimento

As atividades do programa multidisciplinar no tratamento da obesidade infanto-


juvenil acontecem uma vez por semana no turno vespertino. Um dos pré-requisitos para
a participação das crianças e adolescentes no programa é a presença, em todos os
encontros, de pelo menos um cuidador. Nesse dia acontecem, concomitantemente,
três grupos de atendimentos, um direcionado às crianças, outro aos adolescentes e

Sobre Comportamento e Cognição 193


T a b e la 1. Idade, sexo e IM C dos a d o le s c e n te s e seu s cu id a d o re s.

Adolescentes Idade Sexo IMC Classificação


(Ad) e
Cuidadores (C)

1Ad 13 F 28JB Obesidade

1C 34 F 34 Obesidade Grau I

2Ad 13 M 31,4 Obesidade

2C 39 F 29? Sobrepeso

3Ad 12 M 2B Obesidade

3C 41 F 20J5 Peso saudável

4Ad 13 M 312 Obesidade

4C 33 F 27j8 Sobrepeso

5Ad 12 M 34,1 Obesidade

5C 34 F 25 Sobrepeso

Tabela 2. Idade, sexo e IMC das crianças e seus cuidadores.

Crianças (Cç) e idade Sexo MC Cias 3 fic ação


Cuidadores (C)

6Cç 9 F 25 Obesidade

6C 31 F 30,5 Obesidade Grau I

7Cç 11 F 28 Obesidade

7C 46 F 28,8 Sobrepeso

8Cç 10 F 30,4 Obesidade

8C 40 F 34,5 Obesidade Grau I

9Cç 8 217 Obesidade

90 34 F 40 Obesidade Mórbida

lOCç 11 F 28,2 Obesidade

10C 41 F 30,1 Obesidade Grau I

11Cç 11 M 29 Obesidade
11C 27 F 23 Peso saudável

194 Myriam Christina Alves Rodrigues, Doralice Oliveira Pires, Sônia Maria Mello Neves
um para os cuidadores. Antes dos encontros todos os participantes são pesados e
medidos, com a finalidade de acompanhamento do peso e avaliação do tratamento.
Após a autorização dos cuidadores, para que esse, como também as crianças
e adolescentes participassem desse estudo, deu-se a aplicação dos testes, que acon­
teceu em apenas uma tarde, sem mensuração do tempo, com cada grupo de atendi­
mento em suas respectivas salas.
Aos adolescentes e adultos foram aplicados o BDI, BAI e BSE; o MASC e CDI
foram aplicados nas crianças. O BSE foi aplicado nos cuidadores das crianças, mesmo
não tendo um inventário para avaliar a compulsão periódica em crianças. Estes foram
corrigidos por duas psicólogas e uma estagiária; após a correção, os dados foram
tabulados e analisados.

Resultados
Comparando os resultados do BDI dos adolescentes e cuidadores, pode-se
perceber que em apenas um caso, de adolescente com traços de depressão modera­
da, o cuidador, também, apresenta elevado índice de traços que caracterizam essa
desordem. Os demais dados comparativos entre adolescentes e cuidadores são pare­
cidos, mas com predominância de níveis mínimos e leves. Não pode ser observada
uma relação entre os resultados do IMC e do BDI, ou seja, o alto nível do IMC parece não
estar diretamente relacionado aos traços de depressão (vide Tabela 3).
No Inventário de Ansiedade de Beck, foi observado que os resultados dos ado­
lescentes quando comparados com os de seus cuidadores também são similares;

Tabela 3: IMC e resultados dostestes aplicados nos adolescentes e seus cuidadores.

Sujeitos IMC BDI BAI BES

1Ad 28,6 12 Leve 3 Mínimo 16 Ausente

1C 34 9 Mínimo 35 Grave 19 Moderado

2Ad 31,4 33 Moderado 29 Moderado 19 Moderado

2C 29,9 57 Grave 34 Grave 22 Moderado

3Ad 26 14 Leve 4 Mínimo 12 A j sente

3C 20,6 7 Mínimo 9 Mínimo 1 Ausente

4Ad 31,2 9 Mínimo 7 Mínimo 9 .Ausente

4C 27,8 9 Mínimo 3 Mínimo 5 Ajsente

5Ad 34,1 11 Mínimo 12 Leve 10 Ausente

5C 25 18 Leve 11 Leve 8 Ausente

Sobre Comportamento e Cognição 195


Tabela 4: IMC e resultados d o s te s te s aplicados nas crianças e seus cuidadores.

Sújeito IMC BDI/CDI BAI/MASC BES

6Cç 25 8 Ausente 34 Presente

6C 305 40 Grave 15 Leve 31 Grave

7Cç 28 28 Presente 70 Presente

7C 28 jB 9 Mínimo 20 Moderado 11 Ausente

8Cç 30,4 1 Aüsente 16 Ausente

80 345 10 Mínimo 11 Leve 8 Ausente

9Cç 21,7 6 Ausente 44 Presente

9C 40 8 Mínimo 16 Leve 30 Grave

10Cç 282 19 Presente 79 Presente

10C 30,1 12 Leve 15 Leve 4 Ausente

11 Cç 29 4 Ausente 49 Presente

11C 23 3 Mínimo 7 Mínimo 16 Ausente

apresentando apenas um caso onde os índices do adolescente e seu cuidador são


muito diferentes. O mesmo acontece com os dados obtidos na Escala de Compulsão
Alimentar Periódica em que os níveis de compulsão são, entre a maioria dos adoles­
centes e seus cuidadores, próximos, divergindo em apenas um caso.
Ao comparar os resultados das crianças e seus cuidadores observamos que
os achados no BDI aplicados nas crianças e os achados do BAI, aplicados nos
cuidadores mostram que três dos cinco pares apresentaram resultados similares.
Apenas o participante 1C demonstrou divergência entre o BDI e os resultados do seu
cuidador no BAI, no entanto ao comparar o resultado desse participante no BAI com o
resultado no BES do seu cuidador, observamos coerência. Dessa forma, os resultados
dos pares são todos semelhantes quando comparados os dados obtidos no BAI e no
BES; assim como a maioria dos resultados dos pares também são parecidos quando
se compara os achados no BDI e no BES.
Na Tabela 4, observa-se que os níveis e/ou presença de depressão são bastante
similares entre as crianças e seus cuidadores. Assim, como nos resultados dos adoles­
centes, parece haver diferença em apenas um caso. Os dados obtidos no BAI e no MASC
também demonstram certa coerência entre os resultados das crianças e seus cuidadores;
porem, essa afirmação pode não ser precisa, pois não se tem acesso ao nível de ansie­
dade apresentado pelas crianças. Também não é possível comparar diretamente os
resultados em relação à compulsão alimentar entre as crianças e adultos, devido à au­
sência de um instrumento capaz de medir essa desordem em crianças.

196 Myriam Christina Alves Rodrigues, Doralice Oliveira Pires, Sônia Maria Mello Neves
Dos seis pares de crianças e cuidadores, quatro apresentam resultados coe­
rentes, quando se compara BDI/CDI e BAI/MASC. Quando se compara os dados dos
adultos, os resultados do BAI e o do BES são similares em metade dos casos e análise
comparativa entre os dados do BDI e do BES mostra coerência na grande maioria dos
pares (vide Tabela 4).
Em geral, não foi possível observar relações entre o IMC e os resultados dos
testes de depressão, ansiedade ou compulsão das crianças, adolescentes e seus
cuidadores. Não foram verificadas, também, relações entre os dados das crianças ou
adolescentes e seus cuidadores quanto aos fatores psicológicos avaliados.

Discussão
No presente estudo os resultados não mostraram uma correlação significativa
entre índices altos de IMC com os escores que indicam ansiedade e depressão nos
participantes. Apenas o cuidador da criança 6C teve (BDI grave) e os cuidadores de
adolescentes 1C (BAI grave) e 2 C (BDI e BAI grave) apresentou TCAP de moderado a
grave. E o adolescente 2Ad que apresentou a ocorrência de escore moderado em todos
os testes, indicando a presença de sintomas de depressão, ansiedade e TCAP e nível
de IMC que indica obesidade. Os demais participantes não tiveram alteração nos testes
de avaliação emocional e comportamental em comparação ao nível elevado do IMC que
indica quadros de sobrepeso e obesidade.
Os resultados de outros estudos como de Pastore, Fisher, & Friedman (1999)
com estudantes de ensino médio que comparou a obesidade com auto-estima e ansi­
edade (utilizando o IDATE), indicaram que tanto a autoestima quanto a ansiedade dos
estudantes obesos também não apresentaram diferenças em relação aos não obe­
sos. Assim como Caetano et al. (2005) que observaram a ocorrência de sofrimento
psicológico nas crianças de ambos os grupos (obesos e não obesos). Os autores
concluíram que os dados dos instrumentos utilizados não indicaram correlação entre
obesidade e problemas psicológicos ou comportamentais.
Interessante ressaltar se os sintomas de depressão e ansiedade já existiam
na história precedente do indivíduo, antes da obesidade, ou se esses sintomas foram
produzidos após a obesidade, devido aos problemas biopsicosociais gerados pela
obesidade. Damiani (2000) relatou que crianças e adolescentes obesos são grave­
mente afetados pela mudança no padrão estético, pelo surgimento de patologias de­
correntes da obesidade, que alteram e prejudicam a qualidade de vida e agravam a
situação (a incidência de discriminação social pelos pares é muito alta). Com freqüência,
iniciam-se déficits nas habilidades sociais e transtornos psicológicos. Segundo o au­
tor, tais situações podem levar à depressão e a outros transtornos da ansiedade.
A amostra de participantes utilizada nesse experimento não permitiu concluir
estatisticamente a significância dos dados, foi observado pelas pesquisadoras a ne­
cessidade de replicação em novas amostras e com a possibilidade de inserção de um
grupo controle. Ainda fica a questão: “Afinal, são, a depressão, a ansiedade e a compulsão
alimentar “causas”, “conseqüências” ou são traços que independem da obesidade?”

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Sobre Comportamento e Cognição 197


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198 Myriam Christina Alves Rodrigues, Doralice Oliveira Pires, Sônia Maria Mello Neves
Capítulo 18
Intervenção Comportamental em casos
de bulímía nervosa
Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos
UEL, IACEP

Carina Paula Costelini


IACEP

Bruna Troia Pitelli


IACEP

A literatura acerca do tema bulimia nervosa apresenta, desde 1979, uma gran­
de quantidade de pesquisas e estudos controlados que visam descrever, avaliar e
sistematizar tratamentos para o transtorno em questão (Bacaltchuk, & Hay, 1999). Es­
ses estudos foram estruturados tendo como base diversas abordagens, tais como
terapia cognitivo-comportamental, terapia interpessoal, psicoterapia de orientação psi-
canalítica, terapia psicodinâmica, abordagem familiar, farmacoterapia, entre outras.
Entretanto artigos fundamentados na teoria da análise do comportamento são escas­
sos na literatura.

Caracterização da Bulimia Nervosa


A preocupação e a insatisfação com as formas do corpo são traços característi­
cos da cultura ocidental contemporânea. Nesse contexto está inserido o “padrão de ma­
greza" imposto pela sociedade, que tem contribuído para que muitas pessoas - a maio­
ria, mulheres - se engajem em dietas rígidas - as quais, muitas vezes, não trazem o
resultado esperado. A bulimia nervosa, bem como outros transtornos alimentares, está
intimamente ligada a esse contexto.
De acordo com os critérios do DSM-iV-TR (2000) a bulimia nervosa é um transtor­
no alimentar caracterizado pela repetição de episódios de compulsão alimentar - em que
há ingestão de grande quantidade de alimento em um período limitado de tempo -
seguida de sentimento de falta de controle e de envolvimento em comportamentos com­
pensatórios inadequados, como indução de vômito, longos períodos de jejum, entre
outros. De acordo com o método compensatório utilizado, a bulimia pode ser classificada
em dois tipos: tipo purgativo - em que há indução de vômito, uso de laxante, diurético e
enema - e tipo sem purgação - em que há a utilização exclusiva de jejuns e exercícios

E -m a iís d o s a u to re s : m \/m an siG o@ b Q l.com .br (a u to r p rin cip a l); ca rin a @ ia c e D .c o m .b r: b ru n a tD @ h o tm a il.c Q m :

Sobre Comportamento e Cognição 199


físicos exagerados. A compulsão alimentar e os comportamentos compensatórios de­
vem ocorrer, pelo menos, duas vezes por semana, durante três meses. As crises bulímicas
ocorrem, praticamente em todos os casos, após um período de dieta rigorosa.
Segundo Azevedo, & Abuchaim (1998), a bulimia tem predominância no sexo
feminino (cerca de 90%), e a média de idade em que os sintomas bulímicos se iniciam é
de 18 anos. Fonseca e Rena (2008) ressaltam que essa é uma fase marcada por inevitá­
veis mudanças, biológicas, físicas, psíquicas e sociais. Todas essas alterações, que
ocorrem simultaneamente, somadas à valorização do corpo imposta pela cultura, contri­
buem para o desenvolvimento de transtornos alimentares, tais como a bulimia (Vilela,
Lamounier, Filho, Neto, & Horta, 2004).
A prevalência da bulimia nervosa é estimada em aproximadamente 1% a 3% da
população e raramente ocorre em homens, de acordo com Wilson e Pike (1999). No
entanto apenas uma pequena parcela dessa população - cerca de 10% - recebe algum
tipo de tratamento (Bacaltchuk & Hay, 1999).
Pacientes bulímicos tendem a dar demasiada importância às formas do corpo e
atribuem a elas o sucesso - ou insucesso - de qualquer área de suas vidas. Pesquisas
evidenciam que algum(ns) dos familiares desses pacientes, geralmente, mantêm esse
mesmo padrão de idolatria ao corpo, além de atrelar erroneamente as variáveis corpo e
sucesso (Heller, 2003).
Os bulímicos também apresentam um padrão de baixa auto-estima, dificulda­
des em se socializar e interagir com outras pessoas, tendência em se auto-avaliar se­
gundo opiniões alheias e sentimentos de falta de controle. Além disso, ao entrarem
nesse ciclo de compulsão alimentar seguida de comportamento compensatório inade­
quado, os bulímicos, em grande parte dos casos, passam a evitar ambientes sociais, já
que se sentem incapazes de se controlar, o que contribui ainda mais para a manutenção
das dificuldades listadas acima (Azevedo, & Abuchaim, 1998).
Segundo a visão da análise do comportamento, quaisquer comportamentos do
indivíduo (incluindo, portanto, comportamentos apresentados pelos clientes com diag­
nóstico de bulimia nervosa) devem ser analisados através dos três níveis de seleção
propostos por Skinner (1953): filogenético, ontogenético e cultural. Assim, de acordo com
Banaco (1997), o papel do analista do comportamento é o de descobrir, junto do cliente,
quais contingências mantêm a sua queixa e modificá-las nas relações que o cliente
estabelece com o ambiente, de forma a minimizar seu sofrimento.
Este capítulo tem como objetivo apresentar algumas possibilidades de interven­
ção que podem ser úteis no tratamento da bulimia nervosa, sendo estas fundamentadas
nos princípios da análise do comportamento. Experiências clínicas têm mostrado eficá­
cia no uso das mesmas, desde que aplicadas após uma cuidadosa análise funcional.
Nos tópicos a seguir, serão abordados alguns comportamentos relevantes a
serem desenvolvidos no repertório do cliente, os quais contribuem para um resultado
favorável no tratamento da bulimia nervosa. São esses: autocontrole, autoconhecimento,
autoconfiança, auto-estima e habilidades sociais.

Autoconhecimento

Em casos de bulimia nervosa, assim como em todos os outros casos, a terapia


comportamental busca, antes de implementar qualquer outra estratégia terapêutica, iden­

200 Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos, Carina Paula Costelini, Bruna Troia Pitelli
tificar os eventos antecedentes e conseqüentes dos comportamentos em questão atra­
vés da análise funcional.
A análise funcional permite um entendimento das dificuldades que o cliente apre­
senta, correlacionando todas as queixas apresentadas entre si, e evidenciando os fato­
res de desenvolvimento e manutenção dos comportamentos em questão (Duchesne
1998).
Uma análise funcional ainda envolve o conhecimento da história de vida, a iden­
tificação de padrões de comportamento que se repetem, o contexto em que tal comporta­
mento ocorre, a identificação da sensibilidade às contingências e de possíveis regras
que governem o comportamento, além da identificação da classe de resposta mais am­
pla da qual o comportamento em questão é uma subclasse. Como afirma Lettner (1995),
“a terapia comportamental eficaz depende claramente da especificação precisa das vari­
áveis funcionais de desenvolvimento e manutenção uma vez que o procedimento de
modificação é ditado por tal análise” (p. 30). É somente a partir da análise funcional que o
terapeuta pode, com clareza, selecionar e utilizar estratégias alternativas.
Sendo assim, é importante que o cliente desenvolva autoconhecimento para
que, compreendendo as causas de seus comportamentos, ele possa se esforçar para
empreender mudanças comportamentais e buscar interferir nas contingências externas
das quais seus comportamentos são função.

Autocontrole
Outro fator importante no processo terapêutico é trabalhar com o cliente o
autocontrole e as estratégias para a solução de problemas.
Inicialmente orienta-se o cliente a registrar suas refeições diárias, de alimen­
tos e líquidos, em um “diário alimentar”. Aconselha-se que o registro seja feito logo
depois da ingestão para maior precisão dos dados. O cliente deve registrar horário,
situação em que se encontrava, pensamentos e sentimentos presentes no momento. A
utilização deste diário é importante para detectar horários e momentos que aumentam
a suscetibilidade do cliente aos ataques bulímicos e identificar a relação destes episó­
dios com contingências atuais em operação, colaborando para a elaboração de estra­
tégias de intervenção para mudanças de comportamento (Wilson, & Pike, 1999).
Identificadas as contingências atuantes, é o momento de se elaborar estratégi­
as de atuação, dentre elas, trabalhar autocontrole com o cliente. O treino de solução de
problemas pode ser muito efetivo. É importante identificar com o cliente quais são os
sinais indicadores de uma situação-problema, qual é o problema em si, as possíveis
alternativas e viabilidade de cada uma delas. Assim, escolhida uma alternativa, deve-se
identificar quais os passos necessários para sua execução e avaliar as conseqüênci­
as, (depois de colocada em prática), para verificar a eficácia da escolha realizada.
Quando identificadas as contingências que tornam o indivíduo mais susceptí­
vel ao episódio, outra alternativa de autocontrole é tentar retardar o episódio de compulsão:
envolver-se em atividades prazerosas, telefonar para algum amigo, comer acompanha­
do, tentar relaxar ou ouvir música quando estiver ansioso, engajar-se em atividades
incompatíveis com o comportamento compulsivo e compensatório. Neste caso, o clien­
te pode elaborar uma lista de comportamentos (Duchesne, & Appolinário, 2001).
Assim, mudanças de hábitos e rotinas podem levar a uma exposição maior a
reforçadores sociais e dim inuir o engajam ento em episódios de com er com pulsivo,
vômitos e em atividades físicas exageradas compensatórias (Duchesne, & Appolinário,

Sobre Comportamento e Cognição 201


2001). A dieta alimentar também precisa ser reestruturada, de forma gradual. O cliente
deve receber informações sobre nutrição para que ele possa fazer escolhas adequa­
das de alimentos (Duchesne, & Almeida, 2002).

Aceitação e Compromisso
Pessoas acreditam que seus sentimentos dolorosos são as causas de seus
problemas e que, por esse motivo, precisam evitar eventos que os provoquem. Essas
auto-regras são organizadas a partir de um contexto sócio-verbal e, por isso, aprendi­
das. Assim, demonstram expectativas no sentido de ficarem livres de sentimentos jul­
gados por elas como “ruins” como, por exemplo, decepção, vergonha, rejeição, medo,
comportando-se, então, no sentido de evitá-los. De acordo com Hayes (1987), perceber
os sentimentos como problema é, em si, o problema.
Na opinião de Sidman (1995), o problema real não é um controle fraco pelo
"self" mas um controle fraco pelo ambiente. O que a pessoa precisa não é fortalecer a
vontade interior, mas rearranjar o ambiente externo, enfraquecendo as contingências de
esquiva ou promovendo outros reforçadores para o comportamento que se deseja ter.
Segundo Hayes (1987), a comunidade sócio-verbal transmite a idéia de que se
deve controlar pensamentos e sentimentos. Aprende-se que sentimentos negativos
são problemas e que é preciso modificá-los, controlá-los ou eliminá-los. Essa perspec­
tiva reforça e mantém auto-regras disfuncionais, tais como “sinto-me triste e como para
aliviar minha tristeza ou ansiedade”, ou ainda, “sinto-me culpado por ter comido e vomi­
to para aliviar a culpa”.
Cabe ao terapeuta quebrar o contexto sócio-verbal de que o cliente não pode
sentir, ou que precisa se comportar de maneira a evitar sentimentos e pensamentos
ruins, e ajudá-lo a discriminar que os sentimentos servem para mostrar quais contin­
gências estão atuando em sua vida, e que ele é capaz de suportá-los, de tolerá-los e de
se comportar mesmo na presença deles.

Habilidades Sociais
Ao descrever o padrão familiar tipicamente encontrado em casos de bulimia,
Hodes, Eisler, & Dare (1991) citam que os membros da família costumam apresentar
dificuldade de comunicação e de expressão de sentimentos. Assim, percebe-se que
não só o bulímico, como outras pessoas de seu contexto familiar, tendem a apresentar
déficit no repertório de habilidades sociais.
Bolsoni-Silva, & Marturano (2002) colocam que o modo como os pais interagem
e educam seus filhos é crucial à promoção de comportamentos socialmente adequa­
dos. Verifica-se que a família do paciente bulímico não fornece um modelo socialmente
habilidoso e, provavelmente, não reforça comportamentos desse tipo, dificultando o
desenvolvimento de habilidades sociais nos filhos. Dessa forma, cabe ao terapeuta
incentivar e favorecer o desenvolvimento de tais habilidades no cliente.
Uma alternativa nesta direção é a Psicoterapia Analítico - Funcional (FAP), a
qual propõe que a condução do processo terapêutico seja através de uma relação
envolvente, sensível, genuína e de cuidado com o cliente, enquanto se beneficia das
definições lógicas e precisas do Behaviorismo Radical (Kohlenberg, & Tsai, 2001).
A FAP utiliza a relação terapêutica como meio para modificar os comportamen­
tos clinicamente relevantes do cliente. O entendimento central da FAP é de que o cliente
se comporta em relação ao terapeuta de forma semelhante ao modo como se comporta

202 Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos, Carina Paula Costelini, Bruna Troia Pitelli
em outros contextos de sua vida (Kohlenberg & Tsai, 2004).
Baseados na proposta da FAP, Vermes, & Zamignani (2002) citam, como uma
das estratégias possíveis para o desenvolvimento do repertório social, a modelagem a
partir da própria interação terapêutica. Assim, experiências clínicas têm mostrado que
as mudanças de comportamento trabalhadas durante a própria sessão terapêutica têm
grande probabilidade de ser generalizadas para outras situações sociais, contribuindo
efetivamente para a ampliação do repertório de habilidades sociais.

Autoconhecimento, autoconfiança e auto-estima


Considerando que Skinner (1991) afirma ser o autoconhecimento de origem
social, a relação terapêutica, como uma interação social, pode favorecer o cliente a
desenvolver tal habilidade.
Além disso, estabelecer confiança com o cliente e demonstrar empatia é funda­
mental para o processo terapêutico. Compreender e mostrar para o cliente que o com­
preende, sem qualquer julgamento, é o primeiro passo.
Geralmente, indivíduos com bulimia nervosa apresentam um nível de exigência
muito alto, são muito autocríticos e perfeccionistas, valorizando apenas o que fazem de
errado e condenando-se excessivamente pelos seus erros. Também é comum que
associem a imagem de sucesso e valor pessoal ao peso corporal (Duchesne, &
Appolinário, 2001).
Portanto cabe ao terapeuta, através da relação terapêutica, ajudar o cliente a
diminuir seu nível de exigência e valorizar sucessos, valorizar características pessoais
e valores que o cliente apresenta, sem relação com aparência ou imagem corporal,
colaborando no desenvolvimento da auto-estima do cliente e na dissociação de valores
das características físicas.
Assim como há a crença de valor pessoal associado à imagem corporal, é im­
portante atentar-se para outras crenças que podem estar presentes na história do cliente
(como pensamento dicotômico do tudo ou nada; pensamentos supersticiosos; impres­
sões pessoais como fatos reais; supervalorização de dificuldades e conseqüências in­
desejáveis de seu comportamento) e ajudá-lo a analisar as evidências que confirmem ou
refutem a crença (Duchesne, & Almeida, 2002). O cliente tende a atentar seletivamente
para as informações que confirmam suas crenças, ignorando ou distorcendo os dados
que poderiam questioná-las, por isso é preciso estar atento ao que é dito.
Skinner (1991) propõe que o modo mais efetivo de restaurar a crença em si
mesmo é restabelecer os sucessos, simplificando contingências de reforço. Acredita-se
que o ponto crítico, neste caso, seria a disponibilidade de repertório adequado para obter
fontes de reforçamento social. Assim, o cultivo de uma variedade de fontes de reforçamento
seria uma boa alternativa para a ocorrência de experiências bem sucedidas.
Considerando a relevância dos aspectos anteriormente citados, serão apresen­
tados dois importantes passos, que contribuem para o desenvolvimento das habilidades
acima citadas: a sessão educativa e a orientação à família.

Sessão Educativa
Inicialmente, é importante que o terapeuta forneça informações e explicações
acerca do transtorno (descrições e aspectos psicológicos), dos métodos compensató­
rios e da ocorrência dos episódios. Além disso, é importante que o cliente esteja infor­

Sobre Comportamento e Cognição 203


mado das possíveis complicações, clínicas e psicológicas, associadas aos comporta­
mentos purgativos e da baixa eficiência desse procedimento na redução do peso corpo­
ral (Duchesne, & Almeida, 2002).
O que se observa frequentemente na prática clínica é que os clientes desconhe­
cem as complicações clínicas que essas práticas podem causar. Normalmente ficam
sensíveis apenas às conseqüências imediatas de seus comportamentos, como o alívio
após um ato purgativo, já que consideram que este é um método eficiente para evitar ganho
de peso. Esclarecimentos claros precisam ser dados e mitos precisam ser desfeitos.
Dessa forma, o cliente precisa ser informado de que as complicações clínicas
relacionadas à Bulimia Nervosa vão além de conseqüências decorrentes da desnutrição
(como ressecamento e problemas de pele, queda do cabelo, unhas quebradiças, diminui­
ção do peristaltismo intestinal, entre outras). Outras complicações características da bulimia
nervosa são: machucados nas mãos, causados pelos dentes ao tentar induzir o vômito;
desgaste do esmalte dentário e conseqüente aparecimento de cáries, decorrentes da
acidez do vômito; dores abdominais; gastrite; esofagite; sangramento, podendo ocorrer até
uma perfuração esofágica (Borges, Sicchieri, Ribeiro, Marchini, & Santos, 2006).
Problemas metabólicos, irregularidade menstruai (nas mulheres), desidrata­
ção, problemas no sistema gastrointestinal (pelo uso de laxantes) e problemas
cardiovasculares, que podem resultar em uma parada cardíaca, também fazem parte
das conseqüências decorrentes das práticas associadas à bulimia (Borges et al., 2006).
É importante, também, informar o cliente de que o uso de laxantes e diuréticos
não são eficazes para o emagrecimento. Tais métodos apenas eliminam líquido do
organismo. Assim, com o compromisso de evitar o uso de tais medicamentos, o cliente
precisa ser alertado sobre possível aumento de peso, devido à retenção de líquidos, o
que não corresponde com ganho de gordura corporal (Duchesne, & Appolinário, 2001).
Essas orientações podem ser dadas no início do tratamento, mas é possível
que precisem ser retomadas em momentos mais avançados do processo terapêutico,
quando o cliente demonstra que está retomando essas práticas. Enfim, é extremamen­
te importante dar informações sobre riscos e conseqüências envolvidos na bulimia
nervosa, para que o cliente esteja ciente de que estas decorrências estão associadas
ao transtorno alimentar.
O objetivo desta sessão é levar o cliente a entrar em contato com as conseqü­
ências reais de seus comportamentos, para discriminar os efeitos que estes podem
gerar no seu organismo, podendo alterá-lo drasticamente e até adoecê-lo. É importante
ajudar o cliente a reestruturar regras a respeito de suas práticas.

Orientações para a família


Hodes et al. (1991) descrevem algumas características comuns encontradas
em famílias de pacientes bulímicos. Segundo os autores, a família costuma dar dema­
siada importância para a opinião dos outros, característica que vem acompanhada de
um alto nível de exigência. Os membros da família, geralmente, apresentam dificuldade
de comunicação e de expressão clara de sentimentos, dificultando a solução de confli­
tos. Além disso, os pais (ou um deles) costumam fazer muito pelo filho, buscando
sempre estar no controle da situação. Heller (2003) acrescenta que é comum que um
dos pais esteja envolvido em dietas, prática exacerbada de atividades físicas e/ou ci­
rurgias plásticas, ou seja, apresentam preocupação exagerada com peso e corpo.
Tendo em vista esse padrão descrito, as sessões de orientação com a família

204 Myma Elisa Chagas Coelho-Matos, Carina Paula Costelini, Bruna Troia Pitelli
visam possibilitar que os membros familiares, aliados ao cliente e ao terapeuta, se
tornem colaboradores e facilitadores das mudanças desejadas. Assim, o objetivo das
sessões é aumentar a capacidade de comunicação entre os membros da família,
melhorar as estratégias para solução de conflitos e fazê-los estabelecer, juntos, novos
limites entre si. Para isso, é fundamental discutir as percepções e regras distorcidas,
transmitir informações sobre o transtorno e passar orientações sobre a importância da
empatia, da valorização e da aceitação (Hodes et al.. 1991)
Nem sempre a família é colaborativa. Algumas vezes, a família é resistente às
mudanças necessárias e, em alguns casos, chega até a se recusar a participar do
atendimento. Nessas situações, deve-se trabalhar com o cliente a aceitação e diminui­
ção da expectativa em relação à família, além de estimular comportamentos mais inde­
pendentes e autônomos (Duchesne, & Appolinário, 2001).

Considerações Finais
O processo terapêutico tem como objetivo identificar os eventos antecedentes
e conseqüentes dos comportamentos em questão através da análise funcional, seja
em casos de bulimia ou em qualquer outro caso, para compreender as dificuldades
que o cliente apresenta.
É somente a partir disso que o terapeuta pode, baseado na análise de antece­
dentes e mantenedores do comportamento, selecionar e utilizar estratégias alternati­
vas, tendo assim condições de trazer resultados benéficos para o cliente.

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Sobre Comportamento e Cognição 205


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206 Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos, Carina Paula Costelini, Bruna Troia Pitelli
Capítulo 19
O desenvolvimento de comportamentos
de civilidade e a orientação de
país na psícoterapia infantil.
Myma Elisa Chagas Coelho-Matos
UEL, IACEP

Maurício dos Santos Matos


USP-Ribeirão

1. Considerações iniciais
Os problemas de conduta anti-social em crianças fazem parte das queixas
mais freqüentes no cotidiano clínico. Muitos pais buscam a psicoterapia com a expec­
tativa de que o psicólogo possa ajudá-los a entender as causas dos comportamentos
anti-sociais de seus filhos e fornecer orientações sobre como lidar com esses com­
portamentos, já que, muitas vezes, os pais não conseguem exercer um efetivo controle
sobre seus filhos.
O termo “problemas de conduta” pode ser considerado um termo polissêmico
referindo-se, geralmente, a problemas de baixo autocontrole, incluindo comportamen­
tos agressivos e oposicionais, hiperatividade, acessos de raiva, lamentações, irritação
e discussões excessivas (Kazdin,1991). Esses comportamentos podem variar signifi­
cativamente quanto ao tipo e à severidade, variando desde um comportamento indócil
de crianças pequenas até a delinqüência entre adolescentes sentenciados (Stoff,
Breiling, & Maser, 1997; Kazdin, 1991).
Marinho, & Caballo (2001), baseados em pesquisas sobre o tema, corrobo­
ram com esta idéia e afirmam que há evidências sugerindo que condutas de oposição,
como desobediência, sejam precursoras do desenvolvimento de formas mais graves
de comportamento anti-social. Estes autores afirmam que os problemas de conduta
tendem a progredir dos comportamentos relativamente menos graves (como desobe­
decer, gritar) para outros mais disruptivos (agredir, roubar); dos explícitos (como desa­
fiar, agredir) para os ocultos (como mentir, roubar); e do ambiente familiar para a escola
e para outros contextos da comunidade.
A análise de centenas de casos nas últimas décadas (Patterson, 1986;
Patterson, De Baryshe, & Ramsy, 1989; Patterson, Reid, & Dishion, 1992) tem indicado
que os membros familiares, inadvertidamente, provêem contingências reforçadoras

E -m ails d o s a u to re s : m a u m a to s @ ffd rp usp br; m y m a p s ic o @ b o l c o m b r

Sobre Comportamento e Cognição 207


para o comportamento infantil coercitivo e falham em prover suporte para os comporta­
mentos pró-sociais. À medida que o problema torna-se mais freqüente e mais extremo,
generaliza-se para outros ambientes sociais da criança.
Esses estudos propõem que o início do processo ocorre com uma falta na
efetividade parental em disciplinar seu filho, favorecendo um incremento nas trocas
coercitivas entre criança e demais membros da família. Esta prática leva a criança a
descobrir que comportamentos aversivos, tais como choramingar, lamuriar-se, gritar,
agredir ou ter acessos de raiva, são efetivos em cessar os comportamentos aversivos
dos outros membros da família, podendo, além disso, produzir diretamente reforço
positivo.
Dessa forma, a orientação de pais, dentro da análise do comportamento, é
considerada uma parte fundamental para se conseguir uma mudança no comporta­
mento da criança. O cotidiano clínico tem demonstrado que, quando se consegue a
colaboração e o envolvimento verdadeiro dos pais no processo terapêutico de seus
filhos, os resultados são visivelmente mais satisfatórios, tanto em termos de mudan­
ças de conduta quanto ao tempo reduzido em que essas mudanças ocorrem. É nesse
panorama que este trabalho busca sistematizar aspectos relevantes associados a esta
problemática, emergidas das experiências acumuladas nos últimos anos nas atividades
de supervisão clínica no Núcleo de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina
(UEL) e no Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicoterapia (IACEP),
detalhando etapas e momentos relacionados às intervenções do terapeuta junto aos
pais no trabalho clínico comportamental em terapia infantil.

2. Adesão dos pais ao processo terapêutico dos filhos: contatos ini­


ciais com os pais
A adesão dos pais ao processo terapêutico constitui-se como etapa determinante
para o sucesso do trabalho clínico realizado pelo psicólogo junto aos pais. Muitos dos
aspectos que interferem na adesão dos pais à terapia de seus filhos podem estar fora
do controle do terapeuta, podendo citar: características pessoais pouco colaborativas,
padrões de comportamentos refratários a mudanças e horários de trabalho inflexíveis,
entre outros fatores. Porém, há outros aspectos relevantes que mostram-se mais
suceptíveis ao controle do terapeuta e que devem ser considerados em qualquer traba­
lho clínico que envolva essa problemática. Neste trabalho, serão descritos três desses
aspectos que foram considerados de maior relevância na prática clínica: acolhimento,
cumplicidade/parceria e responsabilização.
O acolhimento é um dos principais aspectos na prática clínica em psicoterapia
infantil, correspondendo à forma inclusiva com que os pais são recebidos pelo terapeuta
nas sessões de avaliação. Essa forma de recepção possibilita ao terapeuta a criação
de um ambiente de aceitação e acolhimento incondicional dos sentimentos dos pais,
viabilizando espaços para a livre expressão de suas angústias, temores, dificuldades e
fraquezas na educação de seus filhos.
É comum, nos casos clínicos, em que a queixa principal dos pais se referem às
condutas anti-socias de seus filhos, que eles estejam sendo, há algum tempo, subme­
tidos a condições estressoras relacionadas a essas condutas que geram comporta­
mentos de irritação e intolerância. Nesse contexto, há a necessidade de uma comuni­
cação aberta com os pais que envolva compreensão e empatia e que demonstre, por
meio de análises funcionais breves, que todos esses sentimentos são naturais, pois
são frutos das contingências aversivas que estão sendo vivenciadas. Além disso, cabe

208 Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos, Mauricio dos Santos Matos


ao terapeuta diferenciar comportamentos encobertos de outras manifestações públi­
cas desses sentimentos, já que pais que se encontram nessa condição tendem a ser
menos responsivos aos comportamentos adequados de seus filhos e altamente puni­
tivos, tanto verbal quanto fisicamente, em relação aos comportamentos inadequados.
Em outro extremo estão os pais exageradamente permissivos ou que se en­
contram em estado de desamparo aprendido, caracterizado pelo sentimento de incapa­
cidade e fracasso, devido ao esgotamento dos recursos e estratégias pessoais para
resolver o problema da conduta anti-social dos filhos.
A cumplicidade/parceria caracteriza um segundo aspecto fundamental nos
contatos iniciais do terapeuta com os pais, trazendo tranqüilidade e a oportunidade de
ressaltar aspectos positivos de suas condutas como pais, apontando acertos e estabe­
lecendo a terapia como uma possibilidade de novos aprendizados e de crescimento
para toda a família. Neste caso, o psicólogo age como um facilitador deste processo e
não como alguém que se utiliza de seu conhecimento teórico e prático para subjugar os
pais. O psicólogo infantil deve buscar uma aliança com os pais que possibilite a apren­
dizagem de todos os envolvidos. Para isso, é essencial que seja repassado um maior
número de informações possíveis sobre como se dará a condução do processo, quantas
sessões de avaliação serão feitas com a criança, quando se dará a devolutiva, quantas
sessões mensais os pais precisarão fazer, etc.
A responsabilização dos pais em relação à sua importância na participação da
terapia aparece como o terceiro aspecto a ser considerado. Nessa direção, o terapeuta
possui um importante papel na busca de uma maior participação, engajamento e
conscientização dos pais em relação ao seu papel na determinação e manutenção dos
comportamentos dos filhos, alertando sobre as implicações negativas que um baixo
envolvimento dos pais podem trazer ao processo, já que pais e mães exercem papéis
particulares e intransferíveis na educação dos filhos.

3. Intervenção Junto aos Pais: etapas fundamentais


Muitas são as possibilidades de atuação do terapeuta em ações de mediação
com os pais durante o processo terapêutico com crianças apresentando problemas de
conduta social. No entanto, as experiências acumuladas nos últimos anos, nas diferen­
tes atividades desenvolvidas na UEL e no IACEP, possibilitaram o equacionamento e
sistematização de alguns procedimentos, que mesmo distante de serem prescritivos e
de assumirem aspectos generalizáveis e conclusivos, são apresentados neste texto na
perspectiva de servir como possíveis sugestões que se mostraram meritórias na con­
dução de processos terapêuticos dentro de uma realidade particular

Primeiro Momento: Informações e Análises Funcionais


Diferentes níveis de gravidade dos comportamentos delinqüentes emergem
gradualmente ao longo da infância e adolescência evoluindo em freqüência, intensida­
de e complexidade. Esses comportamentos iniciam-se na primeira infância e vão se
agravando com o passar dos anos, associando-se a outros comportamentos anti­
sociais mais graves.
Sendo assim, é aconselhável que o terapeuta conscientize os pais sobre o
papel da determinação ambiental no desenvolvimento dos comportamentos anti-socais,
bem como sobre a sua gênese e evolução, de forma a esclarecer dúvidas e reestruturar
regras relacionadas ao determinismo interno.

Sobre Comportamento e Cognição 209


Por mais estranho e desajustado que se apresente um comportamento, este
deve ser analisado como se obedecesse a princípios ou leis gerais que se aplicam a
toda conduta humana (Gôngora, & Sanfana, 1987), entendendo que o comportamento
humano é aprendido e ocorre em função não só de eventos antecedentes, como a
história de vida e os estímulos discriminativos, mas também em função dos eventos
conseqüentes, como os estímulos reforçadores e aversivos (Abib, 1997).
Neste ponto, é importante que sejam apresentadas as análises funcionais
relacionadas aos comportamentos da criança, enfatizando que o processo avaliativo é
dinâmico e que novas hipóteses podem ser aventadas a todo momento. Quanto a esse
procedimento, é importante certificar-se que os pais, de fato, compreenderam a explica­
ção, pedindo que verbalizem sobre a análise feita e que dê suas opiniões sobre elas.
No entanto, a apropriação dessas informações só serão efetivas quando se concretiza­
rem em atitudes que ilustrarão o emergir de uma nova competência na relação dos pais
com os filhos.

Segundo Momento: Orientações práticas que articulam e relacionam


pais e escola
A escola desempenha um papel importante, não só na formação cultural dos
alunos, como também na formação do seu comportamento moral e social. O
envolvimento da criança em atividades saudáveis que exploram suas habilidades cria
condições para o fortalecimento de sua auto-estima, autoconfiança, autocontrole e vín­
culo com o próximo.
Os pais precisam estar em cumplicidade com a escola e as regras de boa
conduta precisam ser compartilhadas e cobradas das crianças e adolescentes. Caso
haja infração do que foi previamente acordado é necessário que haja conseqüências.
Tais conseqüências são administradas pela escola e pelos pais e precisam ser pro­
porcionais ao erro cometido, assim como, à maturidade da criança. Porém, mais impor­
tante que isso, é proporcionar à criança oportunidades para aprender comportamentos
alternativos e evitar que novos atos delinqüentes ocorram. Não basta punir o comporta­
mento inadequado, é importante que ela se sinta valorizada pelos comportamentos
adequados que apresenta e pela pessoa que ela é. Caso contrário, comportar-se de
forma opositora passa ser a melhor forma de ser percebida e de obter atenção. Escola
e pais precisam ser cúmplices, trabalhando em uma mesma direção para ajudar a
criança a desenvolver condutas de civilidade.
Neste momento, é importante que se discuta com os pais as análises realiza­
das a partir das avaliações feitas na escola da criança (no caso esta já deverá ter sido
realizada). Considera-se adequado estimular os pais a entrar em sintonia com a esco­
la, de forma que as conseqüências administradas na escola não entrem em atrito com
as escolhidas pelos pais. Caso os posicionamentos de pais e escola sejam muito
incompatíveis, cabe ao psicólogo entender as causas dessa incompatibilidade e verifi­
car as possibilidades de harmonia. Caso isso não seja possível, a troca de escola pode
ser considerada levando em conta os sentimentos e o bem estar da criança envolvida.

Terceiro Momento: Alternativas e Novas Práticas Educativas Basea­


das nos Princípios da Análise do Comportamento
Neste terceiro momento, o psicólogo deve apresentar aos pais alternativas
educativas, ou seja, novas estratégias que possam promover a redução dos comporta­

210 Myma Elisa Chagas Coelho-Matos, Mauricio dos Santos Matos


mentos anti-sociais e aumentar comportamentos de civilidade. Uma possibilidade se­
ria explicar sobre as formas de aquisição de comportamentos, descrevendo sobre as
aprendizagens comportamentais por meio de modelação, instrução verbal e modela­
gem. Na modelação, é necessário mostrar aos pais a importância desse aprendizado
e dos papéis deles como principais modelos para seus filhos. É importante que os pais
saibam que aqueles comportamentos que desejam que seus filhos apresentem se­
jam espelhados em sua própria conduta, já que serão imitados por seus filhos tanto
nos padrões adequados como nos inadequados. Na Instrução verbal, busca-se escla­
recer aos pais que seus filhos aprenderão regras, valores e princípios através dos
diálogos com eles. Quanto mais fortalecido o vínculo parece que melhor se torna “o
peso das palavras” dos pais. Também se faz necessário ajudar os pais a entender que
seus discursos verbais precisam ser compatíveis a idade e ao grau de maturidade da
criança. E, por último, a modelagem implica em ensinar aos pais a administrarem de
forma consistente as conseqüências, estabelecendo regras nas quais as conseqüên­
cias descritas possam ser, de fato, cumpridas. Nesse processo, a explicação sobre a
importância do reforço positivo para elevar freqüências de comportamentos e o estímu­
lo para a redução de padrões coercitivos de interação e aumento de interações positi­
vas, são pontos importantes a serem trabalhados, assim como o uso do processo de
extinção para os comportamentos indesejáveis.
Além dos aspectos levantados no recorte estabelecido neste texto baseado em
experiências práticas desenvolvidas nos últimos anos num contexto específico, muitos
outros aspectos poderão ser considerados e tratados como relevantes em diferentes
perspectivas e dimensões no trabalho de psicoterapia infantil. A reflexão sobre a prática
desenvolvida sob a luz dos referenciais teóricos da psicologia comportamental mostra
que quando terapeuta e pais formam uma aliança de cumplicidade e comprometimento
genuíno para beneficiá-la, tornam-se eles grandes aprendizes e, conseqüentemente,
possíveis multiplicadores dessa aprendizagem, visando o bem estar da criança em
primeiro lugar.

Referências

Abib, J. A. D. (1997). Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia. São Carlos: EDFSCAR.


Gôngora, M. A. N., & Sant’Anna, R. C. (1987). Uma proposta behaviorista no contexto clínico.
Conferência apresentada no I Congresso de Terapeutas Comportamentais de Brasília. Brasília (DF),
Departamento de Psicologia da FAFI-CEUB/DF.
Kazdin, A . E. (1991). Effectives of psychoterapy with children and adolescents. Journal o f Consult­
ing and clinicai psychology; 59 (6), 785-798
Marinho, M. L., & Caballo, V. (2001). Da desobediência infantil à personalidade anti-social em adultos.
Pediatria Moderna, 37, 94-99.
Patterson, G. R. (1986). Performance models for antisocial boys. American Psychologist 41, 432-
444
Patterson, G. R., Debaryshe, B. D., & Ramsey, E. (1989). A developmental perspective on antisocial
behavior, American Psychologist, 44 (2), 329-335.
Patterson, G. R., Reid, J. B., & Dishion, T. J. (1992). Antisocial boys. Eugene, OR: Castalia.
Stoff, D., & Breinling, J., & Maser, I. D. (1997). Handbook of antisocial behavior research: an
introduction. New York, NY: John Wiley & Sons.

Sobre Comportamento e Cognição 211


Capítulo 20
A Liga do Comportamento - UFC e seu
papel no desenvolvimento e divulgação
da Análise do Comportamento no
Estado do Ceará.

Natália Santos Marques1


Ariela Oliveira Holanda2
Elaine Esmeraldo Nogueira3

U F C - Universidade Federal do Ceará

Conforme aponta Tourinho (2006), a Análise do Comportamento tem se de­


senvolvido e se disseminado no Brasil consideravelmente, nas últimas décadas, prin­
cipalmente após a criação da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina
Comportamental, entidade fundada em 1991 com o objetivo de congregar estudantes
e profissionais vinculados á Análise do Comportamento (AC) e áreas afins (htto://
www.9bprriç-Qrg8kr)-
Entretanto, diferente do panorama geral brasileiro, especialmente da região
sul do país, o nordeste apresenta, ainda hoje, enorme escassez quanto ao número de
profissionais e atividades relacionadas à Análise do Comportamento. Um indicador de
tal afirmação é o fato de, até o presente momento, não existir, em todo o nordeste, um
único programa de pós-graduação Stricto Sensu ao qual esteja vinculado pelo menos
um professor orientador na área de Análise do Comportamento (http://
www.portalbrasil.eti.br).
Frente a tais condições de privação de informações e de formação na área,
alguns grupos de estudantes criaram, em suas universidades, as ligas acadêmicas
de Análise do Comportamento. A partir dessas ligas se iniciou um processo de integração
entre os interessados em aprofundar conhecimentos na área, bem como de interação
com profissionais de diferentes regiões do país, por meio da promoção de eventos
científicos e intercâmbios. O presente artigo tem como objetivo apresentar uma dessas

1nataliamara@vahoQ.com.br
2ariela oliveira@hQtmail.CQm
3 lavnesmeraldo@Qmail.cQm

Agradecemos a Anderson de Moura Lima - Professor de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí, pela formulação da proposta original da
Associação, em parceria com a Liga do Comportamento - UFC.

212 Natália Santos Marques, Ariela Oliveira Holanda, Elaine Esmeraldo Nogueira
ligas acadêmicas, a Liga do Comportamento - UFC, sua história e atividades, e discutir
eventuais estratégias como forma de contribuição para o fortalecimento da Análise do
Comportamento na Região Nordeste.

A Liga do Comportamento - UFC


A Liga do Comportamento - UFC, projeto de extensão surgido no início de 2005
no curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, diz respeito a uma iniciativa
estudantil em meio à necessidade de aprofundamento de conhecimentos acerca da
Análise do Comportamento e da promoção de sua divulgação no Nordeste.
Originalmente, a Liga do Comportamento - UFC foi estruturada na condição de
grupo de estudos, sob orientação do então estudante e atualmente mestre em Teoria e
Pesquisa do Comportamento Aécio de Borba Vasconcelos Neto. A essa época, a univer­
sidade se encontrava sem professor efetivo da área de Análise do Comportamento,
razão pela qual a Liga permaneceu na condição de grupo de estudos durante dois
anos.
Posteriormente, com a conclusão do doutorado do professor Dr. João lio Coe­
lho Barbosa, e seu retorno à UFC, o então grupo de estudos foi promovido à condição de
projeto de extensão, em 2006, aglutinando, além das atividades de extensionistas,
trabalhos voltados ao ensino e à pesquisa, conforme será posteriormente explicitado.
Atualmente, a Liga do Comportamento é constituída por sete membros efetivos,
cujas funções são acordadas a cada 6 meses, durante a reunião de planejamento de
atividades do semestre, não existindo hierarquia entre as funções, de modo que as
atividades são planejadas e organizadas por meio da formação de comissões.

Atividades realizadas
1.OsGEBAC’s
Transcorrido o primeiro ano de formação, ainda na condição de grupo de estu­
dos, em 2005, a Liga do Comportamento criou um grupo voltado para os alunos dos
primeiros semestres do curso, o Grupo de Estudos Básicos em Análise do Comporta­
mento (GEBAC), o qual tinha como objetivos:
1. Criar um ambiente de iniciação aos estudos em Análise do Comportamento
para os alunos dos semestres iniciais do curso de Psicologia da UFC;
2. Estabelecer contingências para a difusão da AC na universidade;
3. Propiciar um espaço de discussão entre os membros do grupo, com participa­
ção ativa desses;
4. Permitir aos membros da Liga do Comportamento a experiência docente.
Posteriormente, o GEBAC ganhou continuidade, passando a integrar um total de
três grupos voltados ao estudo da Análise do Comportamento: GEBAC I; GEBAC
II e o grupo de capacitação da Liga.
O GEBAC I tem duração semestral e é integrado por membros da Liga do Com­
portamento (facilitadores do grupo) e alunos do primeiro semestre do curso de Psicolo­
gia da UFC (público-alvo), que se reúnem semanalmente nas dependências da universi­
dade a fim de discutir a bibliografia proposta pelos facilitadores do grupo. No decorrer do
GEBAC I, são apresentados os conceitos básicos em AC e é discutida a visão de homem
presente no Behaviorismo Radical, de modo que os próprios alunos encarregam-se de
apresentar o texto proposto pelos facilitadores, iniciando as discussões no grupo.

Sobre Comportamento e Cognição 213


O GEBAC II, por sua vez, consiste na continuação dos estudos iniciados no
GEBAC I, de modo a aprofundar as discussões e a apresentar a Análise do Comporta­
mento Aplicada.
Afim de se avaliar a relevância do GEBAC na aprendizagem e difusão da AC em
um grupo de estudantes que concluíram o GEBAC I e/ou o GEBAC II em 2007.2 ou
2008.1, foi solicitado que os mesmos respondessem a um questionário, composto de
questões objetivas, além de um espaço extra para críticas e comentários. Entre os
quesitos contidos no questionário, estavam: a contribuição do grupo no que concerne à
aprendizagem e divulgação da AC, a adeqüabilidade da metodologia, a bibliografia
utilizada e a carga horária oferecida. De um total de 26 questionários respondidos, os
resultados foram os seguintes;
100% dos alunos consideraram que o grupo contribuiu, total ou parcial­
mente, com o esclarecimento de dúvidas relativas á AC;
84,62% acreditam que o GEBAC serviu, total ou parcialmente, de espaço
difusor da AC;
69.24% dos questionados julgaram a metodologia total ou parcialmente
. satisfatória;
88.47% consideraram a carga horária total ou parcialmente suficiente;
88.47% dos questionados avaliaram o material didático como total ou par­
cialmente adequado/suficiente.
61.53% dos alunos atribuíram notas maiores ou iguais a 7 ao GEBAC no
que diz respeito ao alcance dos objetivos citados.
Tendo em vista os dados obtidos, considerou-se relevante a modificação da
metodologia utilizada, de modo que foram excluídas determinadas bibliografias julgadas
“aversivas” por parte dos alunos, bem como incluídos procedimentos didáticos tais
como a análise de filmes e o uso de entrevistas dentre os textos didáticos, tais como as
oferecidas por Skinner à Revista Veja (Revista Veja, 15 de junho de 1983; Revista Veja,
25 de setembro de 1974)1.
Quanto ao grupo de capacitação da Liga, por fim, este diz respeito às reuniões
semanais dos membros efetivos da Liga do Comportamento, nas quais são estudados
temas previamente definidos no início de cada semestre letivo. Embora tais reuniões
estejam prioritariamente direcionadas à capacitação teórica dos membros do projeto, o
grupo aceita visitações de outros estudantes ou interessados na temática, de modo
que freqüentemente participam das capacitações estudantes do curso de Psicologia
da UFC não vinculados ao projeto, dinamizando as discussões e contribuindo funda­
mentalmente com o andamento da atividade.
Assim, em suma, a Liga do Comportamento - UFC oferece um total de três
grupos que funcionam como meio de aprendizagem e difusão da AC, estabelecendo
condições para o desenvolvimento de um conhecimento mais sólido nesta área.

2. Parceria com o GAPA


A partir da promoção da Liga do Comportamento - UFC à condição de projeto de
extensão da universidade, suas atividades passaram a contemplar não apenas os
objetivos acadêmicos, a saber, o estudo e divulgação da Análise do Comportamento,
mas também os objetivos sociais que permeiam as práticas extensionistas da univer­
sidade. Desse modo, como meio de aplicação da tecnologia comportamental à socie­

214 Natália Santos Marques, Ariela Oliveira Holanda, Elaine Esmeraldo Nogueira
dade, o então projeto de extensão desenvolveu uma parceria com o Grupo de Apoio à
Prevenção à AIDS (GAPA), por meio da qual foram desenvolvidos atendimentos
psicoterapêuticos semanais a pacientes portadores de AIDS/ HIV vinculados à ONG.
O GAPA diz respeito a uma organização não governamental sem fins lucrativos,
fundada em 1989, que tem como objetivo o estabelecimento de uma política eficiente de
saúde pública ligada ao HIV/AIDS no Brasil. Desse modo, atua, dentre outras atividades,
na assistência a portadores do vírus em diversos estados do país, dentre os quais o
estado do Ceará, com o qual foi desenvolvida a referida parceria (http://
www.gaparp.org.br).
Participaram ativamente da parceria os membros da Liga do Comportamento
com experiência em atendimento clínico, vinculados na condição de estagiários à Clíni-
ca-Escola de Psicologia da UFC, de modo que os atendimentos oferecidos ao GAPA
eram realizados nas dependências da universidade. Com a conclusão de cursó de tais
membros, entretanto, foram paralisadas as atividades com o GAPA, visto que não mais
havia, no grupo, membros suficientes com experiência em atendimento clínico.
De todo modo, ainda que tenham sido interrompidas prematuramente, ao final
de apenas um ano, as atividades desenvolvidas na ONG em questão, além de oferece­
rem um serviço psicológico gratuito e de qualidade a uma parcela da sociedade, contri­
buíram substancialmente com a formação profissional dos membros do grupo, cuja
experiência lhes permitiu a aprendizagem empírica da tecnologia comportamental em
contexto clínico.

3. Pesquisas
No que diz respeito às pesquisas realizadas, estas se dão enquanto iniciativa
voluntária dos membros do grupo, visto que não há nenhuma fonte de financiamento ou
ajuda de custos. Desse modo, dentre as atividades da Liga do Comportamento relati­
vas à pesquisa, pode-se citar o desenvolvimento de dois projetos, em andamento.
O primeiro projeto foi desenvolvido e orientado pelo Prof. Dr. João lio Coelho
Barbosa, com auxílio da Liga do Comportamento, além da participação de estudantes
matriculados na disciplina “Pesquisa em Psicologia”. Esse tem como objetivo observar
se o tempo de experiência com atendimentos clínicos constitui-se como uma variável
relevante para as referências do cliente aos seus sentimentos, emoções e estados
motivacionais, para as intervenções do terapeuta frente a essas referências ou para a
evolução dos problemas ou queixas relatadas.
A fim de desenvolver tal análise, serão considerados dois casos clínicos, com­
parados quanto aos tipos e freqüências de verbalizações realizadas por terapeutas e
clientes, a partir dos registros das sessões conduzidas. O primeiro caso será o mesmo
utilizado na pesquisa que serviu de base para a elaboração da tese de doutorado do
professor-orientador desta pesquisa, portanto, já registrado, transcrito e analisado de
acordo com as categorias desenvolvidas por Tourinho (2004). O segundo caso clínico,
por sua vez, atendido por outro psicólogo clínico de orientação analítico-comportamental
com mais de 10 anos de experiência clínica, está sendo transcrito e analisado através
dos mesmos instrumentos empregados na categorização do primeiro caso.
Os resultados obtidos poderão contribuir para um melhor conhecimento das
variáveis que interferem no processo terapêutico e para o aperfeiçoamento do ensino
da prática clínica comportamental.
No que se refere ao segundo projeto de pesquisa em andamento, este consis­
te em uma iniciativa dos membros fundadores da Liga do Comportamento, em parceria

Sobre Comportamento e Cognição


com os atuais membros. A pesquisa tem como objetivo investigar o valor reforçador
adquirido pelo estímulo antecedente após condicionamento discriminativo, verificando
a relação com o tempo de treino discriminativo. Para o desenvolvimento do estudo,
serão utilizados seis ratos fêmeos da raça Wistar, advindos do Biotério Central da Uni­
versidade Federal do Ceará, os quais serão submetidos à experimentação. A metodologia
a ser empregada para a contemplação dos objetivos explicitados, entretanto, encontra-
se, ainda, em formulação.
De todo modo, ainda que consista em uma tentativa preliminar e simplificada,
entende-se que a formulação e desenvolvimento do projeto, assim como o anterior­
mente mencionado, são de fundamental importância à iniciação científica dos pesqui­
sadores, contribuindo para sua aprendizagem e amadurecimento profissional.

4- Eventos Científicos e Conquistas Acadêmicas


Já no início de sua formação, a Liga do Comportamento preocupou-se com o
desenvolvimento de eventos científicos relativos á Análise do Comportamento, meio
pelo qual poderia contemplar um de seus objetivos mais importantes: a promoção e
divulgação da Análise do Comportamento no Nordeste.
Desse modo, a Liga organizou, ainda na condição de grupo de estudos e em
parceria com alunos e professores da Universidade de Fortaleza (Unifor), o X Encontro
Cearense de Análise do Comportamento, realizado na UFC.
Posteriormente, após a promoção do grupo à qualidade de projeto de extensão
da universidade, em 2006, foi organizado, tradicionalmente em parceria com a Unifor, o
XI Encontro Cearense de Análise do Comportamento.
Frente à crescente movimentação estudantil em torno dos temas relativos à
Análise do Comportamento e à constante participação dos membros da Liga nas reuni­
ões do Departamento de Psicologia, foi acordada a contratação de mais um professor
da área. Foi então que se deu a contratação da prof1Daniely lldegardes Brito Tatmatsu,
no ano de 2007.
Nesse mesmo ano, em meio às precárias instalações do laboratório de Psico­
logia Experimental, no qual eram realizados os experimentos relativos à Análise Experi­
mental do Comportamento, a Liga do Comportamento promoveu, junto à então coorde­
nadora do curso de Psicologia, profa Daniely lldegardes Brito Tatmatsu, o Fórum de
Laboratórios de Análise Experimental do Comportamento do Ceará, que contou com a
presença do Prof. Nicodemos Batista Borges - Representante da ABPMC.
Ainda em 2007, o grupo deu continuidade à expansão da Análise do Comporta­
mento, meta vislumbrada desde os primórdios de sua criação, realizando, com a Unifor,
o II Encontro Nordestino de Análise do Comportamento, que contou com a presença de
inúmeros profissionais e estudantes de outros estados, dentre os quais alguns mem­
bros de um grupo estudantil semelhante à Liga do Comportamento, formada na Univer­
sidade Estadual do Piauí: a Liga Acadêmica de Análise do Comportamento do Piauí
(LiAAC). Estreitados os vínculos, foi sugerido, por parte da organização do II Encontro
Nordestino, a realização do III Encontro Nordestino de Análise do Comportamento no
estado do Piauí, sob organização da LiAAC.
Tendo sido realizado o III Encontro Nordestino no estado do Piauí, devidamente
prestigiado por membros da Liga do Comportamento, o ano de 2008 contou com a
realização, por parte da Liga do Comportamento e da Unifor, do XIII Encontro Cearense
de Análise do Comportamento. Durante esse último, foi sugerido pelo Prof. Dr. Lincoln

216 Natália Santos Marques, Ariela Oliveira Holanda, Elaine Esmeraldo Nogueira
da Silva Gimenes, palestrante do evento, a realização de um simpósio intitulado “Inser­
ção e manutenção da Análise do Comportamento no Nordeste: O papel das Ligas
Acadêmicas”, idéia prontamente acatada e efetivada pelos membros das duas ligas
acadêmicas (Liga do Comportamento e LiAAC) durante o XVII Encontro da ABPMC.
Desse modo, o presente artigo resulta da apresentação do referido simpósio,
durante a qual foram discutidas estratégias para o fortalecimento da Análise do Com­
portamento na Região Nordeste, tais como as propostas a seguir.

Associação Nordestina de Análise do Comportamento: Estratégias


para o fortalecimento da Análise do Comportamento no Nordeste
Ao tratar da disseminação da Análise do Comportamento no Brasil, Tourinho
(2006) aponta que, embora tenha crescido substancialmente nas últimas décadas, a
organização e representação da comunidade científica em Análise do Comportamento
no país permanece um desafio. Na região Nordeste, especificamente, esse desafio
torna-se ainda mais contundente, visto que, a essa, somam-se outras dificuldades, tais
como o restrito número de analistas do comportamento e a inexistência, até o presente
momento, de um programa de pós-graduação Strito Sensu em Análise do Comporta­
mento.
Tendo em vista tais condições, a Associação Nordestina de Análise do Compor­
tamento consiste em uma proposta da Liga do Comportamento - UFC, em parceria
com o Prof. Anderson de Moura Lima, professor de Psicologia da Universidade Estadual
do Piauí, que tem como objetivo geral a constituição de um espaço que favoreça a
organização e integração da comunidade analítico-comportamental no Nordeste.
Desse modo, a exemplo do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Bra­
sileira (FENPB), que é composto, hoje, por 20 entidades de âmbito nacional, a Associ­
ação Nordestina de Análise do Comportamento consistiria na reunião de entidades,
porém de âmbito regional e relativas à Análise do Comportamento, sejam elas científi­
cas, profissionais, sindicais ou estudantis. Por meio da Associação, poder-se-ia vis­
lumbrar, no Nordeste, uma maior integração, organização e promoção da Análise do
Comportamento, bem como uma tentativa de transpor uma problemática comum à toda
a comunidade analítico-comportamental, conforme aponta Tourinho (2006):

“À parte do que acontece na relação com a comunidade mais ampla da psicologia,


internamente a comunidade de análise do comportamento tem enfrentado um outro
problema crucial: a falta de um sistema ágil e eficiente de troca de informações
acerca da organização e financiamento da atividade de pesquisa no pais. Assim,
informações relevantes sequer chegam a ser compartilhadas com os pesquisado­
res em análise do comportamento, pela falta de uma instância que possa se
ocupar disso” (Tourinho, 2006, p.236).

Como exemplos de possíveis estratégias e atividades a serem desenvolvidas


pela Associação, pode-se citar:
Criação de uma base de dados sobre a Análise do Comportamento no
Nordeste (associações existentes, profissionais atuando na região, cursos de
formação, dentre outras informações), de modo a sistematizar e divulgar infor­
mações relevantes para o desenvolvimento da Análise do Comportamento na
região;

Sobre Comportamento e Cognição 217


Criação de um site enquanto veículo de troca de informações entre as enti­
dades constituintes da Associação, bem como demais interessados. Tal veículo
obedece às características apontadas por Tourinho (2006) como aquelas ne­
cessárias à organização e representação da comunidade analítico-
comportamental: “sistema ágil e eficiente de troca de informações”;
Criação de uma agenda anual de cursos e eventos nordestinos de Análise
do Comportamento, de modo a facilitar a divulgação e visibilidade de tais even­
tos.
Realização de pesquisas e diagnósticos acerca da Análise do Comporta­
mento no Nordeste;
Convocação e mobilização da Comunidade Analítico-Comportamental em
torno de questões relevantes para o seu desenvolvimento;
Propor inovações tanto no ensino, na pesquisa e na extensão da Análise do
Comportamento no Nordeste;
Exercitar a representação institucional em espaços de interesse da Análise
do Comportamento;
Servir de meio educativo e incentivador da formação de novas entidades
científicas, entidades profissionais, grupos de estudos e outras organizações
não-governamentais concernentes à Análise do Comportamento;
Criação de um boletim de divulgação e um espaço de publicação de produ­
ções científicas relativas à AC.
Embora consista, até então, em uma proposta incipiente e sejam necessárias,
por essa razão, algumas reformulações, a Associação Nordestina de Análise do Com
portamento diz respeito a uma tentativa de promover o diálogo e a integração da comu­
nidade analítico-comportamental nordestina, de modo que as dificuldades apontadas,
presentes na região, possam ser suplantadas, em benefício da comunidade científica.

Referências

Barbosa, J. I. C. (2006) Análise das funções de verbalizações de terapeuta e cliente sobre


sentimentos, emoções e estados motivacionais na terapia analítico-comportamental. Tese de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Universidade
Federal do Pará. Belém, Pará.
Tourinho, E. Z. (2004). Categorias relativas às funções básicas das verbalizações do terapeuta.
Manuscrito não publicado.
Tourinho, E. Z. (2006). Organização e representação da comunidade científica em análise do
comportamento no Brasil. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. 2006, 8(2)., p
232-236.

218 Natália Santos Marques, Ariela Oliveira Holanda, Elaine Esmeraldo Nogueira
Capítulo 21
Proposta de Análise Funcional das
Dísfunções Temporomandibulares
Neyfsom Carlos Fernandes Matias
Consultório Particular

1. Introdução
As Dísfunções Temporomandibulares (DTMs) têm sido objeto de estudo de
profissionais de diversas áreas como a Fonoaudiologia, Fisioterapia, Psicologia e,
principalmente pela Odontologia área em que há mais estudos acerca do tema. Até
mesmo no que tange aos aspectos psicológicos relacionados a estas desordens
(Matias, 2008a).
Com o intuito de contribuir para um olhar diferenciado sobre estas dísfunções,
este texto tem como objetivo apresentar uma análise sobre as DTMs a partir da análise
funcional (Skinner, 1974). Para isso, recorre-se à literatura proveniente da Odontologia
para apresentação das características envolvidas nessa temática, em seguida os ter­
mos comumente utilizados são descritos a partir da linguagem da Análise do Compor­
tamento. Isso faz-se necessário para uma melhor compreensão da proposta de análi­
se das DTMs a partir da Tríplice Contingência, que será apresentada.
Além disso, realiza-se uma discussão sobre os principais aspectos e desta­
ca-se a importância de se observar o entrelaçamento das contingências envolvidas na
emissão dos Comportamentos Operantes destacados. Na última seção encerra-se o
texto com as considerações finais, com o destaque para a necessidade de estudos
empíricos sobre o tema e da importância da Análise funcional para a compreensão e
elaboração de estratégias para o tratamento das DTMs.

2. Definição e Etiologia das DTMs


As DTMs abrangem duas questões: 1a) o mau funcionamento do sistema
mastigatório e da Articulação Temporomandibular (ATM), com destaque para a
hiperatividade muscular (Okeson, 1992). O Bruxismo, que é o ato de apertar e/ou ran­
ger os dentes, está no âmbito do “mau funcionamento”, sendo um tipo de DTM. A 2a) diz
respeito a um conjunto de sintomas e questões clínicas ligadas ao sistema
estomatognático (Soares, 2005, Venâncio, & Camparis, 2002).
Na primeira questão, vão se destacar os comportamentos relacionados às
DTMs em que observa-se a ligação entre os “hábitos” não funcionais, ou parafuncionais

neyfsom@yahoo.com.br

Sobre Comportamento e Cognição 219


como é comumente denominado na odontologia, como: morder objetos, roer unhas,
má postura no momento de dormir ou ao estudar, dentre outros (Matias, 2007).
No âmbito da segunda questão, tem-se os e feitos colaterais, resultantes de
uma hiperatividade muscular da região orofacial, pescoço, cabeça e músculos ligados
a estas regiões. Ou seja, do “excesso” de comportamentos relacionados ao sistema
mastigatório e ATM. São as complicações clínicas destas áreas e apresentação de
sintomas como ruídos articulares, conhecidos também como estalidos, dores que si­
nalizam o comprometimento e danos dos tecidos envolvidos. Concomitantemente, há
também a possibilidade do aparecimento de inflamação da polpa dentária (pulpite),
mobilidade e desgaste dental (Okeson, 1992).
Diante desses dois aspectos faz-se necessário observar, e uma análise por­
menorizada conduz a isso, que as DTMs não estão ligadas necessariamente somente
a comportamentos que se relacionam com a região orofacial e sistema mastigatório
bem como aos sintomas que lhe são característicos, mas sim ao organismo como um
todo na sua relação com o ambiente. Com o destaque de que a análise das DTMs,
contrário às visões internalistas, tradicionalmente utilizadas para explicar tal problema,
têm que ser voltada para o ambiente na busca da origem da disfunção e “é nas relações
com o ambiente externo que devem ser buscadas as explicações pertinentes para o
fenômeno comportamental” (Tourinho, 2001a p. 161) (grifo do autor).
Nota-se que para a determinação da origem das DTMs é possível detectar que
há um conjunto de variáveis que podem estar envolvidas e muitas vezes existe uma
recorrência à fatores internos para a explicação desse tipo de problema. O que justifica
a proposição deste texto com vistas a utilizar a Análise funcional para compreender,
explicar e traçar estratégias para o tratamento de DTMs.
É comum observar na literatura a afirmação de que fatores multifatoriais desen­
cadeiam as DTMs, sendo estes de ordem, fisiológica, psicológica e social, e que estas
desordens é fruto de um desequilíbrio biopsicossocial (Seger,1988). Grenne (2001) cha­
ma a atenção para o fato de que as “causas multifatoriais” têm se tornado o substantivo
para a origem das DTMs e que na verdade isso não traz contribuições significativas.
Questões como estresse (Manfredi, 2005), ansiedade (Martins, Garcia, Garbin, Sundefeld,
2007) e depressão (Serralta & Freitas, 2002) são apontados como desencadeadores de
DTMs1. Alguns pesquisadores têm destacado também a relação de fatores como a vio­
lência urbana (Paludo, Neto, Carrilho, Essenfelder, Marques, 2003) e, até mesmo, de
condições socioeconômicas na ocorrência de DTMs (Martins e cols. 2007).
Como o propósito deste trabalho é outro, não será realizada uma discussão
pormenorizada sobre a etiologia das DTMs, sobretudo pelo fato de que a maioria des­
tes autores, com exceção de Paludo e cols. (2007) e Martins e cols. (2007), recorrem à
busca de explicações internalistas para apresentarem suas explicações sobre as ori­
gens das DTMs. Espera-se que as citações acima e referências contribuam para a
consulta e uma análise detalhada aos interessados. Uma leitura obrigatória, para uma
compreensão geral, que perpassa por todos os aspectos das DTMs é o trabalho de
Okeson (2000).
O ponto central a ser apreendido nesta seção são os com po rta m e n tos
parafuncionais que estão diretamente relacionados com os efeitos colaterais.t É nestas
duas questões que se encontram as informações necessárias para subsidiar a análi­
se funcional das contingências envolvidas nas DTMs. Destaca-se que, "na psicologia

1Em outra oportunidade foi descrito o quanto que afirmações como “ansiedade causa DTM" podem ser pouco significativas para o tratamento
de tais desordens (Matias, 2008b).

220 Neyfsom Carlos Fernandes Matias


operante de Skinner, uma análise funcional implica a identificação do estímulo
discriminativo que se constitui em ocasião para a ocorrência da resposta em questão e
das conseqüências que o mantêm” (Tourinho, 2006, p. 26) (grifo nosso). Faz-se impor­
tante enfatizar que a terminologia hábitos parafuncionais é utilizada pela odontologia.
Neste trabalho, este termo será nomeado de comportamento parafuncional, pois, en­
tende-se que o que é designado como hábitos diz respeito a comportamentos emitidos.

3. As DTMs como comportamentos operantes


De um modo geral, a denominação comportamento diz respeito à atividade dos
organismos em intercâmbio com o ambiente. Tem-se o comportamento respondente
(ou reflexo) que está relacionado com os músculos lisos e as glândulas e o comporta­
mento operante que envolve a musculatura estriada (Rose, 2001).
Como os músculos envolvidos na Articulação Temporomandibular são do tipo
estriados (Okeson, 2000; Filho 1994), pode-se concluir que comportamentos como
apertar e ranger os dentes, morder a língua, bochecha, lábios e objetos, dentre outros,
são comportamentos operantes. Diante disso, é possível que se possa analisar estes
e outros comportamentos parafuncionais à luz da Tríplice Contingência.
Sabe-se que o operante é um “comportamento que produz algum efeito no mun­
do ao redor. Este comportamento origina a maioria dos problemas práticos nos assuntos
humanos e é também de um interesse teórico especial por suas características singula­
res” (Skinner, 1974 p. 40/41). Haja vista pelas conseqüências que os comportamentos
parafuncionais apresentam que são características idiossincráticas e na interação de
cada indivíduo com o ambiente, com algum tipo de DTM, haverá variáveis que lhe será
particular na determinação ou não da origem do problema. O que mostra isso é o fato de
o organismo se comportar de maneira a desencadear efeitos colaterais para si mesmo
que, nesse caso, trata-se do conjunto de sintomas, principalmente, a dor.
Ao falarem sobre comportamentos encobertos Matos (2001a, 2001b) e Tourinho
(2001a), vão apontar que a dor é uma resposta pública e se não há qualquer evidência
como, por exemplo, choro, feição ruim, ou um comportamento de manifestação desta não
é possível dizer sobre a sua presença ou não. Ou seja, a dor é uma manifestação pública
que se caracteriza por ser difícil de identificar. Ela “é uma resposta verbal adquirida
contingentemente a um set de estímulos dentre os quais se inclui um padrão de respostas
públicas do próprio sujeito” (Tourinho, 2001b, p. 205). Mesmo que se diga que esta resposta
é controlada por uma situação interna qualquer como, por exemplo, o espasmo dos mús­
culos da região orofacial, “o caráter verbal da resposta e sua necessária “base” social
impõem uma dimensão pública ao controle dessa resposta” (Tourinho 2001b, p. 205).
Scarpeli (2007), realizou um estudo que teve como objetivo “analisar o compor­
tamento de dor de indivíduos com Disfunção Temporomandibular e as contingências
em operação no ambiente familiar” (p.28). Participaram deste estudo seis sujeitos, que
eram atendidos por um serviço especializado em tratamento de DTM e dor orofacial e
seis familiares destes pacientes. Um dos resultados destacados pelo estudo é o de
que “o reforçamento dos comportamentos de dor pelos familiares podem aumentar os
níveis de incapacidade dos pacientes, aumentar a freqüência de esquiva de atividades
e diminuir a freqüência de comportamentos de realização de atividades com dor e de
comportamentos alternativos aos comportamentos de dor” (Scarpeli, 2007, p. 70).
Entre outros resultados do estudo de Scarpeli (2007, p. 72), destaca-se os de que

Sobre Comportamento e Cognição 221


pessoas com DTM apresentam comportamentos de dor com alta freqüência tais
como queixas verbais, comportamentos não verbais, esquiva de atividades, reali­
zação de tratamentos, descrição de sentimentos relacionados a dor e discrimina­
ção de eventos antecedentes e conseqüentes à resposta e aos comportamentos
de dor.

Esta pesquisa demonstra “o lado operante da dor e como estes comportamen­


tos estão sob controle das contingências familiares e sociais”.
As informações desse estudo são importantes no que tange à investigação de
contingências que possam manter o comportamento de dor não só no contexto familiar,
mas também para a relação entre paciente, dentista e terapeuta que atende pessoas
com DTM. Os profissionais devem estar atentos a tal questão o que vai ser importante ao
se traçar estratégias de tratamento com vistas do quanto os operantes envolvidos na dor
podem influenciar o decorrer do tratamento. Observa-se ainda, que Scarpeli (2007) realiza
uma análise comportamental do que tem sido chamado neste trabalho de efeitos colaterais
relacionados às DTMs, que são as dores. Nesse sentido, vê-se que esta questão pode
ser abarcada pela Análise do Comportamento no tratamento destas disfunções.
Okeson (1992), aponta que se as pessoas expressassem seus sentimentos
frente a situações de estresse, gritando, chorando ou jogando objetos, ou seja, tendo um
acesso de raiva, que é socialmente inaceitável, poderiam não emitir comportamentos
parafuncionais. Ou seja, talvez o desenvolvimento de um repertório assertivo, que promo­
va a “expressão honesta e adequada de qualquer emoção” (Del Prette, & Del Prette,
2003), possa ser útil para que uma pessoa não venha a apertar e ranger os dentes, por
exemplo, frente a uma situação problema. Corroborando a opinião de Okeson (1992),
observa-se que a associação entre estresse e o bruxismo tem sido amplamente difundi­
da e estudada (Soares, 2005; Manfredi, 2005).
Entre os estudos que tratam da relação entre ansiedade, estresse e depressão
com as DTMs, não tem sido demonstrado em que situações há a emissão de comporta­
mentos parafuncionais. A realização de uma análise a partir da Tríplice Contingência pode
ser útil nestes momentos a fim de descobrir quais são as variáveis que controlam estes
comportamentos.
No estudo de Scarpeli (2007, p. 65), encontra-se uma fala de um paciente que
permite uma representação de como analisar os estímulos antecedentes, as respostas
e conseqüências do comportamento, por exemplo, de apertar os dentes. É possível
visualizar uma relação direta entre uma situação problema e emissão de um comporta­
mento parafuncional na frase: “quando acontece alguma coisa que eu fico nervosa eu já
aperto”. Diante disso, tem-se três variáveis que devem ser levadas em consideração para
a análise: 1a) Os estímulos discriminativos para “ficar nervosa” (SD); 2a) As respostas que
podem ser um comportamento encoberto como, por exemplo, xingar o que a deixou
nervosa (R1); e apertar os dentes (R2), em seguida tem as respostas que se seguem SR.
A partir disso, é possível traçar o seguinte modelo demonstrado na Figura 1, elaborado a
partir de Tourinho (2001a), para explicar o comportamento de apertar os dentes:

Histórfâ Privia: SD ■■■■■*Ri >Rs * SiR

222 Neyfsom Carlos Fernandes Matias


Neste caso, em que não se dispõem de informações para além da frase ana­
lisada, não é apontada a conseqüência imediata do comportamento de apertar os
dentes em que o esquema seria o modelo clássico para explicação do comportamento
em que há o estimulo antecedente, a resposta e a conseqüência (SD ’! R : C).
Porém, é possível inferir que os comportamentos do tipo apertar e ranger os
dentes, frente a qualquer situação, têm alguma função. A grande questão é descobrir
qual. Além do que, faz-se necessário levar em consideração os comportamentos enco­
bertos envolvidos na contingência e de estimulações privadas como sentimentos de
medo, raiva, tristeza, dentre outros. Com a presença de comportamentos encobertos
como sentimentos o modelo, também baseado em Tourinho (2001a, ,p. 162), que apre­
senta esta figura para demonstrar a “interpretação behaviorista para a relação entre
sentimento e comportamento”, vai ser diferente como mostra a Figura 2.

, «I
História Prévii SD <m ...> R a ... >m

- ** *- v- U ' t í 'f * ' *


' * - ''t * " % y- ' - - ' ‘t ' í~ ! ü <í '

Pode-se supor a situação em que uma pessoa trabalha com um chefe coerci­
tivo. SD corresponde à chegada do chefe no local de trabalho; SI corresponde a uma
estimulação interior do indivíduo, por exemplo, um sentimento de raiva ou medo que
poderá ser uma estimulação para o R1 que corresponde ao comportamento
parafuncional de morder o lábio; R2 de continuar o que estava fazendo ou mudar de
atividade, por exemplo, conversar com o chefe e SR seriam as conseqüências que se
seguem. Ressalta-se que o tempo entre as respostas, em uma situação como a
exemplificada, é extremamente curto, os comportamentos são emitidos em segundos,
o que contribui em certa medida para uma não percepção da realização dos comporta­
mentos.
Apesar de haver uma menção à estimulação privada, é preciso lembrar que
“não é possível caracterizá-la sempre como subproduto das contingências. Isso porque
a estimulação privada pode vir a ser tanto um estímulo discriminativo quanto um estí­
mulo reforçador para uma instância comportamental qualquer” (Tourinho, 2001a, p.
163). Sendo também pertinente lembrar que em última instância a explicação vai estar
no ambiente e não “dentro do indivíduo” para a emissão ou não do comportamento.
É preciso destacar que apertar ou ranger os dentes, morder o lábio ou boche­
cha, é praticamente imperceptível para outras pessoas isso é “quase um comporta­
mento encoberto”, ou seja, somente quem emite estes comportamentos é que poderá
detectar a presença ou não deles, apesar de que em alguns casos outras pessoas
podem perceber como Scarpeli (2007) apresenta.
Um ponto de extrema relevância envolvido em toda a análise de comportamen­
tos parafuncionais é o de que estes são emitidos inconscientemente na maioria das
vezes não são discriminados. Okeson (2000, p. 128), chama a atenção para o fato de
que “os clínicos devem reconhecer que a maior parte das atividades parafuncionais
ocorrem em grau subconsciente. Em outras palavras, os indivíduos não sabem de
seus hábitos de ranger ou morder bochechas”.

Sobre Comportamento e Cognição 223


A tomada de conhecimento sobre o problema acontece, em grande parte dos
casos, quando a pessoa já sofre os efeitos colaterais dos comportamentos parafuncionais.
O desgaste dental, como um efeito colateral de DTMs, é perceptível a olho nu, os dentes
caninos, por exemplo, perdem a sua característica de forma pontiaguda. No entanto, não
é sempre que isso acontece, mas é preciso o apontamento de alguém para a percepção
do fenômeno, realizado na maioria das vezes pelo Cirurgião Dentista.
Tendo em vista que as conseqüências do comportamento retroagem sobre o
organismo (Skinner, 1974). A questão que se destaca é quais seriam estas conseqüên­
cias em se tratando de hábitos parafuncionais, sobretudo, ao se destacar que “quando
isto acontece, podem alterar a probabilidade de o comportamento ocorrer novamente”
(Skinner, 1974, p. 41). Em geral, o que mantêm um comportamento parafuncional sen­
do emitido vai ser definido em cada organismo e é provável que o que é determinante
em um pode não ser em outro. O que destaca o quanto pode ser perigoso afirmações
do tipo “ansiedade causa DTM ou estresse causa bruxismo” (Hernández, Abalo, & Martin,
1999; Seraidarian, Assunção, & Jacob 2001).
No estudo de Scarpeli (2007), “em todos os casos o nervosismo, ansiedade ou
estresse foi antecedente para a dor na face” (p. 68) que é um efeito colateral de compor­
tamentos parafuncionais. A questão é, nas situações em que estes antecedentes acon­
teceram houve emissão de comportamentos parafuncionais? É muito provável que
sim, devido ao fato de que uma dor na face não aparece sem algum tipo de complicação
anterior, seja uma lesão de tecido ou não, no caso citado todos os pacientes tinham
algum tipo de DTM. O que é preciso perceber é o quanto é sutil realizar análise sobre as
duas questões envolvidas nas DTMs (Comportamentos parafuncionais e efeitos
colaterais - os sintomas).
A análise funcional possibilita elementos para investigar as variáveis envolvidas
no comportamento e “identificar a função, isto é, o valor de sobrevivência de um determi­
nado comportamento” (Matos, 1999 p. 11). A função dos comportamentos de dor, por
exemplo, podem estar relacionados aos reforços obtidos nas relações familiares, esqui­
va de tarefas ruins no trabalho e outros contextos. Scarpeli (2007, p. 72), mostra que uma
alta freqüência de comportamentos solícitos dos familiares dos pacientes, participantes
de sua pesquisa, provavelmente “mantêm as altas taxas de comportamentos de dor e
contribuem para a incapacidade e manutenção do problema de saúde”.
Em relação aos comportamentos parafuncionais é que se destaca a dúvida
quanto à função e valor destes. A conseqüência é que vai determinar a probabilidade ou
não do comportamento continuar a acontecer (Skinner, 1974). Provavelmente, há uma
relação entre fuga e esquiva nos hábitos parafuncionais no momento em que eles
acontecem. Por exemplo, quando a pessoa fica nervosa e range os dentes, é possível
que ela faça isso por não poder manifestar o seu sentimento no momento, por exemplo,
medo ou raiva. Só quem passa por um evento como este pode relatar quais os fenôme­
nos envolvidos, sobretudo, ao se destacar que os comportamentos encobertos estarão
intimamente relacionados ao comportamento de apertar ou não os dentes.
Estudos que pesquisam o efeito de comportamentos de autocontrole em sujeitos
com DTMs demonstram que é possível uma diminuição dos sintomas quando a pessoa se
auto-observa, desenvolve um repertório de autocontrole e não emite comportamentos
parafuncionais (Riley e cols., 2007; Soares, 2005; Carlson, Bertrand, Ehrlich, Maxwell, &
Burton, 2001). O que estas pesquisas não apresentam é em que situações os participantes
se comportavam de maneira não funcional e o que mantêm o comportamento.
Contrariamente ao que vem sendo disseminado em grande escala nos estu­
dos sobre as DTMs acerca de suas origens como de um agente interno, é preciso
destacar que

224 Neyfsom Carlos Fernandes Matias


os eventos privados, enquanto fenômenos psicológicos, não são as condições
corporais em si, mas comportamentos discriminativos adquiridos sob controle de
eventos públicos, e que dentro de certos limites podem ocorrer sob controle de
estimulações internas associados àqueles eventos públicos (...) Eventos priva­
dos não constituem um fenômeno "natural" (grifo do autor); eles são aprendidos
socialmente (Tourinho, 2001a, p. 167).

Diante disso faz-se importante mostrar que a aquisição de um hábito


parafuncional em uma contingência pode ocorrer a partir de estimulações internas
associadas a eventos públicos. Nesse sentido torna-se praticamente impossível defi­
nir quando e como o comportamento parafuncional foi adquirido. O que poderá ser
elencado é a pesquisa sobre eventos anteriores que possam ser semelhantes com o
momento atual em que o comportamento acontece. Ou seja, a reposta apresentada
pode ser a mesma para uma situação semelhante presente na história do sujeito.
Skinner (1974, p. 63) chama a atenção para o fato de que “podemos, na realida­
de ter pouco interesse em saber como o comportamento possa ter sido originalmente
adquirido. Preocupamo-nos apenas com a atual probabilidade de ocorrência, que pode
ser entendida apenas através do exame de contingências de reforço atuais”.
Em se tratando de DTMs, a literatura aponta que estas são episódicas e podem
acontecer em períodos diversos, concentrando-se entre os 20 e 40 anos, que são as
etapas de maior produtividade das pessoas e atingem de 40% a 60% da população em
geral (Okeson, 2000). No entanto, não se tem conhecimento de momentos exatos em
que elas aparecem.
Como é popularmente conhecido, o bruxismo acontece principalmente durante
o sono o que pode apresentar-se como uma dificuldade de analisá-lo a partir do esque­
ma de antecedente, resposta e conseqüência. No entanto, a resposta, que será o aper­
tar e/ou ranger de dentes ao dormir, pode estar sob controle de estimulações internas
(talvez o sonho ou o próprio estado corpóreo) correspondentes e associadas aos even­
tos públicos e ambientais. Ele pode ser uma resposta retardada à contingência. Além
do que, é possível que haja a presença de hábitos parafuncionais ao longo do dia.
Apesar disso, questões como a postura no momento de dormir deve ser levada em
consideração na realização da análise funcional.
Mesmo que aconteça durante o sono, ao se investigar o bruxismo é preciso
lembrar que “as respostas discriminativas ao próprio comportamento e às variáveis
das quais o comportamento é função parecem ser produto exclusivo do ambiente soci­
al” (Skinner 1974 p. 237). É bem possível que o ranger de dentes noturno seja uma
resposta atrasada controlada pelas contingências ambientais.
Pelo exposto pode-se concluir que ao se propor estudos relacionados às DTMs
é preciso definir quais aspectos serão tratados, se são acerca dos efeitos colaterais ou
dos hábitos parafuncionais. Destaca-se que questões como os a mobilidade e desgas­
te dental, inflamação dos tecidos e diagnósticos das DTMs é de responsabilidade e
competência do Cirurgião Dentista. Porém, no comportamento de dor o Terapeuta
Comportamental tem muito a contribuir.
Quanto aos comportamentos parafuncionais, estes são operantes e passíveis
de mudanças. Haja vista os estudos de Riley e cols., (2007); Soares, (2005); Carlson e
cols., (2001) em que o autocontrole apresenta-se como uma ferramenta importante no
tratamento de quadros de DTMs, no que tange à mudança dos comportamentos
parafuncionais e conseqüentemente reduz os efeitos colaterais. Sendo esta também
uma área que o Terapeuta Comportamental poderá atuar.

Sobre Comporlamento e Cognição 225


4. Discussão
Ao se destacar as duas questões que norteiam as DTMs observa-se que para
tratá-las é necessário analisar os operantes envolvidos que são o comportamento de dor
e os hábitos parafuncionais. O destaque dos operantes envolvidos nas DTMs possibilita
um olhar diferenciado no que tange à definições de estratégias de tratamentos. Pois, se
os comportamentos parafuncionais dizem de uma hiperatividade muscular, que compro­
mete os tecidos e músculos envolvidos na ATM, da região orofacial e resultam nos efeitos
colaterais é preciso destacar qual das questões serão analisadas e tratadas.
A demarcação dessa diferença torna-se importante, pois, se o tratamento feito
pelo Cirurgião Dentista, por exemplo, é realizado sobre os efeitos colaterais é preciso
que este trace estratégias para a diminuição de hábitos parafuncionais. O que pode ser
feito através de treinos de autocontrole. Não se pode esquecer que uma Placa Oclusal
pode ser confeccionada para reduzir os danos causados pelos comportamentos
parafuncionais (Miranda, Oliveira, & Costa, 2005).
A junção das duas questões para o tratamento dos problemas conduz à cons­
trução de um terceiro modelo de análise, representado pela Figura 3, que demonstra o
entrelaçamento das contingências.

Hií&téftâ Prévia SD fU . - $R
ás ás?

f ít x z :i ^ «r i-r* icr*'' a ^ 'í ^ \ ;u > r k f<IU V >

Ou seja, ao receber um paciente com DTM para tratamento tanto o Terapeuta


Comportamental quanto o Cirurgião Dentista devem observar a relação entre os com­
portamentos parafuncionais e os efeitos colaterais que só poderão ser alterados com a
modificação dos “hábitos parafuncionais”. Nesse sentido, faz-se importante lembrar
que a análise funcional não vai ser voltada somente para uma das contingências, mas
sim para o entrelaçamento das duas. Tanto a que envolve os comportamentos
parafuncionais como a dos efeitos colaterais. Tendo em vista ainda o fato de que ques­
tões como pulpite, mobilidade dental, retrações de gengiva serão tratadas, se for o
caso, apenas e exclusivamente por Cirurgiões Dentistas (Okeson, 2000).
Quanto aos “hábitos parafuncionais” é preciso ressaltar que isso é uma nomen­
clatura dada pela odontologia que neste texto foi denominada de comportamentos
parafuncionais. No entanto, é preciso lembrar que do ponto de vista da Análise do Com­
portamento não existe comportamento não funcional. Todo comportamento tem uma
função, mesmo que ela resulte em algo “danoso”, como é o caso de uma dor devido ao
apertamento dental. Por isso, é preciso descobrir qual o valor de sobrevivência de um
comportamento e a Análise funcional permite a realização disso (Matos, 1999, Meyer,
1997). Esse é o maior desafio do ponto de vista da análise de comportamentos
parafuncionais.
Ainda em relação à Figura 3 é preciso ressaltar que, no âmbito das DTMs nas
duas questões tratadas neste texto, o organismo pode ser afetado tanto por questões
internas como externas. Porém, é preciso lembrar que todos os comportamentos envoi-

226 Neyfsom Carlos Fernandes Matias


vidos são função do “ambiente” e este termo “presumivelmente significa qualquer even­
to no universo capaz de afetar o organismo. Mas parte do universo está encerrada
dentro da própria pele de cada um” (Skinner, 1974, p. 149).
Um aspecto que merece uma atenção maior é a conseqüência do comporta­
mento parafuncional. O que mantém o comportamento é uma questão de extrema
relevância. É possível que estimulações internas cumpram esta função. Além disso, é
provável que haja uma relação entre o comportamento parafuncional e sensações como,
por exemplo, medo e raiva que possam estar ligadas à fuga e esquiva de situações
aversivas ou coercitivas.
Apesar de se falar em estimulação interior e a relação entre sentimentos e
comportamentos parafuncionais destaca-se que a análise funcional vai destacar as
causas fora do organismo, ou seja, no ambiente. A explicação interior não é um atalho
para as informações necessárias. “Se há muitas variáveis importantes, o que é preciso
é estudar muitas variáveis” (Skinner 1974, 71) para analisar as causas das DTMs.
As informações destacadas sobre as possíveis conseqüências dos comporta­
mentos parafuncionais fazem sentido, sobretudo, pelo fato de que são estas que irão
definir a instalação ou não do comportamento. Até porque, “se não mais há conseqüên­
cias, ocorre a extinção. Quando temos de considerar o comportamento do organismo
em toda sua complexidade da vida diária, necessitamos estar constantemente alertas
para os reforços que prevalecem e que mantém o comportamento” (Skinner, 1974, p.
63). A grande questão que surge a partir disso, já dita anteriormente, mas extremamente
relevante, é que conseqüência é essa que não deixa o comportamento parafuncional se
extinguir?
No que tange aos comportamentos de apertar e ranger dente durante o sono há
também a presença de reforços nessa situação, apesar da presença do estímulo ter sido
em um momento anterior. O que conduz a essa consideração é o dado de que “uma
resposta pode ser reforçada também, apenas se for retardada um determinado intervalo
de tempo depois da apresentação do estímulo” (Skinner 1974, p. 79) (grifo do autor).
Diante do exposto, defende-se que a análise funcional é de extrema relevância
para o tratamento de DTMs seja no quesito dos comportamentos parafuncionais ou dos
efeitos colaterais no que tange ao comportamento de dor.

5. Considerações Finais

Este ensaio teórico teve como idéia central propor uma maneira diferente de
enxergar as DTMs, para além do que vem sendo chamado de complicações clínicas
relacionadas à Articulação Temporomandibular e músculos da mastigação, devido a
uma hiperatividade muscular. Julga-se que as questões e variáveis envolvidas são
demasiadamente complexas para serem definidas de maneira tão “simplórias”. Princi­
palmente do ponto de vista da importância que uma descrição pormenorizada apresen­
ta para a criação de estratégias para o tratamento das DTMs.
Há necessidade de estudos empíricos sobre o tema a partir da Análise do
Comportamento, tendo em vista que tal atividade ainda é embrionária, sendo encontra­
das poucas pesquisas com este enfoque teórico.

Sobre Comportamento e Cognição 227


A título de informação, ressalta-se que questões como os efeitos do consumo
de álcool e cafeína influenciam no desenvolvimento das DTMs. Além disso, há uma
miríade de possibilidades para o tratamento dessas dísfunções como a terapia
farmacológica (amplamente difundida e utilizada), massagens, termoterapias, inter­
venções invasivas, alongamento dos músculos envolvidos, dentre outras.
Sabe-se ainda que, questões relacionadas à oclusão no que tange ao alinha­
mento, quantidade e posicionamento dos dentes bem como dos “movimentos funcio­
nais que ocorrem quando os dentes superiores e inferiores fazem contato” (Lima, Sou­
za, & Monneral, 1997), podem estar ligados ao aparecimento de DTMs. Tanto na ques­
tão de comportamentos parafuncionais como no aparecimento dos sintomas. Entretan­
to, o fator da oclusão como origem de dísfunções tem sido amplamente discutido e
apontado que exercem pouca ou nenhuma influência na origem desse problema
(Okeson, 1992/2000; Soares, 2005; Cestari, & Camparis, 2002; Venâncio, & Camparis,
2002; dentre outros).
Porém, julga-se que ao se destacar os operantes envolvidos nas DTMs pode-
se obter informações que contribuam efetivamente para estas soluções largamente
difundidas. Principalmente pela falta de compreensão de que o problema diz muito
mais de uma relação entre organismo e ambiente do que de estimulações internas ou
alterações fisiológicas somente.
Cada dia mais observa-se que tudo e todos estão em plena correria contra o
relógio para realizar diferentes atividades. Nota-se uma tendência generalizada das
pessoas buscarem por algo, o tempo todo, que tem que ser feito (Skinner, 1987). Neste
contexto não é novidade a “aparição” de momentos de estresse e ansiedade que têm
sido considerados por alguns pesquisadores como causadores das DTMs. Diante
disso, identificar os antecedentes, as respostas e conseqüências envolvidas é de suma
importância.
O ponto nodal de toda a questão é conseguir determinar qual a conseqüência
na análise dos comportamentos parafuncionais. Seria deselegante deste texto não
destacar nenhuma hipótese acerca disso deixando tal possibilidade ao leitor. Tem-se
uma idéia do que pode estar implicado nessas conseqüências. Talvez seja ousado,
perigoso e apesar de toda implicação que isso poderá acarretar, mas é possível arris­
car a dizer que PODE haver uma estreita relação entre os comportamentos parafuncionais
e o reforçamento natural (Andery, & Sério, 2008; Horcones, 1992; Ferster, 1967) que
estaria ligado às conseqüências destes comportamentos. Sendo esta uma questão a
ser tratada em estudos futuros.

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230 Neyfsom Carlos Fernandes Matias


Capítulo 22
Terapia Analítíco-Comportamental: da
teoria à prática clínica

Nicodemos Batista Borges


Núcleo Paradigma e L/niversídade São Judas

O termo “Terapia Analítico-Comportamental” foi designado, por analistas do


comportamento que atuam na prática clínica, com o intuito de distingui-la de outras
práticas clínicas que também se utilizam de princípios comportamentais, porém não se
baseiam nos pressupostos da filosofia behaviorista radical.
Segundo Zamignani, Silva Neto, & Meyer (2008) o termo “terapia comportamental”
- utilizado até o início dessa década - abarcava muitas práticas clínicas diferentes, o
que gerava muita confusão, pois era possível encontrar terapeutas que se orientavam
por outras propostas teóricas, como as mediacionais e as de base respondentes.
Se levantarmos, ao longo da história, as práticas clínicas que se apoiaram nos
achados da Análise Experimental do Comportamento, poderemos produzir uma lista
enorme de propostas teóricas - muitas das quais existem até hoje - que, entre elas, só
têm em comum a utilização dos conhecimentos produzidos por essa ciência.
Ao observarmos essas práticas clínicas de perto, verificaremos que se tratam
de propostas muitas vezes antagônicas. Ao lermos diferentes artigos produzidos entre
a cunhagem do termo terapia comportamental por Skinner até aproximadamente me­
ados da década de 90, encontramos muitos profissionais nomeando suas práticas de
terapia comportamental. Isso pode confundir os leitores mais inexperientes1, principal­
mente os estudantes, os quais podem supor que se trata de uma única prática clínica.
Na verdade, ao se fazer tal afirmação, seria como se disséssemos que católicos,
evangélicos e cardecistas são pertencentes à mesma comunidade religiosa; ou seja,
é cometer uma heresia, ou uma generalização equivocada.
O leitor pode ainda se perguntar: por que esse grupo sentiu a necessidade de
se diferenciar dos demais? A resposta mais simples para essa pergunta seria pela
necessidade de discriminar com mais facilidade quem são seus interlocutores diretos2.

Qicobbflrgfís®gmaLcQm
‘ Trabalho apresentado na sessão “Primeiros Passos", no XVII Encontro da ABPMC.
1No sentido de menor treino de discriminação entre as propostas.
2Peço desculpas, àquele leitor que tem alguma “bagagem" e que julga minha explicação simplista, entretanto, para o objetivo desse texto diria
que essa resposta é suficiente.

Sobre Comportamento e Cognição 231


Entre os diferentes nomes propostos por essa classe de terapeutas - tais
como Análise Clínica do Comportamento, Terapia Analítico-Funcional, Terapia por Con­
tingências e Terapia Analítico-Comportamental - o eleito foi Terapia Analítico-
Comportamental3.
Desta forma, podemos afirmar que a categoria de terapeutas que se intitulam
terapeutas analítico-comportamentais é composta por psicólogos clínicos que têm em
comum entre suas práticas pelo menos dois fatores: 1) os conhecimentos advindos da
Análise Experimental do Comportamento - ciência que estuda o comportamento e dá
base empírica e 2) a filosofia Behaviorista Radical - proposta filosófica que tem como
precursor B. F. Skinner.

ALGUNS PRESSUPOSTOS DESSA PRÁTICA


Comportamento: interação organismo-ambiente
O terapeuta analítico-comportamental parte do princípio de que os comporta­
mentos (respostas) de nossos clientes - sejam eles abertos ou encobertos, públicos
ou privados - são mantidos pelas contingências. Em outras palavras, diríamos que as
conseqüências produzidas pelo responder de nossos clientes tornam essas respos­
tas mais ou menos prováveis. Essa explicação, no entanto, pode dar uma impressão de
ações sob controle de intenções futuras, o que nos remeteria ao mentalismo.
Vale ressaltar que a proposta analítico-comportamental refuta o mentalismo
por acreditar que, ao explicarmos os comportamentos das pessoas por intenções,
cognições ou outros termos que remetem a algo dentro do organismo, estamos nos
desviando das verdadeiras causas desses comportamentos, que são as suas experi­
ências passadas.
A perspectiva analítico-comportamental baseia-se numa visão histórica do com­
portamento. Por essa concepção, o comportamento é o produto natural de um processo
de interação entre organismo e ambiente. O organismo emite respostas e, fazendo
isso, produz conseqüências. As conseqüências, por sua vez, selecionam as respostas
emitidas pelo organismo. Então, para descrevermos o comportamento, precisamos
observar não apenas as respostas que o organismo emite, mas também as variáveis
ambientais que interagem com elas. Por isso, dizemos e compreendemos que o com­
portamento é a interação, e é essa a menor unidade de análise para compreender o
funcionamento humano e de todas as outras espécies.
O analista do comportamento tem uma proposta dinâmica, plástica e natural
para explicar o comportamento humano, ou seja, ele é o resultado de variações e
seleções naturais que ocorrem nas trocas entre as ações do homem e a natureza4.
Podemos, assim, libertarmo-nos de explicações mecânicas do comportamento, que é
necessariamente a explicação de outras propostas comportamentais que explicam as
ações como determinadas pelas cognições ou simples reflexos.
A compreensão de homem e mundo que se tem na proposta behaviorista radi­
cal acaba com a discussão: o homem é produto do meio ou é plenamente livre? Na
verdade, o homem é um ser ativo e integrante da natureza. Conforme apontam Andery,
Micheletto, & Sério (2008): 1) não quer dizer que suas ações são produzidas exclusiva­
mente por ele mesmo, 2) nem tampouco que é um produto exclusivamente ambiental;
quer dizer que ele tem um papel ativo em sua construção ao interagir com o meio.

3Leia “eleito" como sinônimo de amplamente utilizado ou utilizado por um maior número de grupos espalhados pelo Brasil. Os demais termos
ainda são usados por alguns grupos, porém diria que seus usos são mais regionalizados.
4O homem como parte ativa e integrante da natureza.

232 Nicodemos Batista Borges


“ P sico p a to lo g ia ” : o com po rtam en to -p ro ble m a
Se partirmos da noção de seleção natural, em que o organismo emite respos­
tas (não intencionais) e que as conseqüências produzidas por essas respostas irão
selecioná-las (torná-las mais ou menos prováveis), então defendemos que o compor­
tamento é mutável e adaptativo. Logo, não é coerente com essa proposta dizermos que
um comportamento é “patológico” (Banaco, 1997).
Vejamos o seguinte exemplo: indivíduo apresentando repertório social empo­
brecido, o que lhe propiciou muitas experiências aversivas quando em contato social;
apresenta uma pré-disposição à depressão - verificada através da história familiar, a
qual apresenta outros casos de depressão em parentes de primeiro grau - ; e, que
vivência um episódio traumático (aversivo de alta intensidade), tal como demissão do
emprego. Com isso, ele fica sem emprego, já não tendo amigos e agora acreditando
que perdeu tudo. Naturalmente, existe uma tendência a economizar energia, principal­
mente se essa experiência for atribuída (por ele) como produto de sua inabilidade ou
como incontrolável.
A história descrita acima pode ter algumas variações, mas apresenta grande
semelhança com as diversas histórias de clientes que chegam aos nossos consultóri­
os com um diagnóstico de “depressão”. Em sua maioria, observamos relatos de
incontrolabilidade e/ou de auto-flagelamento. Tendo sido essas histórias percebidas
|observações do cliente sobre seu próprio comportamento) assim e somadas a conse­
qüências aversivas ou ausência de reforçamento de seus comportamentos, é espera­
do que esse sujeito deixe de responder. Como agravante, ao deixar de responder,
outras conseqüências aversivas são produzidas e reforçamentos deixam de acontecer,
tornando o sujeito ainda mais desamparado, o que é esperado e natural nessas cir­
cunstâncias.
A partir da compreensão, em primeiro lugar, da história de vida do cliente e, em
segundo, da perspectiva que o termo patológico nos remete a noção de doença (que se
refere a desvio em relação à normalidade), não é coerente que chamemos os compor­
tamentos de nosso cliente de patológico, por mais “bizarros” que possam parecer -
mesmo porque eles foram, na verdade, adaptativos, o que é esperado e desejável em
um organismo saudável, “normal”. Desse modo, não caberia a nós dizermos que nos­
so cliente sofre de uma patologia. Podemos dizer que seu comportamento produz sofri­
mento para si próprio ou para a sociedade e, desse modo, seu comportamento é tido
como um problema. Logo, dizemos que nossos clientes apresentam comportamentos-
problema ou comportamentos-alvo.

AATUAÇÃO CLÍNICA
O terapeuta analítico-comportamental compreende que os comportamentos
que levam uma pessoa a procurar ajuda são comportamentos que, de modo geral,
trazem consigo sofrimento para aquele que se comporta ou para seus próximos.
Segundo Oliveira, & Borges (2007) o terapeuta é procurado para auxiliar o cliente
a: 1) responder de modo a produzir as conseqüências necessárias, sem que a mesma
seja acompanhada de aversividade ou, quando não for possível eliminá-las, que pelo
menos diminua o sofrimento experienciado na situação; 2) mudar a forma como o cliente
responde às situações (age, pensa, sente, etc.), conseqüentemente, alterando o compor­
tamento (relação); e, 3) otimizar suas relações com terceiros (ambiente).

Sobre Comportamento e Cognição


tes, respostas, conseqüentes bem como qual o problema que ocorre (Follette, Naugle
e Linnerooth, 1999). Muitas vezes, pode ser necessária a intervenção sobre mais de
uma dessas partes. Vejamos alguns exemplos a título de ilustração:
• Falta de antecedentes apropriados: o cliente pode chegar apresentando, entre
outras queixas, a falta de amigos. Na investigação, o terapeuta identifica, através
de seu relato, que ele não sai de casa. Nessa situação, em que ele não se expõe
a locais com pessoas, identifica-se a ausência de uma condição antecedente
necessária (estímulo discriminativo) para se fazer amigos, que é a presença de
pessoas. Isso possivelmente será um dos focos de intervenção do terapeuta.
• Falta de controle discriminativo: a cliente descreve, entre suas queixas, a dificul­
dade de manter um relacionamento. Ao se investigar como ela interage com os
rapazes, observa-se que assim que ela os conhece começa a discutir seu dese­
jo de casar e ter filhos (logo nos primeiros encontros), fazendo com que os
“pretendentes” se afastem. É preciso que ambos se conheçam um pouco mais
(alguns encontros e conversas como estímulo discriminativo) para ela poder
falar sobre seu desejo de casar (emitir a resposta) e o rapaz não “fugir”.
• Falta de conseqüências apropriadas - o cliente se queixa que não consegue
ficar sem brigar com a esposa. Na investigação de sua história de interação com
ela, verifica-se que, quando eles brigam, logo em seguida fazem as pazes e
“terminam na cama” e, quando não brigam, as “transas” são mais esporádicas,
pois ela justifica que está cansada e tem que acordar cedo. Nesse caso, hipotetiza-
se que o reforçador (sexo) tem sido liberado contingente ao comportamento-
queixa (brigas) através de um esquema de reforçamento mais contínuo do que
contingente a outros comportamentos emitidos pelo cliente (Ex. fazer afago), os
quais dão acesso a esse reforçador num esquema mais intermitente.
■ Excessos comportamentais - cliente com transtorno obsessivo-compulsivo
(TOC) que passa de 2 a 9 horas/dia se lavando e limpando o banheiro. Obser­
vando a história, verifica-se que, ao emitir essas respostas “excessivas” que traz
como queixa, ele produz a esquiva de uma “possível contaminação” (o que se
mantêm por reforçamento negativo - não ser contaminado), além de outros
reforçadores tais como a atenção dos familiares, a eliminação de cobranças em
relação a trabalho, estudo, amigos, etc.
Pelos exemplos, podemos perceber que o terapeuta analítico-comportamental
busca analisar os comportamentos funcionalmente, ou seja, identificando qual(is) sua(s)
função(ões), seu papel na troca com o seu entorno (meio). Desse modo, o terapeuta
compreende o comportamento de seu cliente sem precisar para isso fazer julgamento
de valores ou'recorrer a explicações metafísicas. Isso porque se verifica que aquele
comportamento é ou foi o “melhor” que seu cliente encontrou, aprendeu.
Até aqui o terapeuta analítico-comportamental levantou as contingências presen­
tes que mantêm o(s) comportamento(s)-problema. Todavia, para sua avaliação funcional
ser “melhor”, no sentido de mais ampla, outros aspectos parecem ser relevantes.
Ao planejar a intervenção, o terapeuta analítico-comportamental deverá levar
em consideração o maior número de informações possíveis sobre o cliente, em outras
palavras, a avaliação funcional não será completa se se considerar apenas as contin­
gências mantenedoras do(s) comportamento(s)-problema, as quais podem ser
identificadas a partir da proposta de Follette, Naugle, & Linnerooth (1999). É sugerido
que o terapeuta levante, no histórico de vida do cliente, formas que ele (cliente) já utilizou
ao longo de sua vida para enfrentar seus problemas, pois isso permitirá ao terapeuta

Sobre Comportamento e Cognição


O terapeuta, por sua vez, poderá ter diferentes funções nessa relação (terapeuta-
cliente), objetivando alterar os comportamentos-problema na direção escolhida pelo
cliénte - em análises feitas junto ao terapeuta - como melhor para ele. Vale ressaltar
que o “melhor para ele” leva em conta, também, o “melhor para a sociedade”, já que
caso contrário, isso se reverterá em punições sociais.
Muitas são as funções que o terapeuta pode exercer: evocar, eliciar, reforçar
extinguir, modelar, tornar-se modelo, tomar-se condição discriminativa, instruir, punir6'
etc. Desta forma, para sermos bons terapeutas analítico-comportamentais, precisa­
mos, entre outras coisas6, sermos capazes de analisar não só o comportamento de
nossos clientes fora do consultório (relações que o cliente estabelece com os mais
variados ambientes extra-consultório), como também os comportamentos que ocorrem
em sessão (relações estabelecidas entre o cliente e nós). Para isso, precisamos ana-
lisàr também nossos próprios comportamentos.

Etapas de um processo terapêutico analítico-comportamental


A terapia, apesar de contínua, apresenta algumas alterações sutis em seu
fluxo. Chamamos essas diferentes partes de “etapas do processo terapêutico”, as
quais consistem em: 1) avaliação inicial; 2) planejamento da intervenção; 3) interven­
ção; 4) avaliação dos resultados, e; 5) follow-up.
Na avaliação inicial, o objetivo do terapeuta analítico-comportamental é com­
preender a dinâmica de funcionamento de seu cliente. Para tanto, o profissional terá de
levantar: a) o funcionamento dos comportamentos-problema trazidos pelo cliente - o
que significa não só identificar as formas como ele age, pensa e sente, mas também as
variáveis ambientais (antecedentes e conseqüentes) que estão diretamente envolvidas
na manutenção dessas respostas; b) seu histórico de enfrentamento dos comporta­
mentos-problema - que auxilia o terapeuta a identificar histórias de fracasso; c) as
habilidades do cliente - repertórios que podem ser úteis no planejamento da interven­
ção;« d) a história de vida do indivíduo - o que nos dará uma compreensão mais molar
do nosso cliente, a compreensão de um sistema mais amplo, que consiste das inter-
relações entre todos os comportamentos do cliente.
Essa formulação é conhecida como Avaliação Funcional, e é tida como a ferra­
menta fundamental de trabalho do terapeuta analítico-comportamental, pois é através dela
que o profissional será capaz de delinear sua(s) intervenção(ões) com maior êxito, pois
considerará em seu planejamento todas as peculiaridades que são únicas daquele caso.
A avaliação funcional é coerente com a proposta behaviorista radical - que
defende a unicidade do indivíduo - e permite um tratamento personalizado para cada
um de nossos clientes. Através dessa ferramenta, temos a capacidade de manter a
eficácia dos tratamentos comportamentais7 e, ao mesmo tempo, oferecer alternativa
aos tratamentos padronizados, que têm seu poder de alcance limitado a uma parte da
população.
A compreensão analítico-comportamental das problemáticas trazidas pelo cli­
ente, através da avaliação funcional, permite ao terapeuta identificar qual(is) deve(m)
ser o(s) alvo(s) da intervenção.
Para um melhor planejamento da intervenção, é importante que o terapeuta
identifique em qual(is) pedaço(s) da contingência será necessário intervir - anteceden-

5 Como último recurso, evitando sofrimento desnecessário.


6Tais como: conhecermos os princípios da Análise do Comportamento e da filosofia Behaviorista Radical.
' Vista como mais rápida e pontual.

234 Nicodemos Batista Borges


não só verificar possíveis estratégias que devem ser evitadas, bem como recursos
(repertórios) que ele disponha e que poderão serem utilizados na intervenção.
Outro aspecto, não menos importante, a ser considerado no planejamento da
intervenção é a dimensão da análise. A avaliação funcional deve contemplar o(s)
comportamento(s) do cliente em duas perspectivas: mofar e molecular.
A visão molecular pode ser considerada a análise dos comportamentos em
termos de antecedentes, respostas e conseqüentes, conhecida como tríplice contin­
gência. Na maioria das vezes que vemos análises de contingências referindo-se a
tríplice contingência, elas são focadas nas conseqüências “imediatas” e “diretas” das
respostas. Todavia, numa perspectiva molar respostas produzem muitas conseqüênci­
as, além dessas. A esses “outros efeitos”, encontram-se na literatura menções como:
efeitos colaterais, ganhos secundários, entre outros. Vejamos alguns desses exem­
plos:
■ “Efeitos colaterais do álcool” - é costume dizer que beber é uma resposta mantida
por seus efeitos sociais (ser ocasião para se falar de “banalidades") ou
desinibidores (diminuindo o efeito de controle de impulsos). Nesse caso, os efei­
tos colaterais do beber álcool seriam a “ressaca” do dia seguinte ou até o “vício”.
■ “Ganhos secundários do paciente com Transtorno Obsessivo-Compulsivo
(TOC)” - nesse caso, o TOC pode ser compreendido por um padrão de respos­
tas que estão sob controle de evitação/esquiva e que produzem, também, gan­
hos secundários como atenção e afeto por parte dos familiares.
Na perspectiva analítico-comportamental, não faz sentido dizer que esses “ou­
tros efeitos” são diferentes daqueles “diretos” e “imediatos”, pois são ambos conseqü­
ências do responder, pertencendo, portanto, à mesma classe de estímulos e devendo
fazer parte da avaliação funcional.
A opção de chamar de dimensão molecular e molar deve ser compreendida
não córríõ uma análise diferente, mas sim como uma extensão da análise, em que o
termo molar funcione como Sd (estímulo discriminativo) para o terapeuta observar to­
dos os efeitos de um responder, não só os efeitos imediatos e diretos (decorrentes da
ação), mas incluir aqueles que acontecerão de forma atrasada ou em decorrência dos
efeitos desse responder sobre o outro.
Para o terapeuta abranger essa amplitude de análise maior, ele não deve se
limitar às questões tradicionais, tais como: quais são as respostas que fazem parte do
compdrtamento-problema? Em que contexto elas acontecem? Quais suas conseqüên­
cias? Qüal a freqüência de ocorrência? É preciso ampliá-las, por exemplo, incluindo
questões tais como: como os outros reagem a esse padrão hoje? E se esse padrão
continuar, como os outros agirão? O que será que aconteceria se ele mudar seu respon­
der? Existirão conseqüências que manterão o "novo” responder? Como fazer para que
seu responder fique sob controle de conseqüências tardias? Etc.
Por último, outro aspecto que diria ser importante ao fazermos a avaliação
funcional réfere-se à participação de eventos verbais nos comportamentos-problema
de nossos clientes. Na verdade essa é uma questão ampla e que tem começado a ser
discutida (Hayes, 2001; Tourinho, no prelo), e que tem levado muitos pesquisadores a
se interessarem peloo estudo da temática8 e que, possivelmente, começarão a produzir
novos textos a respeito.

8 Refiro-me ao grupo do Paradigma, formado por: Denis Zamignani, Roberta Kovac e Alessandra Lopes Avanzi (Picky).

236 Nicodemos Batista Borges


Por enquanto, o que se espera do terapeuta é que ele verifique se parte do
sofrimento de seus clientes não decorrem de comportamentos complexos que têm entre
suas contingências eventos verbais - o que incluiria analisarmos o que vulgarmente é
conhecido como “Self, auto-estima, auto-imagem, etc. Caso identifique que esses even­
tos verbais fazem parte do comportamento-problema, devemos analisá-los como parte
das contingências, verificando suas funções e, quando necessário, alterando-os.
É preciso lembrar que o “fazer” e o “pensar sobre o que foi feito” são operantes
que podem ou não fazer parte da mesma classe. Quando o fizerem, ao mudarmos uma
resposta, estaremos mudando a outra; todavia, quando não fizerem parte da mesma
classe, será necessário mexer nas contingências que mantêm cada um dos operantes.
Dessa forma, haverá situações em que, alterando as relações comportamentais, alte­
raremos a função desses eventos verbais, enquanto que haverá momentos em que
serão exigidas intervenções diretas sobre esses eventos verbais9.
Considerado todos os aspectos aqui levantados, o terapeuta analítico-
comportamental terá material suficiente para implantar suas intervenções, que, se tratan­
do de uma terapia de consultório, consistem de duas possibilidades: modelar o respon­
der do cliente ou alterar as relações do cliente através de instruções. No primeiro caso,
seria um procedimento conhecido como FAP (psicoterapia analítica funcional)10, no qual o
terapeuta atua diretamente sobre os comportamentos do cliente que ocorrem na sessão.
No segundo, seria feito através de fornecimento de regras, a princípio, para auto-observa-
ção e relato e, posteriormente, para mudança em suas interações com seu entorno.
Considerando que o espaço para esta discussão é curto, não irei aprofundar
as exposições sobre as etapas de intervenção, avaliação de resultados e Follow-up.
Todavia, descreverei rapidamente cada uma dessas etapas.
Pode-se dizer que a etapa de intervenção é, basicamente, aquela em que o
terapeuta analítico-comportamental “coloca a mão na massa”. Tendo ele feito uma boa
avaliação e planejamento da intervenção, a intervenção significará colocar em prática
aquilo que foi planejado. Nessa etapa, o terapeuta auxiliará o cliente a aperfeiçoar suas
relações para que ele tenha maior acesso a reforçadores e diminuição de relações por
controle aversivo (Oliveira e Borges, 2007).
A parte que teoricamente se segue a intervenção é a avaliação dos resultados.
Afirmo que isso se dá “teoricamente” porque, na prática, a avaliação deve acontecer em
paralelo às intervenções; ou seja, o terapeuta intervém e verifica os resultados da inter­
venção ao mesmo tempo e durante todo o processo da terapia. A separação dessas
etapas é puramente didática, a avaliação de resultados deve ser feita constantemente.
A etapa de Follow up, também encontrada com o nome de “desligamento” ou
“encerramento” é a etapa em que o terapeuta começa a preparar o cliente para a alta. O
terapeuta deve verificar se os “novos comportamentos” (mudanças implementadas) se
manterão sem a terapia, verificando se esses novos padrões de responder estão sen­
do mantidos por reforçadores contidos no ambiente extra-consultório11.
Outro repertório que deve ser verificado é o de auto-observação e análise. Es­
pera-se que o cliente tenha aprendido a observar e analisar seus comportamentos,
para assim ser capaz de modificar suas relações com o ambiente, quando assim

Para uma maior compreensão dessa discussão sugere-se a leitura de Tourinho (no prelo).
Para maior aprofundamento sobre esse recurso, sugiro leitura de Kohlenberg, & Tsai (2001).
” É importante que os reforçadores que mantêm as respostas não sejam os liberados na terapia. Caso os reforçadores que mantenham a resposta
sejam liberados pelo terapeuta, esse precisará primeiro garantirque os reforçadores sejam produzidos fora da terapia, pois só assim a resposta
se manterá após o término do processo terapêutico

Sobre Comportamento e Cognição 237


desejar. Todavia, esse repertório nem sempre é possível de ser desenvolvido, pois
alguns clientes preferem que o processo terapêutico o ensine apenas a lidar com uma
queixa específica, não permitindo ao terapeuta verificar se houve generalização e, caso
não tenha havido, promover essa extensão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse texto foi apresentar, de forma introdutória, a prática clínica
conhecida como “terapia analítico-comportamental”, que consiste na aplicação dos
conhecimentos advindos da Análise Experimental do Comportamento e da filosofia
Behaviorista Radical no contexto clínico.
Nessa prática clínica, é comum observarmos os terapeutas tratarem os usuá­
rios do serviço como “cliente” em detrimento de “paciente”. Isso se deve a dois fatores:
1) a crença em que o usuário tem papel ativo na construção das mudanças
comportamentais; e 2) a compreensão, por parte desta proposta, que o comportamen-
to-problema é adaptativo, e não “patológico”.
O terapeuta analítico-comportamental planeja suas intervenções após uma
avaliação funcional daquele caso, que se caracteriza pela compreensão da dinâmica
de funcionamento dos comportamentos-problema de cada cliente. Por acreditar nessa
unicidade de cada caso, pretere tratamentos por pacotes, os quais aplicam as mesmas
técnicas a todos os clientes.
Suas intervenções têm como objetivo mudar as relações do cliente com seu
entorno, diminuindo sofrimento ou aumentando o acesso a reforçadores, melhorando a
“qualidade de vida” deles, sem causar prejuízo a outrem.
Seus principais métodos de intervenção são modelagem de “repertórios no­
vos” e promoção de autoconhecimento (habilidade de conhecer seus padrões de res­
posta e as variáveis das quais elas são função).

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Sobre Comportamento e Cognição 239


Capítulo 23
Aprendendo a construir e a reconstruir
uma relação a dois: repertório
do casal
Nione Torres
Marina Qomes Wielewicki

Ao pensar a construção de uma relação a dois, antes de mais nada, é impor­


tante refletir o que é o amor e a difícil (ou impossível?) tarefa de defini-lo, uma vez que
sabe-se ser o amor um misto de muitos sentimentos, com densidades distintas e que
variam de acordo com os parceiros (pois cada qual tem sua própria história), dos
momentos diferentes de vida quando se relacionam, além da interação que está acon­
tecendo entre eles (Guilhardi, 2008).
Para Buscaglia (2000):

"Amor é uma reação emocional e que se aprende. É uma resposta para um grupo
de estímulos e comportamentos aprendidos. Como qualquer comportamento apren­
dido é provocado pela interação daquele que aprende com seu meio, com a
habilidade da pessoa para aprender..." (p. 72).

É possível pensar, então, que não deva ser o amor por si só que se aprende,
mas aprende-se (e, portanto, se constrói) ao vivenciá-lo numa relação dual tanto os
comportamentos encobertos quanto os abertos. Entre estes comportamentos podem-
se identificar: ternura, cumplicidade, medo, tolerância, raiva, paixão, humildade, rejei­
ção, fidelidade, humor, punição, dependência, intimidade do corpo e do emocional,
entre muitos outros; certamente, esta lista jamais se completará.
Vale assinalar que como qualquer outro comportamento aprendido, o amor
está diretamente relacionado às contingências que o ser humano experiencia ao interagir
com seu ambiente e vice-versa, assim como, a história de vida singular das pessoas
envolvidas na relação, além do aspecto de que só emergirá em condições nas quais
são cultivadas interações genuínas. Dessa forma, somente numa relação continuada,

- Na página em que se encontra o item 3-a, referindo-se à expressão do sexto parágrafo “procedimento terapêutico1

(’ ) Na literatura vigente observa-se poucas citações sobre tal procedimento terapêutico. Duas referências a serem citadas: Gottman, J. VI. filSJ
(1976) eSmith (2008).

240 Nione Torres, Marina Gomes Wielewicki


e vivenciando basicamente as nuances de vários sentimentos, como os acima relata­
dos, é que a construção da relação afetiva vai se fazendo.
Por outro lado, será exatamente neste contexto que os conflitos eclodirão. Sur­
gindo, desse modo, uma ampla variabilidade de comportamentos de fuga/esquiva, que
vão desde simples dificuldades de entendimento no relacionamento até sua própria
ruptura, desencadeando, evidentemente, dores emocionais, sentimentos de desam­
paro, solidão e vários outros comportamentos, tanto públicos quanto encobertos, nos
parceiros envolvidos.
Estudos recentes sobre relacionamento amoroso buscam identificar algumas
(entre tantas) razões de tais conflitos surgirem numa relação a dois e, muitas vezes,
levar a um déficit na sua construção, ou mesmo, ao término dela.
Entre importantes razões observadas, serão discutidas a seguir: as regras e as
auto-regras disfuncionais a partir da história de contingências de vida de cada membro
do par; o padrão comportamental infantil de amor de um ou ambos os parceiros; e um
déficit/ ausência de habilidades pessoais/ interpessoais no comportamento de um ou
de ambos envolvidos.

1. Regras e auto-regras disfuncionais:


Primeiramente é preciso que se diga que todos os seres humanos anseiam
por um relacionamento especial (bem-vindos à espécie humana, não é verdade?), e,
nessas tentativas, a pessoa busca outra pessoa para que, por exemplo, esteja ao seu
lado para “o que der e vier”; que seja sua cúmplice, que a defenda; em outras palavras,
que “reforce seu comportamento” a partir das contingências produzidas pela própria
relação.
Dessa forma, o relacionar-se tem um lugar de destaque na vida dos seres
humanos saudáveis, até porque é um vínculo maior, mais profundo e íntimo que qual­
quer outro. É nesta intimidade especial que os parceiros geralmente reproduzem o
modelo de amor que cada um aprendeu a partir das suas primeiras experiências de
vida, de suas próprias histórias de contingências de reforçamento, assim como das
contingências vivenciadas na própria relação que está ocorrendo.
Neste sentido, a aprendizagem sobre o amor (assim como, o construir uma
relação) vai se mantendo e se fortalecendo, sem que, muitas vezes, a pessoa (única na
sua própria história) tenha a autoconsciência de que está elaborando e vivenciando
regras e auto-regras a respeito do que pensa saber sobre o relacionar-se amorosa­
mente e também sobre uma relação de amor ideal. Isso gerará, à medida que a relação
vai acontecendo, um maior distanciamento das reais contingências que permeiam
uma relação afetiva, e, (por que não?), também efetiva.
O que se constata é que estas auto-regras, ao serem vivenciadas num relacio­
namento a dois, poderão se conflitar significativamente com as contingências reais que
emergem a partir do viver com outro ser (tendo em vista que este também vem para a
relação com suas próprias auto-regras; sua própria história) o que tornará o vínculo, no
mínimo, vulnerável, uma vez que proporcionarão contextos interpessoal e pessoal com
sentimentos bastante dolorosos, como ansiedade, desamparo, tristeza, tensão (para
enumerar apenas alguns).
Achados sobre este tema indicam que, entre as auto-regras mais comuns,
pode-se verificar:

Sobre Comportamento e Cognição 241


• Preciso de alguém mais forte do meu lado para que eu possa ser feliz;
• Tenho que ceder sempre para o outro me amar e não me rejeitar;
• Amar é não estar só. Farei qualquer coisa para não me sentir só;
• Amor é sofrimento, assim, preciso abrir mão das minhas vontades, do que
sinto, do que penso e, então, eu amo;
• É importante estar sempre certo, caso contrário o outro jamais vai me respeitar;
• Concessões são muito importantes, senão não demonstro que amo;
• Somos eu e você contra o mundo: só assim seremos felizes;
• Casamento é para sempre.
Na verdade, tais auto-regras apresentam-se na direção reversa do “você me dá
prazer ou faz sentir-me bem” que, segundo Skinner (1995), é o elemento reforçador que
há no amor.
Como ilustração básica destas auto-regras e/ou regras disfuncionais cita-se
dois exemplos:
• “ Quando prom eti am ar até a m orte”: será que a pessoa em questão pensa, na
verdade, “até meu espírito e minha alma morrerem”? O amor não pode matar um
ser humano de medo, assim como o amor não faz um ser humano desejar a
morte! Ele não é e jamais poderá ser uma lista de más ações! Ao contrário, o
amor enquanto sentimento e vivência perdoa, se arrepende, mostra remorso
(Smith, 2008). Pode parecer paradoxal, todavia o que pode levar o amor à morte
(no sentido de acabar/ findar) é a vida, melhor dizendo, as contingências de vida
que aquele casal está experienciando.
• “O anel que tu me deste, era vidro e se quebrou ”: avalia-se, assim, que uma
aliança simboliza amor ou simboliza controle? O abuso emocional e o abuso
verbal tornam-se, então, o seu material? É possível, portanto, pensar ser isto
uma sentença de prisão e não um relacionamento, pois são comportamentos
de dominação e manipulação (Smith, 2008). O amor, ao contrário, precisa ser
afirm ativo; ele necessita dar espaço (e muito!) para as diferenças
comportamentais (algo inegável entre as pessoas), podendo, assim, fazer elos
íntimos a partir delas. Dessa forma, uma relação amorosa poderá ser construída
e ambos os parceiros poderão crescer, tomando-se, desta maneira, adultos na
relação.

2. Amor Infantil: características comportamentais


Nesse continuum também é possível apontar outra grande razão que pode
tornar bastante difícil a construção de uma relação a dois: o chamado “amor infantil”.
Segundo Smith (2008), no Amor Infantil, a pessoa:
• Vê o outro como extensão de si mesmo;
• Apresenta medo do abandono;
• Necessita de constante reforço para sentir/saber que é amada;
• Tem comportamentos de dependência com relação aos outros a fim de satisfa­
zer suas necessidades físicas e emocionais;
• Demonstra grande dificuldade em controlar comportamentos relacionados às
suas emoções;

242 Nione Torres, Marina Gomes Wielewicki


• Precisa, frequentemente, de comportamentos que denotam certezas;
• Sente que inexiste fora da presença da pessoa amada;
• Vive apenas o momento;
• Vê-se como o centro do universo;
• Apresenta comportamentos de medo com relação às mudanças e comporta­
mentos de esquiva ao esforço excessivo para fazê-las;
• Lança mão de quaisquer comportamentos para não perder seu relacionamen­
to, optando até por perder a si mesmo e
• Suas necessidades são discriminadas como imediatas e desesperadas.
Por outro lado, cabe identificar, então, o que significa “estar presente como
adblto”. Ser adulto numa relação significa, por exemplo, discriminar que aquilo que
inicialmente atrai em um parceiro, nem sempre se traduz em algo com o qual a pessoa
gostaria de viver pelo resto da sua vida e ser capaz de compreender que não será ele o
agente de mudança comportamental do outro. Isso leva a crer que o amor com maturi­
dade requer um autoconhecimento mais profundo e um conhecimento também impor­
tante da pessoa com quem está se relacionando, além do comprometimento do querer
crescer (aqui, querer crescer no sentido de aprender habilidades na relação com o
outro que possam produzir efeitos reforçadores para o outro e, a partir dessa interação,
para si próprio, promovendo, consequentemente, o crescer pessoal e o crescer da
relação).
Smith (2008) demonstra em seus estudos que, no Amor Adulto, a pessoa:
• Contempla suas necessidades sob uma perspectiva adequada e comporta-se
na direção de satisfazê-las;
• Considera-se inteira como é, não dependendo, dessa forma, de outra pessoa
para deixá-la completa;
• Sente-se emocionalmente segura e assim consegue tolerar/aceitar sentimen­
tos de tristeza e ansiedade (por exemplo), sem se deixar consumir por eles;
• Identifica/ observa que é amada e não precisa procurar comportamentos na
outra pessoa que possam provar isso;
• Sente-se capaz de avaliar as situações e fazer julgamentos baseados em
dados de realidade, além de buscar atitudes saudáveis no que se refere à satis­
fazer suas necessidades;
• Aceita comportamentos de imperfeição em si mesmo e nos outros e não se
sente humilhada ou temerosa quando comete erros;
• Assume atitudes de responsabilidade por sua vida, porém, discrimina que não
pode controlar tudo que acontece;
• Sente-se completa em si;
• Planeja o futuro enquanto vive o momento (aprendeu com o passado);
• Possui a habilidade de lidar com a empatia, o sentimento de culpa e a flexibili­
dade para mudança;
• Discrimina que ir além de sua zona de conforto é reforçador e essencial para o
seu bem-estar geral;
• Consegue aceitar a perda, todavia, nunca a de si mesmo.

Sobre Comportamento e Cognição 243


3. Habilidades pessoais/interpessoais: déficit ou ausência
Complementando o raciocínio até aqui exposto, um outro gerador de conseqü­
ências significativamente negativas numa relação a dois é a ausência ou déficit de
habilidades pessoais e/ou interpessoais em um ou ambos os parceiros. Estes podem
ser: a)ausência ou déficit de empatia, b) inflexibilidade de pensamentos e ações; e c)
dificuldades em dar suporte emocional e em expressar eficazmente (Inassertivamente)
sentimentos e assinalamentos.

a)Habilidade de ser empático:


Já foi amplamente demonstrado, através de estudos, que a habilidade da empatia
é a chamada “pedra de toque” de todos os relacionamentos. Pode-se defini-la como:
“(...) a capacidade de compreender e sentir o que alguém pensa e sente em uma
situação de demanda afetiva, comunicando-lhe adequadamente tal compreensão e
sentimento” (Del Prette e Del Prette, 2001).
Neste sentido, ressalta-se também Buscaglia (2000), o qual propõe que "o
amor responsável possui empatia, principalmente, no que se refere a sentir com...".
Desta maneira, assinala-se ser a empatia uma importante ferramenta no diálo­
go e na comunicação de um casal, o que leva a crer, então, ser grande facilitadora na
construção de uma relação amorosa. Ao demonstrá-la na relação, observa-se que esta
habilidade é capaz de tirar os parceiros de uma situação na qual se sentem há anos-luz
de distância um do outro e faz com que se sintam próximos, por exemplo, numa mesma
sala.
A partir da expressão da empatia, o par envolvido conseguirá se comunicar,
pois se constroem, com ela, pontes de ligação (diga-se de passagem, íntimas) num
lugar em que existiam muralhas de pedra. Resgata-se, dessa forma, a sensação de
proximidade, uma vez que com a ajuda do sentimento empático, diluem-se sentimen­
tos desagradáveis (como a raiva, a mágoa, o ressentimento) e, assim, o casal conse­
gue pensar e discutir as resoluções de problemas que os envolvem.
Estudos sobre o tema mostram, também, que o desenvolvimento e a aplicação
da empatia no setting terapêutico, em caso de terapia de casal, podem trazer importan­
tes resultados clínicos.
A seguir apresenta-se a descrição de um procedimento terapêutico1 nomeado
por estas autoras como exercício de escuta empática ou escuta ativa, e, na sequencia,
o relato de um exemplo de como se dá a referida intervenção.
O procedimento segue basicamente três passos:

Passo 1: Comunicação e resumo do que o parceiro disse - (“Eu estou entendendo o


que você diz?”)
Passo 2: Validação do ponto de vista e sentimentos do parceiro - (“O que você diz faz
sentido para mim...”)
Passo 3: Compreensão do estado emocional do outro - (“Pelo que você disse, imagino
como se sente...”)

O exemplo da intervenção terapêutica no seguimento destes passos será ilus­


trado a partir de um caso clínico que possui as seguintes características: a esposa se

244 Nione Torres, Marina Gomes Wielewicki


apresenta com queixas e um comportamento bastante inflexível com relação ao
envolvimento do marido com seus respectivos familiares, principalmente no que tange
ao relacionamento com sua mãe, tornando a relação dual acentuadamente conflitiva.

Terapeuta (T.) diz para o marido (G.):


- G., diga a ela como você se sente com relação ao fato dela não aceitar que você
dispense atenção à sua mãe, coibindo inclusive as visitas... Apenas expresse seus
sentimentos de maneira clara... bem clara... (passo 1)
Marido virando-se para a esposa (M.) diz:
- M., quando digo que vou visitar minha mãe, o que, atualmente, só acontece
aos domingos, e você reage de forma agressiva, fico muito aborrecido; me chateia
mesmo, pois vejo que você não está respeitando o que é importante para mim, o que
sempre fez parte da minha vida... Não está respeitando meu espaço e meus sentimen­
tos... Fico também com muita raiva...
Após a sugestão de escutar ativamente e não discutir, T. diz para a esposa:
- M., vamos ver se entendeu bem o que G disse. Repita, por favor, as palavras
dele, começando desta forma: “Se estou entendendo...”
M. começa a falar tentando reproduzir a fala do marido.
T., após fala da esposa, intervém, novamente, por discriminar que ainda não
havia ficado bem claro para M. o que G. havia expressado, perguntando:
- É isto, G. ? Está certo?
Marido responde:
- Numa parte, sim... Noutra ainda não totalmente...
T. dirigindo-se novamente ao marido, fala:
- Diga a ela, G., qual a parte que sim e qual não
Marido retoma a fala no aspecto que expressa seus sentimentos; ele reforça
mais ainda o que sente e pensa.
T. retoma e volta-se para a esposa, dizendo:
- M., você compreende que G tem necessidade de ver sua família? Visitá-los e
principalmente, a sua mãe, com quem gosta de conversar; e, pelo menos, aos domin­
gos estar junto dela, manter o vínculo, etc... etc?; até porque esta relação tão próxima
sempre fez parte da história dele. Quando o conheceu isto já acontecia, lembra-se?
(passo 2)
M. responde:
- É! Acho que sim... É que eu não estou acostumada com isto, pois minha família
nunca foi assim... Não somos assim... A gente pouco se vê...
T. novamente volta-se para a esposa e diz:
- M., você entende, então, que os sentimentos dele e como ele se comporta a
partir deles fazem sentido? (ainda passo 2)
Esposa responde:
- Sim... Fazem...
T., então, finaliza:

Sobre Comportamento e Cognição 245


- Q uero agora, M., que, p o r um mom ento, você im agine o contrário... Se você
tivesse um relacionam ento próxim o, bem forte com sua mãe, sua fam ília, enfim, e ele,
G, não gostasse que você fosse vê-los, ficasse se queixando (ou m esm o, im plicando
m uito com isso), como você se sentiria... Como você reagiria...
T. aguarda alguns instantes e complementa:
R esponda, então a isso, olhando e falando diretam ente para seu marido, (pas­
so 3)
Esposa, olhando firmemente para o marido, diz:
- Nossa... G com eço a com preender como você se sente quando faço isso! Se
fosse com igo eu ficaria bravíssim a... Com raiva... M agoada... É... Você tem razão!!!

Evidentemente, não é um processo simples de ser realizado no contexto clíni­


co, contudo, não há como buscar a reconstrução de uma relação, a fim de criar um
vínculo de amor bem fortalecido e respeitável, sem que um veja e ouça o outro.

b) Habilidade de ser flexível: comportamentos reforçadores


Numa relação afetiva é importante que os parceiros tenham a habilidade
comportamental da flexibilidade; deste modo, eles colaboram em grande parte para a
continuidade deste relacionamento em função das conseqüências que geralmente se
produzem ao se comportar a partir dessa habilidade. Colocando em outras palavras, é
uma forma de demonstrar, assim, outras habilidades, tais como afeto, desprendimen­
to, compreensão, compaixão pelo outro.
A habilidade de ser flexível pressupõe uma variada gama de comportamentos
reforçadores, e que, diga-se de passagem, se organizam e se reorganizam a partir das
diferenças comportamentais entre os parceiros e das mudanças que vão acontecendo
na vida a dois.
Aqui, na verdade, pode-se nomear como comportamento de conceder. (Conce­
der é o comportamento que geralmente ajuda garantir a continuidade do vínculo em
razão de envolver os sentimentos acima citados.) A realidade das relações na vida de
seres humanos demonstra que sem concessões uma relação está, certamente, fada­
da ao fracasso.
Por outro lado, é preciso ficar atento aos comportamentos que resultam das
chamadas “concessões ocultas”. Estas podem colocar o relacionamento em risco e,
evidentemente, até miná-lo. Isso porque quando a pessoa se força, com freqüência, a
realizar coisas por esquiva que, de outra maneira, não desejaria realizar, as conseqüên­
cias podem ser sentimentos de mágoas, mal-estar e conflitos, o que pode, ao longo do
tempo, levar a desgastes importantes.
Estudos demonstram que, na relação dual, quando um dos parceiros cede mais
que o outro, a questão a ser analisada não é o quanto um ou outro cede e, sim, o bem-
estar que ambos sentem na relação. Ou seja, se o ceder traz harmonia e, dessa forma, os
dois não se sentem lesados, não há por que se preocupar. Ao contrário, quando o ceder
faz parte de um jogo para se esquivar de conflitos, para ter poder, para cobrar depois, ou
mesmo, com a expectativa de que assim o outro também o fará, gerará, obviamente, um
processo disfuncional para ambos e, por extensão, para a relação.
No contexto clínico é papel do terapeuta, através de citações de exemplos de
contingências vivenciadas pelo casal, levar a pessoa (ou o casal) a discriminar que em

246 NioneTorres, Marina Gomes Wielewicki


relacionamentos com maturidade faz-se importante adaptar-se a contextos, a fases e a
tempos ao longo da vida, uma vez que estes são absolutamente naturais; e, que em
cada fase torna-se preciso uma comunicação honesta entre os parceiros, a fim de, por
exemplo, estabelecerem novos ajustes.
Portanto, os acordos precisam acontecer a partir de um contexto em que cada
um do par deverá expor seus pensamentos, seus sentimentos, seus pontos de vista,
treinar o comunicar, o dialogar e principalmente, ouvir o que o outro tem a dizer, (aqui se
faz presente o uso da habilidade do comunicar-se com assertividade).
Diante desta questão, também é preciso como intervenção terapêutica no tra­
balho clínico com o casal levar a pessoa a colocar-se no lugar do outro para discriminar
o que o outro deseja, o que o agrada e/ou o desagrada; e, também, falar dos próprios
sentimentos de forma assertiva, ao invés de falar sobre o que o outro faz. Aqui o objetivo
é càda um do casal compreender os seus pontos de vista e não se sentir criticado, ou
mesmo cobrado.
Quanto mais os dois, conscientemente, fizerem concessões, mais próxima e
íntima pode se tornar a relação.

c) Habilidade de dar suporte emocional: características comportamentais


A habilidade agora abordada está relacionada à disponibilidade comportamental
de se doar, de tolerar e de compreender.
É indiscutível que uma das características mais importantes de uma boa rela­
ção está nessa habilidade de dar suporte ao outro. Explica-se: todo ser humano saudá­
vel precisa, em algum momento, de conforto - do famoso “colo”. Se o momento está
pedindo, então, o elemento do casal que se apresenta emocionalmente mais estável
precisa ser o “arrimo emocional”. Dessa forma, estarão aproveitando eventos de
aversividade naturais no processo da vida e transformando-os em um diferencial posi­
tivo no relacionamento. Será preciso dar o “colo”.
Vale enfatizar que os seres humanos devem (ou precisam) saber que novos
eventos vitais pedem novos comportamentos e, a disponibilidade interna de um dos
parceiros, em tal momento, poderá auxiliar no estreitamento da relação do casal, pos­
sibilitando até opinar sobre detalhes com os quais ele/ela não concorda.
No contexto clínico, novamente pode-se lançar mão, como intervenção, do exer­
cício de escuta empática ou ativa, aqui já apresentado; buscando também outros recur­
sos terapêuticos, por exemplo, como poemas e/ou músicas que estejam relacionados
às contingências pelas quais o casal está experienciando e que deverão, então, ser
analisados e discutidos com a pessoa (ou com o par).

4. Conclusão
Foram aqui apresentadas algumas reflexões a partir de tão intrínseco e inesgo­
tável tema. Quando Skinner (1995, p. 16) deu significado em “eu te amo” como sendo
essencialmente “você me dá prazer ou faz sentir-me bem”, fortaleceu, assim, a idéia de
que há no amor um grande elemento reforçador, ou seja, exatamente as consequencias
que advém do comportamento de amar.
Adequado seria, portanto, o casal experienciar contingências realísticas de um
relacionamento, no sentido de facilitar a construção do mesmo de forma saudável,

Sobre Comportamento e Cognição 247


essencialmente para reafirmar que “(...) tudo que os amantes fazem no sentido de
ficarem juntos é reforçado por essas conseqüências (...)” (Skinner, 1995, p.16).
Enfim, as inúmeras habilidades pessoais e interpessoais, tais como: empatia,
flexibilidade, aceitação, compaixão, acolhimento, parceria, comprometimento, maturi­
dade, “pôr um ponto e começar outra vez” (ou seja, perdão), humildade, identificação
(não apenas atração), entre tantas outras envolvidas na construção de uma relação
afetiva, podem ser aprendidas, mais ainda ao se vivenciar as contingências de uma
relação, possibilitando ao casal ou à pessoa a comportar-se amorosamente.
Encerra-se, a partir disso, tão somente, com uma frase: aprender a amar e, por
conseguinte, aprender a construir uma relação afetiva, parece levar o ser humano a
constantes mudanças em função de fazê-lo vivenciar um processo de aprendizagem
que não há finitude (mesmo porque o próprio comportamento de aprender não o tem)...
Desse modo, há que se vivenciar o amar... Simplesmente...

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248 Nione Torres, Marina Gomes Wielewicki


Capítulo 24
Comportamento infantil não-
colaborador em odontopediatria:
estudo de caso
Oliviajusten Brandenburg
Faculdade SantWna de Ponta Çrossa

Maria Luiza Marinho-Casanova


Universidade Estadual de Londrina

Um dos grandes focos da literatura científica de odontopediatria corresponde


ao estudo do comportamento de colaboração infantil durante o atendimento
odontológico. A classe de comportamentos não-colaborativos inclui choro, reclama­
ções, movimentos de cabeça e de corpo, formas de a criança resistir ao tratamento
odontológico. Esses comportamentos são um dos principais problemas enfrentados
por dentistas em suas clínicas, pois podem provocar machucaduras na criança ou no
dentista, podem atrasar ou impedir o término do tratamento ou dificultar a concentração
do dentista, e afetar a eficácia e a qualidade do trabalho do profissional (Allen, Stark,
Rigney, Nash, & Stokes, 1988; Kuhn & Allen, 1994).
Crianças consideradas não-colaboradoras são pacientes especiais por de­
mandarem alteração da rotina da consulta odontológica (Possobon, Moraes, Costa
Júnior, & Ambrosano, 2003). Uma área vasta de pesquisas vem se desenvolvendo na
busca de estratégias de intervenção que diminuam esses comportamentos não-
colaborativos. Tais estratégias correspondem às chamadas técnicas de manejo do
comportamento, normalmente utilizadas pelos dentistas de acordo com as definições
e indicações da Academia Americana de Odontopediatria (American Academy of Pediatric
Dentistry - AAPD, 2005-2006).
Para elaborar intervenções adequadas é preciso antes explicar o comporta­
mento de não-colaboração infantil. Muitos estudiosos o explicam recorrendo a fatores
internos, como o temperamento (Radis, Wilson, Griffen & Coury, 1994), ou o medo
(Baier, Milgrom, Russell, MancI & Yoshida, 2004). Outros pesquisadores incluem variá­
veis ambientais na explicação, tais como experiências anteriores (Lidael & Locker,
2000).

Apoio CAPES
parte da dissertação da primeira autora apresentada ao Mestrado em Análise do Comportamento/ UEL.
Contatos: oliviajb@onda.com.br / malumarinho@pa.cnpq.br

Sobre Comportamento e Cognição 249


Sendo a saúde bucal de crianças o objeto de estudo da odontopediatria, expli­
car o comportamento infantil em contexto odontológico pode ter a contribuição das
ciências comportamentais. Do intercâmbio entre essas áreas surgiu a Odontologia
Comportamental, que integra técnicas e conhecimentos das ciências comportamentais
e odontológicas para o estudo de comportamentos envolvidos na saúde bucal, na área
de prevenção e na de adesão ao tratamento (Singh Sánchez, Moraes, & César, 2002).
Como uma ciência comportamental, a Análise do Comportamento explica a
não-colaboração infantil no consultório do dentista buscando identificar as variáveis
envolvidas no controle desse comportamento. Ao analisar as condições ambientais do
contexto odontológico, identifica-se o som dos instrumentos, o odor dos materiais, o
dentista e a presença dos pais como possíveis variáveis controladoras.
Os pais são variáveis ambientais importantes para a compreensão do compor­
tamento de uma criança por fazerem normalmente parte de um dos principais ambien­
tes de convívio dela. Assim, dentre as possibilidades de interação entre o comporta­
mento da criança e o ambiente odontológico, o foco da presente pesquisa é a interação
entre as mães e seus filhos.
Recentemente, houve aumento da participação parental durante a consulta
odontológica. Pinkham (1991), ao analisar esse fenômeno historicamente, afirma que
até meados da década de 60, nos Estados Unidos, havia uma posição clara, apoiada e
recomendada pela Associação Americana de Odontologia, de que a presença dos pais
não era necessária durante a consulta de seus filhos. Entre 1968 e 1990, com o conjun­
to de mudanças nas estratégias educativas dos pais, estes passaram a agir de manei­
ra mais protecionista, o que refletiu no consultório odontológico.
Além disso, os dentistas passaram a requisitar a presença dos pais devido
aos cuidados éticos com o uso de técnicas de manejo comportamental. O tipo de
técnica escolhida pelos odontopediatras para manejar o comportamento infantil tem
sofrido modificações em razão da opinião dos pais, com diminuição do uso de técnicas
aversivas (Carr, Wilson, Nimer, & Thornton, 1999). Assim, há cada vez maior participação
dos pais nas tomadas de decisão e no consentimento para a aplicação de técnicas de
manejo comportamental (Nathan, 1989).
No entanto, a opinião de dentistas sobre a presença dos pais em sala de
atendimento ainda não é consensual. Algumas pesquisas revelam que a maioria dos
profissionais permite a permanência dos pais, enquanto outras demonstram resulta­
dos contrários (Carr et al., 1999; Tavares, Modesto, Tostes Amaral, Rédua, & Vianna,
2000). Para alguns dentistas, a presença dos pais é um facilitador para seu trabalho,
permite o diálogo e decisão sobre piano do manejo comportamental infantil (Crossley &
Joshi, 2002; Nathan, 1989), enquanto para outros, a presença dos pais interfere na
relação entre dentista e paciente (Nathan, 1989).
Pesquisadores, como Kotsanos, Arhakis e Coolidge (2005) e Marzo, Campanelia,
Albani e Gallusi (2003), buscaram avaliar o impacto dos pais sobre o comportamento
infantil durante o atendimento odontológico, mas os achados ainda não são conclusi­
vos. Assim, a Análise do Comportamento pode contribuir com a Odontologia no sentido
de explicar e planejar intervenções relacionadas à interação entre pais e filhos em
consulta ao dentista. Para demonstrar tal contribuição, o presente texto compõe-se por
um primeiro momento de descrição das interações realizadas durante duas consultas
de atendimento infantil a uma criança que pode ser avaliada como apresentando alta
freqüência de comportamentos de não-colaboração, seguido de análise comportamental
de tais interações.

250 Olivia Justen Brandenburg, Maria Luiza Marinho-Casanova


Método
Participou no presente estudo uma criança de 2 anos de idade, do sexo mascu­
lino, que será chamada Davi, e sua mãe. A mãe de Davi tinha 28 anos na ocasião da
realização da pesquisa e Ensino Fundamental completo.
A criança foi atendida em um serviço de emergência gratuito de uma clínica
odontológica para bebês e precisou passar por tratamentos odontológicos cirúrgicos
(pulpectomia - tratamento de canal), tendo um retorno, no qual recebeu tratamento
profilático (nomeado Choque).
No Pronto Socorro (OS) dessa clínica odontológica, as crianças são atendidas
por duplas de profissionais que cursam especialização ou residência em
Odontopediatria. Na época da coleta, os dentistas da residência estavam há 9 meses
no curso e a dentista da especialização há 21 meses.
A conduta de todas as dentistas segue um certo padrão, de acordo com o treino
que recebem na instituição. Normalmente, antes de iniciar a consulta, a criança é
posicionada na cadeira odontológica e faz “mágica” para a cadeira levantar e deitar.
Aperta primeiro a própria barriga e depois o nariz, além de fazer a luz da cadeira acender
batendo palmas. Enquanto a criança faz esses movimentos, a dentista aciona um botão
no chão, que não é visto pela criança que acredita estar fazendo “mágica”. Ao longo de
todo o atendimento as dentistas fazem uso da técnica “conte-mostre-faça”, explicando e
demonstrando cada procedimento que será realizado. Elas conversam com a criança,
fazem perguntas, algumas cantam. Quando a criança é pequena, está muito agitada e
precisará passar por cirurgia, o pacote pediátrico (restrição física em que a criança fica
envolvida com um lençol) é utilizado pra proteção da criança e dos dentistas, com
autorização da mãe.
Foram filmadas e transcritas duas sessões de atendimento de emergência da
criança. As filmagens foram realizadas pela própria pesquisadora.

Resultados
Os dois atendimentos de Davi ocorreram em ambientes diferentes, conforme
pode ser observado na Figura 1: o primeiro foi na sala comum da clínica e o segundo na
sala individual do PS. Na primeira consulta, a criança teve seus movimentos restritos
pelo “pacote pediátrico”. Ela tinha acabado de passar por um atendimento de retorno
(que não foi filmado), quando houve exame clínico e a dentista decidiu fazer tratamento
de canal. A posição da mãe era sentada na cadeira odontológica junto com o filho, com
os pés dele em seu colo. Na segunda consulta, a posição inicial da mãe era em uma
cadeira ao lado da cadeira odontológica e depois passou para a posição de sentada
junto com o filho na cadeira odontológica, com os pés do filho em seu colo.
Os comportamentos da díade e da dentista, registrados durante todo o primeiro
atendimento de Davi, estão organizados na Figura 2. O tratamento foi de pulpectomia
(tratamento do canal do dente), realizado por duas dentistas com a ajuda de uma tercei­
ra, com duração de 38 minutos e 10 segundos. A Figura 3 apresenta o registro dos
comportamentos da díade e das dentistas na consulta de retorno. O atendimento de
choque, por duas dentistas, durou 7 minutos.
A Tabela 1 apresenta dados quantitativos do comportamento de Davi e de sua
mãe durante as duas consultas odontológicas transcritas.

Sobre Comportamento e Cognição 251


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D avi com restrição física (pacote ped iátrico )

D avi quieto virando a cabeça para os lados e para trás

HjID olhando para o filho e para a dentista

D e n tis ta “T em que cu id a r m ais da higiene d os dentes dele e tirar o p eito. Sei


que é difícil p ara você tirar o peito, m as é p ara o bem d ele”

Segunda D e n tis ta chcga c senta

M 0 agrada o filho ‘T á ven d o o que a tia tá falando?”

D avi levanta o troco, tentando sentar

M n segura o filho com a m ão, o faz deitar e d iz “ Fica aí” . A m ãe fica agradando a
b arriga c as p cm a s da cria n ça c olhando para o filho

II D avi resm unga “ qué co lo ” e com eça a choram ingar

D e n tis ta “V ocê q u er colo? V ocê já está no colo da m am ãe!”, “ A tia vai dar
um desenho bem bonito para você p in tar depois” .

M n “N ão tem q u e chorar, n ão tá fa zendo nada, não tá fazendo nada!” e c o n tin u a


agradando a criança e o lhando para ela

^ D e n tis ta “A tia vai fazer teu dente d orm ir e você não vai sentir nad a !”

M d pára de agradar, m ãos sobre as p ern as do filho, olhando para ele

D e n tis ta “V am os fa zer o d entinho d orm ir? A tia vai p assar pom ada cheirosa,
com gosto de m enta!”

D e n tis ta “T em que ficar p arad in h o !” A segunda D e n tista fica seg urando a


cabeça de Davi p o r to d a consulta

M u olha p ara o filho e às vezes vira a cabeça para o outro lado

D avi [aumenta o choro

D e n tis ta “V am os ficar calm inho, respira pelo nariz. T á sentindo o gostinho


da pom ada? Q ue g ostoso?”

continua chorando e com eça a g ritar com freqüência. M ovim enta seus pés e às
:ze^ ^enta m exer o corpo e as pernas.

M n seguia as pernas do filho, n a altura do jo elh o , quando ele tenta m exer e


jn tin u a alternando seu o lh ar p ara o filho e para o lado.

D e n tista “ V ou tirar o b ichinho e deixar teu dente bem bon ito !”

Um a terceira D e n tis ta vem ajudar. Às vezes auxilia segurando tronco de


Davi e às vezes auxilia na preparação do m aterial, já que a segunda d en tista
segura a cabeça de Davi.

D e n tis ta “ V am os fazer o dente d o rm ir!”

Olivia Justen Brandenburg, Maria Luiza Marinho-Casanova


vi senta na cadeira c fica quieto

M d sentada num a cadeira perto do filho, o lh a para ele

D en tista “ Legal heim ! A tia vai lim par o seu dentinho! V am os o lhar para ver sc
II está bonito! B ate a m ão igual parabéns para ascender a luz.
\ *=
não m ex e as m ãos e continua quieto

D en tista “ A ssim o lh a” , bate palm as “V iu, a luz ascendeu? É m ágica!”

D entista “ A tia vai su b ir a cadeira p ara en xergar o teu d en te” e m ovim enta a
c a d eira p a ra cim a. “ A gora a tia vai o lh ar”

Da abre a b o ca e deixa a dentista olhar, continua quieto

D en tista “ Q ua bonito!” . Ela diz colocando um pan o “V am os colocar um


p a n in h o p ara não su jar a tua roupa!”

ü1'49 D entista “Q ue linda a boca do m eu am igo!” e ten ta iniciar lim peza


sl
Davi com eça a se m exer


D en tista “ A h, você não vai deixar o dente lim pinho?” e tenta fazer a lim peza

choram inga

D e n tis ta “ A m ãe vem sentar aqui n a cadeira com ele”

M d levanta e senta na cadeira ju n to com o filho, com os pés dele em seu colo.
Pica seg urando as pernas do filho e olhando p a ra ele.

choram ingando cham a “ M am ãe”

D entista “ M am ãe tá aqui!”

pára o choro

D en tista sobe a cadeira odontológica e inicia a lim peza

com eça a ch o rar m ais forte e m ovim entar seu corpo

D en tista au x iliar ajuda a segurar a cabeça e os braços d a criança

D en tista “A h, você é tão bonito D avi!” “V ocê não gosta de lim par o dente?”
3‘30 “T á só escovando o dentinho!”

V32 chora, g rita e m ovim enta o corpo e cabeça

D entistas seguram a criança. “ D eixa a tia en xergar!” “ Sem fazer assim !”


“ D eixa a tia lim par Davi! A tia vai deixar o d en te b em lim po!”

D entista “ Pergunta para a mãe se teu dente tá ficando bonito”

D en tista “O lha, o B ob E sponja vai d eixar teu d en te forte e bon ito !” “V am os


co lo c ar a g ü a fin h a p ara tom ar água?” “V am os term in ar para ir em bora?”

Sobre Comportamento e Cognição 253


Em ambas as consultas, Davi apresentou comportamentos de choro, grito e
movimentos corporais que afetaram o trabalho das dentistas. Indicativo disso foi a
necessidade do pacote pediátrico na primeira consulta e de restrição física pela mãe e
dentista auxiliar na segunda consulta. Como os comportamentos da criança dificulta­
ram a realização dos procedimentos pelos profissionais e impediram o término do
tratamento do retorno, são considerados como não-colaborativos.
O padrão de não-colaboração identificado em Davi pode ser entendido como
um conjunto de respostas reflexas e operantes em função de estimulações aversivas
incondicionais e condicionais, relacionadas tanto à condição de restrição física quanto
aos procedimentos odontológicos. Estar com o corpo imobilizado, na primeira consulta,
pode ter sido condição que eliciou respostas emocionais e provocou a emissão de
respostas de fuga, como gritos, choros e constantes movimentações corporais. Além
da restrição física, a probabilidade de haver estímulos aversivos no procedimento
odontológico pode ser indicada ao se observar que em ambos os atendimentos, a
criança iniciou quieta. Na primeira consulta, começou a chorar logo antes da anestesia
tópica e, na segunda, quando da limpeza bucal.
Os comportamentos de Davi de não-colaboração na consulta de retorno ofere­
cem indícios de processo de condicionamento. Os procedimentos do choque não são
potencialmente aversivos, mas parecem funcionar como tal para essa criança, talvez
por sua história. A dentista, a sala e outras variáveis do ambiente odontológico parecem
não ter adquirido função aversiva, pois entrou na sala e sentou na cadeira, até mesmo
permitindo que a dentista olhasse sua boca. Somente quando a dentista iniciou a
limpeza bucal, Davi começou o choro e movimentos e parou logo que as dentistas
sinalizaram o fim. Assim, parece que eventos nos procedimentos odontológicos funcio­
nam como estímulos aversivos condicionais para ele.
Apesar de não ser possível identificar qual evento específico funcionou como
estímulo aversivo, nota-se que era significativo, pela intensidade das reações emocio­
nais e das respostas de fuga de Davi. Na primeira consulta, apesar da restrição da
cabeça pelas mãos da dentista auxiliar e do corpo pelo pacote pediátrico, ele conseguia
mexer a cabeça e levantar o tronco, havendo necessidade de uma terceira dentista para
auxiliar. Os movimentos de Davi foram tão intensos que o lençol se desprendeu e ao
final da consulta sua mão escapou da restrição. A movimentação dos pés, o choro e o
grito, os únicos comportamentos livres de restrição, prevaleceram durante a consulta
indicando a reação à estimulação aversiva. Na segunda consulta, a intensidade de
movimentações corporais e de choro se repetiu, impossibilitando a realização de todos
os procedimentos da profilaxia (choque).
Outro fato evidencia que Davi estava preponderantemente sob controle das
estimulações aversivas: nenhuma estratégia utilizada pelas dentistas funcionou para
reduzir os comportamentos de não-colaboração. Elas apresentaram a todo momento
informações sobre os próximos procedimentos, consolaram, tentaram distrair (fantasia
e música), prometeram desenho, mas nada afetou o comportamento da criança.
As interações das dentistas com Davi contrastaram com as poucas ações da
mãe. A pouca interação com o filho se resumiu a olhares, algumas falas (quatro ao
todo), agrados e toques na primeira consulta. Na segunda, manteve-se apenas olhan­
do o filho, sem gestos ou falas. Nas duas consultas, a mãe segurou as pernas do filho,
mas para restringir movimentos.
Em alguns momentos seu toque pareceu ter conotação afetiva, de consolo.
Esses agrados foram acompanhados de falas de consolo no início da consulta e du­

254 Olivia Justen Brandenburg, Maria Luiza Marinho-Casanova


rante anestesia injetável. Uma única vez a mãe pareceu emitir fala de instrução, ao pedir
para o filho ficar deitado. Na primeira consulta, tanto as falas quanto os afagos da mãe
aconteceram quando as dentistas não estavam atuando, principalmente no início do
atendimento, e quando estas lhe pediram. Isso indica que a mãe delegou o controle do
comportamento do filho para as profissionais. Não se pode afirmar que havia desinte­
resse materno, pois ela olhava para o filho, alternando com olhares à volta, e estava
atenta às falas das dentistas, confirmando com acenos de cabeça (três vezes) para a
profissional. No entanto, os indícios são de pequeno repertório de apoio, de consolo e
de fornecer regras.
Além disso, pode-se hipotetizar a dificuldade da mãe relacionada a contextos
odontológicos. Mesmo com as poucas interações, pode-se analisar algumas relações
pontuais de controle. Davi manifestou-se pedindo colo e chamando pela mãe uma vez
na primeira e outra na segunda consulta. As manifestações do filho funcionaram como
estímulo para respostas da mãe apenas na primeira consulta. Em outro momento, Davi
diminuiu o choro e o grito após sua mãe lhe agradar os pés, a pedido das dentistas.
Apesar de não ser possível afirmar, o gesto afetivo pode ter funcionado como sinal de
apoio que tranqüilizou a criança. Estas poucas interações entre mãe e filho mostram
que este chamou por sua mãe e teve seu próprio comportamento alterado em função do
apoio materno. Isso sugere que a mãe exerce um papel de proteção, mas que neste
contexto foi pouco demonstrado.
Vale acrescentar outras informações relacionadas à fala das dentistas sobre a
necessidade de a mãe retirar a amamentação no peito. A pesquisadora tem informa­
ções de que esta criança já recebeu tratamento cirúrgico (pulpectomia) e a seqüência
do tratamento de choque. Sabe-se que nessas ocasiões, a mãe foi alertada para ne­
cessidade de retirada da amamentação no peito, pela idade da criança, e principalmen­
te porque esta amamentação era uma das grandes responsáveis pela ocorrência de
cáries na criança.
Informar é um dos principais objetivos do tratamento de choque (com atendi­
mentos semanais por quatro semanas). No entanto, as instruções anteriores fornecidas
pelas dentistas não tiveram efeito nem sobre a higienização, nem sobre o amamentar
no peito. Davi continuava mamando no peito de sua mãe e sua saúde bucal permanecia
prejudicada. Essas informações podem indicar dificuldade ou discordância da mãe de
cessar a amamentação no peito e, provavelmente, dificuldade de realizar escovação na
criança.

Discussão e Conclusão
Analistas do comportamento consideram que os comportamentos maternos
podem exercer função de variáveis ambientais para o comportamento infantil. Por isso,
é possível que os pais modifiquem o comportamento de seus filhos por alterarem as
condições antecedentes e conseqüentes ao comportamento da criança (Hübner, 1999).
Algumas evidências dessas relações funcionais entre os comportamentos maternos e
infantis puderam ser verificadas nos dados da presente pesquisa. Por exemplo, obser-
vou-se que ocorreu diminuição na freqüência do choro da criança quando a mãe acari­
ciou seus pés a pedido das dentistas. O agrado da mãe pode ter funcionado como sinal
de apoio que amenizou o efeito da estimulação aversiva. No entanto, foram poucos os
ciados que demonstraram uma modificação pontual do comportamento infantil diante
de uma ação materna. Provavelmente, o comportamento da criança estava mais sob
controle dos procedimentos odontológicos do que dos comportamentos maternos apre­

Sobre Comportamento e Cognição


sentados durante a consulta, embora os comportamentos maternos tenham sido pou­
co freqüentes.
Por outro lado, os comportamentos de Davi não se configuraram como variá­
veis funcionais para evocar comportamentos maternos de apoio. É possível que diante
da aversividade da situação, a mãe da criança tenha experimentado muitos comporta­
mentos encobertos, em especial os emocionais.
Inúmeras hipóteses explicativas do padrão de interação entre essa mãe e seu
filho durante os atendimentos odontológicos podem ser levantadas. Primeiro, é possí­
vel hipotetizar que Davi apresentou muitas dificuldades de autocontrole durante os aten­
dimentos devido a falhas na aprendizagem deste repertório, que já devia estar em
curso. Crianças muito novas, em geral choram durante o atendimento odontológico. A
mãe de Davi pode não saber como ensinar a criança a enfrentar situações difíceis
(novidade, aversividade etc.) e, conseqüentemente, não tem um repertório reforçado de
comportamentos para atuar na situação de não-colaboração de seu filho durante a
consulta ou para lidar com suas próprias reações emocionais desencadeadas por
variáveis do contexto odontológico. Isto explicaria a baixa taxa de respostas apresenta­
das por ela na situação: não há comportamentos selecionados, ao menos nesse con­
texto ou que sejam generalizáveis a ele.
Por fazer parte do controle ambiental, mães são uma das responsáveis pela
seleção dos comportamentos de seus filhos, e assim, pela construção de repertórios
como o de autocontrole e o de seguir regras, necessários para as crianças enfrentarem
situações como a consulta odontológica. A modelagem desses repertórios ocorre des­
de o início da vida, uma história que não pode ser acessada na pesquisa.
Outra variável de comportamento materno apresentada na literatura como po­
dendo afetar o comportamento infantil durante o atendimento odontológico é a ansieda­
de. Tomita (2004) observou maior ocorrência do “desviar o olhar” por mães durante
injeção anestésica nos filhos, o que poderia indicar ansiedade materna. No presente
estudo, observou-se que a mãe de Davi desviava muito seus olhares na primeira con­
sulta, sugerindo ansiedade por parte dela. A literatura relaciona maior ansiedade mater­
na à não-colaboração infantil (Johnson & Baldwin, 1969; Koenigsberg & Johnson, 1972;
Robey, 2006; Wright et al., 1973).
Com essas considerações, fica mais claro compreender porque muitas pes­
quisas, como as de Kotsanos et al. (2005) e de Marzo et al. (2003), detectam que a
presença ou a ausência dos pais durante o atendimento afeta o comportamento infantil.
Além disso, com a noção de a criança apresentar um padrão comportamental histórico,
entende-se também o motivo de as práticas educativas afetarem a colaboração da
criança no dentista (Allen, Huftless, & Larzelere, 2003; Venham, Murray, & Gaulin-Kremer,
1979).
Não houve pretensão de chegar a um dado conclusivo para afirmar que a pre­
sença da mãe durante a consulta provoca alterações sobre o comportamento do filho.
Entretanto, a busca por indícios desse efeito permitiu verificar que o comportamento de
mães funciona como variável ambiental para o comportamento infantil. Na situação do
presente atendimento, parece que o comportamento materno tem grande concorrente,
que é o conjunto de eventos potencialmente aversivos do procedimento odontológico.
Mesmo assim, elas podem emitir instruções e falas de apoio que aumentem seu valor
competitivo. Além disto, ressalta-se que a mãe como variável ambiental histórica possui
grande responsabilidade em relação ao comportamento infantil no consultório do den­
tista. No consultório odontológico, as crianças precisam desempenhar repertórios com-

256 Olivia Justen Brandenburg, Maria Luiza Marinho-Casanova


plexos como autocontrole e o seguimento de regras, que deveriam ser treinados princi­
palmente no ambiente familiar, pelos pais.
Com o embasamento analítico comportamental, a busca de variáveis ambientais
que controlam o comportamento infantil na odontopediatria ultrapassa qualificações que
rotulam as crianças como “com falta de vontade”, “com gênio difícil”, "medroso”, “manho­
so” etc. Como ressalta Moraes (2002), entende-se que o problema não está na criança, e
sim na interação com variáveis ambientais, que em geral podem ser manipuladas.
Por outro lado, é também interessante analisar o comportamento materno como
também controlado por variáveis ambientais, inclusive referentes à sua própria aprendi­
zagem. Trata-se de um ponto importante, pois há grande dificuldade de cientistas em
lidar com pais, que podem dificultar o trabalho do dentista durante a consulta ou deixar
de ajudar por não apresentar repertórios variados selecionados para aquele contexto.
Ressalta-se a importância do preparo dos pais para enfrentar tal ambiente e
auxiliar seu filho a também fazê-lo. Mesmo com as dificuldades de realização de pes­
quisa aplicada ao contexto natural, com pouco controle de variáveis, a observação direta
de poucos sujeitos e a análise de dados qualitativa e funcional permitiu interpretações
que podem promover avanços científicos e comunitários de atuação do psicólogo com
pais e dentistas.

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258 Olivia Justen Brandenburg, Maria Luiza Marinho-Casanova


------------Capítulo 25
Caracterização das diferentes faces do
bullying: variáveis determinantes
da agressividade femínia
Patrícia Çuillon Ribeiro1
PUCPReFEPAR

Rafaela Roman de Faria


PUCPR

Rosana Angst
PUCPR

A violência está presente na vida de todos atualmente. De acordo com o Conse­


lho Nacional de Saúde, a violência no Brasil mata mais pessoas do que todas as
doenças infecto-contagiosas no período de um ano. Esse quadro é observável em
diversos ambientes, além de adotar diferentes formas de expressão que vão desde as
agressões físicas até a exclusão social, humilhações e outras formas de agressão
verbal. Um dos ambientes mais marcados pela agressividade infanto-juvenil são as
escolas. “A violência nas escolas é um problema social grave e complexo e, provavel­
mente, o tipo mais freqüente e visível da violência juvenil” (Lopes Neto, 2005, p. 164).
O conceito de agressividade não é fácil de ser estabelecido. Existem diferentes
abordagens que definem esse mesmo conceito de formas diversas o que o torna ainda
mais abrangente. Entretanto, pode-se observar um consenso entre os autores de que a
agressividade determina um importante risco ao desenvolvimento infantil (Pavarino, Del
Prette, & Del Prette, 2005). Pavarino etal. (2005), definem a agressão como um compor­
tamento que tem por objetivo gerar alguma espécie de dano a outra pessoa. É importan­
te ressaltar que a agressividade, assim definida, abrange tanto comportamentos físicos
como comportamentos verbais, estes mais característicos na interação entre meninas.
“Tal comportamento pode se manifestar muito cedo na infância, com várias caracterís­
ticas que apresentam conseqüências negativas para o desenvolvimento do indivíduo,
mesmo quando não se mantém ao longo do ciclo vital” (Pavarino et al, 2005, p. 215).
Entre tantas manifestações de agressividade que se tem tido notícias
atualmente, um padrão de comportamento vem ganhando a atenção de estudiosos do
desenvolvimento infantil. O bullying é uma palavra de origem inglesa que tem sido
utilizada para definir o conjunto de comportamentos infantis que se caracterizam como
agressivos (verbais ou físicos), intencionais e de caráter repetitivo. São condutas adotadas
por uma ou mais crianças contra seus pares que demonstram alguma fraqueza ou

1Email para contato: pguillon@gmail.com

Sobre Comportamento e Cognição 259


dificuldades para se defender, estabelecendo assim uma relação desigual de poder e
intimidação. Tal padrão de comportamento causa dor e angústia nas vítimas e danos no
desenvolvimento das mesmas (Fante, & Pedra, 2008, p. 33).
Embora seja um fenômeno antigo, o bullying ainda é um tema pouco conhecido
e estudado no Brasil (Fante, 2005). Entretanto, essa realidade vem sofrendo modifica­
ções já que o número de estudos a respeito desse assunto vem crescendo a cada dia.
Os estudos atuais sobre o tema enfocam sua ocorrência durante o período escolar e
relatam algumas das possíveis conseqüências que podem suscitar no indivíduo. Vale
considerar que discentes do gênero masculino e feminino estão envolvidos com o
fenômeno, no entanto, grande parte da literatura confere especial atenção às manifes­
tações no gênero masculino.
A ocorrência do bullying é relatada e observada geralmente entre meninos em
idade escolar, que de forma direta, mostram comportamentos como agressões físicas,
ameaças, roubos, ofensas verbais, entre outros. (Lomas, 2007).
Já no caso de meninas, o bullying se dá de forma indireta e mais sutil do que a
dos meninos, sendo que esse grupo se utiliza de fofocas, boatos, intrigas e exclusão do
grupo de amizades. Esse tipo de violência é dificilmente encontrada e visível, pois rara­
mente um adulto é capaz de comprovar que ele esteja ocorrendo (Lopes Neto, 2005).
Considerando que a educação de meninos e meninas é diferenciada, pois os
meninos necessitam confirmar constantemente sua masculinidade por meio de atos agres­
sivos e as meninas precisam comprovar sua feminilidade, é menos provável que elas
cometam atos agressivos, optando assim por outras formas de violência (Lomas, 2007).
Segundo Constantini (2002/2004), o agressor e a vítima possuem característi­
cas semelhantes, sendo uma delas a baixa auto-estima, pois ao cometer atos de
bullying, o agressor o realiza a fim de receber reconhecimento social de seus pares, e
apenas o efetua por saber que a vítima não irá defender-se.
De acordo com Simmons (2002) os meninos expressam seus impulsos por
meio da agressão predominantemente física, o que não é observado nas meninas com
a mesma freqüência. A agressão feminina envolve, habitualmente, a exclusão do grupo
social, apelidos e fofocas. Enquanto os meninos se utilizam da punição física para
controlar o comportamento de seus pares, as meninas lançam mão do reforço social
como forma de obter o que querem de suas colegas.
Simmons (2002) identifica três formas de agressão feminina: a relacionai, a
indireta e a social. A agressão relacionai caracteriza-se por atos que objetivam magoar
outros prejudicando seus relacionamentos ou sentimentos de amizade e aceitação, sen­
do que há a sabotagem por meio de olhares ou linguagem corporal. A agressão indireta
é um comportamento dissimulado, que faz parecer que não há em nenhum momento a
intenção de magoar, o que geralmente ocorre quando a pessoa visada é vítima de fofo­
cas. Por fim, a agressão social tem a intenção de diminuir a auto-estima ou status social
dentro de um determinado grupo, que pode ocorrer por meio de boatos ou exclusão
social. “As meninas usam a maledicência, a exclusão, a fofoca, apelidos maldosos e
manipulações para infligir sofrimento psicológico nas vítimas” (Simmons, 2002, p. 11)-

"Para se esquivarem da desaprovação social, as meninas se escondem sob uma


fachada de doçura para se magoarem mutuamente em segredo. Elas passam
olhares dissimulados e bilhetes, manipulam silenciosamente o tempo todo, en­
curralam-se nos corredores, dão as costas, cochicham e sorriem. Esses atos.

260 Patrícia Guillon Ribeiro, Rafaela Roman de Faria, Rosana Angst


cuja intenção é evitar serem desmascaradas e punidas, são epidêmicos em ambi­
entes de classe média, em que as regras de feminilidade são mais rígidas
(Simmons, 2002, p. 33)

O que torna esse tipo de agressão preocupante é que não se trata de um


conjunto de condutas fácil de ser identificado por adultos. É comum se falar que essa
conduta faz parte da idade. Embora exista uma manifestação mais sutil dos comporta­
mentos agressivos pelas meninas, eles não são menos perigosos ao desenvolvimen­
to da auto-estima e auto-conceito daquelas que se caracterizam como vítimas ou obser-
vadoras do fenômeno. Quando a agressão é dissimulada, as meninas não se preocu­
pam apenas em não serem descobertas, mas também em parecer que jamais seriam
capazes de maltratar alguém.
A auto-estima (a forma como o indivíduo se vê), por exemplo, é construída a
partir dos contatos que a criança estabelece com o seu meio social. A aprovação e a
desaprovação por parte de terceiros determinam a forma como aquela pessoa avalia a
si mesma e aos seus comportamentos nos diferentes contextos dos quais faz parte. Ter
auto-estima e auto-confiança funcionais implica em “(...) estar harmoniosamente inte­
grado ao contexto de vida familiar, escolar, profissional e afetivo” (Guilhardi, 2008, p.1).
Conforme Skinner (1981/1953), a interação do indivíduo com o ambiente é
contínua de forma que o primeiro tem seu comportamento gerando conseqüências
sobre o segundo e vice-versa. Essas conseqüências, modificam o ambiente e o indiví­
duo, determinando a emissão de novos comportamentos ou a manutenção dos mes­
mos. Skinner (1981/1953, p.325) ainda diz que “o comportamento social pode ser defi­
nido como o comportamento de duas ou mais pessoas em relação a uma outra ou em
conjunto em relação ao ambiente comum.” No meio social, reforços como atenção,
aprovação e afeição são características fundamentais em uma interação a ponto de
determinarem a construção do auto-conceito e a forma como o indivíduo vai interagir
com o mundo ao seu redor.
Os estudos que se referem ao fenômeno bullying alertam sobre a necessida­
de de programas de intervenção que visem a prevenção da ocorrência do mesmo, a fim
de proporcionar o desenvolvimento global desses indivíduos e também citam a impor­
tância da elaboração de trabalhos que auxiliem quem já esteve envolvido com esse
fenômeno (Pietro, Navarro, & Mora, 2005 ; Sanchéz, 2006; Hodgins, 2008).
Quando está em grupo, o indivíduo tem seu comportamento controlado pelos
comportamentos dos outros integrantes deste contexto independente da natureza que
este tenha: “O indivíduo está sujeito a um controle mais poderoso quando duas ou mais
pessoas manipulam variáveis que têm um efeito comum sobre o seu comportamento”
(Skinner, 1981/1953, p. 352). A agressividade talvez seja a forma mais comum e primi­
tiva que o ser humano conhece para controlar os outros ao seu redor e isso não é
diferente quando se fala de crianças e adolescentes.
Considerando a temática abordada acima, o objetivo deste trabalho foi identifi­
car, em jovens mulheres, a ocorrência de bullying no período escolar e o impacto dessa
experiência na vida universitária. A literatura encontrada sobre o bullying em garotas é
escassa, e por isso a relevância do presente trabalho.

A pesquisa
Participaram da presente pesquisa 23 indivíduos do sexo feminino, na faixa
etária de 18 a 24 anos, alunas do curso de Psicologia de Universidades particulares da
cidade de Curitiba-PR.

Sobre Comportamento e Cognição 261


Foi aplicado um questionário composto por 22 questões, sendo 14 abertas e
08 fechadas. O instrumento foi construído pelas autoras da presente pesquisa a partir
de levantamento bibliográfico e aplicação de um projeto piloto prévio. As perguntas
tiveram por objetivo investigar a experiência das universitárias na relação com seus
pares durante o período em que cursavam entre a 5a e a 8a série e verificar quais foram
as suas conseqüências nas relações sociais que estabelecem atualmente.
O questionário foi respondido de forma individual, aplicado pelas autoras do
trabalho. Todas as participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido.

Resultados e Discussão
Até uma determinada idade, que varia de criança para criança, o ambiente
social é composto apenas pelo contexto familiar, entretanto, isso se modifica quando há
o ingresso na escola. Hoje as crianças vão para a escola cada vez mais cedo e a família,
portanto, divide espaço na vida da mesma com os novos amigos e professores. As
relações que as crianças estabelecem com os pares também interferem na construção
dos repertórios comportamentais característicos de cada um. “Fora do contexto familiar,
o contato da criança com o seu grupo de iguais, como na escola, proporciona oportuni­
dades de cooperação interpessoal, negociação ou trocas, que são essenciais à apren­
dizagem e ao desenvolvimento de interações saudáveis” (Lisboa, & Koller, 2008, p.3).
No entanto, essas relações podem ser tanto benéficas quanto prejudiciais a auto-
estima infantil, de forma que esse impacto pode vir a influenciar a forma como esta
criança, vai lidar com o mundo ao seu redor e seus conseqüentes desafios.
Essa compreensão a respeito de si e do mundo ao seu redor acompanha a
criança ao longo de todo o seu processo de desenvolvimento. Trata-se de regras apren­
didas que controlam o comportamento dessa pessoa gerando conseqüências, inclusi­
ve, na fase adulta. Conforme Skinner (1981/1953, p.31), “(...) o autoconhecimento é de
origem social. Só quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante para as
demais é que ele se torna importante para ela própria.”
No caso do bullying feminino, a interação social parece ser ainda mais
determinante para a construção da auto-estima infantil já que o que controla o compor­
tamento das meninas é a presença, ou não, do reforço social emitido pelo grupo de
pares. Ao serem perguntadas a respeito da forma como as meninas podiam ser “mal­
dosas” entre elas, pôde-se observar que 52% das participantes apontaram fofocas e
intrigas, seguidos pelo deboche (22%) e exclusão do grupo que foi apontada por 12%
das entrevistadas.
As respostas das participantes do presente estudo, a princípio, correspondem
ao que aponta a literatura. Simmons (2002), caracteriza a expressão da agressão infan­
til feminina como diferente daquela demonstrada pelos meninos. Estes têm a tendên­
cia de demonstrarem a agressividade a partir de condutas físicas, enquanto aquelas
demonstram através de condutas mais sutis, utilizando a agressão verbal e a manipu­
lação do grupo social como formas coercitivas de manipular o ambiente social.
Ao serem questionadas se já foram autoras de fofocas ou apelidos que acaba­
ram por isolar alguém do seu grupo de amizades, 44% responderam que sim, enquan­
to que 40% responderam que não. Observa-se que, embora muitas não tenham sido
autoras de agressões contra seus pares, o número de autoras se mostra significativo.
Conforme Middelton-Moz, & Zawadski (2007/2002), as crianças se classificam

262 Patrícia Guillon Ribeiro, Rafaela Roman de Faria, Rosana Angst


em subgrupos desde que entram em contato com um grupo social diferente da família.
Essas classificações são realizadas conforme regras de aparência, interesse ou com­
portamentos. Ao serem perguntadas a respeito das características que fariam uma
menina ser rejeitada pelo grupo, as entrevistadas apontaram pouca beleza, excesso de
peso e timidez como os principais fatores.
Middelton-Moz, & Zawadski (2007/2002) apontam que as crianças que não apre­
sentam as características determinadas pelo grupo como aceitas, vivem com receio de
não cumprir “as regras não ditas do pertencimento”.
Skinner (1953/1981, p. 341) enfatiza que “as conseqüências reforçadoras gera­
das pelo grupo excedem facilmente os totais das conseqüências que poderiam ser
conseguidas pelos membros se agissem separadamente. O efeito reforçador total é
enormemente acrescido”. Dessa forma, estar em consonância com o grupo de amizades
é reforçador, independente do que necessitem fazer ou suportar para serem aceitas.
Entre grupo de estudantes entrevistadas, 64% apontaram que já foram vítimas
de fofocas ou apelidos, 20% responderam que não foram vítimas de tais comportamen­
tos e 16%, não se lembram.
Pode-se observar alguma discrepância entre o que as meninas entrevistadas
responderam quanto à vitimização pelo bullying e suas respostas quanto a padrões
que caracterizam esse padrão como o uso de fofocas e apelidos a fim de controlar o
comportamento de suas pares. Enquanto 56% das alunas entrevistadas apontaram
que não se identificam como tendo sido vítimas de bullying no período escolar, 64%
apontam terem sido vítimas de fofocas e apelidos nesse mesmo período.
Comparando-se os dados obtidos, pode-se levantar a hipótese de que, embo­
ra o grupo entrevistado apontasse conhecimento a respeito do termo bullying e o res­
pectivo significado, talvez não haja a compreensão exata quanto às características que
discriminam o bullying feminino do bullying masculino.

Considerações finais
Embora existam diversos estudos que apontem as características do bullying,
que estudam e fazem levantamentos quanto às variáveis que interferem na manuten­
ção e determinação desse padrão comportamental, há pouca literatura que dedique
estudos à caracterização do mesmo padrão apresentado por meninas (Fante, 2008).
Esse dado pode ser uma das variáveis que determina a discrepância entre as respos­
tas apontadas pelas participantes ao longo do presente estudo.
Diante do exposto anteriormente, fica ainda mais evidente a necessidade dos
estudos quanto ao fenômeno comportamental caracterizado como Bullying, todavia é
necessário que sejam realizados estudos que discriminem os padrões
comportamentais apresentados por meninos e por meninas.
Os estudos que tratam a questão do bullying atualmente enfatizam a urgente
necessidade de programas de intervenção que visem a prevenção da ocorrência desse
fenômeno, a fim de proporcionar o desenvolvimento global desses indivíduos (Pietro,
Navarro, & Mora, 2005; Sanchéz, 2006).
Porém, é necessário ressaltar que muitas vítimas já sofreram com o bullying e
que suas conseqüências são visíveis em sua vida adulta. Dessa forma, programas que
visem o esclarecimento sobre o termo e formas de lidar com os sentimentos gerados
Pelos atos de agressão é fundamental para garantir a saúde de jovens adultas para que
Possam ter melhoras em suas relações sociais futuras.

Sobre Comportamento e Cognição 263


Referências

Constanni, A. (2004) Bullying: como combate-lo. (E. V. Moraes, Trad.) São Paulo, S.P: Itália Nova
(versão original em língua portuguesa, 2002).
Fante, C. (2005) Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz.
2a ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Verus.
Fante, C., & Pedra, J. A. (2008) Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed.
Hodgins, M. (2008) Taking a health promotion approach to the problem of bullying. International
journal o f psychology and psychological therapy. 8 (1), 13-23.
Middelton-Moz, J., & Zawadski, M. L (2007) Bullying: estratégias de sobrevivência para crianças e
adultos. (R. C, Costa, Trad.) Porto Alegre: Artmed (versão original em língua inglesa, 2002)
Pietro, M. T., Navarro, J. C. C., & Mora, J. J. (2005) La violência escolar: un estúdio en el nivel medio
superior. Revista mexicana de investigación educativa, 10 (27), 1027-1045.
Sanchéz, C. M. (2006) Intervención cognitivo-conductual en el acoso escolar: un caso clínico de
bullying. Anuário de psicologia clínica y de Ia salud / Annuary of clinicai and health psychology, 2,
51-56.
Simmons, R. (2004) Garota fora do jogo: a cultura oculta da agressão nas meninas. (T. M. Rodrigues,
Trad.) Rio dè Janeiro: Rocco, (versão original em língua inglesa, 2002).
Skinner, B. F. (1981) Ciência e comportamento humano. 11a ed. (J. C. Todorov & R. Azzi, Trad.) São
Paulo: Martins Fontes, (edição original em língua inglesa, 1953).

264 Patrícia Guillon Ribeiro, Rafaela Roman de Faria, Rosana Angst


Capítulo 26
Obesidade Infantil: Identificação de
Variáveis no Contexto Familiar e
Intervenção Terapêutica
Priscila Corcelli Barbosa
Universidade Católica de Qoiás

M aria Qoreth Vieira Ribeiro


Universidade Católica de Qoiás

Sônia Maria M ello Neves1


Universidade Católica de Qoiás

Na literatura a obesidade é considerada como doença crônica que se caracte­


riza pelo acúmulo de tecido adiposo no organismo (Pinto, 2004). As discussões sobre
a etiologia passaram pela década de 50 considerando obesidade como um problema
psicológico, uma vez que, os estudos sobre o tema receberam influencia de conceitos
freudianos e psiquiátricos. Porém na década de 60 a terapia comportamental começou
a desenvolver estudos sobre obesidade avaliando-a como resultado de hábitos ali­
mentares mal-adaptados. Os anos 80 constituíram a década biológica, enfatizando as
medicações para obesidade. Porém, nas últimas décadas, têm se efervescido as dis­
cussões sobre obesidade relevando as múltiplas causas etiológicas, tais como, fato­
res genéticos, sociais, o comportamento individual e as relações ambientais (Bjorntorp,
& Brodoff, 1992; Brownell, & Wadden,1992 citados por Brownell, & 0 ‘Neil,1999).
Os aspectos comportamentais relacionados com a obesidade podem ser com­
preendidos de acordo com os princípios da análise do comportamento. Esta ciência
compreende que o ambiente (todo o universo de convivência do indivíduo), exerce um
papel determinante no comportamento (Michelleto, 2001). Sendo assim, um dos pon­
tos tratados pelo presente estudo aponta para a influência das relações familiares,
enquanto ambiente determinante dos comportamentos disfuncionais da obesidade da
criança. Ao se tratar de obesidade, sabe-se que diversos comportamentos são
desencadeadores do problema, tanto da própria criança como de seus cuidadores.
Qualquer comportamento que gera conseqüências prejudiciais é nomeado de
comportamento disfuncional, sendo que, o ambiente exerce influencia para que o mes­
mo ocorra. O comportamento é interativo com o ambiente modificando e sendo modifi­
cado por este mesmo. É neste sentido que Skinner (1978) afirma que “os homens

1Emaihsonia. mneves@ierra.com.br. Telefone

Sobre Comportamento e Cognição 265


agem sobre o mundo modificam-no e, por sua vez são modificados pelas conseqüên­
cias de sua ação”.
O comportamento disfuncional da criança seja de superalimentação, enurese,
depressão, timidez dentre outros, envolve também seus familiares, uma vez que, cons­
tituem o ambiente propiciador do comportamento disfuncional. Um padrão de compor­
tamento que leve a criança e a família ao sofrimento possivelmente funciona como uma
forma desadaptada de sobreviver. Esta função de sobrevivência caracteriza a função
reforçadora do comportamento disfuncional. Possivelmente os repertórios adaptativos
ijos familiares não podem ser efetivados ou não foram aprendidos (Ingberman, 2000).
Ainda que um comportamento traga prejuízos, ele tem que ser mantido, em decorrência
da ausência de outros repertórios saudáveis. Os supostos sintomas do paciente “pro­
blema” ou da família em dificuldade, constituem a expressão de disfunções nas rela­
ções parentais.
Não se trata, portanto, de “aniquilar” um dado comportamento disfuncional da
criança, mas, avaliar as razões pelas quais ocorre. O objetivo da avaliação é identificar
formas para implementar novos comportamentos importantes para a vivência da famí­
lia (Enciclopédia livre, 2008)
A literatura da análise do comportamento, mostra que, um dos momentos
cruciais para a eficácia do tratamento, é a entrevista com os pais, por que fornece dados
sobre o contexto do cotidiano da criança, possibilitando identificar as contingências
atuantes. Por se tratar de pais que apresentam dificuldades para compreender a análi­
se funcional e generalizá-la, ou por se tratar de rearranjo das contingências, o trabalho
do profissional com os pais é praticamente tão intenso quanto com a criança (Hübner,
& Marinotti, 2000).
Outros trabalhos psicológicos requerem visita domiciliar para identificar as di­
ficuldades dos pais em lidar com comportamento disfuncional da criança de modo que
a intervenção visará tornar o comportamento dos pais menos aversivos, mais
reforçadores e eficazes no controle dos estímulos que maximizam o comportamento
incompatível ao disfuncional (Meyer, & Windholz, 2000).
De acordo com Heller (2004) o tratamento de obesidade na infância precisa ser
visto como um tratamento de família. Os membros precisam participar para reconstru­
ção de novos padrões de comportamento familiar. A família é a primeira etapa da soci­
alização da criança. É em seu ambiente que ela apreende as normas, os valores soci­
ais, culturais, emocionais e comportamentais. Assim, é da família que se espera partir
a mudança. São os pais os primeiros modelos da criança, que imita o comportamento
das pessoas que têm prestígio para elas. Portanto, o hábito alimentar da família, o
estilo de vida das pessoas influi fortemente quando o assunto em pauta é a obesidade
(Goleman,1995; Heller, 2004).
Neste contexto, o termo terapia familiar é utilizado para denominar uma espécie
de treinamento de pais, que tem por finalidade tratar problemas do comportamento
infantil. A criança é a meta do tratamento (Caballo, & Buela-Casal, 2007). Entretanto, o
modelo conceituai da terapia familiar comportamental reconhece que muitas outras
variáveis, além dos déficits em habilidades, podem transtornar as capacidades dos
adultos para cuidar adequadamente de seus filhos. Essas variáveis adicionais são as
percepções, por parte dos pais, variáveis psicológicas dos pais, problemas do casal e
variáveis sociais (Wells, 1985, citado por Caballo, & Buela-Casal, 2007).
Em razão dessa inter-relação indivíduo-ambiente, considera-se que a altera­
ção de alguma variável relevante do contexto pode produzir uma mudança em outras

266 Priscila Corcelli Barbosa, Maria Goreth Vieira Ribeiro, Sônia Maria Mello Neves
variáveis. Dessa forma, para que o trabalho parental seja efetivo, são necessários três
passos: os pais devem adquirir habilidades e modificar seu próprio comportamento,
implementar mudanças com as crianças, nas quais devem generalizar e persistir (Hübner,
& Marinotti, 2006).
O modelo de intervenção proposto por Alexander etal., em 1982 (apud Caballo,
& Buela-Casal, 2007), adota uma orientação baseada na teoria comportamental e
sistêmica, que identifica cinco dimensões da intervenção:
(a) as fases da intervenção, (b) os objetivos de cada fase, (c) as funções do
terapeuta, necessárias para alcançar os objetivos, (d) os tipos de habilidades do
terapeuta, necessárias para conseguir as funções de cada fase, e (e) as atividades
representativas implicadas em cada fase. As fases da intervenção são as seguintes:
1. A fase de introdução/impressão refere-se às expectativas que se criam antes
da interação terapêutica. A principal função do terapeuta nessa fase é a conquis­
ta de credibilidade e a criação de expectativas de mudança para a família.
2. A fase da avaliação/compreensão, cujos objetivos são compreender o com­
portamento, o afeto e a cognição na família. Além disso, o terapeuta necessita
inteirar-se do que precisa mudar e das variáveis intrafamiliares e extrafamiliares
que facilitarão e obstaculizarão a mudança positiva. Também deve identificar o
contexto e as funções dos padrões problemáticos e desadaptativos, e avaliar os
padrões de resposta cooperativos e de resistência para com o terapeuta, além
de identificar os sistemas de valores e o tipo de linguagem da família.
3. Fase de indução/ terapia, que tem como principal objetivo a criação de um
contexto favorável à mudança. Baseia-se em processos motivacionais e
atributivos tornados manifestos através de intervenções específicas. Esses pro­
cessos implicam mudar o significado do comportamento dos membros da famí­
lia, enfatizando especialmente as atribuições positivas. Também se definem os
problemas e se estabelece um tipo de linguagem, de modo que a família veja a
mudança como desejável e possível. Durante essa fase, o terapeuta também
modifica as reações adversas, proporciona uma explicação razoável das técni­
cas de tratamento e desenvolve procedimentos para estabelecer controle sobre
pessoas que não estão envolvidas diretamente na terapia.
4. Fase de tratamento/educação, em que o principal objetivo é produzir uma
mudança a longo prazo na família. Planejam-se, cuidadosamente, mudanças
nos padrões de interação, aplicando as técnicas de modificação de comporta­
mento. Atividades representativas dessa fase incluem o treinamento em comu­
nicação, o contrato comportamental, a modelação e a manipulação de aconteci­
mentos ambientais para estabelecer o controle do estímulo e as conseqüências
apropriadas.
A análise funcional do comportamento de cada membro da família é necessária
para particularizar a aplicação das técnicas às famílias. Nessa fase, também se
identificam e modificam o afeto, a cognição e o comportamento resistentes.
5. Fase de generalização/finalização, cujos objetivos consistem em manter as
mudanças iniciadas previamente. Às vezes, será necessário aplicar técnicas
específicas para assegurar a generalização, como a superaprendizagem, a an­
tecipação e representação de crises e tensões futuras na família, e a avaliação e
intervenção direta em sistemas extrafamiliares. É necessário certificar-se de
que o problema terminou e que foram alcançados estilos de solução de proble­
mas e processos familiares adaptativos (Caballo, & Buela-Casal, 2007).

Sobre Comporlamento e Cognição


Os objetivos deste estudo foram, com base no modelo de intervenção proposto
por Alexander et al. (1982 apud Caballo, & Buela-Casal, 2007), identificar possiveis
variáriaves no contexto familiar de um adolescente, que podem atuar como determinates
do seu sobrepeso e, a partir disso, buscar pomover as mudanças necessárias.

Método

Participantes
Participaram do estudo, duas famílias (família 1 e família 2). O adolescente da
família 1 era M. G F., do sexo masculino, 13 anos de idade e com índice de massa
corpórea (IMC) de 25,89 kg/m2. Na família 2, a pre-adolescente era T. V. P do sexo
feminino e idade de 10 anos e IMC igual a 29,71 kg/m2. Ambos os participantes são de
condição sócio-econômica média, os quais, já participavam de um programa de atendi­
mento multidisciplinar com foco em obesidade, realizado na Santa de Casa de Miseri­
córdia em Goiânia. O critério para seleção dos participantes foi a disponibilidade de
tempo e interesse dos mesmos em participar desse estudo.
A participação dos pré-adolescentes foi autorizada pelos pais, através da assi­
natura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Materiais
Para a coleta de dados, utilizaram-se os seguintes recursos: caneta, gravador
de voz, folhas em branco papel A4, computador, impressora HP Deskjet 870Cxi. Foram
também utilizadas figuras de revistas e um projeto arquitetônico do interior de uma
casa.

Local
O estudo foi realizado primeiramente através de visitas ao hospital da Santa
Casa de Misericórdia de Goiânia a fim de possibilitar a seleção das famílias participantes.
Posteriormente foram realizadas visitas domiciliares nas residências dos mesmos.

Procedimento
O estudo ocorreu em dois momentos. O primeiro foi realizado por duas estagi­
árias, que freqüentaram o Hospital da Santa Casa de Misericórdia, em Goiânia, onde
entrevistaram todas as famílias engajadas no programa multidisciplinar da Santa Casa.
Essas primeiras entrevistas eram voltadas às questões socioeconômicas e visavam
conhecer as famílias que freqüentam o programa.
Deste modo, as estagiárias se apresentavam aos participantes, e pergunta­
vam-lhes se gostariam de participar de uma pesquisa sobre a obesidade infanto-juve-
nil. Explicaram que seriam realizadas visitas a suas casas, para conhecimento da
família e de sua dinâmica e seu funcionamento. Esclareceram que as famílias seriam
procuradas para confirmar o inicio do trabalho. Das 14 famílias participantes do progra­
ma da Santa Casa, duas foram selecionadas, uma vez que se dispuseram a receber as
estagiárias.
Posteriormente, realizou-se contato por telefone com as famílias selecionadas,
para marcar a visita. Solicitou-se que escolhessem os horários de sua preferência. As
famílias foram também informadas sobre a necessidade da presença de todos os

268 Priscila Corcelli Barbosa, Maria Goreth Vieira Ribeiro, Sônia Maria Mello Neves
familiares moradores da casa, ou, pelo menos, a maior parte deles, em especial os
responsáveis pelos adolescentes.
Na primeira visita, realizou-se a leitura do Termo de Consentimento Livre Escla­
recido, que foi assinado pelo responsável do participante. As estagiárias esclareceram
que, como consta no documento assinado, todos os encontros seriam gravados, e que
os cômodos da casa seriam observados e também seriam listados os alimentos pre­
sentes nos armários da cozinha e na geladeira.
Nos encontros posteriores, aplicou-se o questionário direcionado às famílias.
Elaborado para a coleta de dados dos possíveis causadores da obesidade do adoles­
cente, o instrumento divide-se em questões sobre fatores socioeconômicos, emocio­
nais, comportamentais e cognitivos; genéticos e históricos; nutricionais, relações
interpessoais e familiares. Desde o questionário, já se aplicava o modelo de interven­
ção proposto por Alexander et al. (1982, apud Caballo, & Buela-Casal, 2007), que pro­
põe primeiramente a fase de Introdução/Impressão.
No segundo momento, selecionou-se a família de M. G. F., de acordo com o
critério de disponibilidade de tempo e interesse em continuar participando do estudo. A
partir daí, a pesquisa passou a contar com apenas uma estagiária. Deu-se continuida­
de à utilização do modelo de intervenção de Alexander et a i (1982, apud Caballo, &
Buela-Casal, 2007), com a aplicação da segunda fase, de Avaliação/Compreensão.
Nesse momento, deu-se, primeiramente, um feedback dos aspectos positivos e nega­
tivos observado no primeiro momento, referente às condições domiciliares/familiares
relacionadas com a obesidade. Foi elaborada, conjuntamente, uma lista de mudanças
comportamentais necessárias, com foco no tratamento da obesidade. Apresentou-se
um contrato de mudanças necessárias, e solicitaram-se as assinaturas. Iniciaram-se,
então, procedimentos para se tentar identificar os entraves à efetivação das mudanças
acordadas.
Durante as duas visitas posteriores, sintetizaram-se as dimensões da terceira
fase do modelo de intervenção de Alexander et al. (1982, apud Caballo, & Buela-Casal,
2007), Indução/Terapia, em que foram definidos os problemas e se estabeleceu um
tipo de linguagem de modo que a família passasse a ver a mudança como desejável e
possível. As fases 4 e 5, do modelo de intervenção descrito, não foram aplicadas no
presente estudo
No total foram realizadas seis visitas, com duração em media de 90 minutos.
Em nenhuma delas a família estava em casa no horário marcado.

Resultados
Os dados coletados no primeiro momento, relativo à primeira fase, Introdução/
Impressão, do modelo de intervenção proposto por Alexander etal. (1982, apud Caballo,
& Buela-Casal, 2007), através do questionário aplicado, mostraram que, em relação
aos fatores socioeconômicos, a família do participante M.G.F (família 1) é formada por
duas pessoas: mãe e filho, o qual é fruto de um relacionamento extraconjugal de seu
pai, que subsidia as despesas da família em questão. Observa-se que, na família 1, a
mãe trabalha informalmente, alcançando 650,00 reais para a renda familiar, porém, o
pai contribui subsidiando as despesas. Os participantes estimaram que, da ajuda ofe­
recida pelo pai, R$ 300,00 são destinados à alimentação. Quanto à família 2, da partici­
pante T. V. P, verifica-se que habitam quatro pessoas na residência (pai, mãe, avó, e
irmã). Tanto o pai como a mãe trabalham, como donos de um restaurante, obtendo
3000,00 reais para a renda familiar.

Sobre Comportamento e Cognição 260


Foram feitas anotações dos alimentos disponíveis na casa das famílias, ob­
servou-se que na casa da família 2 haviam três caixas de cereal de milho açucarado,
biscoitos recheados, haviam na geladeira; queijo, ameixa vermelha, maçã, uva. Em
outros lugares tais como fruteira e mesa da copa, havia banana e mexerica. Na casa da
família 1 observou-se, que haviam 2 caixas de molho de tomate no armário, 2 caixas de
creme de leite, azeitona, 2 litros de óleo, 7 caixas de gelatina. E na geladeira, repolho
maçãs e leite.
Na Tabela 1 são explorados os fatores genéticos e históricos, como casos de
obesidades na família, tratamentos para perda de peso já realizados, dentre outros.
Os dados referentes aos fatores nutricionais mostram que M. G. F faz quatro
refeições diárias, e T. V. P (família 2) cinco refeições diárias. Sobre o que mais gostam
de comer, o participante M. G F afirmou que seria estrogonofe, porém come este “prato”
de vez em quando, a outra participante afirma gostar de lasanha e pizza, mas somente
quando sai ou vai ao restaurante é que tem oportunidades de comê-los. A respeito da
freqüência que beliscam, o participante da família 1 respondeu que não costuma belis­
car, a participante da família 2 relatou que duas vezes ao dia costuma beliscar, antes do
almoço e a tarde. M. G. F consome, com mais freqüência, sanduíche simples. Questio­
nou-se quantas bebidas ao dia e quais são as preferidas, M. G. F relatou que toma
líquido após o almoço, e gosta preferencialmente de suco, do mesmo modo a partici­
pante T. V. P afirma tomar liquido após a refeição do almoço e gosta preferencialmente
de “Coca zero”.

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O tempo geralmente utilizado para as refeições é de 5 a 8 minutos para M. G F.


e ele julga que esse ritmo de ingestão pode ser avaliado com uma nota de sete a oito.
A participante da família 2 utiliza geralmente um tempo de 10 a 15 minutos, e julga-se na
escala lento-rápido, em uma nota de cinco a seis para o ritmo. Sobre o local onde
costumam fazer suas refeições, relatou o participante da família 1, que utiliza a sala, às
vezes em pé, ou em restaurantes e pitdogs, ele mesmo determina estes locais para
realização das refeições. A participante da família 2, afirmou que faz suas refeições na
mesa da copa, pois a mãe não permite que utilize a sala para não sujá-la. Sobre a forma
de preparo dos alimentos, obtém-se que o participante da família 1, alimenta-se às
vezes de assados, fritos e cozidos, de outra maneira a participante da família 2 relata se
alimentar mais freqüentemente de cozidos.

270 Priscila Corcelli Barbosa, Maria Goreth Vieira Ribeiro, Sônia Maria Mello Neves
Sobre a questão de situação que a criança come mesmo sem sentir fome, M. G.
F demonstrou que se ver algo apetitoso, ou quando as pessoas estão comendo perto
dele. Semelhantemente a participante da família 2, também afirma não resistir quando
vê algo apetitoso.
Os dados sobre os fatores referentes à vida domiciliar (vide Tabela 2) mostra­
ram que os participantes não são freqüentemente deixados em casa sem companhia
de um adulto. Por outro lado, os relatos demonstram que o participante M. G. F em
alguns momentos breves fica em casa quando a mãe sai para seus afazeres. A partici­
pante da família 2, embora os pais trabalhem durante o dia, neste período ficam com ela
a avó materna e a babá da irmã menor.
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A Tabela 3 refere-se ao fator, relações familiares em que foi questionado na


sobre o relacionamento com os pais, o que os pais fazem que mais gostam e que
menos gostam. Os dados da Tabela 3, também, mostram que ambos participantes
acreditam que sozinhos não teriam sucesso no tratamento.
dãdã* güélos rites fdáçffás f&miiiãrgs
ô& m icm â

\ 1, Como è o= cem çs pass? F -m M 1; a s s l* # çaff? o p^i
cu rnenôs.
Família 2: Bem mm e$ dçlí

: 2. Ccinic- é c? Cí?m ©■$• síttiâíiêV' i 1: e te :


Fsmsüa 2: Ê bam

; a. o pais ’i t o ’í¥s que ma?* F«mili?: 1: ir ^ dão ^ $ e n te ^ r


qw- iuMots.
Fs:mí!i« 2: Omr\$Q $ í m iM t&àa

Í 4. 0 ^ izzzm F sm is 1; Dmmem comigo


PmnM 2: M § w ocm m

''S .'A 'M m i^‘a^di'río- fráiàmè-rfta? F&iriis 1: Sim 'íric^r^vs


F-m ãz 2: M rm

: *. 3 * fe s s s o- tr m r n ç m swsisho M a F l i i « 1 :NÍO
suoesss? ^m ^liâ 2: Nâí.

«' ^ -vei à m^d&r de**$c « c a is pára" F^mílis i :' P ^ r 'somida


a, Ui ?A A F3 m*lia ;/ r>/íí s f / f t r ji; r. r j - n.íir ~í4n ia

Sobre Comportamento e Cognição 271


A Tabela 4 apresenta os fatores emocionais interpessoais. Perguntou-se aos
participantes se teriam amigos, M.G.F respondeu que não, o pré-adolescente também
afirma que não tem amigos, pois a mãe não permite que freqüente a casa destes,
durante a entrevista a mãe concordou gesticulando. A participante da família 2 relatou,
por sua vez, que tem amigos, geralmente da igreja e primas. Outras respostas referen­
tes ao tipo de programa que gostam de fazer e companhias para esses, sobre o que os
deixam felizes, o que os deixam com raiva, como reagem a frustração, se recebem
críticas pelo excesso de peso, se o humor os influencia a comer, também podem ser
encontradas na Tabela 4

Ts bsla . 4: R sspostes. dadas pelos participsíSes a r e m e t a c&s Hzrpszwmz e

L k fZ - jfh - ó v S

: t s m iç K ir s ? F n a p tfn v N Io

: P m M a 2 : $ m , da igreja * primas..

; 2 Tipo. p?ogramà goste Com Fami&ã i i ?»*trò xàdres*


1 q u fr ir i? • C o te is d»
! 2 : V&ja?, ir $ ea$a «&s

! 3 0 que ü m z M z 7 i i ; Mhha m l * s psi t e n t o s


! Fa^isa 2: Viajar, b?in*a?,.

; 4. õ q u e d & ix ® c w * ^amista iVte-ha ?•>$<? bn-ya"


F a ftM fta 2 : O n e m e a f o g a m

3. rsag* s ifntfsfraçje-? F m r n a i ; s s iti ....

: Famia 2 : M ft* t o e c m ?alva

; & ‘£ r i t f e ã s '$ * ilá à a m a te ? v famila r :C c ^ ^ ...........................................................................

; F a m iia M io a re s s b a

j 7 S e n te p r e d ic a d o p s Io m z s m x de p ese ? : F a m jf a i : O f à t n j í d a í t e s t e b r m c a ? c -a r s * o s

; F a m ita 2 :: 3 w a

B. Z m é v é s h u m -ssr q u e $ n $ u * i r c i « a « o r n e ? F a * » ila £ -N $ *

i F a m ila 2 : N&>

A Tabela 5 apresenta dados referentes à vida escolar, em que foram investigado


as notas dos participantes, transporte que usam para chegar a escola e se a mesma
oferece prática de exercícios físicos.
Ao final do semestre, as estagiárias despediram-se das famílias, e se compro­
meteram a retomar para dar continuidade ao estudo. Somente a família de M.G.F se
disponibilizou a prosseguir com o trabalho. A mãe deste participante falou que iria com­
prar uma mesa nas férias. Nada tinha sido comentado a respeito da inexistência de
uma mesa. Esse fato ressalta que a aplicação da primeira fase de Introdução/Impres­
são, gerou expectativas para mudança.
Após as férias, ao retornar á casa da família para o segundo momento, a esta­
giária questionou como tinham sido as férias. O adolescente relatou que conheceu
seus irmãos, os sobrinhos e a esposa de seu pai, e que passou um período na casa de
um dos irmãos. Declarou também que dormiu na casa de um colega, e que não mais
dormia em companhia de sua mãe. Nesse instante a mãe informou que não comprou
a mesa que havia prometido, mas que estava providenciando.

272 Priscila Corcelli Barbosa, Maria Goreth Vieira Ribeiro, Sônia Maria Mello Neves
"T zh A $: Respostas dadas paitfc&antes reiftci&n*á*s cw® £ viS*e^olár' '
: to s l$vrê^gado$ ÚvmMm
1 C , > liO -V ii t- s h J c ;, * : r d e ? FsmMta l:Peia manha
Fármlia 2;Pé& manka. «sc&fò

es^íilsr
2. Tràmmte 8Üi2ad& pa-ra & á

Parmlia 1: f?és v&mi*íhás


3, Cams m a sm rdaçlo ss no&$s F tm i- i 2; A m s?w

Fsmiè 1: Fsniília 1:. Nsta^Sc-<l^s vases


4. t e «5í«r«í^ fesics *& «srala F^mj.ij^ 2- N ^ . a;psriã$ fórs dã assàíà

Em seguida, foram descritos à família os comportamentos positivos e negati­


vos relacionados à obesidade levantados durante a aplicação do questionário. Os as­
pectos positivos são: estar no programa da Santa Casa, ter interesse na mudança de
comportamentos inadequados em casa, a afetividade entre eles, as boas condições
financeiras para melhorar a qualidade de vida, e o acolhimento às estagiárias. Dentre
os fatores negativos observados, destacou-se: a falta de organização e estrutura para
desenvolver hábitos alimentares saudáveis, ausência de uma mesa para realizar as
refeições, o fato de não prepararem os alimentos em casa, não tomarem as refeições
juntos, e a pouca disponibilidade de alimentos saudáveis na residência. Com essa
atividade, cumpriu-se a segunda fase do modelo de intervenção, Avaliação/Compreen­
são, cujo objetivo consistiu na compreensão do comportamento, do afeto e da cognição
da família.
Estabeleceu-se junto à família um contrato de mudança que marca o início da
fase de Indução/Terapia, a terceira do modelo de Alexander eía/..(1998, apud Caballo, &
Buela-Casal, 2007) que tem como objetivo a criação de um contexto para a mudança.
Nesse contrato, estabeleceu-se que seria necessário: (a) a compra de uma mesa para
a realização das refeições em casa, (b) a preparação dos alimentos em casa, (c) a
realização das refeições juntos, (d) a substituição dos alimentos disponíveis no ambi­
ente familiar por alternativas mais saudáveis - frutas, verduras, pães, queijos etc. -, (e)
continuar estabelecendo relações sociais positivas.
Na segunda visita, a mãe do adolescente falou novamente que não providen­
ciou a mesa. A estagiária pediu à família para enumerar os ganhos que eles iriam obter
com a compra da mesa e percebeu, nesse momento, uma animação por parte do
adolescente, que revelou ser um sonho seu fazer refeições em casa, sentado à mesa.
Fez-se também uma lista de compras, para a preparação dos alimentos em casa. A
estagiária prometeu levar uma nutricionista na próxima visita, que só seria marcada
após o telefonema da família informando que a mesa já estava em casa. Depois de
vinte dias de espera pelo telefonema da família, a estagiária ligou marcando a visita.
Na terceira visita a mãe pediu desculpas e justificou que não ligou e nem
comprou a mesa porque ficou doente. A estagiária leu o contrato que eles haviam assi­
nado há mais de um mês. Elaborou-se também para essa visita um material que
continha uma planta interna de uma casa, com o fim de verificar o grau de percepção
dos participantes em relação a uma casa com todas as dependências - sala, quarto,
banheiro, cozinha - e as mobílias - cama, mesa, cadeiras, fogão, geladeira - necessá­
rias. O diálogo abaixo evidencia que o objetivo foi alcançado

Sobre Comporlamento e Cognição


Estagiária: O que é esta figura pra vocês?
Mãe: Isso aqui, pelo jeito que estou vendo, é uma casa, um apartamento.
M. G. F.: Um apartamento.
Estagiária: Isso mesmo, agora digam como ele está?
Mãe: É arrumadinho, tem sofá né?
M. G. F.: Completo.
Mãe: Completo.
M. G. F.: Sonho nosso, né mãe? Não é?
Mãe não responde.
Percebeu-se através do diálogo acima que o adolescente identificou que aque­
le apartamento era diferente do seu, e que estava completo, mas não houve identifica­
ção explícita de que faltava a mesa. Já a mãe pareceu não compartilhar com o filho o
desejo de ter uma casa completa.
Nessa mesma visita apresentaram-se aos participantes gravuras contendo
figuras de pessoas tomando refeições em mesas. A intenção era observar interações
sociais e emoções relacionadas à situação problema: a necessidade de tomarem
refeições em casa, juntos, em uma mesa. A mãe fora solicitada a escolher a figura que
mais apreciara. Em sua resposta, a mãe declarou que a figura tinha muitos alimentos
gostosos, e que gosta de mesa assim, completa. Ela disse também que era um casal,
como ela e o filho. Quando a estagiária perguntou se aquela figura passava algum
sentimento, a mãe emocionou-se, seus olhos lacrimejaram, e ela disse que gostaria
que o pai também estivesse ali.
Em seguida, a estagiária pediu a M. G. F. que escolhesse a figura que mais
apreciava. Após escolher a figura, o participante disse que as pessoas presentes na
gravura eram sua mãe, seu pai e ele, que estavam felizes e magros. Perguntado sobre
o sentimento, ele disse que era “um sonho, apenas um sonho”. Ao término da apresen­
tação das figuras, pôde-se perceber que tanto a mãe quanto o adolescente têm um
grande desejo de que o pai viva com eles, e que a mesa, para eles, é um objeto para ser
usado por uma família completa, com pai, mãe e filho.
Ao final desse momento, leu-se novamente o contrato, para mostrar que parte
dele ainda estava pendente: faltava realizar a compra da mesa, que a família e a estagi­
ária elegeram como pré-requisito pra mudanças nos hábitos nutricionais. No entanto, a
mãe relatou que houve mudanças: ela prepara comida em casa duas vezes na sema­
na, compra frutas e prepara saladas para o filho, que não estava dormindo mais com
ela. A estagiaria observou também que o adolescente passou a se socializar mais e que
o dialogo entre mãe e filho melhorou.
Assim, considerando-se a necessidade de terminar as intervenções, devido à
escassez de tempo, pois a estagiária tinha de elaborar seu trabalho de fim de curso,
comunicou-se à família que, por esse motivo, estava encerrada essa fase do estudo.
Após a comunicação, o adolescente lamentou, e a mãe, mais uma vez, prometeu que
compraria a mesa.

Discussão
O presente estudo procurou identificar possíveis variáveis no contexto familiar
capazes de atuar como determinates do sobrepeso de um adolescente e assim possi­

274 Priscila Corcelli Barbosa, Maria Goreth Vieira Ribeiro, Sônia Maria Mello Neves
bilitar mudanças necessárias. De acordo com o modelo de intervenção adotado, pro­
posto por Alexander et al. (1982, apud Caballo, & Buela-Casal, 2007), na primeira fase
(introdução/inpressão) foi possível criar expectativas de mudanças no contexto familiar.
Com o resultado da aplicação do questionário, foram observadas as seguintes variá­
veis domiciliares determinantes no sobrepeso do participante da família 1: tota! depen­
dência financeira na família para com o pai, ausente; predispocição genética de famili­
ares o pai, os avós paternos e tios maternos; identificação de fatores nutricionais em
que se observou a escassez de alimentos saudáveis e a não preparação de refeições
em casa, o que leva o participante a alimentar-se embarracas de rua que vendem
cachorro quente, restaurantes e a consumir fast food.
Outro aspecto considerado determinate no problema de sobrepeso do adoles­
cente refere-se aos fatores emocionais, comportamentais e cognitivos. Observou-se,
através do relato do participante, a carência de interação mais íntima com seus amigos,
de um bom relacionamento com sua mãe, e até um certo distanciamento afetivo com
relação ao pai e a ausência de contato com seus irmãos.
Os dados obtidos através da entrevista com T.V. P. mostaram alguns fatores
relacionados com o excesso de peso; dentre fatores genéticos, históricos e emocio­
nais. Também observou-se casos de obesidade na família, uso freqüente de marmitas
compradas do restaurante, pouco tempo utilizado para realizar suas refeições, ausên­
cia de monitoramento direto dos pais nas refeições. O do relato da participante indica
que seu pai parece não contribuir da mesma forma que a mãe no tratamento da obesi­
dade
Através das visitas, observaram-se pontos comuns entre as duas famílias como;
alimentação não preparada em casa, mas, provinda do restaurante, o fato de passarem
a maior parte do tempo durante o dia ausentes dos pais e também que ambos os
participantes apresentam obesidade na família.
As visitas realizadas permitiram conhecer comportamentos interacionais dos
familiares destes participantes, como o fato de apenas as mães participarem das en­
trevistas. Os pais embora convidados não participaram, e é interessante que ambos os
pré-adolescentes relataram questões de relevância referentes aos pais; o participante
da família 1, relata que seu pai é ausente, enquanto T. V. P afirma que o pai não posiciona-
se quanto ao tratamento para perda de peso.
Muitos dos dados obtidos nas visitas ainda não eram do conhecimento da
equipe do programa multidisciplinar para perda de peso de crianças e adolescentes
obesos da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, sendo que talvez sem as visitas
domiciliares não seria possível conhecer tais variáveis.
De acordo com Rocha (1998) desenvolver situações que permitem
observar a interação familiar mais proximamente da situação em que ocorre natural­
mente é um passo muito importante para identificar as causas e as variáveis reforçadoras
do comportamento infantil.
A aplicação do questionário evidencia as seguintes mudanças: (a) Os relatos
da mãe de M. G. F. mostram interesse em adquirir uma mesa para a realização das
refeições; (b) Melhora nas interações sociais de M. G. F. com amigos e familiares; o
adolescente relatou que dormiu na casa de alguns amigos; (c) Aproximação do adoles­
cente com a família do pai.
Com relação à segunda fase de intervenção proposta por Alexander et al. (1982,
Caballo, & Buela-Casal, 2007), que tem como objetivo inteirar a família do que precisa

Sobre Comportamento e Cognição


mudar e quais variáveis intra e extrafamiliares funcionam como obstáculos à mudança
positiva, foram descritos aos participantes, entre outros, os pontos positivos - afetividade
um com outro, a participação no programa da Santa Casa - e negativos - não realização
das refeições em casa - levantados no primeiro momento. Os dados mostraram que,
embora a família se tivesse prontificado a mudar os aspectos identificados como nega­
tivos, não houve suficiente comprometimento com as mudanças acordadas.
Na terceira fase desse modelo, que objetiva a criação de um contexto para
mudança, visando torná-lo reforçador, iniciou-se com a estagiária solicitando a família
para enumerar os ganhos que obteriam com a compra de uma mesa. Elaborou-se
também um material que continha a planta interna de uma casa completa e apresenta­
ram-se gravuras com figuras de pessoas tomando refeições utilizando mesas. Essas
atividades permitiram verificar o grau de percepção dos participantes em relação à
estrutura interna de uma casa e o que há de importante dentro dela, além de identificar
possíveis reforçadores que seriam obtidos, caso a mudança fosse realizada.
Embora o modelo em que se baseia o presente estudo as apresente, não foi
possível executar as fases 4 e 5, em razão da necessidade de finalizar as intervenções
devido à limitação de tempo.
Hübner e Marinotti (2006) entendem que o comportamento infantil disfuncional
é, ao menos em parte, desenvolvido e mantido por interações mal-adaptativas entre
pais e filhos. Segundo esses autores, seu ambiente também deve ser alvo de análise,
não se limitando à investigação do comportamento infantil dasadaptado. Observou-se,
no contexto familiar do participante, uma variável emocional importante, relacionada
com a resistência da mãe em tornar a sua vida domiciliar característica de uma família
completa, evitando, assim, tomar refeições com o filho em casa e comprar uma mesa,
já que o pai não reside na mesma casa. A ausência do pai foi identificada como um
obstáculo importante para a mudança positiva. Essa identificação deu-se com mais
clareza na terceira fase, de Introdução/terapia, quando se pretendeu criar um contexto
para mudanças, embora o modelo utilizado pressuponha que identificações dessa
natureza se dêem na segunda fase, de avaliação /compreensão.
O adolescente não apresenta a mesma resistência que a mãe neste sentido.
M. G. F. parece empolgar-se com a possibilidade de ter a mesa em sua casa e passar
a tomar as refeições nela, junto com sua mãe. Ele se mostra angustiado com a situação
que vive, mas de alguma forma percebe a necessidade das mudanças, que, para ele,
sâo “um sonho, apenas um sonho”. Os dados corroboram a tese de Caballo e Buela-
Casal (2007), que afirmam que para se obter transformações no comportamento infan­
til deve-se realizar intervenções também com os seus familiares.
A partir da identificação de variáveis constituintes do sobrepeso do participante
e da intervenção realizada objetivando uma possível modificação no contexto familiar,
pode-se afirmar que a visita domiciliar forneceu dados, sobre o cotidiano do participan­
te, que possibilitam identificar as contingências atuantes mas, não foi suficiente para
que todas as mudanças necessarias ocorressem. Por se tratar de rearranjo de contin­
gências, o trabalho do terapeuta familiar com os pais é praticamente tão intenso quanto
com a criança (Hübner, & Marinotti , 2000). Assim, os achados do presente estudo
indicam que há a necessidade de acompanhamento psicológico, especialmente com a
mãe do participante, que pode, conseqüentemente, desencadear mudanças favoráveis
para a superação do sobrepeso do adolescente.

276 Priscila Corcelli Barbosa, Maria Goreth Vieira Ribeiro, Sônia Maria Mello Neves
Referências

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Skinner, B. F. (1957/1978). O Comportamento Verbal. Tradução organizada por M. P. Villalobos. São
Paulo: Editora Cultrix

Sobre Comportamento e Cognição 277


Capítulo 27
A moral e as emoções compartilham das
decisões clínicas?
Rachel Rodrigues Kerbauy
Psicóloga clínica

Escolhi um tema difícil: a resolução do conflito é possível para todos nós, e


depende de muitos anos de trabalho, pesquisas e análises ininterruptas.
Dentre os controles pessoais que determinam as escolhas do terapeuta, po­
demos enfatizar nossa história de interação com vários clientes e a capacidade de
vislumbrar resultados da terapia, tanto a curto como a longo prazo. Há também um viés
profissional: fomos especialmente treinados a observar pessoas, em diversas situa­
ções, e isso nos auxilia na prática clínica. Igualmente importantes são as leituras de
textos acadêmicos e também de romances, considerando-se que estes descrevem
com bastante precisão as emoções e as explicações dadas acerca do próprio compor­
tamento e de terceiros.

Variáveis descritas na literatura sobre tomada de decisão


Os vários volumes da Coleção Sobre Comportamento e Cognição utilizam de­
nominações diferentes - em decorrência do enfoque principal de cada estudo - as
variáveis que convém analisar ao procurarmos entender o que ocorre na sessão tera­
pêutica, especialmente quando se questiona a tomada de decisão do terapeuta. Des­
taco Otero e Rosa (2006), que explicam este fenômeno com casos clínicos elucidativos.
Zamignani (2000), por sua vez, faz uma análise ampla, chegando a problemas de
supervisão.
Entre os pontos levantados que influem na decisão clínica pode-se destacar: a)
o conhecimento da teoria que fundamenta o trabalho; b) as variáveis do cliente, especi­
almente sua expectativa de mudança e o auxílio que espera na terapia; c) as variáveis
do terapeuta, incluindo o saber ouvir, empatia, ética e saber construir uma relação
terapêutica na qual fique claro que o beneficiário do trabalho é o cliente e que a relação
requer respeito, confiança e aceitação.
Quero discutir particularmente dois aspectos: ética e tomada de decisão.

Ética: o que é o bem?


Como ciência, a análise do comportamento descreve os comportamentos que
servem para controle do indivíduo mas funcionam como vantagem para os m e m b ro s

278 Rachel Rodrigues Kerbauy


do grupo. Por conseqüência, certo e errado, bem ou mal, dependem de procedimentos
cujos efeitos incidem sobre uma pessoa, sendo o retorno propiciado pelos membros
do grupo.
Usar um critério de autoridade para determinar o que é melhor e descrever
procedimentos podem levar a novos questionamentos, mesmo se falarmos em felici­
dade ou escolha do bem maior. Este tema é discutido por Skinner (1953) em Ciência e
Comportamento Humano, no capítulo sobre controle pelo grupo, e suas análises con­
tinuam inspiradoras e atuais.
Tomada de decisão: para ser razoável, o terapeuta tem que reconhecer o pro­
blema, produzir alternativas e avaliar as escolhas possíveis, observando as que envol­
vem menor risco para a pessoa ou para a cultura. O ambiente no qual o comportamento
humano ocorre e se desenvolveu é mantido, o que exige que se considerem as contin­
gências que controlam o comportamento. Tal fato tem implicações sobre as decisões
terapêuticas, especialmente nos procedimentos adotados durante a sessão.
Solicitar ao cliente o relato das contingências controladoras do problema pode
não ser suficiente, pois o indivíduo pode estar sob o controle de contingências, sem
saber falar sobre estas mesmas variáveis que o controlam. O cliente, nesse caso, não
identifica as variáveis do ambiente de forma clara. O terapeuta pode valer-se da descri­
ção de contingências para desencadear novas descobertas e impedir que essa descri­
ção apresentada as impeça de ocorrer. Também o cliente pode não ser capaz de des­
crever os fatos que caracterizam seu problema. O terapeuta pode focalizar um fato que
sobressaia, e perder outras associações relevantes. No caso de eventos aversivos isto
é mais provável de ocorrer, e o cliente não é capaz de fornecer o encadeamento. Como
exemplo, mencionamos uma resposta fóbica que, pelas emoções descritas pelo clien­
te, pode controlar o que ocorre na sessão. Uma maneira de obter outras informações é
através de observação natural. Vale até utilizar tecnologia como vídeos. Claro que a
informação obtida tem que ser organizada para que se consiga estabelecer uma rela­
ção entre eventos condicionados e incondicionados.
O tratamento precisa do mesmo escrutínio. Às vezes, é mais eficaz apresentar
os estímulos antes do pareamento ou separados. Isto pode propiciar maior generaliza­
ção. Identificar o estímulo relevante para populações de risco pode prevenir o desenvol­
vimento de problemas. Citamos como exemplo a criança que vai ao dentista e teve a
oportunidade de conhecer os instrumentos antes de se submeter ao tratamento, como
é freqüente atualmente. Neste caso, evitou-se apresentar o material de trabalho do
dentista no contexto de um tratamento odontológico desconfortável.
Na análise operante dos problemas clínicos, além de analisar a eficácia dos
reforçadores em condições diferentes, é necessário verificar se o comportamento ocor­
re mais na presença de um conjunto de estímulos que de outro. Podemos verificar se
um ambiente provê quantidade suficiente de estímulos reforçadores. Se a pessoa não
reconhece o feedback do ambiente, punidor ou reforçador, não tem condição de ajustar
seu comportamento adequadamente. A pessoa precisa aprender quando um compor­
tamento interativo é reforçado. A função do terapeuta é fornecer dicas que produzam o
comportamento que será reforçado.
Um caminho é identificar o estímulo como reforçador, tornando-o conseqüên­
cia para comportamentos e observando seu efeito para alterar probabilidades de res­
postas. Outra coisa é determinar se o reforçador é natural ou arbitrário, pois o natural é
mais freqüente fora da terapia, em situações sociais diversas.
Premack (1965) salientou que eventos ambientais não são somente reforçadores
ou punitivos. Uma resposta de baixa probabilidade pode ser aumentada de freqüência

Sobre Comportamento e Cognição 279


quando uma resposta de maior probabilidade é contingente à sua ocorrência. Descobrir
e instalar esse desempenho complexo é sempre um desafio, mas a generalização dos
resultados e sua eficácia são reforçadores para a díade terapeuta-cliente.
Embora seja difícil especificar a resposta, é necessário que o terapeuta decida
qual a linguagem a adotar com o cliente. Considero que podemos ensinar o cliente a
identificar o controle ambiental do comportamento por meio de palavras coloquiais e
não com termos técnicos e observar se nossa explicação foi capaz de gerar compreen­
são e as mudanças comportamentais do cliente. Nota-se, geralmente, que a lingua­
gem e o comportamento do cliente mudaram após nossa intervenção, embora nem
sempre a pessoa atribua a mudança ao efeito da terapia. O relevante para o terapeuta
é verificar se ocorreram mudanças, se os problemas foram resolvidos e minimizar a
importância que se pode atribuir à atuação do terapeuta, pois, penso eu, não deveria ser
esse o grande reforçador.
A literatura nos fornece exemplos interessantes sobre compreensão de com­
portamentos que ultrapassam o verbal e enfatizam o fazer. Jorge Amado, em Tenda dos
Milagres (1969, p. 53), ressalta exatamente isso, quando nos mostra as palavras do
mestre de capoeira Budião, que está com dificuldade de locomover-se após um derra­
me. No trecho que se segue, Budião comenta seu comparecimento ao enterro de
Archanjo:
- “Cale a boca. Como não havia de ir? Sou mais velho que ele um bocado de
anos, lhe ensinei capoeira, mas tudo que sei devo a Pedro (Archanjo). Foi o homem
mais cumpridor e mais sério’'.
- “Sério? Tão festeiro que era”.
- “Falo que era sério de retidão, não de cara fechada”.
Convenhamos que essas afirmações mostram uma história de respeito e par­
ceria. Mostram valores claramente assumidos, como a retidão, os quais, quando ne­
cessário, são explicitados.
Procurando auxílio para enriquecer este tema, entrevistei cinco psicólogas atu­
antes há mais de 20 anos, para saber: a) quais os problemas que enfrentam no consul­
tório que envolvem um componente moral e propiciam discussões no consultório; b)
quais os problemas que, em função do envolvimento moral e emocional, acham difíceis
de atender.
Os resultados dessas entrevistas, que prefiro não quantificar, uma vez que
objetivam mostrar maneiras de pensar, são bastante semelhantes. Essas terapeutas
consideram que não discutem com os clientes em termos morais, mas que analisam
tipos de conseqüências aversivas e reforçadoras, se esses efeitos atuam sobre os clien­
tes ou sobre terceiros, e analisam também as conseqüências a curto e longo prazo.
Ao fazer análises, é inevitável confrontar os dilemas que os terapeutas vivem:
“Quando tem valor moral incompatível, desligo”, “Lido bem e consigo separar”. As deci­
sões são do cliente. A conseqüência é para ele, atuam em seu mundo. Explico que
terapeutas auxiliam na análise das causas e conseqüências dos comportamentos e
das situações em que acontecem, mas que um dos objetivos da terapia é possibilitar
ao cliente a tomada de decisões e responsabilizar-se por seus atos e omissões. Acre­
dito ainda que essas análises permitem levar o cliente a compreender-se e tomar
consciência das relações causais que antes não havia percebido. Em terapia, ensinar
o cliente a observar porque está fazendo aquilo necessariamente aponta as causas
antecedentes e conseqüentes, que estão no ambiente. Há terapeutas que, ao argu­
mentar com o cliente, afirmam que seu universo pessoal permanecerá inalterado, a

280 Rachel Rodrigues Kerbauy


despeito do que o cliente faça, salientando novamente a quem cabe decidir e arcar com
as conseqüências.
Um ponto difícil, para esses terapeutas comportamentais, é lidar com proble­
mas que infligem danos premeditados, prejudicam as pessoas, e mesmo assim os
responsáveis pelos danos não sentem culpa. Vários exemplos foram relatados. Por
exemplo, o caso de pessoas que violam leis conhecidas e geralmente saem impunes,
apesar da divulgação pela mídia. Em muitos casos, indivíduos acumulam fortunas a
custa do prejuízo de terceiros, pois para quem age assim o ganho pessoal é o objetivo,
independente dos prejuízos à sociedade.
A dificuldade em atender clientes específicos abrangeu estelionatários, como
os que roubam e falsificam cartões de crédito, e traficantes. Para o terapeuta, encontrar
um programa eficaz é difícil, ou mesmo impossível, pelo volume de dinheiro envolvido,
sendo este um reforçador generalizado, que produz infinitas benesses. A análise das
contingências aversivas e reforçadoras para a pessoa e terceiros, tanto a curto quanto
a longo prazo, nem sempre é eficaz para resolver tal problema. É uma discussão que
geralmente tem pouco efeito de mudança.
Outra dificuldade, para um dos terapeutas, é atender clientes terminais, pelos
fatores emocionais contidos em sua história de vida, como perda de mãe com doença
longa e de agonia lenta. Esse problema tem que ser resolvido pelo terapeuta em uma
terapia para si próprio, com aprendizagem de discriminações sutis entre os seus sen­
timentos e os do outro. Se esse problema não estiver resolvido e não forem programa­
das supervisões do atendimento, corre-se o risco de instigar culpa indevida no cliente.
Os sentimentos e a maneira de expressá-los é pessoal e intransferível, cabendo ao
terapeuta deixar claro esse fato para o cliente. Precisa, portanto, conhecer seus proble­
mas e a maneira pela qual interferem em seu trabalho.
Outros casos que dificultam o atendimento, levando o terapeuta a encaminhar
o paciente, são a suspeita de assassinato ou a possibilidade de haver agressão física
ou explosões de raiva violentas.
Um caso em que há concordância de pontos de vista refere-se ao atendimento
de pedófilos: “Acho que merecem, mas não consigo, é muita incompatibilidade de
valores”. No entanto, há sucessos conseguidos por terapeutas em casos específicos,
especialmente quando há auxílio de familiar próximo. Em um determinado caso, cons­
tava do contrato terapêutico o afastamento do estímulo; a mulher deveria avisar o terapeuta
quando percebesse o marido aproximar-se de crianças, e a contingência aversiva seria
que se continuasse, o terapeuta poderia denunciá-lo. Outro componente do tratamento
era o cliente se masturbar diante da figura da mulher. O processo terapêutico demorou
três anos e terminou com sucesso.
Há exemplos atuais com pedófilos, pessoas conhecidas, que se mantem no
anonimato, pois não há denúncia ou esta é tardia. A descoberta dos casos é acidental.
A mídia relatou o caso de um psicólogo argentino conhecido, assessor de governo, com
livros publicados, especialista em violência familiar. Graças a seus conhecimentos
psicológicos, liderou uma quadrilha que cooptava adolescentes, especialmente aque­
les com problemas familiares e baixa auto-estima. A polícia espanhola descobriu que o
alvo eram rapazes de 14 a 16 anos que expressavam seus sentimentos e fraquezas
nos sites de relacionamento na Internet. Ministravam a eles bebidas com tranqüilizantes
e, adormecidos, eram fotografados em poses sexuais. Apesar das descrições, são
fornecidos poucos detalhes de como se dá a aproximação das crianças ou se houve
tratamento e o resultado.

Sobre Comportamento e Cognição


Há também o caso de um ex-diplomata americano, 42 anos, condenado nos
EUA, que considerava “ser normal, no Brasil, sexo com adolescentes”. Pediu clemência
ao juiz pelas diferenças culturais que fazem com que sexo com meninas seja aceitável
em alguns paises (o Congo é um exemplo). Os promotores recusaram a alegação,
afirmando que as vítimas merecem a mesma proteção independente de terem sido
criadas nos EUA ou não.
É lamentável a recente descoberta, fruto da divulgação de pesquisas, de que
são pessoas próximas da criança e suas famílias que iniciam o processo de agressão.
Claro que há pessoas que podem apropriar-se dos dados para efetuar uma aborda­
gem e isto explicaria o aumento do fenômeno. As punições impostas pela sociedade
são mínimas e a denúncia pela família também é restrita.
No Brasil, houve um aumento de 78% nas denúncias de abusos físicos e
sexuais contra crianças. É um problema em aberto e considero que a descrição de
detalhes de casos estudados é mais proveitosa para a prevenção e o tratamento do que
os dados estatísticos dos resultados gerais.
Um outro problema difícil para um dos terapeutas entrevistados é a questão do
aborto. Ele é recorrente em terapias, tem como pano de fundo a infidelidade ou o não
poder ter filhos no momento, por inúmeras circunstâncias.
Evidentemente, os terapeutas entrevistados fizeram avaliações pela natureza
dos problemas, sendo claro que a terapia se desenvolve dentro dos parâmetros da
terapia comportamental. Os exemplos acima são de casos em que o terapeuta prefere
encaminhar o cliente a outro profissional. É uma tomada de decisão do terapeuta. No
entanto, quando há divergência de valores, os terapeutas, de modo geral, dão sua
opinião e mostram que seus conceitos diferem. É possível avaliar as razões expressas
pelo cliente e a alternativa mais adequada ao contexto específico em que vive. O próprio
cliente fornece a informação sobre a maneira como a sua comunidade coloca as contin­
gências para os seguimentos e transgressões de suas normas. Isto é freqüente com
clientes religiosos, sendo improdutivo ter como parâmetro pessoas que estão fora do
ambiente religioso relatado.
O psicólogo está interessado na correção de alguns subprodutos do controle,
como foi analisado por Skinner em quase todas as suas obras. Não cabe a ele discutir
á eficiência dos comportamentos pretendidos por certas agências, mas pode mostrar
como o grupo prepara esse controle e como é possível ao cliente aceitar, ou modificar
ésse controle. O contracontrole nem sempre é possível, mas a pessoa pode aceitar o
controle que julgar melhor ou ético.
Desses problemas relatados decorre uma discussão de contingências próxi­
mas e distantes. Jornalistas como Mauro Chaves (2008) questionam: “como confiar na
justiça, se pessoas que assassinam e são condenadas ficam livres e soltas? Se a
maioridade penal é de 18 anos, acredita-se em programas educativos, e supõe-se que o
desenvolvimento da consciência seja tardia enquanto os jovens continuam a agredir?
Mesmo fora do sistema de justiça, nas mensagens publicitárias apresenta-se vida pro­
dutiva mas regada a bebidas ou à escolha de determinados produtos, muitas vezes
desnecessários, mas considerados imprescindíveis? E o que dizer da adulteração de
produtos alimentícios para aumentar a validade, mas que contem para isso substâncias
nocivas à saúde? Como confiar em relações amorosas consistentes se a comunicação
eletrônica, ou mesmo as novelas, massificam o sexo barato e famílias sem ligação
afetiva?”. Podemos continuar a enumerar ações e contextos que nos fazem desacreditar
dos valores considerados protetores da sociedade: “idealistas” que aceitaram

282 Rachel Rodrigues Kerbauy


indenizações enormes após a ditadura, políticos que utilizam impunemente cartões
corporativos, organizações não governamentais que recebem subsídios governamen­
tais.
Esse contexto é distante de nossa vivência diária, mas se torna responsável
por mudanças na maneira de pensar e de agir das pessoas que ficam expostas a
contingências para as quais dificilmente tem contracontrole. Como comportamentalistas,
diríamos que não há bom ou mau, certo ou errado, mas comportamentos de acordo
com as contingências. Os sentimentos do terapeuta durante a sessão, diante dos
relatos dos clientes, dão pistas, são estímulos discriminativos para que ele entenda o
que o cliente expressa. Essa desconfiança que as instituições inspiram na pessoa,
quase impede novos comportamentos para tentar mudar a situação.
Há o desafio do cliente para o terapeuta, quase exigindo uma postura diante de
problemas sociais e políticos. Os adolescentes e os mimados de vinte anos são exími­
os em cobrar postura e desafiar o terapeuta: “Então você acha que tenho que subor­
nar...”. O terapeuta pode ou não dar sua opinião, mas analisará o problema em termos
de conseqüências a curto e longo prazo e do benefício social real de certos comporta­
mentos. Contudo, resta sempre a opção de colocar o problema do contracontrole e citar
e solicitar ao cliente que investigue movimentos sociais reivindicatórios que estejam
conseguindo resultados. Novamente, nomes de jornalistas ocorrem a todos nós, com
críticas e análises contundentes: “Quando a vergonha acaba”...

Alguns problemas éticos que ocorrem no desempenho profissional

Falar desses problemas serve como alerta na formação de terapeutas. Ao es­


colhermos discutir alguns problemas éticos, sabemos não ter esgotado o tema, que
está em aberto, precisando ser sempre reavaliado. Prefiro que este texto seja um estí­
mulo discriminativo para provocar lembranças de fatos conhecidos e que instigue a
busca de algumas soluções.
Envolvimento sexual com clientes. A terapia, hoje, é mais do que o emprego de
técnicas e contratos. É um relacionamento intenso e de confiança que serve de ajuda e
cenário para o desenvolvimento pessoal do cliente. Em certo sentido, ele emite no
consultório comportamentos semelhantes aos emitidos no mundo em que vive. Este é
um dos materiais de trabalho da sessão terapêutica.
Podemos inferir que o cliente que emprega sexo como uma maneira de lidar
com o mundo, de modo geral, também utiliza esse repertório quando está com o
terapeuta. Diante da generosidade e compreensão do terapeuta, o que pode oferecer
em troca é sexual. Através deste recurso, pela sua experiência passada, o cliente consi­
dera que mantém o interesse do terapeuta. Também, o poder que o terapeuta represen­
ta, não só no consultório, mas pela sua vida de estudioso, pode constituir um atrativo e
condição para compartilhar. Compete, assim, por um objetivo maior: o compartilhar e o
amor sexual suposto e realizado.
O terapeuta, com os atrativos apresentados pelo cliente, pode não se examinar e
esquecer que escolheu trabalhar para o bem do cliente, e não para sua satisfação pessoal.
Esquece sua opção profissional e moral. Há reconsiderações éticas para o embate sexual.
Considero que, como não é analisado, há prejuízo para a psicoterapia como profissão e
prejuízo para o profissional e o cliente. Este relata sentir-se ludibriado, ter acreditado no
amor, achando que o terapeuta melhoraria seu desempenho sexual. Geralmente, a conse­
qüência é inversa e lembro sempre do olhar “angustiado” durante o relato dessas experiên­

Sobre Comportamento e Cognição 283


cias e das dificuldades encontradas na vida afetiva posterior. No entanto, existe uma cons­
tante rio comportamento de clientes que se envolveram sexualmente com seus terapeutas:
não atacam abertamente o ex-terapeuta. Quanto ao profissional, suponho que fique com
um resquício de culpa, pois sabe que fez o que não é correto e não há necessidade de leis
para regulamentar isto. Provavelmente, nós, terapeutas, não propiciamos conseqüências
adequadas e evitamos falar sobre o assunto entre nós e muito menos denunciar ou con­
frontar o infrator. Deveríamos, pelo menos, não indicar o nome do infrator para clientes
potenciais, nem dar a eles participação destacada em congressos científicos.

Envolvimento comercial com o cliente. Pode ser de vários tipos, desde apre­
sentar pessoas ou indicar como referência. Deixo ao critério de vocês, uma vez que o
consultório não é um balcão de negócios.

A literatura comportamental estudada, cuja escolha é fundamental. O estudo


dos clássicos sobre o assunto e os procedimentos empregados, tanto no início como
hoje, foram objeto de estudos e decisões cuidadosas há anos. Conhecer a literatura
pode fazer algumas pessoas relatarem os experimentos originais e o porquê das alte­
rações, dando direções para continuá-las e tornando-as sempre atuais. Contribuem
também para manter o espírito de pesquisar e inventar maneiras novas de trabalhar,
sempre necessárias.

Leitura crítica de pesquisas, para não deturpar o conceito de terapia


comportamental. Empregar técnicas específicas sem analisar seus conceitos e possi­
bilidades de inserção na terapia comportamental é motivo de cautela e reflexão. Eviden­
temente, atingir o cliente e verificar mudanças é o objetivo da terapia e a maneira de
avaliar os resultados. Decorre disto a necessidade de promover pesquisas sobre as
decisões terapêuticas e a avaliação de como os clientes estão após anos de terapia.
Esse fato determina a maneira de ensinar terapia comportamental. Por isso, quando
fundei a especialização em terapia comportamental na USP, em 1999, introduzi a super­
visão logo após o atendimento. Facilitava a organização do curso e garantia a discus­
são dos problemas de condução da sessão. O curso também exigia a transcrição de 15
minutos da sessão e a justificativa do porquê da escolha daquele trecho. Inicialmente,
havíamos exigido a transcrição da sessão toda, depois passamos a solicitar somente
15 minutos, acrescida da justificativa, pois isto já exigia um trabalho de reflexão e crítica.
Muitos ex-alunos relatam que passaram a utilizar esse procedimento em casos difíceis,
em seu trabalho profissional. No curso, a supervisão poderia ser sobre a sessão ante­
rior ou sobre os problemas enfrentados no atendimento daquele dia e as decisões
terapêuticas e resultados esperados. Muitas das discussões eram sobre o que dizer e
como treinar os comportamentos do cliente na sessão.
Em 2008, na mesa redonda que organizei na ABPMC sobre “Certezas e dúvidas
do terapeuta sobre os resultados com o cliente: implicações das objeções”, solicitei
aos participantes que mostrassem as objeções do cliente e como conduziam o proces­
so. Todos fizeram trabalhos criativos sobre sua área de atuação. Maria José Carli Go­
mes entrevistou oito clientes que haviam terminado terapia e seus familiares. Sete dos
convidados compareceram e relataram a mudança que observaram, com melhoras
evidentes. Os pais de um adolescente homossexual, que tiveram dificuldade de aceitar
a escolha do filho, relataram o bem estar atual. Uma cliente fóbica relatou a aprovação
do marido por ela estar trabalhando e ter passado em concurso público, uma mudança
ocorrida significativa. Este trabalho está em fase de publicação, mas é um bom exem­
plo de pesquisa possível.

284 Rachel Rodrigues Kerbauy


Participação em grupos de estudo e supervisão. Um grupo de estudo, quinzenal
ou mensal, com textos relacionados aos casos atendidos, é importante para a análise
do trabalho e crescimento na área. Embora os membros possam mudar no decorrer
dos anos, não existindo a relação professor-aluno formal, há um enriquecimento dos
pares. O trabalho pode produzir publicações e discussões inovadoras de problemas
que acontecem, pela velocidade da mudança de contingências e incapacidade do
terapeuta de conhecer todos os ângulos dos problemas. Para treino de comportamen­
tos e produção de alternativas, esse grupo é reforçador e confortável.
O terapeuta ou aquele que faz análise comportamental aplicada deve fazer
pesquisas? Sim. Que estas se refiram a decisões terapêuticas, sobre como e porque
os clientes retornam à terapia, como os cliente estão após x anos de terapia, entre
outros infinitos problemas de pesquisa.
Sidman (2005) mostrou-se preocupado com a falta de comunicação entre os
que fazem pesquisas com humanos e aqueles que trabalham com não humanos. Sem
nos oferecer soluções seguras, procurou mostrar uma história que encaminha para
uma relação bidirecional. Falou de trabalhos relevantes em várias áreas e disse que
“analistas aplicados do comportamento que frequentemente não tem - e não precisam
ter - qualquer interesse em tornar-se cientistas” (p. 129) estão fazendo “algo especial.
Considera que estão fazendo uma mudança no que significa ser humano, “estão na
vanguarda de uma revolução social e intelectual em andamento”.
Concluo que esse desempenho continuado pode propiciar maneiras diversas
de fazer pesquisa e mostrar a relevância dos resultados obtidos. O terapeuta trabalha
com o comportamento verbal, mas tem maneiras de observar e mostrar as mudanças
obtidas, por mais que tenha a história passada (pessoal e do cliente) como uma incóg­
nita poderosa e controladora. Não é de se estranhar o quanto se aprende quando
terapeutas experientes relatam casos e procuram demonstrar como chegaram a aque­
les resultados e quais os princípios teóricos que embasaram suas descobertas e as
mudanças de comportamento.

Referências

Amado, J. (1969). Tenda dos Milagres. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, p. 53.
Gomes, M. J. C. (2008). A mudança que o cliente relata é percebida pelo ambiente? Trabalho
apresentado na mesa redonda "Certezas e dúvidas do terapeuta sobre os resultados com o cliente:
implicações das objeções”, na XVII Reunião da ABPMC em 2008. No prelo.
Otero, V. R. L., & Rosa, H. H. F. (2006). A tomada de decisões nas intervenções terapêuticas: da
teoria à prática. Em H. J. Guilhardi, & N. C. Aguirre (Orgs.). Coleção Sobre Comportamento e
Cognição, v. 18, p. 472-478. Santo André, SP: Esetec.
Premack, D. (1965). Reinforcement Theory. Em D. Levine (Ed.), Nebraska symposium on motivation,
p. 123-180. Lincoln, NE: University of Nebraska Press.
Sidman, M. (2005). A análise do comportamento humano em contexto. Revista Brasileira de Análise
do Comportamento, v. 12, p. 125-133.
Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. New York, NY: MacMillan
Zamignani, D. R. (2000). O caso clínico e a pessoa do terapeuta: Desafios a serem enfrentados. Em
R. R. Kerbauy (Org.). Coleção Sobre Comportamento e Cognição, v. 5, p. 234-246. Santo André, SP:
Esetec.

Sobre Comportamento e Cognição 285


Capítulo 28
Jovens terapeutas comportamentais de
qualquer idade: estratégias para
a ampliação de repertórios
insuficientes
Regina Christina Wielenska1

O poeta inglês William Cowper (1731-1800) teria escrito que “Variety is the very
spice of life, that gives it ali its flavor”. A despeito de não ter sido a psicoterapia o contexto
sócio-cultural que deu origem a esta frase, nela faz-se menção a um dos aspectos
interessantes do nosso trabalho: um cliente não é igual ao outro, cada sessão tem
componentes únicos e lidamos o tempo todo com a diversidade, este é um dos encan­
tos da nossa profissão.
Evitamos o caos e a aleatoriedade das intervenções pela salvaguarda das
regularidades comportamentais, buscamos compreender e intervir sobre processos
complexos investigando as contingências controladoras do que fazemos, pensamos e
sentimos. A ciência nos conduz ao longo desta descoberta dos problemas e peculiari­
dades de cada caso clínico. Um sistema teórico coeso, experimentalmente fundamen­
tado, subjaz à nossa prática. A análise do comportamento provê sentido ao conjunto de
estímulos constituintes do fenômeno com o qual interagimos e sobre o qual se supõe
que precisamos intervir, de modo ético, eficaz e minimamente intrusivo.
É interessante atentar para o fato de que a variedade é democrática: atinge, por
igual, a clientes e terapeutas. A supervisão em grupo evidencia diferenças entre reper­
tórios pessoais e acadêmicos dos alunos. No processo de forjar novos terapeutas,
precisamos respeitar diferenças, tirar bom proveito do repertório de entrada de cada
supervisionando e, em paralelo, suprir lacunas, fornecendo material de estudo e diretrizes
para ação, estimulando a troca de experiências entre os participantes. Como qualificar
pessoas tão diferentes para o atendimento clínico adequado, rico em demandas que
sequer conhecemos de antemão? Além dos óbvios cursos de formação, é possível
sugerir a jovens profissionais outras formas de ampliar seu preparo para a prática da
psicoterapia?
A formação do terapeuta na graduação não assegura a posse de plenas qua­
lificações clínicas e, ocasionalmente, nós, professores, questionamos a competência
de alunos, inclusive de especialização e mestrado. As grades curriculares bem

Este artigo refere-se à palestra de mesmo nome, proferida pela autora no XVII Encontro da ABPMC em 2008, em Campinas
E-mail para contato: wielensk@uol.com.br

286 Regina Christina Wielenska


construídas, os estágios e outras atividades didáticas, aliadas à regulamentação do
exercício profissional, especificam condições mínimas de qualificação para o trabalho
clínico. Preencher satisfatoriamente o hiato entre as condições suficientes (legalmente
definidas) e as condições realmente necessárias para o fluente exercício da terapia
analítico-comportamental é obrigação de cada terapeuta, independentemente de seu
estágio acadêmico ou fase de vida.
Pelo tema que escolhi abordar, não procede discutir agora questões, ainda
que relevantes, como o currículo das universidades. Neste artigo, outrossim, pretendo
sinalizar aos terapeutas inexperientes maneiras de enriquecer seu repertório clínico,
dentro ou fora das instâncias acadêmicas formais. Parto do suposto de que, tal como
os clientes, terapeutas possuem uma história de vida única, são eventualmente contro­
lados por regras, são mais, ou menos, sensíveis a determinadas contingências, e
estão igualmente sujeitos a manifestar problemas clínicos, apresentar lacunas de re­
pertório e sofrer privações de toda sorte. O universo da “pessoa física” do terapeuta
(tudo que o influenciou e o influencia no sentido não acadêmico e profissional) mantém
uma relação de influência recíproca com o contexto da pessoa jurídica (o terapeuta, com
sua formação específica, no instante que atua com o cliente). Favorecer o
autoconhecimento da “pessoa que se tornou terapeuta” é passo básico do processo de
qualificação profissional. Afinal, preciso conhecer quem sou e o que me controla, para
entender minhas decisões clínicas e o modo como as implantarei.
Os aspectos que elegi para discussão serão apresentados numa seqüência
que não reflete qualquer hierarquia que possa haver entre eles. E não cabe levantar
aqui as variáveis que controlaram este meu comportamento de escriba. Amparada
numa experiência clínica e como supervisora, apenas me atrevi a discorrer sobre o
enriquecimento do repertório de entrada de inexperientes terapeutas! Comparadas a
trabalhos extensos e interessantes como os de Yalom (2002/2007) e Calligaris (2007),
representativos de abordagens teóricas diferentes do behaviorismo radical, minhas
sugestões poderão não satisfazer aos mais exigentes, considerando-se as restrições
inerentes à presente obra. Mesmo assim, prefiro pecar por atos a pecar por omissão.

A relação terapeuta-cliente como instrumento de mudança


Um cliente tem funções distintas sobre o terapeuta. Por exemplo, uma queixa
pode, simultaneamente,
• evocar pensamentos sobre um cliente do passado,
• eliciar respondentes de medo como tensão corporal (foi um cliente que acabou
com a própria vida sem que o terapeuta conseguisse intervir) e
• funcionar como estímulo discriminativo para a emissão de outros operantes
(buscar supervisão imediata, conversar com psiquiatra do cliente, propor contatos
mais freqüentes ao longo da semana, etc.).
Este fragmento de interação impactou o terapeuta, sob o controle de seme­
lhanças formais e/ou funcionais entre a queixa atual e o suicídio de um antigo cliente.
Como seria a interação se, por acaso, o terapeuta já não houvesse perdido um cliente
por suicídio? Exercitando mais nossa imaginação, aquele fragmento de interação ocor­
reria de modo diferente se o terapeuta fosse alguém que seriamente houvesse consi­
derado acabar com a própria vida, em comparação a um profissional eutímico, que
raramente experienciou alterações expressivas de humor? De que modo uma diferen­
ça assim afetaria a empatia e capacidade de intervenção de cada terapeuta?

Sobre Comportamento e Cognição 287


A relação terapeuta-cliente é compreendida como poderoso instrumento de
mudança (Kohlenberg, & Tsai, 2001; Tsai, Kohlenberg, Kanter, Follette, Kohlenberg,
Callàghan, 2008). A análise de pequenos exemplos, como a hipotética interação menci­
onada acima, insinua os efeitos que aspectos da história de terapeutas podem, eventu­
almente, ter sobre as decisões clínicas e o padrão interativo nas sessões.
Existe a chance de um terapeuta em crise conjugal afetar inadequadamente a
decisão do cliente quanto a permanecer, ou não, casado? Um terapeuta feliz por ter
filhos atuaria diferentemente de outro, satisfeito por não tê-los, na hora em que uma
cliente precisasse decidir entre abortar ou ter uma criança? A decisão do cliente, em
parte influenciada pelos atos (e omissões) do terapeuta, precisaria permanecer sob
estrito controle do contexto do cliente, e não da história de vida do terapeuta, do que
ocorreu quando este enfrentou uma questão similar em sua vida pessoal.
Uma saída reside no autoconhecimento do terapeuta. Indagações a se fazer:
eu, terapeuta, estou ponderando com meu cliente, de modo justo e claro, todas as
variáveis em jogo no problema que ele atravessa? Em que medida meus valores,
minha história de sucessos e fracassos, minhas privações, meus recursos e limites
pessoais estão afetando a condução da terapia? Como agir eticamente em benefício
do cliente?
Concebo o autoconhecimento do terapeuta como um empreendimento para a
vida toda. Um terapeuta que desconhece o que o controla terá poucos recursos para
avaliar com clareza se está ajudando ou atrapalhando o cliente, e sob o controle de
quais variáveis. É fundamental estabelecer um forte controle discriminativo entre deci­
sões clínicas fundamentadas na história pessoal do terapeuta, em contraste a deci­
sões controladas pelas variáveis que de fato afetam o cliente. O autoconhecimento
pode ser adquirido por diferentes vias, a terapia é uma delas. Costumeiramente,
terapeutas buscam atendimento na abordagem com a qual pretendem trabalhar e es­
peram, assim, ser expostos a um modelo de atuação profissional. Esta não deveria ser
a finalidade última da terapia do terapeuta. Discuti, em outro artigo, os perigos desta
ilusão (Wielenska, 2004) e agora basta destacar que a terapia deveria levar esses
“clientes que também são terapeutas” a entender como atuam em diferentes aspectos
da vida e a construir e cultivar melhor as relações interpessoais, inclusive com clientes,
pessoas que procuram nossa ajuda profissional exatamente por conta de seus sofri­
mentos psíquicos.
Além de se indagar sobre como estabelece relacionamentos e soluciona pro­
blemas, o terapeuta precisa identificar com clareza suas principais metas, valores cen­
trais e privações, para que possa diferenciar-se do cliente. Um terapeuta ateu pode
atender a uma mãe de santo com extrema competência, mas há que se cuidar de não
misturar visões de mundo, valores pessoais e outras questões similares.
Qualidade de vida para terapeutas é um tópico do qual ocasionalmente descui­
damos. Qual o grau de satisfação do terapeuta com sua própria vida e, mais especifica­
mente, com seu trabalho? Jornadas longas, excesso de responsabilidades, sono insu­
ficiente ou de má qualidade, isto e muito mais pode nos atingir na primeira esquina da
vida profissional. Um terapeuta privado de vida social, e que inadvertidamente compen­
se sua privação manifestando excessiva proximidade e intimidade frente ao cliente
privado de amigos, pode levar este a confundir terapia com amizade. Mencionei apenas
duas instâncias, o cansaço e a falta de amigos, ambas ilustram a necessidade de o
terapeuta manter seu funcionamento pessoal dentro de padrões de qualidade, mas a
lista não teria fim.

288 Regina Christina Wielenska


Enfrentar um processo terapêutico sólido pode nos ajudar a desenvolver tole­
rância frente aos desafios, à diversidade. Aprendemos a ampliar nossa capacidade de
identificar aspectos sutis dos problemas, nos tornamos mais sensíveis às contingências
da relação terapêutica. Um exemplo: imagine um cliente que interage com o terapeuta de
modo grosseiro, hostil. Seria importante que o terapeuta se perguntasse: “Porque será
que ele age deste modo? Qual o efeito, sobre mim, deste comportamento hostil? Como
ser terapêutico com esse cliente que desperta raiva em mim? Eu sinto raiva porque o tom
de voz do cliente é idêntico ao do fulano, com quem nunca me relacionei bem, ou este tom
de voz irrita pessoas em geral e pode ter contribuído para os problemas que ele me
relata?”. Questionamentos dessa ordem ajudariam um terapeuta a trabalhar melhor.

A supervisão do terapeuta em início de carreira: quando são tão


jovem pode atrapalhar
Uma das profissões nas quais envelhecer traz certa vantagem competitiva é a
de terapeuta. Alguns vinhos podem azedar com o tempo, ao contrário da maioria dos
terapeutas. Reconheço, ainda, que há vinhos jovens que acompanham bem excelentes
refeições (eu admiro a atuação precisa de vários alunos muito jovens, é fato), mas
vinhos de safras “nobres” tendem a agregar benefícios maiores a qualquer celebração.
Este prólogo é, simplesmente, outro modo de dizer que a vivência relativamente restrita
dos terapeutas muitos jovens, seja pela “pouca idade” ou pela “inexperiência profissio­
nal”, precisa ser compensada a contento. A adoção de diferentes estratégias de apren­
dizagem pode suprir o hiato quanti e/ou qualitativo de experiências já enfrentadas por
um jovem terapeuta. Costumo lembrar meus supervisionandos de que o cliente pode
ter realmente vivido infinitas coisas a mais do que seu terapeuta e que:
• Ao contrário do cliente, o terapeuta estudou ao menos cinco anos questões
especificamente relacionadas aos problemas clínicos;
• Na maioria dos casos, o cliente aprioristicamente pressupõe no terapeuta a
capacidade potencial de prover ajuda, mesmo sabendo se tratar de um estagiá­
rio da clínica-escola;
• Se o terapeuta não conhece aspectos do contexto que o cliente relata, é legitimo
fazer perguntas, no intuito de entender a questão sob o prisma do cliente; pode-
se explicar ao cliente “sou diferente de você e não sou adivinho, para te ajudar
preciso que você me fale da tua vida, do teu mundo e dos teus problemas”;
• Nenhum terapeuta vai entender de tudo o tempo todo, mesmo se fosse um
sábio, profundo estudioso e centenário.
Entra em cena o papel do supervisor, profissional mais velho, experiente, que
provavelmente já atendeu casos similares e certamente já estudou muito a respeito.
Dar sustentação ao trabalho do aluno e ao mesmo tempo, maximizar a melhora do
cliente não é tarefa simples para supervisores. Desaconselho o papel de mero prescritor
de condutas, mesmo que estas sejam benéficas para o andamento do caso. O tempo
exíguo de supervisão pode ser poderoso impeditivo, mas defendo que toda supervisão
ensine o aluno a ser controlado pelos aspectos relevantes do caso, os pontos críticos
que efetivamente controlaram seu supervisor. Através da supervisão e de outras estra­
tégias, o aluno precisa aprender a:
• Ser controlado, na interação com o cliente, pelo que for essencial ao processo
de construção da relação terapêutica, avaliação do caso, planejamento e
implementação da mudança;

Sobre Comportamento e Cognição 289


• Analisar funcionalmente seu próprio comportamento e o do cliente, e tomar
decisões fundamentadas nos dados da ciência que estuda e nos princípios
éticos norteadores do seu ofício;
• Avaliar com precisão seu trabalho e corrigir rumos quando necessário;
• Relatar e analisar ao supervisor o que houve de importante na sessão, saben­
do identificar dúvidas e pontos problemáticos;
• Ser observador frente ao mundo, analiticamente crítico, autônomo, estudioso,
disciplinado, compassivo, empático.
Quero lembrar que há imensas contribuições dos registros de sessões clíni­
cas e das supervisões em áudio e vídeo para formação de terapeutas (entre uma série
de trabalhos a este respeito, menciono apenas alguns, a título de ilustração, Banaco, &
Zamignani, 1999; Kerbauy, & Silveira, 2000; Wielenska, 2000; Moreira, 2003). Atentar
para as sessões gravadas (com consentimento do cliente) pode propiciar o crescimen­
to do repertório clínico, tornar-se fonte de descobertas críticas sobre o que se fez ou
poderia ter sido feito. A supervisão é outra ocasião para suplementar habilidades, e
melhòr ainda se esta ocorrer em grupo, pois amplia a amostra de casos aos quais o
terapeuta é exposto.
Preparar relatórios estruturados sobre cada sessão leva o terapeuta a analisar
em detalhe o próprio desempenho, rever o trabalho à luz dos princípios do comporta­
mento, exercita o uso de uma linguagem cientificamente precisa, organiza dados já
coletados e facilita planejar objetivos para as sessões subseqüentes. É um recurso
pedagógico que envolve respostas de alto custo, para terapeuta e supervisor, com
resultados muito interessantes. A aplicação de Instrumentos como o FIAT-Q
(Callaghan, 2006) também pode auxiliar terapeutas em formação. Entretanto, eles não
elevem ser vistos como próteses, substitutos satisfatórios de outras habilidades clíni­
cas ainda em desenvolvimento.

Aprender sempre: o mundo como instância formadora.


Terapeutas deveriam ser pessoas atentas ao mundo, que apreciam ouvir his­
tórias, independentemente de hora, lugar ou do narrador, e que aprendem com elas,
conseguindo se apropriar das mais interessantes para transformá-las em úteis metá­
foras, dicas, sínteses ou análises de comportamento (sugiro a leitura de Otto, 2000).
Assim, por exemplo, um terapeuta sem filhos e solteiro poderá aprender algo sobre
gravidez e parto, enfrentamento do divórcio, segundas núpcias e convivência com ente­
ados, ou quaisquer outros temas que não lhe fossem tão familiares quando assiste a
um documentário sobre famílias ou ao ler um romance sobre uma família de imigran­
tes.
Viagens são experiências de lazer e turismo. Entretanto, podem ser mais do
que isso quando atentamos para a diversidade de ambientes físicos e sociais, modos
de viver, pensar e sentir. Ocasionalmente, conhecer outros bairros da própria cidade já
é uma viagem instrutiva o suficiente para o terapeuta iniciante. São Paulo, por exemplo,
engloba universos distintos, na exata proporção do quanto nossos clientes são diferen­
tes. Atender um comerciante da Rua 25 de Março deve exigir um repertório distinto do
terapeuta se o cliente, que se queixa de ataques de ansiedade, for um camelô de
origem rural do centro-oeste mineiro ou se pertencer à terceira geração de comercian­
tes libaneses de tecidos e aviamentos. E, nesse caso, os dois clientes imaginários
atuam no mesmo quarteirão da rua, mas provavelmente seriam afetados por distintas
contingências, com variados repertórios, história de vida, valores e interesses.

290 Regina Christina Wielenska


A literatura, seja poesia ou prosa, as artes (cênicas, visuais) e seus asseme­
lhados, são todas manifestações que sensibilizam o terapeuta, ampliam seu arsenal
de estímulos com função discriminativa para intervenções clínicas. Através de recursos
tão apreciados por adolescentes, como os mangas e animes, videogames ou jogos de
RPG, aprendemos a questionar valores essenciais e identificar estratégias de
enfrentamento, temas recorrentes em terapias (Ingberman, 2009, comunicação pesso-
al)
E Shakespeare, com Romeu e Julieta? Um dos amantes julgou que o outro
houvesse morrido, e desse equívoco de adolescentes inexperientes, impulsivos e frus­
trados no amor, ocorreu a mítica tragédia em Verona. Bem usado, este drama pode nos
ajudar enormemente a ensinar adolescentes a lidar com a impulsividade e exercer
contra-controle sobre a aversiva obstrução familiar em seus casos amorosos. Ilustran­
do meu argumento, faço uso de uma contribuição cinematográfica e analiso brevemen­
te o filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993), excelente metáfora sobre os princí­
pios da Acceptance and Commitment Therapy. O personagem principal, que talvez pre­
enchesse critérios diagnósticos para Transtorno Distímico do Humor, ficou literal e
magicamente preso no tempo e espaço. Para ele, todo dia era sempre igual, motivo
para intenso e constante dissabor frente a uma vida com pouco sentido e muito aversiva.
Depois de repetir incessantemente o mesmo padrão “disfuncional” de comportamento,
sem ter sucesso uma única vez, aceitou lidar com o mundo tal como é. O protagonista
se dispôs a descobrir, praticando por tentativa e erro, novas formas de lidar com os
velhos problemas, engajou-se na mudança pessoal e passou a responder às contin­
gências que controlavam a ele e aos demais. E assim, o feitiço se quebrou.
Um recordista de bilheterias em sua época, o filme O Sexto Sentido, mostra
refinadas esquivas do finado terapeuta. Vale recordar que o protagonista adulto, um
psiquiatra, fora assassinado por um cliente! Entrar em contato com o insucesso profis­
sional lhe era excessivamente aversivo, constatar-se como morto e fracassado era
insuportável. Então também não poderia se perguntar por que sua esposa agora toma­
va antidepressivos, pagava a conta do restaurante sem precisar dele, tantas coisas
estranhas passavam em brancas nuvens. Um garoto, igualmente morto, torna-se hábil
acompanhante terapêutico do psiquiatra, este agora imbuído da missão de auxiliar o
garoto, que se queixa de que “vê pessoas mortas”. Na verdade, o garoto precocemente
apreendeu o mal do mundo e padece com o impacto da precoce revelação: há quem
morra em incêndios criminosos, pessoas se enforcam, terapeutas fracassam e ma­
drastas envenenam os filhos pequenos do marido viúvo em primeiras núpcias.
Este filme pode nos ensinar a olhar de frente para o que a vida nos apresenta, e discute
a vaidosa arrogância de nós, terapeutas, que preferimos acreditar que daremos conta
de salvar a nós mesmos e ao resto do mundo.
Recém formada, no início dos anos 80, tive a chance de participar de um
workshop sobre jogos teatrais, conduzido pelo teatrólogo, criador do Teatro do Oprimi­
do, Augusto Boal (1931-2009). Até hoje, quando dou aula sobre o modelo experimental
Proposto por Estes e Skinner ou descrevo para um cliente os efeitos paralisantes das
contingências aversivas, utilizo um dos jogos que aprendi, e com ele ilustro o fenômeno
da supressão condicionada. Para Boal, o jogo simbolizava o horror de aguardar, parali­
sado, nos porões da ditadura, a convocação para o interrogatório policial, sem saber se
haveria tortura, e se sairia vivo daquela experiência de absoluto desamparo. Segundo
Boal, a espera seria mais aversiva que o desigual embate frente aos agentes da lei.
Metáfora bem dolorosa essa...

Sobre Comportamento e Cognição 291


Atualmente (escrevo em 2009, vale salientar) poderemos em breve visitar em
São Paulo a exposição de um dos trabalhos da francesa Sophie Callie. Quem visitar a
mostra, será apresentado às reações que diferentes mulheres tiveram ao lerem a carta
de rompimento de namoro, enviada à própria artista, pelo, agora, ex-namorado. Um
mesmo1estímulo, o texto, exerce variado efeito sobre as leitoras, e a somatória destas
reações talvez sintetize a experiência da mulher que transformou em arte as palavras
usadas pelo escritor Grégoire Bouillier para marcar o rompimento da relação entre eles.
Não me importa se nos referimos aos terapeutas desamorosamente abandonados ou
àqueles que deram o fora. Ambos, talvez, aprendam com a mostra e trabalhem melhor
com seus clientes.

Questões operantes entrecruzadas com respondentes: terapeutas


e seus corpos
O subtítulo é uma isca para terapeutas se recordarem do mais prosaico dos
fatos: nosso corpo reage ao mundo de maneiras surpreendentes. Há alguns anos uma
antiga cliente retornou para terapia, referindo ansiedade e depressão. Como se fosse
questão de menor importância, a moça começou a narrar que há cerca de dois anos
vivera o de pior na vida: o ex-marido assassinou o filho deles e, em seguida, cometeu
suicídio. Em questão de dois ou três minutos, as contas do meu colar escorreram pelos
meus dedos tensos e se espalharam pelo chão do consultório. Foi impossível perma­
necer calada e dividi com a cliente minha dor e espanto. Disse-lhe que a explosão de
contas de vidro talvez fosse meu jeito de expressar a vontade de chorar junto, minha
raiva por não ter podido prenunciar a tragédia e evitá-la e muito mais coisas que se
apoderaram de meu coração na hora em que ouvi a notícia. Assim, teve início uma nova
etapa de trabalho clínico, árduo para ambas. Meu corpo havia sentido tudo isso.
Na graduação em Psicologia pela PUCSP, tive a oportunidade de cumprir al­
guns créditos na Faculdade de Fonoaudiologia. Foram dois semestres de Técnicas de
Relaxamento, disciplina pouco abordada nos currículo da Psicologia naqueles idos de
1979. Fui amplamente reforçada pela escolha, tanto ao longo do curso teórico e prático,
descobrindo formas de trabalho corporal, conhecendo mais sobre meu corpo, e tem­
pos depois, ajudando clientes cujo padrão de comportamento ansioso envolvia esta­
dos corporais de tensão excessiva.
Cursar yoga, como crédito de Educação Física, fez boa diferença. E depois
pratiquei uma mescla de yoga com bioenergética, bem como o método Piret-Beziers de
organização psicomotora. Para quem não me conhece pessoalmente, faz-se necessá­
rio partilhar com os leitores um dado pessoal. Tive longa história de embate com a
asma, uma condição respiratória limitante, e também com a obesidade. Busquei auxílio
médico adequado, tive sucesso nesta direção. Em paralelo, eu precisava encontrar
saídas que levassem em conta minha condição e viabilizassem melhor postura, tônus,
força, domínio do movimento e afeto positivo pelo corpo maltratado. Isto tem sido uma
obra em construção, sujeita a expansões, reformas, vazamentos, trincas, in o v a ç õ e s .
Meus clientes com tensão muscular, os portadores de transtornos de ansiedade, que
hiperventilam sem notar que o fazem, todos se beneficiaram desse repertório extra,
adquirido por vias não estritamente acadêmicas.
Claro que nem todo terapeuta atravessa problemas como os que descrevi,
mas todos são um corpo em interação com o meio; o comportamento de cada um de
nós é a interface desses componentes. Assim, é relevante atentar para o estado corpo­
ral do terapeuta na interação com o cliente. Volume e modulação de voz, maneira de se

292 Regina Christina Wielenska


aproximar ou se afastar do cliente, tônus, direção do olhar, isso e muito mais podem ser
importantes componentes da prática clínica.
Atualmente “mindfulness” e “meditation” são moedas correntes nos textos
americanos de psicoterapia comportamental. Recomendo uma busca simples nos
bancos de dados para confirmar minha afirmação. Qual terapeuta pode entender do
que tratam estes dois termos se está “desconectado de seu corpo”, respira mal, perma­
nece distante do “aqui e agora” de sua sessão e de sua vida como um todo, não
encontra bem estar quando é hora de sentar para ouvir, compassivamente e sem julgar,
um cliente que sofre?
Terapeutas comportamentais, por favor, conheçam seus corpos, a dinâmica
entre as partes e sua relação com o meio socialmente construído. E qualifiquem-se
para conduzirem seus clientes nessa descoberta, sempre que necessário.

Jovens terapeutas multimeios


Aqui pretendo apenas dar um lembrete. A maioria dos jovens, terapeutas ou
não, domina com desenvoltura as ferramentas relacionadas às novas tecnologias e ao
mundo virtual. Operam os celulares com maestria, maximizam seus recursos ao toque
de um dedo, participam de comunidades, povoam redes sociais, fazem do Messenger
e de outros programas de comunicação instantânea seus aliados no cotidiano.
O que lhes pergunto é se conseguem utilizar terapeuticamente desse vasto
universo de tecnologias, contatos virtuais e informações em prol de clientes. Podemos
ensinar nossos clientes a bem usar a rede mundial de computadores para discernir
quais são as informações críticas acerca de saúde mental, gerenciamento de carreira,
estudo, cultivo de amizades genuinamente significativas, etc.? Sabemos ensinar ado­
lescentes a se proteger do devastador assédio moral e sexual, atualmente facilitado
pela web? Somos capazes de navegar eticamente na direção oposta à de uma cultura
que apenas valoriza a aparência, a rapidez, a competição e se aproveita da tecnologia
para propagar valores relacionados ao consumo desenfreado. Como lidar com a su­
perficialidade do sentir e do viver, com o cliente amortecido pelo abuso de substâncias
ou por terabytes consumidos em profusão?
Confesso que tenho dificuldade em encontrar boas respostas, até para provei­
to pessoal, mas não me furtaria a dirigir ao leitor tais perguntas incômodas e necessá­
rias.
A televisão permanece com expressiva fonte de influência, somada a Internet,
esta última especialmente em segmentos de clientes mais jovens. Há muitos anos,
estava no ar a telenovela Tieta, baseada em obra de Jorge Amado. Eu não a acompa­
nhava (apenas porque prefiria a novela Pantanal, de emissora concorrente!). Num de­
terminado dia, o cliente me diz que ficou muito emocionado com a morte de Zé Esteves.
Eu vasculhava minhas memórias para descobrir o que aquele nome de homem teria a
ver com meu cliente. Sem registro algum, peço desculpa por não me lembrar de quem
se trata. Rindo, ele me diz ser o pai de Tieta. Contei-lhe de minha predileção pela novela
Pantanal, daí minha ignorância, e conversamos sobre a morte do personagem e sobre­
tudo, acerca, do que isto evocava no cliente. Importantes lembranças de problemas
com seu próprio pai, já falecido, mas ainda lhe perturbando. Mais tarde, um segundo
cliente comentou sobre a tal morte e tudo se repetiu, agora com a terapeuta menos
desinformada.

Sobre Comportamento e Cognição 293


Os meios eletrônicos de comunicação multiplicam os fenômenos em níveis
surpreendentes, são fonte de influência ainda não estudada suficientemente. Mas
terapeutas precisam estar atentos a tendências contemporâneas, conhecer tribos ur­
banas e informar-se sobre as expressões da sexualidade, entender os novos trabalhos
neste mundo sem empregos e ocasionalmente sem patrões. A interatividade do rádio,
da Internet (redes sociais, podcasts, blogs, etc.), os múltiplos usos dos celulares (trans­
missão de imagem e texto, Twitter, etc.) são apenas alguns dos desafios que batem
cotidianamente à nossa porta, e precisamos atentar para o potencial enorme de tais
recursos e aprender com eles.
Podemos aprender com a religião?
Não se trata de defender a formação religiosa de terapeutas, ou a ausência
desta. Vamos, outrossim, pensar nos grandes temas que povoam nossas consultas.
Os conflitos na família, por exemplo, certamente fazem parte do rol e, ao longo da
História, é um tema que captura os olhares perscrutadores de religiosos e terapeutas.
Qual o limite do ódio entre irmãos? Caim e Abel que nos digam.
A parábola do filho pródigo ilustra perfeitamente dois estilos de funcionamento
filial e dá margem a discussões enriquecedoras com clientes. Do enredo participa o
filho que faz tudo que supõe ser preciso para demonstrar seu amor e respeito pelo pai,
mesmo que isto o deixe exaurido, envolva privações extremas e o impeça de explorar
outras facetas do mundo. O segundo filho funciona assim: é fortemente controlado
pelas conseqüências de reforçadores generalizados como dinheiro. Pede ao pai adian­
tamento de sua parte da herança, sai de casa e se engaja numa vida, que na linguagem
contemporânea, seria de “sexo, drogas e rock’n’roH”, ao menos esta seria a perspectiva
de seu irmão, integralmente devotado ao pai. Qual não foi a perplexidade do referido
filho, tão seguidor de regras, quando descobre que o pai se preparava para celebrar
com um “churrasco” o retorno da ovelha desgarrada? Até aquele momento, considere-
se, o pai jamais havia elogiado ou demonstrado reconhecimento pela “devoção canina"
do filho que trabalhava, sem reclamar, de sol a sol. Problemas assim atravessam os
séculos, e não é por acaso que deles se apropriam os livros sagrados. Num mesmo
episódio temos:
• a questão do amor incondicional de um pai pelos filhos,
• a disputa pelo afeto paterno,
• a ausência paterna de reconhecimento dos esforços de um dos filhos e os
efeitos deletérios dessa privação,
• o controle por regras como “se for perfeito serei amado” e “quem só faz o que
quer e se afasta da família não pode ser amado”,
• e a dificuldade de pedir a alguém o que realmente nos importa.
Para alguns clientes, discutir diretamente seu problema de relacionamento
familiar pode ser aversivo demais. Recorrer primeiro a parábolas amplamente conhe­
cidas na cultura na qual o cliente está inserido pode servir de pretexto para dar início à
coleta de dados e análise funcional, sem confundir-se a atividade, uma espécie de
metáfora clínica, com pregação religiosa. E conhecer melhor as nuances do pensa­
mento budista, judaico-cristão, islamita, umbandista ou kardecista, por exemplo, não
nos coloca em risco de praticar proselitismo religioso no consultório. Na verdade, apren­
der sobre religiões e questões afeitas ao tema nos levaria a compreender uma das
formas de poderoso controle sobre os comportamentos públicos e encobertos de al­
guns clientes, teríamos melhor condição de respeitar a crença de cada um e abrir

294 Regina Christina Wielenska


espaço à contribuição da ciência do comportamento. A este respeito, recomendo ler os
comentários de Skinner (1953), o qual analisa a religião e a psicoterapia como impor­
tantes agências de controle sobre o comportamento.

Auto-gestão da carreira: o que e como aprender.


Com freqüência sou indagada por alunos já formados sobre referências sobre
o tema que escolheram para a monografia/tese ou algo pertinente para o atendimento
de casos novos ou malogrados. Respondo com perguntas: o que você encontrou até
agora? Qual sua opinião sobre o material encontrado? Como você fez essa busca? Do
que você sente falta?
Na maioria Cos casos vejo que nada procuraram, não saberiam fazê-lo
satisfatoriamente (sequer do singelo Google Acadêmico tiram mínimo proveito), foram
apenas em busca de livros-texto e Inglês ou Espanhol não eram opções possíveis de
idioma. Ler criticamente um artigo significa indagar-se: “O que esse texto me ensina
sobre o mundo? O que aprendo sobre meu cliente ao ler este material?”. Como docente
e supervisora, em meu nome e no de colegas, faço um mea culpa. Nem sempre forma­
mos bem nossos alunos, qualificando a todos como consumidores regulares do co­
nhecimento produzido. Psicólogos conseguem registro no Conselho Regional e não
sabem buscar subsídios, a matéria prima essencial para a prática clínica, para a edu­
cação continuada. Em alguns países, o psicólogo precisa cumprir créditos anuais.
Freqüenta congressos, faz cursos, demonstra a leitura crítica de artigos e assim prova
que está apto a renovar sua licença profissional. Estudar regularmente é tão necessário
quanto higiene bucal.
Observo que muitos alunos esperam que venha do professor a totalidade do
saber ao qual têm acesso, então apenas copiam freneticamente apresentações visu­
ais, gravam nossas palestras, e depois apenas reproduzem o que ouviram, sem refle­
xão a respeito, sem busca do contexto, da suplementação de informações na literatura.
Incapazes de uma análise crítica dos periódicos relevantes e de lerem com facilidade
textos em um ou dois idiomas estrangeiros, como avançarão na carreira? Estudar
idiomas e terapia comportamental concorrem - em condições de desigualdade - com
acesso a infinitos e poderosos reforçadores. Considera-se caro um livro de sessenta
reais, mas o jeans de igual valor parece barato? Nem todos escolhem gastar com
estudo se isso competir com ir a shows e barzinhos, comprar e viajar. Como em todo
tempo e lugar, há alunos dedicados, com escassos recursos materiais e que fazem
excelente uso das bibliotecas e da Internet para estudarem muito e construírem uma
carreira como terapeutas sensíveis, preparados e com vasta bagagem pessoal, o que
os auxilia no exercício da prática clínica.

Observações finais urbi et orbe


Terapeutas inexperientes precisam amadurecer, no sentido de aprenderem
mais rapidamente todo e qualquer repertório que lhes enriqueça o trabalho clínico.
Estudar sempre é questão de ordem.
Para os terapeutas já maduros, outrossim, há que se cuidar de envelhecer
bem, sem cair no anacronismo e na rigidez de regras que não mais vigoram ou nem
sempre são válidas no mundo diversificado no qual nos inserimos.
Aprendendo sempre, crescemos, encontramos sentido no trabalho e, com res­
ponsabilidade, ajudamos nossos clientes.

Sobre Comportamento e Cognição 295


Referências

Banaco, R. A., & Zamignani, D. R. (1999). Uma proposta de análise da modelagem de repertório
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interpersonally-based interventions including Functional Analytic Psychotherapy and FAP-enhanced
treatments. Recuperado da Internet em 15/07/2009 de http://findarticles.c0m/D/articles/mi
is 3 7/ai n28461279/
Calligaris, C. (2007). Cartas a um jovem terapeuta. São Paulo, SP: Elsevier
De-Faria, A. K. C. R., & Ribeiro, M. R.. Skinner vai ao Cinema. Santo André, SP: Esetec.
Ingberman, Y. K. (2009). Comunicação pessoal.
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pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar, na emoção e no questionamento clínico, vol. 5. Santo
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Terapia Analítica do Comportamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16( 1), pp. 157-170.
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296 Regina Christina Wielenska


Capítulo 29
Bases cognitivas, comportamentais e
afetivas da origem das crenças e
a implicação nos tratamentos
cognítívo-comportamentais

Renata Ferrarez Fernandes Lopes1


Maura Ribeiro Alves

Universidade Federal de Uberlândia

O objetivo deste simpósio foi apresentar o arcabouço teórico e as evidências


empíricas que sustentam as teorias que tratam do papel do humor como variável fun­
damental na construção e manutenção das crenças. Além disso, a exposição procurou
apontar uma classificação das técnicas comportamentais e cognitivas em assimilativas
e acomodativas, destacando especialmente as técnicas que são mais utilizadas no
tratamento das síndromes sintomáticas. Nos parágrafos seguintes, delineamos o
arcabouço teórico que pressupõe uma interface entre emoção e cognição no processo
de construção de crenças e apresentamos seus desdobramentos na prática clínica.
O estudo sobre a origem das crenças tem recebido atualmente um interesse
particular da comunidade científica que pesquisa a interface entre processos cognitivos
e emoção, com ênfase no estudo do papel do afeto sobre esses processos. Um
campo de estudo bastante promissor avalia a influência do afeto sobre as crenças. As
crenças são representações cognitivas que mediam o modo como às pessoas perce­
bem, constroem e interpretam o mundo ao seu redor, portanto, são construtos pesso­
ais caracterizados pela idiossincrasia. Neste sentido, Kelly (1955) argumentou que
para entender o significado que as pessoas atribuem à vida e aos eventos é necessá­
rio fazer uma análise cuidadosa do sistema de crenças, representações cognitivas e
construções pessoais que fazem o mundo inteligível e previsível. Essas considerações
interpretativas da realidade são essencialmente pessoais e carregadas emocional­
mente. Assim, pesquisas recentes têm-se preocupado em investigar a influência dos

1 Autor principal, rfemandeslopes@fapsi.ufu.br

Instituição patrocinadora do trabalho: Capes

Sobre Comportamento e Cognição 297


estados afetivos sobre as crenças e chegaram a conclusões de que os estados afetivos
têm uma influência automática sobre o comportamento humano, tanto no que tange ao
conteúdo quanto aos processos de criação e manutenção das crenças (Forgas, 2000).
Assim, a proposta geral desta linha de pesquisa é que as emoções podem despertar,
transformar, formar e manter crenças, produzindo-as, ampliando-as e fazendo com que
elas resistam à mudança (Frijda, Manstead, & Bem, 2000).
Convergentes com essa visão, Fiedler e Bless (2000), mostraram através de
pesquisas experimentais que estados afetivos e humor podem influenciar performances
cognitivas e estilos de processamento, assim como enfatizar o papel dos estados
emocionais na função seletiva e na regulação adaptativa dos processos cognitivos.
Dentro desta perspectiva, os estados afetivos direcionam qual o estilo cognitivo
(assimilativo ou acomodativo) mais apropriado, ou seja, mais adequado às demandas
externas. Apesar do crescente interesse no estudo do papel das emoções sobre as
representações cognitivas (Frijda, et al., 2000), o processamento da informação e par­
ticularmente sobre as crenças, são poucas as pesquisas empíricas que retratam essa
temática. Entretanto, os efeitos da emoção sobre as cognições têm um lugar central
como uma possibilidade explicativa de funcionamento mental humano, uma vez que
as cognições (pensamento) não são únicas na tentativa de explicar a ação (Brand,
1984). Assim, embora as crenças possam orientar o comportamento humano, alguns
autores defendem a idéia de que elas não são suficientes para iniciá-los (Armstrong,
1973). Uma outra proposta teórica descreve as emoções como definidoras da direção
da ação, sendo que nenhuma outra função mental exerce a mesma influência sobre o
funcionamento humano (Oatley, 1992).
Os estudos sobre emoções têm passado por grandes mudanças nas ultimas
três décadas. Essas mudanças devem-se ao grande interesse na relação entre a
cognição e as emoções. Schwarz e Clore(2006) destacam que a ênfase inicial dada ao
estudo de processos cognitivos “frios” foi devida à metáfora do computador e o paradigma
do processamento da informação. Entretanto, na década de 1980 redescobriu-se a
cognição “quente”, sendo que atualmente existem muitas evidências empíricas de que
os estados afetivos podem influenciar o desempenho cognitivo e o estilo de
processamento da informação (Fiedler, & Bless, 2000).
A conceituação de humor, emoção e afeto auxilia o leitor a compreender melhor o
papel de humor sobre os estados cognitivos.. Segundo Schwarz e Clore (2006), todas as
emoções são afetivas, embora nem todo pensamento afetivo sejam emoções. Emoções
surgem como respostas a avaliações implícitas de situações positivas ou negativas; elas
têm um referencial identificável, duração limitada e freqüentemente possuem alta intensi­
dade. Por outro lado, o humor não tem uma referência clara e possui intensidade menor.
A experiência de uma emoção positiva ou negativa pode levar a um humor positivo ou
negativo após a dissipação da emoção. Já o afeto refere-se a reações subjetivas de
valência positiva ou negativa experimentada por um período de tempo. Todas estas reações
são experimentadas como sentimentos prazerosos ou desprazerosos (Wyer, Clore, Isbell,
1998). Essas distinções, embora complexas, podem ser esclarecedoras para se enten­
der a relação entre cognição e emoção. Pesquisas recentes sugerem que o humor não-
específico e sutil (ameno) pode frequentemente ter uma influência potencialmente mais
intensa e duradoura sobre a cognição, as crenças e os comportamentos do que emo­
ções intensas e distintas que são sujeitas à monitoração cognitiva explícita. Assim, suge­
re-se que o afeto, incluindo o estado de humor relativamente ameno e inócuo, pode ter
uma influência expressiva na criação, uso e manutenção de representações cognitivas,
crenças e conseqüentemente comportamentos (Forgas, 2000).

298 Renata Ferrarez Fernandes Lopes, Maura Ribeiro Alves


Definição de Crenças
Segundo Fiedler e Bless (2000), as crenças devem ser particularmente sensí­
veis à influência afetiva e podem estar localizadas exatamente na interface entre as
emoções e as cognições, além do que predizem um forte impacto dos estados afetivos
sobre a cognição. Para eles as crenças estão ligadas às estruturas de conhecimento
internas e dependem de alguns aspectos definidores: acreditar não pressupõe ter um
conhecimento perfeito, mas sim possuir alguma inferência gerada internamente ao
adotar uma idéia, objetivo ou argumento; acreditar não significa somente dizer alguma
coisa publicamente ou ceder a uma pressão pública, mas sim manter uma atitude
autêntica e privada. Assim, crenças, sob está ótica, são conceituadas como inferências
baseadas no conhecimento internalizado, caracterizado por confiança e convicções
genuínas e dirigidas por processos ativos na memória.

A influência das emoções sobre as crenças


A noção de que as emoções determinam as crenças foi uma questão comum
durante muito tempo, idéia que ainda persiste. Entretanto, a maioria das discussões
sobre a relação entre cognição e emoção enfatiza que esta distorce àquela. Uma das
teorias emergentes sobre essa questão é a Teoria da Emoção Cognitiva (Lazarus,
1991) em que o autor afirma que as crenças são vistas como as maiores antecedentes
das emoções. Assim, as crenças são consideradas um dos determinantes das emo­
ções. Por outro lado, entretanto, a direção inversa da influência na relação entre a emo­
ção e as crenças tem recebido atenção particular. Sob esse enfoque, as emoções
podem influenciar o conteúdo e a força das crenças, assim como sua resistência à
modificação (Frijda et ai., 2000).
Assim posto, o papel das emoções nas crenças é plausível, considerando que
um destes papéis atua sobre a resistência das crenças à modificação. Esse papel é
fundamental para a compreensão do funcionamento mental humano, uma vez que
permite inferir quais os fatores que estão envolvidos na ação humana. Embora as
crenças possam guiar as ações, elas não são suficientes para iniciá-la, pois para isso
é necessário um impulso emocional (Frijda et al., 2000).
Uma das teorias que retratam a influência das emoções sobre as crenças é
destacada por Clore e Gasper (2000). Essa teoria tem como premissa básica o fato de
que as emoções fornecem informação e orientam a atenção. Esses dois atributos das
emoções são funcionais, entretanto eles também podem provocar distorções no funci­
onamento cognitivo. Assim, se um estado afetivo não tem um objeto claro, a informação
fornecida pelo estado afetivo pode ser má atribuída a outro objeto ocasionando um
julgamento prejudicado. Outro ponto importante dessa teoria é que os efeitos
informacionais e atencionais ocorrem em conjunção com emoções adequadas, além
disso, a intensidade emocional direciona a amplitude do foco atencional, enquanto a
qualidade direciona o rumo do foco atencional.
Outro modelo teórico que aborda a influência das emoções sobre as crenças é
o de Harmon-Jones (2000), que utilizou a Teoria da Dissonância Cognitiva de Festinger
(1957). A essência dessa teoria é que a discrepância percebida entre duas ou mais
cognições eleva o estado desconfortável de tensão que motiva o indivíduo a buscar
meios de reduzir a discrepância, de modo que essa redução tem implicações emocio­
nais. Além disso, a teoria sustenta a noção de que a discrepância cognitiva produz afeto
negativo, e que isso por sua vez motiva a redução de tal discrepância. Um meio pelo
qual a discrepância pode ser reduzida é através da mudança de crenças.

Sobre Comportamento e Cognição 299


A form ação das crenças: modelos explicativos
As teorias da emoção têm se preocupado atualmente com uma questão pouco
pesquisada pela psicologia: como ocorre o processo de construção das crenças e
quais os fatores que estão envolvidos nessa formação? Nico e Batja (2000) desenvol­
veram um modelo teórico que afirma que as emoções podem manter e criar novas
crenças. Nesse modelo uma emoção implica uma avaliação baseada em preocupa­
ções salientes no exato momento que ocorrem. Além disso, se as crenças fortes são
aquelas centrais à preocupação de alguém, a experiência da emoção é um sinal ao
indivíduo de que suas preocupações estão em questão e quanto maior a intensidade
da emoção, maior a importância dessa preocupação. Desse modo, todas as crenças
que estão subjacentes às preocupações em questão estão provavelmente fortalecidas
pela experiência da emoção.
Forgas (1995; 2000) desenvolveu o modelo de Infusão do Afeto segundo o qual
a informação afetivamente carregada exerce uma influência sobre os processos
cognitivos, participando de deliberações construtivas e modificando os resultados em
uma direção congruente com o humor. Ele sugere que a influência afetiva sobre a
cognição e as crenças é mais bem entendida através de múltiplos processos que
permitem que as pessoas possam usar diferentes estratégias de processamento da
informação em resposta a condições situacionais diversas. O modelo permite identifi­
car quatro estratégias distintas de processamento: Duas dessas estratégias (1) o acesso
direto, que se refere à recuperação direta de informação armazenada, pré-existente e
(2) o processamento motivado, ocorrem quando o pensamento é guiado por uma meta
especifica levando a pessoa a empregar a busca de informação motivada e altamente
seletiva, bem como estratégias de integração designadas para produzir um resultado
preferencial, limitando os efeitos da infusão do afeto. Por outro lado, quando a tarefa
cognitiva requer um grau de processamento construtivo e elaborado, as pessoas adotam
outras estratégias: (3) processamento heurístico, que ocorre quando não se tem cren­
ças computadas nem uma motivação forte para guiá-las e (4) processamento substan­
tivo, que envolve estratégias de processamento elaboradas para chegar a uma respos­
ta. Essas estratégias usam algum grau de pensamento construtivo e permitem que o
afeto influencie os resultados de forma indireta (através de associações por priming;
Forgas, & Bower, 1988) ou direta (quando o afeto é mal atribuído, Schwarz, & Clore,
1988) e aponta que a infusão do afeto sobre as crenças é mais provável quando um
processamento substantivo é empregado, pois envolve selecionar, aprender, interpre­
tar e assimilar uma nova informação dentro de uma base de estruturas de conhecimen­
to pré-existentes. Isso ocorre porque ativar um nó emocional faz com que toda a estru­
tura de memória em que ela está conectada também fique ativada (Bower, 1981; 1991;
Forgas, & Bower, 1988).

A origem das crenças subjacentes ao estado afetivo e aos proces­


sos cognitivos de assimilação e acomodação
Fiedler e Bless (2000) pontuaram que as crenças são estados mentais sensí­
veis à influência de processos afetivos, alegando que elas devem estar localizadas na
interface entre a emoção e a cognição. Um dos pontos cruciais dessa teoria é a premis­
sa de que todo processo adaptativo requer tanto a acomodação como a assimilação.
Para dar sustentação a essa afirmação, eles recorreram à concepção de Piaget (1952)

300 Renata Ferrarez Fernandes Lopes, Maura Ribeiro Alves


que afirma a existência de dois tipos de regulação adaptativa: a assimilação e a acomo­
dação. O processo de assimilação ocorre quando o organismo assimila estímulos
externos através de sua estrutura interna. Esse processo pode ser descrito como um
processo top-down em que o indivíduo impõe suas estruturas e esquemas cognitivos
que foram empregados com sucesso para resolver novos problemas. Esse processo
reflete uma boa noção de auto-confiança e confiança adaptativa em conhecimento pré­
vio, valores e estratégias comportamentais previamente aprendidos. Já na acomoda­
ção o organismo é dirigido ou governado pelas propriedades dos estímulos e é carac­
terizado pela prontidão do organismo em reagir seguramente a demandas ou ameaças
externas. Assim, o processo de acomodação implica prender-se aos estímulos e
atualizar as estruturas internas como uma função das exigências externas.
Evidências que sustentam a visão da assimilação/acomodação vêm de déca­
das de pesquisa na abordagem comportamentalista, demonstrando que aprendiza­
gens prazerosas são caracterizadas por comportamentos de exploração, curiosidade,
auto-eficiência e outros que requerem assimilação (Higgins, 1996; Higgins, Roney,
Crowe, & Hymes, 1994). Por outro lado, comportamentos aversivos são dirigidos por
atenção cautelosa e por aprendizagens de evitação, sendo estes exemplos de funções
acomodativas. Apesar dessa contribuição, o modelo de Fiedler e Bless (2000) estende
o fator situacional como regulador para os estados afetivos internos. O estado emocio­
nal subjetivo do indivíduo é visto como um sinalizador de situações positivas ou negati­
vas e regula os processos de comportamento na direção da assimilação ou acomoda­
ção. Os estados afetivos positivos parecem ativar os processos de assimilação ao
passo que estados afetivos negativos parecem ativar os processos acomodativos.
Outra questão destacada pelos autores é que em qualquer processo cognitivo
há dois componentes que correspondem à acomodação e assimilação: a conservação
e a geração ativa. O processo conservativo significa anotar as informações vindas dos
estímulos externos e da memória interna. Assim, aperfeiçoar o desempenho conservativo
é aumentar a fidelidade ao estímulo, ficar preso aos fatos e minimizar a perda da
informação, o que reflete pura acomodação. Por outro lado, a geração ativa é governada
pelas influências top-down de estruturas de conhecimento pré-existentes. Esse com­
ponente expressa funções assimilativas e gerativas como transformação da informa­
ção, fazer inferências, pensamentos produtivos ou criatividade.
Para concluir, os componentes de assimilação e acomodação estão envolvi­
dos em qualquer processo cognitivo, além do que se torna evidente que estados emo­
cionais positivos parecem encorajar a aplicação de estruturas de conhecimento prévio
para inferir nova informação além dos dados disponíveis. Em contraste, os estados
emocionais negativos parecem induzir um conjunto conservativo para aderir à entrada
cuidadosamente possível da informação.
Fiedler e Bless (2005) enfatizam também que os estados afetivos regulam a
utilização de diferentes mecanismos cognitivos necessários à medida que os indivídu­
os confrontam-se com uma situação problema. Assim, eles precisam selecionar um
mecanismo apropriado, por exemplo, quanto esforço é preciso investir no
processamento da situação tarefa e quanto é necessário confiar no conhecimento pré­
vio ou na ênfase que deve ser dada à informação que chega. Isso posto, parece que o
estado afetivo dos indivíduos pode ter um papel crucial na regulação da abstração do
pensamento.
Isen e Daubman (1984) afirmaram que no afeto positivo ocorre uma organiza­
ção do material cognitivo no qual o indivíduo utiliza categorias conceituais mais amplas

Sobre Comportamento e Cognição 301


e integradas. Nesse caso, a questão geral é que os estados emocionais positivos
estão ligados a um maior nível de representações abstratas e, portanto, sustentam a
regulação assimilativa, ao passo que o afeto negativo serve como função adaptativa
acomodativa. Assim, parece claro que os estados afetivos têm um importante papel na
seleção dos processos cognitivos apropriados para aplicar a cada realidade situacional,

Processos afetivos e cognitivos de assimilação e acomodação


subjacentes às técnicas cognitivo-comportamentais
Considerando que a assimilação é um processo cognitivo pelo qual a pessoa
integra (classifica) um novo dado perceptual, motor ou conceituai às estruturas cognitivas
anteriores e a acomodação é a propriedade de modificar esquemas de assimilação
pré-existentes sob a influência de situações exteriores às quais o organismo está
submetido, pode-se supor que as técnicas cognitivo-comportamentais de avaliação e
modificação de pensamentos/crenças e repertórios comportamentais trabalham tanto
com processos de acomodação, à medida que levam o cliente a buscar evidências no
ambiente, ou seja, a focalizar os estímulos propriamente ditos e a deixarem-se dirigir
pélos dados (processos bottom-up), quanto com processos de assimilação (proces­
sos top-down). Assim, as técnicas cognitivo-comportamentais devem ser escolhidas
considerando essas peculiaridades.
Uma vez que o humor negativo sustenta a função de acomodação (dirigida pelo
estímulo) e o humor positivo suporta a função de assimilação (dirigida pelo conheci­
mento prévio), as técnicas utilizadas terão que levar em consideração a especificidade
de cada processo cognitivo e afetivo, bem como o estilo de processamento da informa­
ção tanto na acomodação (a informação é conservada) como na assimilação (a infor­
mação é transformada). Nesse aspecto, em um humor negativo o trabalho terapêutico
adotado deve se basear em técnicas comportamentais e cognitivas que não exijam
funções cognitivas mais elevadas, como inferências e abstrações. Em outras palavras,
num humor negativo o estado mental da pessoa não está disponível para realizar tare­
fas que demandam pensamento produtivo, inferências e abstrações, logo as técnicas
terapêuticas devem priorizar tarefas dirigidas pelo estímulo. Com esse intuito, as técni­
cas adotadas podem ser de distração e refocalização, técnica da vantagem e desvanta­
gem, monitoração e registro de atividades, exposição graduada, relaxamento e cartões
de enfrentamento.
Em contrapartida, em um humor positivo podem ser utilizadas as técnicas que
exigem um trabalho cognitivo mais complexo, uma vez que, sob esse estado de humor
é possível fazer inferências e abstrações embasadas no conhecimento prévio. Nesse
aspecto, as técnicas adotadas podem ser: questionamento socrático, role-play e registro
de pensamento disfuncional.
A tentativa de obter algumas respostas sobre a relação cognição-emoção for­
necerá uma importante contribuição para a psicoterapia, já que poderá orientar a cons­
trução ou utilização de técnicas de diagnóstico psicológico e de técnicas terapêuticas
apropriadas à condição cognitiva e emocional do paciente.

Considerações Finais
Nas últimas décadas alguns estudiosos sobre processos cognitivos investi­
gam a origem das crenças subjacentes aos processos afetivos e cognitivos. Com base

302 Renata Ferrarez Fernandes Lopes, Maura Ribeiro Alves


nessa revisão, é possível averiguar a importância da emoção como um estado mental
que também contribui fundamentalmente para a compreensão do funcionamento
cognitivo humano. Além disso, vários estudos empíricos mostram que os estados
afetivos têm um forte impacto no estilo de processamento da informação, performance
e representação cognitiva, podendo ser um determinante desses processos.
As evidências empíricas sobre esses efeitos podem ser claramente estendi­
das para a aplicação clínica das técnicas usadas em terapia cognitivo-comportamental,
já que essas técnicas lidam com processos cognitivos, afetivos e comportamentais.
Com base no exposto, salienta-se a importância do aprofundamento de estu­
dos nessa área devido a sua contribuição para a compreensão dos processos cognitivo-
afetivo-comportamentais, assim como a aplicação dos conceitos teóricos no contexto
clínico.

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304 Renata Ferrarez Fernandes Lopes, Maura Ribeiro Alves


Capítulo 30
Atendimento psicológico ao homem que
agride sua parceira
Ricardo da Costa Padovani
UFSCar
Laboratório de Análise e Prevenção da Violência

Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


UFSCar

A violência contra a mulher é um fenômeno complexo que desconhece qual­


quer fronteira de classe social, cultura, nível de desenvolvimento econômico e que
pode ocorrer, tanto no domínio íntimo do lar como no domínio público, em qualquer
etapa da vida (Sinclair, 1985; Saffioti 1997; Soares, 1999). Tal violência envolve as
modalidades psicológica/emocional, física e sexual (Sinclair, 1985; Saffioti, 1997). Difi­
culdades financeiras, desemprego, problemas com a justiça, abuso de álcool e dro­
gas, apresentam-se como fatores de risco, e não devem ser vistos como causas
unilaterais de tal comportamento (Sinclair, 1985; Soares, 1999).
Sinclair (1985) define a violência contra a mulher como a intenção do parceiro
de intimidar, seja por meio da ameaça ou uso da força física direcionada à parceira ou
sua propriedade. O propósito da violência é controlar o comportamento da parceira
pela indução do medo que, freqüentemente, se apresenta de forma intensa, sendo
essa resposta emocional uma das mais comuns entre mulheres vitimizadas. Dessa
constatação, é possível inferir a relação desigual de controle entre agressor e vítima,
variável central deste tipo de abuso. Seguir a parceira, monitorar sua rotina, impedir
que ela faça determinadas atividades e que use determinados tipos de roupas e aces­
sórios, controlar suas amizades, proibir o contato com outros homens se apresentam
como exemplos de violência emocional e deixam «vidente a sensação de posse e
ciúme obsessivo.
Ao analisar o fenômeno da violência contra mulher, Katz (2006) destacou que
as mulheres têm maior probabilidade do que homens de serem assassinadas em
uma relação íntima e a cada ano nos EUA, cerca de 324.000 mulheres experienciam
agressões por parte dos parceiros durante a gravidez. Nessa mesma direção, Adinkrak
(2008) encontrou em seu estudo que mulheres vitimizadas relataram que seus parcei­
ros propositalmente envolveram seus filhos em eventos violentos e durante o período
de fevereiro à abril de 2002, em Gana (África), 13 mulheres foram assassinadas pelos
respectivos parceiros e 6 sofreram tentativas de homicídio. Corroborando os dados de
Sinclair (1985), Adinkrak (2008) relata que os assassinatos das parceiras ocorrem

Sobre Comportamento e Cognição 305


majoritariamente no interior dos lares. No Brasil a taxa de homicídio feminino pelo
parceiro é de 66%, segundo Machado (1998).
Estudos destacam como perfil do agressor conjugal: o histórico de vitimização,
apego inseguro, dependência emocional da parceria, dificuldade em lidar com a auto­
nomia da parceira, vulnerabilidade nas discussões de natureza intima, ciúme excessi­
vo, humor ansioso e/ou depressivo e baixa auto-estima (Padovani, & Williams., 2002;
Holtzworth-Munroe, & Meehan, 2004; Katz, 2006; Reid e cols., 2008).
Pesquisadores têm observado que o agressor conjugal usualmente justifica
sua agressão a causas externas, como por exemplo, a personalidade ou comporta­
mento da parceira, ao estresse ocupacional, desemprego e ao uso de substâncias
psicoativas (Sinclair, 1985; Padovani, & Williams, 2002; Henning, & Holdford, 2006).
Outra característica freqüentemente observada no comportamento do homem
enquanto agressor da mulher é o sentimento de culpa após o episódio de agressão. Tal
comportamento é manifestado por pedidos de desculpas, arrependimentos, juras de
amor, oferta de presentes à parceira e afirmações de que aquela situação nunca mais
acontecerá (Soares, 1999), tendo sido descritos por Walker (1979) como sendo uma
etapa importante do “ciclo da violência”.
A interrupção da violência contra a mulher exige que programas e ações sejam
implementados e, para garantir sua eficácia, avaliados. É importante mencionar que,
diferentemente do Brasil, pesquisas e trabalhos sistemáticos de intervenção com
agressores de suas parceiras vêm sendo amplamente desenvolvidos por pesquisado­
res estrangeiros (Faulkner, Stoltenberg, Cogen, Nolder, & Shooter, 1992; Rynerson, &
Fishel, 1993; Katz, 2006; Contrino, Dermen, Nochajski, Wieczroek, & Navratil, 2007).
Faulkner, & cols. (1992) destacaram a relevância da avaliação empírica de um progra­
ma de tratamento que corrija dificuldades de assertividade e atitudes relacionadas à
intimidade, à reduzida eficácia pessoal, baixa auto-estima e níveis crescentes de hosti­
lidade, de ansiedade, culpa e depressão. 0 ’Leary, Heyman, & Neidig (1999) demons­
traram a eficácia de intervenções em grupos na abordagem cognitivo-comportamental
para agressores conjugais.
No Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (LAPREV), vinculado ao
Departamento de Psicologia da UFSCar, equipe composta por pesquisadores e alunos
de graduação e pós-graduação vem trabalhando de forma sistemática, tanto com as
vítimas (mulheres e crianças) quanto com agressores conjugais. Nessa direção, o
artigo de intervenção com um agressor conjugal publicado por Padovani, & Williams
(2002) se apresentou como pioneiro na literatura cientifica brasileira da área. Mérito
semelhante foi verificado no artigo descrevendo uma intervenção em grupo com
agressores conjugais, desenvolvido por Cortez, Padovani, & Williams (2005).
O estudo de Padovani e Williams (2002) com um agressor conjugal que apre­
sentava um grave histórico de agressão à parceira baseou-se em um modelo cognitivo-
comportamental. Os resultados indicaram uma diminuição expressiva da agressão, sen­
do que houve apenas um episódio de agressão de menor gravidade no decorrer da
intervenção, acompanhados de uma total remissão no follow-up realizado dois meses
após o término da intervenção. Foi verificada, também, uma melhoria da auto-estima,
melhoria das estratégias de autocontrole e manejo da raiva (Padovani, & Williams, 2002).
Resultados semelhantes foram encontrados na intervenção em grupo com
agressores conjugais relatada por Cortez, Padovani, & Williams (2005), no que se refe­
re à diminuição de episódios de violência, melhoria das estratégias de auto-controle,
manejo da raiva e emprego de time-out. É importante ressaltar que em tal estudo a

306 Ricardo da Costa Padovani, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


redução da violência foi confirmada em instrumento aplicado nas parceiras após a
intervenção em grupo de seus parceiros, sendo tais resultados mantidos nas três
entrevistas de Follow-up com as mesmas. O desenvolvimento de tais intervenções vem
demonstrar que o trabalho com o agressor é possível, sendo uma questão fundamental
no processo de prevenção e combate à violência contra a mulher.
O presente estudo tem como objetivo apresentar o relato de experiência clínica
de terapeutas cognitivo-comportamentais no atendimento do homem que agride sua
parceira. Serão apresentados dois estudos de caso de caso conduzidos individual­
mente no Programa da Saúde da Mulher da Unidade Saúde Escola (USE), ambulatório
da Universidade Federal de São Carlos. Tais atendimentos foram realizados por estagi­
ários do curso de Graduação em Psicologia, sendo supervisionados pelos autores.

Método

Triagem:
Os participantes foram encaminhados ao atendimento psicológico por inter­
médio das parceiras que estavam recebendo psicoterapia realizada por estagiárias do
curso de Psicologia da UFSCar, sendo tal estágio oferecido desde 1998 (Williams,
2001a). O estágio era inicialmente oferecido inicialmente na Delegacia de Defesa da
Mulher de São Carlos, sendo que a partir de 2006 passou a ser ofertado na USE. Deve-
se ressaltar que a parceira do Participante 1, ao observar os benefícios do atendimento
psicológico e verificar a relevância de seu parceiro também ser atendido fez-lhe tal
convite. Já a parceira do segundo Participante foi encaminhada ao atendimento pela
equipe da USE na qual recebia atendimento na área de saúde em decorrência de
problemas de fibromialgia e sintomas depressivos, sendo encaminhada ao LAPREV
após a constatação de episódios graves de violência (ameaças) em sua relação afetiva

Participantes:
Participaram do atendimento dois homens que agrediram suas parceiras aten­
didas pelo Programa da Saúde da Mulher/USE.
Local de Atendimento:
Sala de atendimento da USE da UFSCar.
Considerações éticas:
Ao buscar um atendimento na USE, o individuo é informado que as informa­
ções obtidas são confidencias e sigilosas, podendo ser utilizados para fins científicos.
O seu consentimento em participar do programa é formalizado pela assinatura do Ter­
mo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimento
O procedimento do atendimento terapêutico foi fundamentado no modelo
terapêutico cognitivo comportamental e baseou-se nos trabalhos de Rynerson e Fishel
(1993), 0 ’Leary, Heyman, & Neidig (1999), Sinclair (1985), Padovani, & Williams (2002)
e Cortez, Padovani, & Williams, (2005). As sessões eram semanais e tinham duração
de uma hora, sendo conduzidas pelo primeiro autor.
As estratégias e técnicas cognitivo-comportamentais foram: definição de vio­
lência, responsabilização pela violência, discussão do fenômeno da violência contra

Sobre Comportamento e Cognição 307


mulher, informações sobre o “ciclo da violência” (Walker, 1979), características de um
relacionamento violento, sinalizadores da emissão do comportamento violento, análise
de conseqüências, análise de crenças e pensamentos disfuncionais, estratégias de
time-out, manejo de raiva, ansiedade e depressão, relaxamento, estabelecimento de
rede de apoio e tarefas de casa.
Na técnica de time-out era explicitado aos participantes que, no momento em
que percebessem que poderiam perder o controle (agindo, portanto, de maneira agres­
siva) poderiam, por exemplo, sair de casa, tomar um banho e/ou conversar com um
amigo para evitar o agravamento da situação problema. Em tal momento era enfatizado
a importância da auto-observação (por exemplo, tom da voz, gesticulações, movimenta­
ção, batimentos cardíacos) para detectar estímulos discriminativos e, portanto, indicativos
de um comportamento agressivo (verbal e/ou físico). No término da atividade era discu­
tida a relevância dessa habilidade no manejo de situações problemas e, conseqüente­
mente, na adequação social. Era, também, ressaltada a importância dessa prática na
vida cotidiana, sendo dadas orientações de tarefas de casa envolvendo as novas práti­
cas. No início de cada sessão o terapeuta (primeiro autor) verificava as tarefas de casa,
perguntando quais técnicas trabalhadas haviam sido empregadas e respectivos resul­
tados conforme Cortez, Padovani, & Williams (2005).
Instrumentos utilizados na coleta de dados:
a) Roteiro de Entrevista Individual com Agressor (Williams, 2003), recolhidas
nas semanas iniciais do grupo para descrever o perfil dos participantes. Tais
entrevistas coletavam informações sobre dados pessoais, estado emocionai e
de saúde, histórico familiar e dinâmica do relacionamento conjugal.
b) Auto-relato semanal do participante sobre a freqüência e intensidade das
agressões, obtido durante as sessões semanais. Adicionalmente, os terapeutas
anotavam os relatos que indicavam a utilização de estratégias trabalhadas na
intervenção, permitindo acompanhar o desenvolvimento dos participantes.
c) Inventário de Ansiedade Beck -BAI (Beck, 2001). O inventário é constituído por
21 itens que investigam sintomas comuns de ansiedade, sendo avaliados pelo
participante com referência a si mesmo.
d) Inventário de Depressão de Beck-BDI (Beck, 2001). Trata-se de uma escala
de auto-relato que contém 21 itens. Os itens do BDI se referem a sintomas
cognitivo- afetivos e sensações somáticas e de desempenho.

Resultados e Discussão
A Tabela 1, a seguir, traz uma descrição dos participantes. A Tabela 1 indica que o
Participante 2 é mais jovem, possui maior escolaridade, é solteiro e segurança como
profissão. Quanto à ocupação, verificou-se que o Participante 1 foi afastado pelo INSS em
função de problemas de saúde desenvolvidos em decorrência da sua profissão de pedrei­
ro. O Participante 1 passava a maior do tempo em casa ajudando a parceira nos afazeres
domésticas. Relatou, ainda, que gostava de dividir as tarefas domésticas com a esposa.
Ainda em relação ao perfil dos participantes, deve-se ressaltar que o Partici­
pante 1 fazia uso de bebidas alcoólicas de maneira excessiva até iniciar o atendimento
psicológico. O Participante 2 fez uso de álcool e drogas no passado. Deve-se mencio­
nar que o Participante 2 morava sozinho, assim como sua parceira.
Com relação à adesão dos participantes, P1 não faltou em nenhuma sessão ao
longo das 12 realizadas. Já P2 teve três faltas não justificadas ao longo de 11 sessões. O

Ricardo da Costa Padovani, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


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Participante 2 abandonou o atendimento na oitava sessão após um episódio em que


discutiu com a parceira no estacionamento da USE, sendo que tal episódio foi presenci­
ado por diversos funcionários da saúde e pelo primeiro autor. Deve-se ressaltar que
previamente a esse episódio, o casal vinha indicando melhoria na relação amorosa
(diminuição das agressões verbais e físicas). Hipotetiza-se que o participante tenha aban­
donado temporariamente o atendimento por ter ficado com vergonha, uma vez que com­
portou-se de modo agressivo em público. Dois meses após o referido evento, o partici­
pante fez contato via telefone com o primeiro autor e retornou ao atendimento.
No que se refere às agressões, durante a infância e adolescência, ambos os
participantes relataram ter sido vítimas de maus-tratos pelos pais. P1 relatou que rece­
beu uma disciplina rígida e que o pai e a mãe o agrediam muito. Lembrava-se de um
episódio em que apanhou do pai de cinta e que a mãe dera banho de salmoura para
aliviar a dor, complementando: "o velho era cruel” As agressões por parte da mãe eram
mais brandas, restritas a chineladas.
P2, por sua vez, relatou que o relacionamento com a mãe era muito bom, mas
não com o pai já que quase não se falavam. Afirmou que a disciplina era rígida e que o
pai era um “sargentão”, que o agredia de cinta. Ao contrário de P1, P2 relatou que seu pai
agredia a mãe e que ele presenciava os episódios de agressão. Nos dois casos, é
possível constatar o fenômeno da intergeracionalidade da violência, aspecto ampla­
mente discutido por estudiosos da área (Sinclair, 1985; Saffioti, 1987). Ter sido vítima de
violência na infância criou condições para a modelagem do uso da violência nas rela­
ções nas quais se apresenta uma assimetria de poder entre as pessoas. P2, além de
ter sido vítima de maus tratos paternos (tal como P1) era uma criança exposta à violên­
cia, assistindo o pai agredir a mãe.
P1 relatou que era agressivo verbalmente em seu relacionamento com a par­
ceira e que os episódios de agressão eram praticamente diários. Acrescentou que
suas agressões normalmente aconteciam em função do uso excessivo de bebidas
alcoólicas. Adicionalmente destacou que não apresentava comportamentos agressi­
vos direcionados aos filhos ou a terceiros, dado corroborado pela parceira. Para evitar
episódios de agressão física, P1 saía de casa, comportamento reforçado pela parceira.
Deve-se ressaltar que sua parceira jamais o denunciara na Delegacia de Defesa Mu­
lher (DDM). Adicionalmente, a boa relação que P1 tinha com os familiares da esposa
configura-se como mais um elemento de proteção. O cliente acrescentou que, diante de
qualquer necessidade, podia recorrer ao sogro que se mostrava uma boa pessoa.

Sobre Comportamento e Cognição 300


P2, por sua vez, era agressivo tanto emocionalmente quanto fisicamente. As
agressões de P2 eram de natureza grave. Relatou que em uma dada situação, anterior
ao tratamento, foi necessária a internação da parceira em decorrência de agressões
físicas. A parceira de P2 já o havia denunciado à DDM por agressões e ameaça de
morte. Os episódios de agressão ocorriam normalmente no interior da casa da parcei­
ra, corroborando os dados da literatura (Sinclair, 1985), sendo que após os episódios
de agressão P2 se evadia. Cabe lembrar que o fato de se evadir e não prestar socorro
constituem fatores de risco adicionais à integridade física da parceira. P2, também, era
agressivo nas demais relações sociais, reconhecendo que era uma pessoa violenta e
que tinha dificuldades em manter o autocontrole, quando estava com raiva. P2 relatou
que já havia se envolvido em brigas de trânsito, agressões a terceiros e destruição do
patrimônio privado por sentir ciúmes da parceira. O ciúme excessivo tem se apresenta­
do como um fator de risco à violência fatal (Buss, 2000; Adinkrak, 2008).
É interessante observar que ambos os participantes relataram sentir culpa
após os episódios de agressão, corroborando os dados da literatura no que se refere
ao perfil do agressor conjugal (Walker, 1979; Sinclair, 1985, Padovani, & Williams, 2005;
Cortez, Padovani, & Williams, 2005). Em uma ocasião, o Participante 2 ajoelhou-se e
pediu perdão à parceira, afirmando que não voltaria a agredi-la. Entretanto, apesar de tal
pedido, conforme os achados da literatura (Walker, 1979; Sinclair, 1985, Katz, 2006),
novos episódios agressivos voltaram a ocorrer.
P2 relatou gostar “muito” da parceira e que quando ela decidia interromper o
relacionamento sentia-se desamparado, não sabendo como se comportar. O partici­
pante acrescentou que, nessas ocasiões, sentia como se estivesse “sem chão”. A
dependência emocional extrema da parceira pode predispor o homem a avaliar os
conflitos interpesssoais, principalmente no que se refere à autonomia da parceira,
como uma ameaça à sua segurança emocional e, portanto, tem se apresentado como
um fator de risco à violência (Murphy, Meyer, & 0 ’Leary, 1994).
Analisando-se a tipologia do agressor, conforme proposto por Holtzworth-
Munroe, & Meehan (2004), pode-se inferir que o Participante 1 se enquadra na tipologia
do agressor que fica restrito a agressões no interior das relações íntimas, apresentan­
do menor severidade e freqüência; já P2 se enquadra na tipologia que envolve a gene­
ralização do comportamento agressivo para diferentes contextos, sendo, normalmente,
os episódios de violência mais graves e freqüentes.
A Figura 1 apresenta o desempenho dos participantes no Inventário de Depressão
de Beck (BDI) e no Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) no início e final da intervenção.
A Figura 1 mostra uma redução expressiva dos escores de ansiedade e de­
pressão do Participante 1 ao longo da fase de intervenção. Na fase inicial do atendimen­
to, o cliente indicou depressão moderada (32 pontos ) e ansiedade grave (37 pontos).
Já na fase final indicou ausência de depressão (10 pontos) e ansiedade leve (15 pon­
tos). Corroborando os dados da literatura, a intervenção se mostrou uma estratégia
eficaz no manejo da ansiedade e da depressão para Participante 1 (Padovani, & Williams,
2002; Cortez, Padovani, & Williams, 2005).
Ao longo do processo terapêutico, o comportamento emitido pelo Participante 1
criou condições favoráveis à mudança tanto na esfera cognitiva quanto comportamental,
a saber: passou a seguiu regras e orientações terapêuticas (refrear-se de emitir com­
portamentos agressivos, sair de casa quando ficava nervoso, pensar nas conseqüênci­
as de seus atos agressivos), ficando sensível às contingências sinalizadores do ambi­
ente que favoreciam respostas emocionais intensas, passando também a observar e
avaliar as conseqüências de novos padrões comportamentais (sair de casa, não agre­
dir verbalmente esposa e terceiros). P1 desenvolveu a seguinte auto-instrução para se
controlar: “Eu vou ficar calmo, eu não vou perder o controle, Deus me ajude”.

310 Ricardo da Costa Padovani, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


i.i ;K: Í

Adicionalmente, o Participante 1 relatou uma diminuição na freqüência das


discussões, informando que estava mais afetuoso e que seus entes queridos estavam
percebendo que estava mais calmo. Verbalizou que sua esposa dizia que ele antes
“parecia um cavalo” e que agora era um novo homem. Acrescentou que “as coisas
melhoraram 100%” e que estava bem mais calmo. Segundo o cliente “se ficar nervoso
e estressar, só vou piorar as coisas”. O participante 1 recebeu alta do atendimento e
avaliou positivamente o atendimento recebido.
Assim como o Participante 1, o Participante 2 indicou depressão moderada (32
pontos) na fase de pré-teste. Apesar de não haver dados iniciais referentes à mensuração
da ansiedade de P2, os dados coletados permitem supor que o Participante 2 apresen­
tava níveis elevados de ansiedade (sentia-se ameaçado, tinha dificuldade de controlar
a raiva e manejar situações que geravam frustrações, apresentava dificuldades em
lidar com a autonomia da parceira e controlava as atividades da parceira). Após a 12°
sessão, houve uma nova crise na qual P2 veio a sofrer uma tentativa de homicídio por
parte do irmão de sua parceira que, a pedido da irmã, buscou intimidá-lo, ameaçando
matá-lo com uma arma de fogo. Ao sair em fuga de carro (P2), o irmão da parceira
desferiu tiros em sua direção, felizmente, não o atingindo. P2 chamou a polícia e o irmão
da parceira foi, conseqüentemente, preso. P2 relatou que decidiu por fim no relaciona­
mento, dado que os riscos de tentar manter a relação eram elevados para ambos.
Acrescentou que não continuaria o atendimento, não sendo possível replicar os instru­
mentos. Deve-se ressaltar que foi destacada a relevância da continuidade do atendi­
mento e que P2 poderia entrar em contato com o primeiro autor se desejasse retormar
o atendimento psicoterápico.
Durante o atendimento, P2, reconheceu que apresentava uma dependência
emocional extrema da parceira (“eu estou vivendo em torno dela. Ela está sempre pisan­
do em mim’), discriminou que, por idealizá-la, isso favorecia seu comportamento agres­
sivo, conseguiu emitir resposta de autocontrole diante de uma situação que, segundo
ele, normalmente acarretaria em agressões (não agrediu um vendedor de carros, após
identificar um problema no motor do carro que havia comprado há poucos dias), não
emitiu uma resposta violenta ao saber que sua parceira tinha se envolvido com outro
homem enquanto estavam juntos. A aproximação afetiva dos pais que moravam em
outra cidade favoreceu a ampliação da rede de apoio do participante
Adicionalmente, ao ser vítima da referida tentativa de homicídio, P2 conseguiu
controlar-se, buscando ajuda policial para solucionar o problema e discriminando que

Sobre Comportamento e Cognição 311


a separação seria a melhor situação. Portanto, observou-se uma diminuição do com­
portamento de negação e minimização do comportamento violento quando comparado
com a fase inicial do processo psicoterapêutico. Entretanto, o comportamento de
chantagear emocionalmente e intimidar a parceira, via indução do medo, ainda, se
mostravam presentes. Tais comportamentos se mostravam presentes, principalmente
nas situações nas quais considerava a possibilidade de perda do relacionamento
Deve-se ressaltar que o fato do Participante 2 decidir interromper o processo
psicoterapêutico após a separação da parceira pode, além de impossibilitar o trabalho
em outras esferas de ordem cognitiva e comportamental disfuncionais, pode constituir
um risco para a manutenção dos ganhos terapêuticos observados, aspecto discutido
na referida ocasião com o participante.

Considerações Finais
A presente narrativa de dois estudos de caso vem demonstrar a relevância de
um atendimento especializado para o homem que agride sua parceira. Nessa direção,
desenvolver ações que venham contribuir ao combate e prevenção da violência contra
mulher se apresenta como uma questão prioritária no plano nacional. Conforme desta­
cou Williams (2001b) nenhum Direito Humano é tão desrespeitado quanto o direito à
integridade física, psicológica e sexual da mulher. Trata-se de crime silencioso e escon­
dido que normalmente ocorre no interior dos próprios lares, distante de qualquer teste­
munha (Sinclair, 1985), com efeitos nocivos para a saúde física e emocional da mulher
e do agressor.
Contribuindo com o processo de prevenção da violência contra a mulher, a Lei
n°. 11.340 de 07 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, considerada
um avanço no campo jurídico, passou a tipificar e definir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, entre outras determinações, retirou dos juizados especiais criminais a
competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher, criou condi­
ções para decretar a prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou
psicológica da mulher, além de possibilitar que o juiz determine o comparecimento
obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação (Brasil, 2006). Por­
tanto, ações que venham promover a melhoria das condições de vida e saúde da mu­
lher e favorecer a redução da morbidade e mortalidade feminina, especialmente por
causas evitáveis, são urgentes e necessárias.

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312 Ricardo da Costa Padovani, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


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Sobre Comportamento e Cognição 313


Capítulo 31
Análise do Comportamento Verbal
Relacionai e algumas
implicações para a Clínica
Analítico-Comportamental
Roberta Kovac1
Denis Roberto Zamignani2
Alessandra Lopes Avanzi3

Paradigma Núcleo de Análise do Comportamento

"Quando nós publicamos pesquisas comportamentais, nós não estamos autori­


zados a comunicar a emoção, a poesia ou a alegria que são produtos do processo
de descoberta. Apesar disso, são estes, entre outros, nossos reforçadores mais
potentes. O reconhecimento explícito de acompanhamentos emocionais do
pesquisar pode ajudar a atrair estudantes para a análise experimental do compor­
tamento. (Sidman, 2007, p.309j 4

O trabalho do terapeuta analítico-comportamental parte de uma visão de ho­


mem fundada nos pressupostos do Behaviorismo Radical de Skinner. De acordo com
essa corrente filosófica, o referencial para a compreensão dos comportamentos com­
plexos que encontramos na prática clínica é o modelo de seleção por conseqüências.
Tal Modelo descreve uma relação na qual o indivíduo age sobre o ambiente, o modifica
e é modificado pelo produto de sua ação (Skinner, 1957).
Ainda, de acordo com esse Modelo, qualquer instancia comportamental é re­
sultado da confluência de três histórias, três níveis de determinação (Andery, 1997,
Matos, 1997). O primeiro destes níveis é a história de seleção filogenética, a partir da
qual foram selecionadas características específicas da espécie. São produto deste
nível de seleção aspectos anatômicos, fisiológicos e também padrões comportamentais.

1Psicóloga Clínica, Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela PUCSP. Professora e Supervisora do curso de
Especialização em Clínica Analítico-Comportamental do Paradigma - Núcleo de Análise do Comportamento. Endereço para contato.
robertakovac@nudeoparadigma.com.br
2Psicólogo Clínico, Doutorem psicologia clínica pela Universidade de São Paulo. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do C o m p o r ta m e n to
pela PUCSP. Professor e Supervisor do curso de Especialização em Clínica Analítico-Comportamental do P a r a d ig m a - N ú c l e o d e Análise do
Comportamento. Endereço para contato: denis@nucleoparadigma.com.br
3Psicóloga Clínica, Mestre em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Professora e supervisora do curso de E s p e c ia h z a ç a o
em Clínica Analítico-Comportamental do Paradigma - Núcleo de Análise do Comportamento. Endereço para contato: p ic k y 0 2 @ u o l. c o m . b r
4 When wepublish behavioral research, wearenotallcwedtocommunicatethethrill, thepoetry, ortheexhHaration thatare outcomes ofthe discovery^
process. Yet, these are among our mosi potent reinforcers. Explicit recognition ofthe emotional accompaniments to research could heip anr3Cl
students into the experimental analysis o f behavior.

314 Roberta Kovac, Denis Roberto Zamignani, Alessandra Lopes Avanzi


Entre os padrões adquiridos neste primeiro nível de seleção, encontram-se a sensibi­
lidade à aprendizagem por meio de imitação, por condicionamento reflexo e a
suscetibilidade aos eventos ambientais, seja no que se refere às conseqüências (ca­
pacidade do organismo ser sensível às alterações que produz no mundo), seja com
relação aos estímulos antecedentes (capacidade de responder aos aspectos do ambi­
ente associados a episódios de aprendizagem operante ou respondente - Andery, 1997).
O segundo nível de seleção é denominado nível ontogenético, e diz respeito ao
repertório de comportamentos aprendido ao longo da vida do indivíduo, moldado a partir
das possibilidades infinitas de interação com o mundo físico (Andery, 1997).
Uma vez que o ser humano está inserido em um mundo que é eminentemente
social, tal história de aprendizagem inclui necessariamente outros seres humanos,
também em interação com o ambiente, do qual este indivíduo faz parte. Estas interações,
que têm um caráter social, ampliam as possibilidades de interação com o ambiente e
as chances de responder ao mundo físico de forma satisfatória, garantindo a sobrevi­
vência do indivíduo e do grupo (Andery, 1997). Com o advento do comportamento verbal,
estas interações com o mundo físico e com outros indivíduos são ampliadas ainda
mais, rompendo as limitações físicas e espaciais para a aprendizagem. O comporta­
mento verbal dá origem às práticas culturais que, além de organizar o funcionamento do
grupo e suas estratégias para o manejo do ambiente físico, estabelecem as normas
para a interação entre os indivíduos. A Cultura - as praticas culturais - constitui o 3o nível
de seleção por conseqüências.
É também o comportamento verbal que possibilita a construção do
autoconhecimento, o qual se dá a partir da interação com uma comunidade verbal, que
ensina o indivíduo a responder verbalmente sob controle de aspectos de seu organis­
mo e de seu próprio comportamento. E uma vez que essa comunidade ensina o indiví­
duo a interagir verbalmente com seu mundo privado, ela dá origem ao que conhecemos
como subjetividade. É a interação do indivíduo com a comunidade verbal e suas práti­
cas culturais que propicia a construção do eu, do self, processo intima e diretamente
relacionado à psicoterapia.
O modelo de seleção por conseqüências, portanto, dá unidade ao sistema
conceituai do behaviorismo radical, abarcando de maneira consistente todos os níveis
de interação do indivíduo com o ambiente (Micheletto e Sério, 1993). E é este o modelo
filosófico que embasa o olhar do terapeuta analítico-comportamental para o seu cliente.
Assumimos, portanto, que os padrões comportamentais complexos de interação
com os quais o terapeuta se depara na clínica, são fenômenos (1) multideterminados;
(2) controlados por suas conseqüências; (3) produtos da interação de variáveis de três
histórias de seleção: a história da espécie, a história de seleção de repertório do indiví­
duo e a história das práticas da cultura na qual o indivíduo está inserido. É por definição,
incompatível com esse ponto de vista, “a idéia de uma cadeia causai unidirecional e
mecanicista, sendo o comportamento entendido como uma malha de relações de caráter
interacionista e histórico” (Matos, 1995).
Partir do modelo de seleção por conseqüências implica em reconhecer que
nenhum nível de determinação é mais importante ou se sobrepõe ao outro (Micheletto
e Sério, 1993). Entretanto, quando o assunto em questão é a psicoterapia, algumas
questões relacionados ao sofrimento psicológico tornam de primordial interesse a
análise e a compreensão de um destes três níveis. Entende-se o sofrimento (psicológi­
co) como uma experiência reservada aos seres humanos verbais, uma vez que, des­
crever e analisar a experiência vivida, assim como olhar para sua própria história e

Sobre Comportamento e Cognição


antecipar um sofrimento futuro é uma experiência eminentemente verbal (Wilson e
Soriano, 2002). Tal constatação aponta para o comportamento verbal como algo que
produz a diferenciação do humano com relação às outras espécies, mas que é também
a base do sofrimento psicológico (Hayes, Stroshal e Wilson, 1999).
Assim, o comportamento relacionado ao sofrimento clínico envolve, necessari­
amente, relações verbais. Adquirem importância impar questões relacionadas ao ter­
ceiro nível de seleção, especialmente no que se refere ao comportamento verbal. “Sem
o 3o nível de seleção é impossível discutir-se a construção da subjetividade” (Andery
1997).
É importante ressaltar que a interação que ocorre na clínica - eminentemente
verbal - e o objeto de análise e intervenção do terapeuta analítico-comportamental, a
subjetividade, independem do setting no qual a prática terapêutica é desenvolvida. O
fato de o terapeuta se deslocar do consultório a outros ambientes em busca de ampliar
as possibilidades de interação e de desenvolvimento de repertório (Zamignani, Kovac e
Vermes, 2007), não o impede, nem o exime, de interagir verbalmente com seu cliente,
nem de considerar a natureza verbal do sofrimento em questão. Assim, mesmo em
contexto extraconsultório, a construção de novas possibilidades de interação do indiví­
duo com seu ambiente é perpassada necessariamente por interações verbais, impon­
do, também nesse contexto, a necessidade de compreensão deste tipo de fenômeno
para o desenvolvimento de uma prática consistente.
Tendo sido apresentados esses pressupostos, o presente artigo tem como
objetivo levantar algumas contribuições advindas das áreas de pesquisa sobre com­
portamento verbal, controle de estímulos, relações de equivalência e quadros relacionais
especialmente na compreensão do o responder relacionai arbitrário, para o entendi­
mento das relações comportamentais que ocorrem na clínica analítico-comportamental.

Extensão do estudo sobre controle pelos estímulos para o entendi­


mento do comportamento verbal
De acordo com Skinner (1953), nosso conhecimento do mundo e de nós mes­
mos é produto das contingências estabelecidas pela comunidade verbal. As culturas
em geral, e os grupos sociais em particular, podem estabelecer contingências que
levem seus membros a fazer contato com diferentes aspectos dos estímulos de seu
ambiente externo e interno.
Para^que o individuo venha a conhecer algum aspecto do mundo, é necessário
que ele aprenda a responder verbalmente a este aspecto. Uma das contribuições da
Análise do Comportamento nesse sentido advém dos estudos sobre controle pelo
estímulo. Tal linha de estudos tem demonstrado como o controle de estímulos é modi­
ficado através da história de contingências de reforço (de Rose, 2005). Uma análise de
controle de estímulo implica na determinação dos aspectos ou componentes dos estí­
mulos que exercem controle sobre o responder (tanto verbal como não verbal).
O avanço nas pesquisas sobre controle de estímulos tem permitido verificar
que é possível que um indivíduo responda sob controle de aspectos do mundo (estímu­
los) sem nunca ter sido diretamente reforçado na presença deles e sem que estes
estímulos mantenham alguma relação de similaridade física entre si. Tal p o s s i b i l i d a d e
se caracteriza como um comportamento controlado por relações entre estím ulos
dissimilares arbitrariamente relacionados (símbolos e seus referentes) e substituíveis
entre si (ou seja, equivalentes). Palavras e outros símbolos, por exemplo, mantém uma

316 Roberta Kovac, Denis Roberto Zamignani, Alessandra Lopes Avanzi


relação de substitutabilidade com eventos aos quais são arbitrariamente relacionados
(Sidman, 1994), de tal maneira que o símbolo e seu referente podem exercer a mesma
função no controle de repertórios específicos do organismo (Barros et al., 2005).
Na década de 70 iniciou-se uma fecunda linha de estudos sobre como estímulos
arbitrariamente relacionados podem se tornar substituíveis. Este fenômeno foi nomeado
de formação de classes de equivalência (Sidman, 1971; Sidman e Tailby, 1982). O estudo
pioneiro de Sidman (1971) tinha como proposta verificar se estímulos relacionados con­
dicionalmente, no contexto do procedimento de escolha de acordo com o modelo, se
tornariam equivalentes. Para isso, algumas relações condicionais arbitrárias entre estí­
mulos forma ensinadas e relações não ensinadas, mas esperadas caso os estímulos
relacionados condicionalmente tivessem se tornado equivalentes foram testadas e
verificadas. O conceito de relações de equivalência implica que todos os elementos rela­
cionados por equivalência são intercambiáveis entre si (Barros et al., 2005).
De acordo com proposição teórica de Sidman (2000) sobre a origem das rela­
ções de equivalência, estas são produto direto de contingências de reforçamento, ou
seja, decorrem diretamente da interação dos organismos com conjuntos de eventos
que estão relacionados (ou são interdependentes) na produção de reforçadores. As
classes são inferidas por meio da demonstração da existência de relações de controle
intercambiáveis entre eventos arbitrariamente relacionados (incluindo-se aí estímulos
discriminativos, respostas e reforçadores) nas contingências de reforçamento. Essas
relações se tornam efetivas quando o organismo interage com contingências particu­
larmente programadas de maneira a dividir em classes especificas uma variedade de
elementos originalmente não relacionados entre si, ampliando assim, as possibilida­
des de relações não treinadas diretamente emergirem.
Um exemplo desse processo é representado na Figura 1: por meio de treinos
de discriminações condicionais, quatro relações entre estímulos são ensinadas (A1,B1;
A2,B2; B1,C1 e B2,C2). Deste treino inicial, emergem quatorze novas relações, além
das originalmente ensinadas, que passam a exercer controle sobre o responder, a
saber: (A1,A1); (B1, B1); (C1, C1); (A2, A2); (B2,B2); (C2.C2); (B1,A1); (C1,B1); (B2.A2);
(C2,B2); (A1,C1); (A2,C2); (C1,A1); (C2,A2). Mais: se considerarmos que, a partir deste
treino original, passam a exercer controle sobre o responder (passam a ser elementos
da classe de equivalência), não apenas os estímulos condicionais e estímulos
discriminativos presentes na ocasião do treino, mas também as respostas e os
reforçadores que compõem o episódio de aprendizagem, pode-se gerar 38, 44, 50
novas relações, que não foram diretamente treinadas (Sidman, 2000).
Destaca-se, a partir das proposições de Sidman (2000), a enorme ampliação
nas possibilidades de análise de eventos complexos que o paradigma da equivalência
possibilita. A partir do conceito de classe de equivalência, a distinção entre Estímulos e
Respostas, praticamente, desaparece. A relação unidirecional entre o estímulo e a res­
posta (presente na representação da tríplice contingência) é produto da proximidade
temporal e da relação causai que, para o autor, não são relevantes quando observamos
relações de classe de equivalência. Tal discussão nos remete diretamente à complexi­
dade dos comportamentos relacionais, produtos deste processo de relação atemporal
e não linear.
Os estudos de Sidman (1971, 1994, 2000) abrem a possibilidade de interpreta­
ção de comportamentos complexos como produtos de relações não diretamente apren­
didas na história de cada sujeito e trazem inúmeras possibilidades para a aplicação, a
princípio na área de ensino e, nos últimos anos, estendidas para a área clínica.

Sobre Comportamento e Cognição 317


Figura 1: Adaptado de Sidman (2000). Contingências de quarto termos (discriminações condicionais
AB e BC) com respostas (Rsp1 e Rsp2) e reforçadores (RF1 e Rf2) específicos das contingências.
X representa estímulos, respostas ou reforçadores indefinidos. Quadros em destaque indicam os
pares de eventos adicionados às relações de equivalência quando se consideram ambos - respostas
e reforçadores específicos das contingências. As relações de equivalência que emergem a partir
deste treino são: (A1, B1), (B1, C1), (A2, B2), (B2, C2), (A1.A1), (B1, B1), (C1, C1), (A2, A2), (B2,
B2), (C2, C2): (B1, A1). (C1, B1), (B2, A2); (C2, B2), (A1, C1), (A2, C2), (C1, A1), (C2, A2), (rf1, rf1):
(rf2, rf2), (A1, rf1), (B1, rf1), (C1, rf1), (A2, rf2), (B2, rf2), (C2, rf2), (rf1, A1), (rf1, B1), (rf1, C1),
(rf2, A2), (rf2, B2), (rf2, C2), (rspl, rsp1), (rsp2, rsp2), ( A l rspl), (B1, rsp1), (C1, rsp1), (A2, rsp2),
(B2, rsp2), (C2, rsp2), (rspl, A1), (rspl, B1): (rspl, C1), (rsp2, A2), (rsp2, B2), (rsp2, B2), (rsp2,
B2), (rsp2, C2), (rf1, rspl), (rf2, rsp2), (rspl, rf1), (rsp2, rf2).

318 Roberta Kovac, Denis Roberto Zamignani, Alessandra Lopes Avanzi


A importância dos estudos de equivalência para o entendimento dos fenôme­
nos clínicos decorre do entendimento de comportamentos simbólicos, os quais são
essenciais para a compreensão do comportamento verbal. A atividade simbólica teria,
então, como base, um processo de formação de classes de equivalência entre estímu­
los arbitrariamente relacionados (Sidman 2000). Vale ressaltar, no entanto, que a pos­
sibilidade de aplicação direta das descobertas das pesquisas de equivalência na prá­
tica clínica é ainda um exercício de interpretação.
Baseados inicialmente nos estudos de Sidman sobre equivalência de estímu­
los, Hayes, Barnes-Holmes, e Roche (2001) propuseram a teoria dos quadros relacionais
(Relational Frame Theory - RFT) que visa ampliar a explicação acerca do comporta­
mento relacionai derivado e do comportamento verbal. O foco central da RFT (Hayes,
2004) é a habilidade de aprender a relacionar eventos sob controle contextual arbitrário.
A RFT parte do pressuposto de que as relações derivadas entre estímulos são
comportamentos aprendidos operantes. De acordo com Hayes e cols. (2001), organis­
mos podem aprender a responder relacionalmente a objetos cuja relação é definida,
não por propriedades físicas dos objetos, mas por alguns aspectos da situação. O
responder relacionai é produzido, em parte, por uma história apropriada de múltiplos
treinos exemplares, “ao longo de uma variedade de contextos situacionais que refinam
a natureza da resposta e a origem do controle de estímulos sobre ela” (Hayes & cols.,
2001, p. 25). Neste treino, o indivíduo é exposto a situações nas quais ele aprende a
responder discriminativamente (via reforçamento diferencial) a aspectos relevantes (res­
ponder a um evento com relação a outro, com base em dicas contextuais) e irrelevantes
(meras propriedades físicas dos objetos) da tarefa. Tal processo, que estabelece as
relações entre a classe de respostas e os aspectos do contexto que passam a exercer
controle sobre ela, é chamado de abstração. Uma vez abstraída a “chave contextual”, ou
seja, uma vez estabelecido o controle contextual sobre a classe de respostas, tal contro­
le é aplicado a eventos novos, diferentes daqueles que deram origem a essa abstração.
O responder relacionai pode ainda se dar a partir de relações arbitrárias
estabelecidas pelo contexto, relações nas quais as respostas ocorrem sob controle de
dicas que podem ser modificadas com base em critérios sociais. O responder relacionai
arbitrariamente aplicável representa uma forma de abstração, cujo padrão de respon­
der sob controle de determinados aspectos do estímulo é abstraído a partir de dicas
contextuais sociais arbitrárias. Tal processo estabelece o que é chamado por Hayes e
cols. (2001) de quadro relacionai.
A diferença, de acordo com Hayes e cols. (2001), entre a teoria dos quadros
relacionais e o modelo de equivalência de estímulos estabelecido por Sidman (2000),
está no aspecto relacionai do responder. Tal aspecto pode ser exemplificado em casos
nos quais as relações estabelecidas são do tipo “maior que” - “menor que”, “melhor
que” - “pior que”. Nestes casos, as relações de simetria entre os eventos, além de
arbitrárias, são aplicadas a estímulos que não apresentam propriedades formais que
as suportam. De acordo com o exemplo, em um quadro relacionai no qual “A é maior
que B”, a relação equivalente à simetria que se estabelece é “B é menor que A”, o que é
diferente da simetria em uma relação de equivalência. Por esta razão, estes autores
defendem que os termos utilizados para descrever as relações de equivalência
(reflexividade, simetria e transitividade) não são suficientes ou apropriados para des­
crever outros tipos de relações.
O quadro relacionai representa um processo aprendido de transformação da
função dos eventos mediante uma história de exposição a treinos exemplares. Tal

Sobre Comportamento e Cognição


processo, de acordo com Hayes e cols. (2001), altera a função de todos os elos de uma
contingência operante, alterando, o processo de aprendizagem operante por si. As con­
tingências verbais como parte do quadro de relações, interferem diretamente na forma
com que contingências não verbais operam. Vale destacar a afinidade de tal afirmação
com a defesa de Sidman (2000): se as relações de equivalência tornam irrelevante a
distinção entre Estímulos e Respostas, é coerente afirmar que elas levam a uma mu­
dança na forma com que as contingências operam.

A psicoterapia como prática verbal


Diversos autores (por exemplo, Figueiredo, 1991, Pessoti, 2008, Tourinho, 2009)
têm defendido que as questões referentes ao surgimento do fenômeno psicológico são
resultados de uma combinação de fatores sócio-culturais. São também fatores do ter­
ceiro nível de seleção do comportamento que dão origem à psicoterapia, prática criada
por contingências culturais (Skinner, 1989) com pelo menos dois objetivos, a princípio:
desenvolver e fortalecer um tipo específico de repertório (de autoconhecimento, segun­
do Sério, 1997) e lidar com o sofrimento psicológico (Wilson e Soriano, 2002).
A análise do comportamento, antes de assumir um projeto de aplicação, e de
psicoterapia, propunha-se a estudar o fenômeno comportamental em seus processos
básicos, por meio da Análise Experimental do Comportamento. Skinner, Solomon e
Lindsley, só em 1953, cunham o termo terapia comportamental e, ainda assim, a prática
da psicoterapia, tal qual a conhecemos, dentro da abordagem analítico-comportamental,
só ocorreu em meados dos anos 1980. O início dessa prática apresentava algumas
características peculiares: (1) a preferência pela análise de contingências imediatas,
com uma crítica à ênfase em variáveis históricas dada por outras abordagens (por ex:
Keefe, Kopel e Gordon, 1980) e (2) a noção de análise de contingências enquanto regra,
cuja função seria de estímulo discriminativo a controlar a ação do cliente fora do consul­
tório (Guedes, 1997).
A descrição da psicoterapia, apresentada por Skinner em 1989, explicita essas
características:

... Aquilo que o cliente faz na clinica não é a preocupação básica. O que lá
acontece é uma preparação para um mundo que não está sob controle do terapeuta.
Em vez de arranjar contingências correntes de reforçamento, como acontece no
lar, na escola, no local de trabalho ou no hospital, os terapeutas dão conselhos.
(...) Ele [o conselho] pode assumir a forma de uma ordem (“faça isto, pare de fazer
aquilo”) ou pode descrever contingências de reforçamento (“Fazer isto provavel­
mente acarreta um efeito reforçador", “Se você fizer aquilo as conseqüências
podem ser punitivas"). (p. 111)

O avanço conceituai da teoria analítico-comportamental permitiu, hoje, uma


prática clínica que vai além da noção de comportamento governado por regras. Nos
últimos anos, propostas importantes de intervenção surgiram sob a égide da análise
do comportamento, fundadas eminentemente na análise do comportamento verbal
(Pérez-Àlvarez, 1996). A maioria destas propostas teve seu início no final da década de
1980 e sua consolidação nos anos 1990: FAP (Psicoterapia Analítica Funcional) de
Kohlenberg e Tsai (1987); a ACT (Terapia da Aceitação e Compromisso) de Hayes,

320 Roberta Kovac, Denis Roberto Zamignani, Alessandra Lopes Avanzi


Strosahl, & Wilson (1999) e, no Brasil, a Terapia Analítico-Comportamental tem origem
na produção coletiva de terapeutas de diferentes regiões do país.
A mudança de perspectiva da psicoterapia, de uma prática voltada à identifica­
ção e modificação de contingências de reforçamento, por meio de regras e conselhos
para uma prática pautada na análise do comportamento verbal, implica uma
reconsideração da noção de verdade e de seus limites na ciência e, em decorrência, na
psicoterapia. Luna (1996) analisa essa questão ao discorrer sobre as mudanças no
quadro da epistemologia das ciências como um todo. Este autor aponta que, no discur­
so científico, a busca da verdade tem sido substituída pela tentativa de aumentar o
poder explicativo das teorias. Parece consenso hoje que o objetivo do conhecimento e
da pesquisa não é mais uma descrição meramente objetiva dos fatos, mas uma inter­
pretação da realidade, que é perpassada por uma postura teórico-epistemológica.
Tal mudança se reflete na prática clínica e no posicionamento do terapeuta
frente ao seu objeto de estudo. Kohlenberg e Tsai (2001) apontam para a natureza
contextual do conhecimento e da realidade e defendem que o sujeito que procura a
terapia não é uma coisa concreta, objetiva, a ser descrita com precisão pelo terapeuta.
Diferente disso, temos acesso a um eu que é narrativo (necessariamente verbal). É o
indivíduo que, ao agir e observar sua própria experiência, a descreve tal qual esta expe­
riência o permite. É com este “eu verbal” que podemos trabalhar na terapia (Pérez-
Álvarez, 1996).
Esta mesma questão implica um tratamento peculiar com relação às emoções e
aos eventos privados no entendimento dos comportamentos-alvo da psicoterapia. Se­
gundo Tourinho (2006; 2009), os conceitos emocionais não descrevem algo que existe
antes e independentemente do comportamento verbal; ao contrário, é com a aquisição do
comportamento verbal que as emoções, enquanto fenômenos psicológicos - experimen­
tados pelo indivíduo na relação consigo mesmo - passam a existir. Essa é a subjetividade
da qual falamos quando nos referimos aos conceitos psicológicos.
Considera-se característica definidora do comportamento operante verbal
(Skinner, 1957) a mediação do outro, especialmente treinado por uma comunidade
(verbal) para esta mediação. A análise de Andery, Micheleto e Sério (2005) sobre algu­
mas características do controle do comportamento que envolve tal mediação pode lan­
çar luz sobre a origem de parte dos problemas que se dão na psicoterapia: (1) porque
é mediado por outra pessoa, no comportamento social - e verbal - o reforço dificilmente
pode ocorrer de forma independente da ocorrência da resposta reforçada; (2) o reforço
depende da condição do agente reforçador. Desta forma, “respostas de uma mesma
classe nem sempre produzirão as mesmas alterações ambientais” (Andery, Micheleto
e Sério, 2005 p. 156); (3) a possibilidade de uma mudança lenta nas contingências
estabelecidas socialmente (a depender do agente reforçador e das respostas que vêm
sendo mantidas por tais contingências); (4) “o agente reforçador ajusta o esquema de
reforçamento às características da resposta reforçada de uma forma que raramente
ocorre na natureza” (Andery, Micheleto e Sério, 2005 p. 156). Nas palavras de Skinner:

Um sistema reforçador que é afetado desta maneira pode conter defeitos inerentes
que ievam a comportamento instávef. Isto pode explicar porque contingências
reforçadoras da sociedade causam com portam ento indesejável mais
freqüentemente do que as contingências aparentemente comparáveis na natureza
inanimada. (Skinner, 1993/1953 p. 301).

Sobre Comportamento e Cognição


Adicionalmente, o modelo de equivalência de estímulos e a teoria dos quadros
relacionais nos permitem analisar a função do contexto social verbal na produção e
manutenção de problemas psicológicos. “A prática social faz com que situações, pala­
vras e pensamentos se constituam em membros de uma classe funcional de modo
que provavelmente suponham relações de equivalência. Sendo assim, as situações
tanto remeteriam ao estado psicológico quanto as explicações relativas aos estados
psicológicos remeteriam às situações. Uma situação depressora justificaria estar de­
primido. Porém pensar deprimidamente e falar que se está deprimido seria por si
equivalente à situação causante” (Pérez-Alvarez, 1996). A contingência e a descrição da
contingência entrariam em relações de classes funcionais e as relações estabelecidas
em um quadro relacionai poderiam exercer controle sobre todos os elos da contingên­
cia. Esta propriedade das relações verbais constitui um fenômeno denominado por
Hayes e cols. (2001) de contexto de literalidade: o indivíduo pensa e se comporta em
relação à situação como se as palavras correspondessem literalmente ao contexto de
atuação (Hayes e cols., 2001)5.
Considerando-se então, a natureza verbal e narrativa da subjetividade e do sofri­
mento psicológico e a inconsistência na interação com a comunidade verbal como fonte
de problemas, o comportamento verbal do cliente parece funcionar não só como via de
acesso a contingências externas, mas também como objeto direto de intervenção.
Retomando as questões que originaram este artigo, pode-se então analisar de
que forma os estudos sobre comportamento verbal relacionai podem contribuir com o
trabalho do terapeuta analítico-comportamental. Como, com comportamento verbal mu­
damos o comportamento (verbal ou não verbal) do cliente? O que é possível fazer a partir
do comportamento verbal do terapeuta na mudança do comportamento do cliente?
Estas novas abordagens e o avanço no entendimento do comportamento ver­
bal ampliam e orientam nossa atuação, que lida diretamente com o comportamento
verbal e com eventos privados, entendidos como um tipo de evento que necessaria­
mente envolve comportamento verbal (Tourinho, 2006; 2009). Lidar com déficit ou ex­
cesso comportamental (por meio de regras ou manejo direto de contingências) é im­
portante para uma série de casos mas, uma vez que o sujeito tenha o repertório verbai
desenvolvido e o problema é desta natureza, a intervenção sobre relações funcionais
imediatas é insuficiente. É característica da abordagem Analítico-comportamental a
postura de uma constante investigação para a produção de conhecimento novo e temos
com o avanço conceituai da abordagem, o suporte teórico necessário para lidar com a
subjetividade e o sofrimento psicológico por meio de relações verbais.

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324 Roberta Kovac, Denis Roberto Zamignani, Alessandra Lopes Avanzi


Capítulo 32
História Comportamental e
Historiografia: diálogos de
história1
Rodrigo Lopes Miranda
Sérgio Dias Cirino
UFMQ

A Análise do Comportamento, ao trabalhar com o modelo causai da seleção


pelas conseqüências (Skinner, 1981), elabora explicações, que são necessariamente
históricas, para aquilo que os organismos fazem e como o fazem, recorrendo aos três
níveis de seleção: filogênese, ontogênese e cultura. Mecca Chiesa (1994), ao tratar do
modelo explicativo da Análise do Comportamento, afirma que a experiência “(...) é uma
parte necessária das explicações do comportamento presente no modelo causai de
variação de seleção” (p. 122). É possível afirmar que há um acordo entre os analistas
do comportamento sobre a noção de que o responder é determinado pelas contingên­
cias de reforçamento presentes e passadas (Dias, Cançado, Soares, & Cirino, 2007),
sendo que este aspecto é congruente à concepção histórica do modelo de análise. A
análise das determinações passadas tem se constituído tanto como um conceito,
quanto como um campo de pesquisa em Análise do Comportamento (ver p.ex. Costa,
Cirino, Cançado, & Soares, no prelo).
Embora o conceito de história comportamental e seu campo de pesquisa, a
História Comportamental, sejam específicos do behaviorismo skinneriano, a palavra
“história” não o é. Caso se olhe em um dicionário de português brasileiro, verifica-se
que este termo é utilizado de diversas maneiras, dentre elas: estudo e narração siste­
mática do passado; ciência, ramo do saber que registra, explica e transmite o conheci­
mento sobre o passado; o curso dos acontecimentos e dos fatos históricos; o passa­
do; relato; narrativa; etc. Desse conjunto de respostas verbais que guardam similarida­
de com a palavra “história”, percebe-se alguns elementos que são recorrentes: narra­
tiva; tempo e ramo da ciência. Diante disso, observa-se que esses três aspectos con­
jugados dizem acerca da História2, uma ciência componente do escopo das Ciências
Humanas.

Contatos: Sérgio Dias Cirino - serQiocirino99@vahoo.com


1 Este trabalho foi apresentado na mesa redonda “História comportamental: identificando o fenômeno e refletindo sobre ele" na XVII Reunião anual
da ABPMC em Campinas em agosto de 2008. O trabalho foi feito a partir da pesquisa de mestrado do primeiro autor sob orientação do segundo.,
em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em Educação: conhecimento e inclusão social da Faculdade de Educação da UFMG.
2(Serão utilizados no presente texto, como sinônimos, os termos História e Historiografia como se referindo à ciência histórica. Quando grafada
com “h" minúsculo, a palavra história significa a trama dos acontecimentos passados sobre a qual se debruça o historiador.

Sobre Comportamento e Cognição


Assim, será que existem similaridades entre os conceitos de história
comportamental e de história? Há diálogos possíveis entre a História Comportamental
e a Historiografia3? Se sim, quais são esses aspectos? Responder a estas perguntas
é o objetivo do presente capítulo que, parte do princípio de que a Análise do Comporta­
mento, ao se apropriar de um termo que carrega consigo um conjunto de significados
tanto strictu quanto lato senso, pode estabelecer contatos com outras áreas do saber.
Esses diálogos interdisciplinares podem contribuir para recentes discussões no âmbi­
to da História Comportamental que tratam das noções e definições de história4.

História Comportamental
História Comportamental pode ser definida como uma área de pesquisa em
Análise do Comportamento que está interessada no estudo das condições às quais
um organismo tem sido submetido e como responde a tais contingências. Em um
estudo sobre as noções e definições referentes à história comportamental, Dias et al.
(2007) observam que até 1990 podem ser encontradas na literatura analítico-
comportamental um conjunto de noções de história comportamental, sendo que defini­
ções mais acuradas surgem a partir desta data. Independente de se tratarem de no­
ções ou de definições, ou seja, de serem respostas verbais sob controle de contingên­
cias mais ou menos refinadas, elas se referem à história comportamental.
Murray Sidman (1960), no livro “Táticas de Pesquisa Científica” sugere que o
“(,..) comportamento de um organismo é determinado pelas experiências passadas,
assim como pela situação atual (...) Estudos de extinção, estados de transição, efeitos
cumulativos de certas variáveis, etc, todos se encaixam nessa categoria” (p.384). Essa
definição é demasiadamente ampla, implicando, segundo Sérgio Cirino (2001), na
restrição do valor explicativo do conceito de “história comportamental”, uma vez que a
importância das contingências pregressas perde destaque. Ainda na década de 1960,
Harold Weiner (1969) descreve um conjunto de resultados experimentais nos quais se
observa os efeitos da exposição prévia a contingências sobre o comportamento pre­
sente em humanos. Neste trabalho, Weiner (1969) afirma que os: “(...) dados sugerem
que repertórios comportamentais passados interagem com as contingências de
reforçamento presentes (...)” (p.371). Mais recentemente, Marc Branch (1987) propõe
que o responder está em função das condições presentes devido às experiências
passadas. A partir das colocações destes autores, sobretudo pela de Branch (1987),
percebe-se um eixo central que é a relação entre condições passadas e presentes, na
qual o presente é função do passado.
Em se tratando das definições de história comportamental, Bárbara Wanchisen
(1990) define este conceito como a “(...) exposição a contingências respondentes e
operantes cuidadosamente controladas em laboratório, antes da fase de ‘teste’ deseja­
da” (p.32). Nas conceituações apresentadas até o momento, é a primeira vez em que
aparece o termo “laboratório”, implicando na concepção de que apenas as condições
arranjadas no setting experimental para o teste a ser realizado é que são consideradas
variáveis da “história comportamental”. Em 1992, Timothy Freeman e Kennon Lattal
propõem que

3Para Josef Bro*ek & Marina Massimi (1998), bem como para Regina Helena Campos (1998), a Historiografia como método de pesquisa pode
ser definida como uma maneira de, a partir de relatos de eventos passados, fazer uma (re)constaiçâo daquilo que aconteceu para posteriorm ente
analisar e interpretar tais relatos. Mais à frente será feita uma apresentação mais detalhada do conceito.
4Para uma discussão específica sobre noções e definições de história comportamental, sugere-se a leitura de Dias, A. L. F., Cançado, C. R. X.
Soares, P G., & Cirino, S. D (2007). História Comportamental: noções e definições na literatura em análise do comportamento In E N P Cillo
& M. R. M. Santos (Eds). Ciência do Comportamento: conhecer e avançar, 6, (pp. 200-207). Santo André. SP: Esetec.

326 Rodrigo Lopes Miranda, Sérgio Dias Cirino


“ ‘efeito de história’ dá a conotação de controle sobre o comportamento presente
que não foi eliminado pelo refinamento das contingências atuais e, conseqüente­
mente, obscurece as relações funcionais estabelecidas entre o responder e as
contingências presentes”(p.5).

Ainda na década de 1990, Bárbara Metzger (1992) define “história


comportamental” em termos do contato anterior do organismo com contingências tanto
dentro quanto fora do setting experimental. A partir dessas definições contemporâneas,
nota-se o aparecimento de dois elementos centrais: qual delimitação tempo-espacial
deve ser considerada na definição da “história comportamental” e, por conseguinte, o
espaço do laboratório.

Historiografia
François Dosse (20005), na introdução de sua obra “A História”, questiona “o
que é a história?”. Num primeiro momento, a fim de responder esta questão, pontua
que a palavra história no francês guarda consigo dois significados, enquanto que em
outros idiomas existem mais termos para se referir a sentidos diferentes. No alemão
geschichte e historie, no italiano istoria e storia e, por fim no inglês, history e story. Na
análise de Dosse (2000), o primeiro termo se refere à “(...) trama dos acontecimentos
propriamente dita e o outro sigfnificando o relato complexo que narra” (p.7). Nesse
mesmo sentido, no português brasileiro houve duas grafias: estória e história. O primei­
ro termo era aquele que designava a narrativa dos acontecimentos ou a rede tecida
pelos momentos passados, de cunho ficcional, como os contos de fadas. O segundo
termo, por sua vez, se referia à narração crítica dos fatos da humanidade, de forma
condizente com o real, como, por exemplo, a história do Brasil. Há algum tempo, todavia,
tanto o tom de ficção quanto o de realidade são marcados no português brasileiro
apenas pela palavra história. Importante destacar que em francês, língua na qual foram
produzidos importantes documentos sobre historiografia no século XX há também ape­
nas um termo, a saber, histoire. Este termo, assim, remete à trama dos fatos passados
e à construção de uma narrativa sobre eles, sendo que este segundo elemento é o
esforço sobre o qual se debruça a Historiografia.
Para Regina Helena Campos (1998), o trabalho historiográfico compreende a
identificação de vestígios históricos para “(...) poder coletá-los, organizá-los, analisá-los
e interpretá-los” (p. 15). William Woodward (1998), por sua vez, define a Historiografia
como sendo o “(...) ato de escrever a história, aos métodos de coletar provas e de
organizá-las dentro de um padrão objetivo e significativo” (p.61). Assim, observa-se que
a Historiografia se define não apenas pelo seu objeto, mas também pelo método de
empreender a pesquisa pela procura de fontes de pesquisa, escolha de com que
fontes trabalhar, analisar o material disponível e selecionado e, por fim, interpretar as
fontes, transformando-as em documentos. Concomitantemente, Michael Wertheimer
(1998) salienta que a História não é “(...) a concatenação de nomes, datas, e fatos não
relacionados entre si (...)” (p.21).

5Em citações de obras traduzidas, optamos por citar no corpo do texto a data de publicação do original e não da obra traduzida consultada. Este
procedimento foi adotado para dar mais fidedignidade ao pensamento dos autores, pois ele pode mudar com o tempo. Além disso, deve-se
considerar que não necessariamente ocorrre a mesma cronologia de publicação de várias obras de um autor para as traduções.

Sobre Comportamento e Cognição


Na Historiografia, a grosso modo, é possível identificar dois momentos distin­
tos:' a História Tradicional e a Nova História6. A História Tradicional está fortemente
relacionada à escola metódica da historiografia, sobretudo ao historiador alemão
Leopold Von Ranke. Essa perspectiva historiográfica tinha como objeto de estudo, basi­
camente, os fatos políticos e as guerras do Estado e sua concepção de tempo era
linear. Como o enfoque era dado no Estado e na política, as personagens dessa narra­
tiva histórica eram, via de regra, os governantes, os heróis de guerras, os membros das
elites, etc. Para realização do trabalho historiográfico, o historiador recorre a fontes de
pesquisa,.,ou seja, elementos deixados por sujeitos do passado e, para a construção
da narrativa histórica metódica, com o intuito de dar segurança e credibilidade à narra­
tiva, só eram consideradas fontes aqueles documentos oficiais. Contudo, o cenário
historiográfico alterou-se demasiadamente a partir do início do século XX, principal­
mente a partir dos anos 1920.
A Historiografia, a partir de 1929, inaugura uma nova possibilidade de história,
a Nova História, sobretudo com a publicação do periódico Annales d'histoire économique
et sociale (ou somente escola dos Annales), implicando em um grande processo de
renovação do campo7. As mudanças propostas por historiadores como Lucien Febvre,
Marc Bloch e Fernard Braudel implicaram numa releitura, tanto no que se refere aos
objetos, quanto da própria metodologia de trabalho historiográfico. Essas transforma­
ções constituíam-se como um contraponto da historiografia metódica, principalmente
de Leopold Von Ranke, e se referiam em grande medida à ampliação do documento
histórico, levando-o para muito além do material escrito oficial, fundando uma
multiplicidade documental.
Com a escola do Annales, a história deixa de ser vista como apenas narrativa e
factual, na qual são descritos os acontecimentos num recorte temporal em busca de
fatos, de grandes acontecimentos, além de se levantar o próprio questionamento sobre
a origem do fenômeno histórico. São objetivos dessa nova modalidade historiográfica:
a ênfase na interdisciplinaridade; a substituição da tradicional narrativa dos aconteci­
mentos pela história-problema e a extrapolação do âmbito dos fatos políticos para
todas as atividades humanas. Com isso, não se questionam métodos rigorosos de
tratamento do material de trabalho historiográfico, mas se coloca em dúvida a origem -
pois como defini-la? Além disso, recusa uma história superficial e simplista que se
atém à superfície dos acontecimentos e também aquela história que, ao pulverizar as
origens, perde-se na multiplicidade de motivos.
Na pesquisa histórica, segundo Bloch (1949: p.89) “(...) a palavra das testemu­
nhas não deve ser obrigatoriamente digna de crédito (...)”, pois aquilo que foi deixado
para a “posteridade” está marcado por um conjunto de intecionalidades de homens
num dado momento histórico. Contudo, nesse movimento de inquérito constante dos
documentos e da análise cruzada das fontes de pesquisa, o historiador não deve julgar,
mas sim compreender. Nas palavras de Bloch (1949: p. 125):

"Existem duas maneiras de ser imparcial: a do cientista e a do juiz. Elas têm


uma raiz comum, que é a honesta submissão à verdade. O cientista registra, ou
melhor, provoca o experimento que, talvez, inverterá suas mais caras teorias.
Qualquer que seja o voto secreto de seu coração, o bom juiz interroga as testemu­

6Para os interessados numa história da História, sugere-se a leitura de Dosse, F. (20031. A História fUhistnire.M. E. O. Assumpção, trad.]. BaunX
SP: EDUSC. (Trabalhooriginal publicado 2000).
' Para os interessados em uma discussão específica sobre a Nova História e a École des Annales suoere-se a leitura de Le Goff, J. (1978). A
História Nova São Paulo, SP: Martins Fontes, 5aedição, (obra consultada de 2005).

328 Rodrigo Lopes Miranda, Sérgio Dias Cirino


nhas sem outra preocupação senão conhecer os fatos, tais como se deram. (...)
Chega um momento, porém, em que os caminhos se separam. Quando o cientista
observou e explicou, sua tarefa está terminada. Ao juiz resta ainda declarar sua
sentença".

A ciência histórica, nesse sentido, não é a ciência do passado, pois este não é
um objeto de estudo, mas sim, uma ciência dos homens no tempo (Bloch, 1949). Para
Jacques Le Goff (1978) e Eric Hobbsbawm (1997), embora por razões diferentes, toda
história é social. Para apreender esse movimento dos homens no tempo, novas moda­
lidades de documentos são colocadas em análise - documentos escritos não-oficiais,
produtos de escavações arqueológicas, fotografias, filmes, etc -, pois “tudo o que o
homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca, pode e deve informar sobre
ele” (Bloch, 1949: p.79).

Delimitando (ou ampliando) o campo de diálogo


Para se empreender um diálogo entre a História Comportamental e a
Historiografia e, por conseqüência, entre a história comportamental e a história, julga-
se necessário especificar alguns aspectos. Como o texto em questão é escrito por
psicólogos para um público eminentemente composto por psicólogos, cabe uma breve
discussão da especificidade da História da Psicologia que irá compor o diálogo de
interesse. Porém, deve-se ter em vista que a Historiografia não é um campo da Psico­
logia e, portanto, também necessariamente não o é a Historiografia da Psicologia. Abre-
se, com isso, a possibilidade de diálogos com a Historiografia de uma maneira geral e,
mais especificamente, com a História da Educação e com a História da Ciência.
Josef Bro*ek & Marina Massimi (1998), ao fazerem um apanhado geral sobre o
campo da Historiografia da Psicologia, apontam que este ramo de estudos era pouco
desenvolvido até meados do século XX quando, a partir de 1960, começou a apresentar
uma elevação no número de publicações e pesquisas. A discussão desses autores
leva à observação de que a Historiografia da Psicologia é um campo de estudos recen­
te. Wertheimer (1998), ao tratar da importância da pesquisa histórica em Psicologia,
salienta que a historiografia das demais ciências já estava em desenvolvimento quan­
do do início dessa perspectiva na Psicologia. Contudo, frisa que esta preocupação,
mesmo tendo sido negligenciada durante décadas, é um indicativo de amadurecimen­
to da área que é relativamente recente enquanto disciplina científica independente.
Assim, tanto para Bro»ek & Massimi (1998) quanto para Campos (1998), os “anos
dourados” da História da Psicologia tiveram início na década de 1960, principalmente
nos Estados Unidos com a criação da divisão 26 da American Psychological Association
e do periódico Journal ofthe History ofthe Behavioral Sciences. A partir de 1980 e 1990,
o campo da história da Psicologia se difundiu fortemente, na Europa e na América
Latina, respectivamente. No Brasil, especificamente, a formalização dessa área de es­
tudos, para Campos (1998), situa-se na constituição do Grupo de Trabalho em História
da Psicologia da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia
em 1996.
Um aspecto crucial de convergência entre a História da Psicologia e a
Historiografia, de uma maneira geral, ocorrido, principalmente, pela ampliação dos
objetos e dos sujeitos de pesquisa histórica, situa-se na noção de que a história é
necessariamente social (Hobsbawm, 1997; Le Goff; 1978). Segundo Mitsuko Antunes
(1998), em primeiro lugar, a Psicologia como área do conhecimento é, por si mesma,

Sobre Comportamento e Cognição


uma produção histórica que expressa uma leitura da realidade que é, necessariamen­
te, perpassada por fatores de natureza social. Em segundo lugar, mas derivado da
premissa inicial, o ser humano é concebido como um ser eminentemente histórico,
pois se produz na relação com outros sujeitos que são inseparáveis do fluxo histórico.
Nesse sentido, a autora aponta que o ser humano se produz ao produzir o mundo em
que vive, sendo que parte considerável deste contexto é social, e ao ser influenciado
pelos produtos que gera, necessariamente se coloca como um produtor e um produto
histórico. Em concordância com esta concepção, dá-se a palavra a Buhhrus Frederic
Skinner (1957, p. 16): “os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez,
são modificados pelas conseqüências de sua ação”.
Ao se considerar que a Psicologia é um campo do conhecimento, como deline­
ado por Mitsuko Antunes (2004), pelo menos dois desdobramentos são possíveis.
Segundo Campos (2003/2008), alguns autores da História da Psicologia vêm apontan­
do que o desenvolvimento dessa disciplina, principalmente no século XX, está atrelado
ao campo educacional, especialmente devido à necessidade de atendimento à
escolarização de grandes contingentes populacionais. Embora a tese inicial de Cam­
pos (1998) seja sobre a história da Psicologia na Europa e nos Estados Unidos, ela
pode ser generalizada para o Brasil, já que diversos historiadores da Psicologia brasi­
leira (ver p.ex.: Pessotti, 1988; Antunes, 2004) vêm salientando o mesmo movimento da
Psicologia brasileira. Dessa maneira, uma das formas de se proceder a uma análise
historiográfica da Psicologia é estabelecer diálogos com a Historiografia da Educação,
campo que, já há algum tempo, se encontra na interface com as concepções da Nova
História. Ao vincular-se à História da Educação, apropriando-se de referenciais teórico-
metodológicos da Historiografia, a História da Psicologia pode ser concebida como
uma História Crítica da Psicologia (Woodward, 1998), pois o processo histórico deixa
de ser visto como um encadeamento de fatos, para tornar-se uma história-problema.
Ainda considerando-se a Psicologia como um campo de conhecimento neces­
sariamente sócio-histórico, um segundo desdobramento possível, que não é excludente
ao primeiro, mas sim complementar, é vincular a História da Psicologia à Historiografia
da Ciência. Como a Psicologia é uma ciência independente desde o final do século X!X,
ela pode ser objeto de conhecimento e, como tal, ser colocada em análise pelos vieses
da História da Ciência. Também pode ser analisada por esta perspectiva devido ao seu
desenvolvimento como ciência; acompanhar, necessariamente, o movimento das de­
mais ciências, no sentido de estar conectada ao Zeitgeist. Todavia, no diálogo com a
História da Ciência, a Historiografia da Psicologia passa a se questionar sobre suas
perspectivas de análise, tanto internalista, quanto externalista8. Internalista, quando
visto o processo histórico da Psicologia pela relação dos fenômenos internos ao pró­
prio campo, e externalista, quando se leva em consideração que a Psicologia, constitu­
indo-se constantemente como campo do conhecimento com saberes próprios, neces­
sariamente é influenciada por fatores externos ao campo, como os fatores sociais,
econômicos e políticos. Porém, alguns autores tais como Bruno Latour (1999) apontam
que a distinção internalista ou externalista da História da Ciência e, neste caso, da
História da Psicologia, não faz sentido. A contraposição a essa dicotomia se subsidia
pelo fato de que uma ciência se sustenta, tanto por suas mudanças e tensões internas,
quanto pelas relações que estabelece com os demais aspectos da sociedade, como
questões econômicas e sociais. Nesse sentido, pode-se retomar a discussão mais

8 Para maiores detalhes sobre a discussão de perspectiva externalista e internalista da Historiada Psicologia, sugere-se ver Cruz, R. N. (2006)
História e Historiografia da Ciência: considerações para pesquisa histórica em análise do comportamento. Revista Brasileira de Terapis
Comportamentale Cognitiva, v.8(2). p. 161-178.

330 Rodrigo Lopes Miranda, Sérgio Dias Cirino


geral acerca da Historiografia, pois mesmo estando-se ciente das limitações de alcan­
ce do objeto e da parcialidade da análise, já que está atrelada necessariamente às
escolhas do pesquisador, obstina-se uma análise total do fenômeno histórico, procu­
rando circunscrevê-lo por um conjunto expandido de seus determinantes.

Diálogos de história: história comportamental e historiografia


“O comportamento de um organismo é determinado pelas experiências passa­
das, assim como pela situação atual (...) Estudos de extinção, estados de transição,
efeitos cumulativos de certas variáveis, etc, todos se encaixam nessa categoria” (Sidman,
1960. p.384). Embora esta noção de história comportamental elaborada por Sidman
(1960) seja excessivamente ampla para uma discussão analítico-comportamental, ela
permite, já, um conjunto de aproximações com a História. Com o desenvolvimento da
História Nova, o tempo na Historiografia foi repensado, de forma a compreender os
elementos da curta, média e longa duração. Essa nova perspectiva de temporalidade
permitiu à historiografia lidar com a tensão do tempo, ou seja, de “(...) um sentimento de
continuidade do presente diante do passado e o sentimento de um fosso que aumenta
e que institui uma descontinuidade entre as duas dimensões” (Dosse, 2000. p.74).
Nesse sentido, a ligação entre passado e presente torna-se mais nítida. Contudo,
embora as condições presentes estejam parcialmente em função do passado, a rela­
ção entre eles não é entendida como linear, ou seja, não se retoma o fenômeno histó­
rico como condições menos sofisticadas das do presente, como um conjunto de ele­
mentos que necessariamente culminaria no acontecimento presente, como pode ser
interpretado da noção de Branch (1987), em que o comportamento é função das condi­
ções presentes devido às experiências passadas. Assim, a noção apresentada por
Weiner (1969) pontua que as condições passadas interagem com as atuais, encon­
tram-se mais próximas à noção de temporalidade da História. Ou seja, pensa-se que o
fenômeno presente é mantido por um conjunto de condições que estão no presente.
Contudo, como o fenômeno é processual, uma parcela de suas condições explicativas
situa-se nos eventos pregressos que devem ser entendidos, por sua vez, pela ótica do
passado. Dessa maneira, compreende-se que passado e presente interagem e não o
primeiro é o determinante, por excelência, do segundo.
Retomando a noção apresentada por Sidman (1960), de que o “(...) comporta­
mento de um organismo é determinado pelas experiências passadas, assim como
pela situação atual (...) Estudos de extinção, estados de transição, efeitos cumulativos
de certas variáveis, etc, todos se encaixam nessa categoria” (p.384), criticável na pers­
pectiva da Análise do Comportamento por sua excessiva generalidade (Cirino, 2001),
também é criticável pela ótica historiográfica. Se toda ocorrência necessariamente pas­
sa pela história passada, explicar o comportamento de um organismo implica, portanto,
em elencar um conjunto de variáveis passadas das quais o responder é função. Como
Eliane Lopes & Ana Galvão (2005) afirmam: “(...) o passado nunca será plenamente
conhecido e compreendido; no limite, podemos entendê-lo em seus fragmentos, em
suas incertezas” (p.77). Ou seja, “a história sempre será um ‘conhecimento multilado,
pois só conta aquilo que foi possível saber a respeito do que se quer saber” (Lopes &
Galvão, 2005. p. 80). Assim, na ligação entre história comportamental e história, o que é
possível saber da história do responder nesta perspectiva ampliada, é aquilo que e
perceptível como os efeitos de história sobre o comportamento presente. Como Freeman
& Lattal (1992) pontuam: “ ‘efeitos de história’ dão a conotação de controle sobre o
comportamento presente que não foi eliminado pelo refinamento das contingências
atuais (...) “ (p.5). Nesse sentido, concebe-se uma história delimitada pelo conjunto de

Sobre Comportamento e Cognição


elementos escolhidos para a narrativa histórica dentro da disponibilidade de informa­
ções a que se tem acesso. Gom isso, assume-se que a história total é apenas um
horizonte ao qual não se tem e não se terá acesso.
Um dos fatores que impedem o conhecimento completo da história está no fato
de que o trabalho do historiador (e também o do analista do comportamento, em nosso
ver) é feito com fragmentos do passado, uma vez que trabalha com documentos/monu­
mentos (Le Goff, 1990). Isso vem dizer que o historiador escreve uma história a partir de
fontes que foram materializadas por sujeitos que, por sua vez, çomportavam-se sob
vigência de um conjunto de contingências, dentre elas as sociais e ideológicas. Assim,
o registro que se encontra do passado é sempre enviesado ou, nas palavras de Lopes
& Galvão (2005, p.80): “(...) todo documento é mentira, na medida em que tomamos
conhecimento daquilo que o passado quis que fosse memorável”. O mesmo ocorre na
história comportamental, uma vez que se tem acesso apenas àquilo que não foi modifi­
cado pelas contingências presentes. A conceituação apresentada por Wanchisen (1990)
é coerente com esta perspectiva. A autora define história comportamental como a “(...)
exposição a contingências respondentes e operantes cuidadosamente controladas em
laboratório, antes da fase de ‘teste’ desejada” (Wanchisen, 1990. p.32). Também é
congruente a definição de Metzger (1992) em que a história comportamental situa-se
em termos do contato anterior do organismo com contingências tanto dentro quanto
fora do setting experimental. Ao assumir que as variáves de história se referem àquilo
que foi organizado pelo experimentador para o teste em laboratório, pode-se interpretar
que, então, existe outro conjunto de elementos históricos que estão sendo
desconsiderados, seja pela sua inerente inacessibilidade, seja pelas intenções do
pesquisador. As histórias, comportamental e historiográfica, nesse sentido, são
construídas. O fato histórico (científico), nesta interface, torna-se um fato naturalizado
após ter sido feito, e isto ocorre porque foi construído pelo experimentador. Ou seja, o
fato só se torna fato porque é feito e se perde de vista sua confecção (Latour, 1991;
1996). No que se refere especificamente à história, assume-se que ela é construída;
embora tenha sido feita, ela não deixa de ser um fenômeno (fato) e, por conseqüência,
operada com finalidade de descrever e explicar um dado objeto de trabalho. A história
comportamental é, dessa maneira, aquilo que é perceptível e controlado nas condições
experimentais dispostas pelo pesquisador.

Considerações Finais
A partir das reflexões apresentadas neste trabalho, pode-se perceber que a
História Comportamental e a Historiografia são como conjuntos, nos quais observam-
se áreas de intersecção e outras de divergência, como se espera num diálogo no qual
os termos não devem se reduzir a apenas um dos componentes. As diferenças são
salutares, na medida em que asseguram a especificidade da área. As aproximações,
por sua vez, permitem que ambas as áreas se sofistiquem.
No que se refere à Análise do Comportamento, o diálogo com a Historiografia
permite um conjunto de reflexões teórico-metodológicas que podem contribuir, sobretu­
do, para a delimitação de definições mais precisas e com maior potencial heurístico,
uma vez que cria condições para que se repense sobre: a temporalidade, o que definir
como história, o objeto (resposta/conceito) posto em evidência, a construção da histó­
ria, dentre outros. A Historiografia, por sua vez, pode observar mais interfaces com a
Psicologia, área que já vem discutindo com a História, principalmente a partir do início
do século XX, com a História Nova. Com isso, abre-se espaço para se repensar tam­
bém a própria Psicologia, ou Psicologias, com objeto de estudo da História.

332 Rodrigo Lopes Miranda, Sérgio Dias Cirino


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334 Rodrigo Lopes Miranda, Sérgio Dias Cirino


Capítulo 33
O papel da psicoeducação no cenário
atual da saúde mental: relato de
experiência com pacientes
bipolares e portadores de fobia
social e seus familiares.
Roseli Ferreira da Lagel
Silvia Sztamfater 2
Mariângela Gentil Savóia

O tratamento psiquiátrico: passado e presente


A saúde mental tem sido foco de grande interesse nos últimos anos, principal­
mente frente à lei de desinstitucionalização, que reduziu as internações psiquiátricas
somente a casos emergenciais e por um curto período de tempo.
Inicialmente, o tratamento do paciente psiquiátrico era basicamente asilar
(Amarante, 1994) e contava com poucos recursos, fatos estes responsáveis pela sua
exclusão e segregação social.
Já na década de 1960, começou-se a debater sobre a importância de incorpo­
rar novas formas de assistências. Idéias surgiram, a partir de propostas desenvolvidas
na Europa, entre elas a psiquiatria preventiva comunitária, que visava aumentar os
serviços intermediários (Amarante, 1998).
Devido à complexidade dos diversos quadros psiquiátricos, considera-se que
o paciente psiquiátrico é um indivíduo com uma história de vida e de aprendizagem
permeadas por experiências singulares de exclusão social, prejuízos laborais,
econômicos, sociais, amorosos e familiares (Bhugra, 1989; Jorm, 2000; Lauber, Nordt,
Falcato, & Rõssler, 2001, 2004; Tsang, Tam, Chan, & Cheung, 2003). Diante deste
cenário, abrem-se reflexões para este cidadão complexo, multidimensional, construtor
de sentidos e valores (Borges & Baptista, 2008).

'Doutoranda em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.


Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (CAISM-ISCMSP) - Unidade de Idosos
2Doutoranda do Programa de Ciências da Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
3Departamento de Ciências da Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Òentro de Atenção Integrada à Saúde Mental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (CAISM-ISCMSP)

Sobre Comportamento e Cognição 335


Baseado neste contexto, o tratamento psiquiátrico pode pautar-se no cuidado e
não unicamente na cura, que no caso de pacientes graves, muitas vezes, torna-se uma
possibilidade remota. Nesta perspectiva, o atendimento e o cuidado dispensados ao
portador passaram a ser feitos por uma equipe multiprofissional da área de saúde
mental (Borges, & Baptista, 2008).
Não obstante, com a desinstitucionalização, reflexões acerca da atuação pro­
fissional são crescentes. Frente às diversas formas de atendimento e possibilidades
de intervenção, o psicólogo passou a rever o seu papel e repensar o seu exercício
profissional (Sant’Anna, & Brito, 2006; Savoia, 2006). Novos desafios surgiram, sendo o
principal a reabilitação do doente mental para a convivência familiar e social, ou seja, a
sua reinserção social.

A atuação do psicólogo frente à desinstitucionalização


A concepção de tratamento psiquiátrico, com o decorrer do tempo, vem mudan­
do, assim como as técnicas comportamentais e cognitivas utilizadas, independente da
patologia em questão.
Partindo do pressuposto que o desenvolvimento das doenças mentais é pro­
duto de aspectos individuais, biológicos e culturais, a visão considerada do transtorno
mental é biopsicossocial (Savoia, 2006). Outrossim, os termos saúde mental e doença
mental são usados para descrever comportamentos emitidos pelo indivíduo conforme
determinada cultura (Savoia, 2006) e descrevem a adaptação positiva ou negativa à
vida, respectivamente (Randall apud Savoia, 2006).
Tendo em vista estas considerações e com a luta antimanicomial, as institui­
ções de saúde mental sofreram mudanças importantes, havendo transformações na
forma de intervenção psiquiátrica que, na atualidade, caracteriza-se de acordo com a
gravidade do quadro psiquiátrico: pacientes menos graves recebem atendimento
ambulatorial; já os de intensidade mediana são assistidos no hospital-dia e os mais
acometidos são internados. A intervenção psicológica, por sua vez, deve ser realizada
em todas as modalidades de atendimento.
Cada instituição de saúde mental possui um modelo institucional diferente,
modelo este que embasa a forma de intervenção da equipe multiprofissional (Savoia,
2006) e serve como referência para refletir sobre o processo saúde-doença As crenças
dos profissionais da equipe e dos pacientes se modificam de acordo com tais modelos
(Wirt, 1999).
Em uma pesquisa qualitativa realizada em Brasília com psicólogos inseridos
em instituições de saúde mental, Sant’Anna e Brito (2006) discutiram sobre as mudan­
ças no papel do psicólogo que atua em saúde mental pós-lei antimanicomial, apontan­
do para a importância das instituições educacionais desenvolverem as habilidades
necessárias para estes profissionais atuarem na área ainda durante a graduação.
As constatações anteriores indicam a necessidade de reflexões sobre a atuação
do psicólogo na saúde mental, principalmente porque o momento atual exige um traba­
lho interdisciplinar em que o psicólogo, como parte da equipe de saúde, possa contri­
buir para o desenvolvimento de práticas que permitam a compreensão e um tratamento
humano e inclusivo para o portador (Sant’Anna, & Brito, 2006). O repertório
comportamental do psicólogo deve ser revisitado e desenvolvido ainda na graduação,
momento em que tais reflexões propiciam o desenvolvimento de saberes e fazeres
voltados para as necessidades atuais.

336 Roseli Ferreira da Lage, Silvia Sztamfater, Mariângela Gentil Savóia


Diante deste cenário, novas considerações são necessárias não apenas quanto
ao papel e prática psicológica, mas também quanto às intervenções e tratamentos
oferecidos ao doente mental visando sua reinserção social. Novos atores entram em
cena para participarem como co-adjuvantes no processo de reabilitação do portador: os
familiares, que passam a atuar como cuidadores e promotores de saúde mental.

A inserção da família no tratamento psiquiátrico


Desde o início do século passado, a relação família e doença mental vem
sendo estudada. Em 1921, o funcionamento da família associado à psicopatologia já
era analisado. Com o surgimento dos hospitais-dia, nos anos 40, o modelo para
atender pacientes com doenças físicas na área da saúde mental passou a ser questi­
onado e a família começou a ocupar importante espaço no tratamento, passando a ser
também considerada como passível de cuidados (Toledo, 2006).
Entretanto, foi somente no final da década de 50, início da década de 60, que
estudos mais aprofundados sobre o impacto da doença mental na família tomaram
corpo. Com o desenvolvimento do DSM III e DSM lll-R, no final da década de 80, estes
estudos foram intensificados (Lange, Schaap, & Widenfelt, 1993)
Atualmente, a família é figura central na recuperação do portador de transtorno
mental, assumindo o papel de cuidadora. Hoje, uma média de 50 a 90% dos pacientes
em tratamento psiquiátrico moram com os seus familiares (Lauber et al., 2001).
Nesta perspectiva, a família tornou-se a primeira fonte de cuidados de pacien­
tes psiquiátricos, desempenhando tal função com pouca ou nenhuma informação so­
bre a etiologia da doença, o tratamento psiquiátrico realizado ou mesmo em como lidar
com os sintomas do portador (Pickett-Schenk et al., 2006). Consequentemente, o fami­
liar ficou sobrecarregado, acarretando efeitos negativos para a sua vida psicológica,
tais como ansiedade, depressão, medo e culpa, além de atritos e críticas com relação
ao doente (Pickett-Schenk et al., 2006; Reinares et al, 2006; Rõssler, 2006; Schulze &
Rõssler, 2005; Tsang et ai, 2003; Yacubian, 1997).
Diante disto, progressos nesta área de estudo vêm sendo realizados e acha­
dos recentes beneficiam uma maior compreensão da situação dos cuidadores, poden­
do ser efetivos para propiciar o desenvolvimento de estratégias que visem o apoio a
estes cuidadores (Schulze, & Rõssler, 2005).
Embora haja esta preocupação, e apesar dos avanços da psiquiatria, constata-
se que é reduzido o número de serviços de saúde mental que oferecem programas
específicos de apoio para os cuidadores e os aceitem como aliados. Na maioria dos
serviços, as experiências trazidas pelos cuidadores são menosprezadas, sendo o único
papel reservado à família o de agente custodiai (Yacubian, 1997; Yacubian, & Lotufo,
2001). Percebe-se, portanto, que na interação entre profissionais e familiares, geralmen­
te as experiências trazidas pelos cuidadores são pouco consideradas, na medida em
que muitos profissionais de saúde acreditam que os cuidadores nada têm a acrescentar,
por não serem suficientemente informados (Pickett-Schenk et al, 2006; Rõssler, 2006).
Estudos comprovam que, mesmo havendo o movimento de
desinstitucionalização, os portadores de transtornos psiquiátricos ainda são estigmati­
zados e rotulados como diferentes, gerando dificuldades em sua inserção no mercado
de trabalho, em iniciar e manter relações sociais e amorosas e baixa qualidade de vida,
aspectos estes contrários à reabilitação do portador (Bhugra, 1989; Jorm, 2000; Lauber
et al.. 2001, 2004; Tsang et al.. 2003).

Sobre Comportamento e Cognição


No movimento de reinserção social do portador de transtorno mental, a família
passou a constituir um dos pilares estruturais, tornando-se ativa neste processo e
figura central na readaptação do portador.
Percebe-se que, mesmo sendo pouco informada a respeito do diagnóstico e
tratamento do doente mental, há a necessidade da participacao do familiar, uma vez
que, em sua maioria, o tratamento psiquiátrico é realizado em ambiente natural. Mas
como transpor este dilema? Como tornar a família uma aliada ao tratamento?
Para solucionar tal impasse e garantir a reinserção do portador, medidas
educativas (grupos de psicoeducação) com familiares e demais cuidadores foram de­
senvolvidas, a fim de suprir tanto as demandas do doente, quanto as da familia.

Psicoeducação: aplicabilidade e perspectivas para pacientes e fa­


miliares
De acordo com Andrade (1999), diversas são as definições encontradas para a
psicoeducação, variando de acordo com os objetivos propostos e pressupostos de
cada autor.
Trata-se de uma prática que tem como objetivo ensinar o paciente e seu cuidador
sobre a patologia, os tratamentos, a capacidade de desenvolvimento de habilidades
esperadas, prevenção de recaídas, estratégias para solução de problemas e convivên­
cia harmônica (Dixon et ai, 2001). Ainda, estudos em diversos países mostram que a
psicoeducação proporciona maior satisfação do cuidador em lidar com o portador, dimi­
nuindo a sobrecarga para a família, maior adesão e aceitação do paciente ao tratamen­
to, redução da preocupação e frustração do cuidador para com o doente e redução de
níveis de recaídas e reinternações (Dixon et ai, 2004; Lukens & McFarlane, 2004; Pickett-
Schenk et al.. 2006; Pitschel-Walz, Leucht, Báuml, Kissling, & Engel, 2001; Sherman,
2003; Xiang, Ran, & Li, 1994).
Para Andrade (1999), a psicoeducação vai além da transmissão de informa­
ções, pois ela auxilia pacientes e familiares a compreenderem e darem sentido às
experiências vividas, auxiliando-os a engajarem-se no cotidiano munidos de repertório
para melhor valorizar a vida e preocuparem-se com ela.
A psicoeducação começou a ser usada na prática clínica na década de 70, visto
que se observava em doentes mentais crônicos e graves poucos resultados de melhoria
na sua qualidade de vida, bem como na de seus familiares com os tratamentos tradici­
onais (Anderson, 1986). Deste modo, começou-se a investir em um modelo de trata­
mento psicossocial que fosse mais educativo, suportivo, não-confrontacional e que
possibilitasse o desenvolvimento de um novo repertório comportamental para os paci­
entes e seus familiares (Falloon et ai, 1985; Goldstein, Rodnick, Evans, May, & Steinberg,
1978; Leff, & Vaughn, 1985).
Também é utilizada como uma importante aliada ao tratamento do doente men­
tal, associada ao tratamento farmacológico. Tem se mostrado uma prática eficaz no
tratamento de pacientes com diversas patologias, como demonstrado em estudos com
bipolares (Colom, Vieta, Martinez-Arán et ai, 2003a; Colom, Vieta, Reinares etal.. 2003b:
Miklowitz, 2006; Perry; Tarrier, Morriss, McCarthy, & Limb, 1999; Rouget, & Aubry, 2007;),
esquizofrênicos (Linden, Pyrkosch, & Hundemer, 2008; Morken, Grawe, & Widen, 2007),
deprimidos (Schotte, Van Den Bossche, De Doncker, Claes, & Cosyns, 2006), dentre
outros.

338 Roseli Ferreira da Lage, Silvia Sztamfater, Mariângela Gentil Savóia


Estudos envolvendo a eficácia desta prática com familiares foram realizados,
como evidenciado em familiares de bipolares e depressivos (Dixon et al., 2001; Yacubian,
1997), familiares de portadores de transtorno de estresse pós-traumático e transtorno
obsessivo compulsivo (Diamond, & Josephson, 2005; Kalra, Kamath, Trivedi, & Janca,
2008;), familiares de esquizofrênicos (Beardslee et al., 1997; McFarlane et al., 1996;
Penn, & Mueser, 1996;), entre outros.
Em consonância com o movimento de desinstitucionalização e objetivando
propiciar a reinserção social do portador de transtornos psiquiátricos, projetos vêm
sendo realizados em uma instituição de saúde mental da cidade de São Paulo, com
idosos portadores de transtorno bipolar e adultos fóbicos sociais e seus familiares.
Esta instituição baseia-se no modelo institucional de Manejo de Caso - e os pacientes
são atendidos nas diversas esferas (internação, hospital-dia e ambulatorial).

Relato de experiência com grupos de psicoeducação envolvendo


fóbicos sociais adultos e seus familiares
Os fóbicos sociais têm uma participação baixa em tratamentos psiquiátricos,
conforme afirmam Malerbi, Savoia, & Bernik (2000). Tal fato ocorre devido a vários fato­
res comuns a doenças e tratamentos no geral, bem como a fatores específicos, como
a dificuldade de relacionamento social. Os autores acrescentam que avaliar a adesão
no tratamento desta patologia é extremamente relevante para o transtorno.
Diversos estudos clínicos com fóbicos sociais adultos têm sido desenvolvidos
nos últimos tempos. Uma revisão sobre pesquisas com treino de habilidades sociais
identificou que os pacientes com fobia social apresentaram habilidades sociais mais
deficitárias, apontando o benefício potencial na participação em programas de treino
em habilidades sociais (Angélico, Crippa, & Loureiro, 2006). Outros estudos envolven­
do fóbicos sociais, mas não necessariamente ligados unicamente às habilidades so­
ciais, também podem ser encontrados na literatura, como é o caso de pesquisas envol­
vendo a exposição ao vivo às situações temidas pelo portador, como técnica mais
utilizada na redução das reações de ansiedade (Al-Kubaisy, Marks, & Loosdail, 1992;
Wlazlo, Schroeder-Hartwig, Hand, Kaiser, & Münchau, 1990;), além de ensaios que já
consideram a internet como ferramenta indispensável no tratamento da fobia social
(Tillfors et al., 2008).
Levando em conta os estudos desenvolvidos na área, o programa de
psicoeducação com os portadores abordou as seguintes temáticas: psicoeducação da
fobia social, assertividade, comportamento não-verbal, expressão de afetos, comunica­
ção e mudanças percebidas com a intervenção (avaliação do tratamento). Ainda, fez-se
uso de algumas técnicas, a saber: observação e registro de comportamentos, exposi­
ção, ensaio comportamental, tarefas de casa, relaxamento, treino de habilidades soci­
ais e biblioterapia.
Já com os familiares houve a exploração de temáticas como: psicoeducação
da fobia social, expectativas do familiar frente ao tratamento, dificuldades enfrentadas
na convivência com o portador, possíveis soluções (familiar como facilitador),
assertividade, comunicação e mudanças percebidas com a intervenção (avaliação do
tratamento).
Com a intervenção, os portadores puderam ampliar o seu repertório
comportamental, uma vez que realizaram no grupo o treino de habilidades sociais;
puderam perceber que outras pessoas também têm esta patologia; dividiram experiên­

Sobre Comportamento e Cognição


cias e entenderam melhor como lidar com alguns sintomas e limites que a fobia social
causa, buscando alternativas. Discutiram também questões ligadas ao tratamento
farmacológico. Não obstante, relataram ter sido benéfica a participação dos familiares
no tratamento, pois sentiram-se melhor entendidos e apoiados.
No tocante aos familiares, houve importantes progressos, como a diminuição
da sobrecarga por ter que cuidar dos portadores, melhor entendimento da patologia e
seu tratamento e conscientização de que há outras famílias que vivenciam a mesma
situação.

Relato de experiência com grupos de psicoeducação envolvendo


bipolares idosos
No que se refere a bipolares idosos, nota-se que são indivíduos que sofrem de
transtorno crônico e recorrente, sem informações a respeito da patologia (Knapp, &
Isolan, 2005; Lotufo, 2004; Sondergard, Lopez, Andersen, & Kessing, 2008). Devido ao
desconhecimento e às altas recidivas, são pacientes que tendem a sofrer estigma
social e preconceito, com prejuízos importantes em sua vida laborai, econômica, social,
familiar e amorosa. Este cenário torna-se mais preocupante quando se acrescenta
outra variável, o processo de envelhecimento. Tendo em vista o perigo de de idosos
bipolares evenvolverem-se em comportamentos de riscos, muitas vezes, por desco­
nhecimento do transtorno, foi desenvolvido um programa de psicoeducação em grupo
com bipolares idosos, baseado no programa de Barcelona (Colom, Vieta, & Scott,
2006).
O programa de psicoeducação em grupo recomendado envolve informações
sobre fatores etiológicos e desencadeadores de novos episódios; principais sintomas
dos episódios de mania, hipomania, misto ou depressivo; curso e prognóstico da doen­
ça, principais medicações - uso e efeitos colaterais; cuidados com o uso exclusivo de
terapias alternativas; riscos com o uso e abuso de substâncias psicoativas; desenvol­
vimento de habilidades de detecção precoce de novos episódios; importância da regu­
laridade de hábitos, controle do stress e solução de problemas (Colom et al., 2006).
Algumas das técnicas desenvolvidas no grupo foram: gráfico de humor e de mapeamento
da vida, registro de sintomas percebidos em cada fase e possíveis desencadeadores e
plano de intervenção para situações de emergência. Tarefas de casa eram solicitadas
regularmente.
Neste grupo foi possível observar uma maior prontidão dos idosos para lidar
com os efeitos colaterais da medicação. Notou-se também que os idosos bipolares,
após o grupo, aumentaram seu repertório comportamental em lidar com exclusão e o
preconceito social. Estes pacientes citam uma melhora significativa no relacionamento
com familiares, que passaram a compreender melhor sua patologia e, em alguns
casos, a auxiliarem no tratamento. Como o grupo observou-se a necessidade de novos
estudos e a inclusão dos familiares como co-adjuvantes no tratamento dos idosos
bipolares.

Considerações Finais
Com a desinstitucionalização do tratamento psiquiátrico, o papel do psicólogo
precisou ser revisto, já que a sua atuação profissional passou a ter como enfoque a
reinserção do portador na sociedade e melhor convivência familiar.

340 Roseli Ferreira da Lage, Silvia Sztamfater, Mariângela Gentil Savóia


Partindo desta perspectiva, a família constitui-se como figura central na recupe­
ração do portador, uma vez que a grande maioria dos acometidos passou a morar com
os seus familiares. Diante disso, os familiares, agora considerados cuidadores, ga­
nharam importância no tratamento, necessitando também de assistência para lidar
com o portador
É devido a este fato, que grupos de psicoeducação envolvendo portadores e
seus familiares começaram a ser realizados e, atualmente, têm se tornado uma prática
freqüente nas instituições de saúde.
O presente relato teve como objetivo discutir em que medida o uso da
psicoeducação com portadores adultos de fobia social e seus familiares e com bipolares
idosos foi benéfico para a recuperação destes pacientes. Os dados aqui expostos
mostraram que os projetos descritos trouxeram ganhos importantes para as popula­
ções alvo, principalmente no que diz respeito ao melhor conhecimento da patologia e
seu tratamento, tanto para o portador como para o familiar.

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344 Roseli Ferreira da Lage, Silvia Sztamfater, Mariângela Gentil Savóia


Capítulo 34
Tratamento do sobrepeso e obesidade de
crianças e adolescentes por
equipe multiprofíssional no
Hospital Escola da Santa Casa
de Misericórdia de Çoiânia

Sônia Maria M ello Neves1


Universidade Católica de Çoiás

Myriam Christina Alves Rodrigues


Consultório Particular

Daniele Pereira e Silva


Consultório Particular

Luis Qonçalo Q. Barreto


Universidade Católica de Qoiás

Raquel Valéria da Costa


SCM Q

A obesidade infanto-juvenil
A palavra obesidade é composta por ob (excesso) e edere (comer). Significa,
portanto, comer em excesso. A obesidade, e.m um contexto clínico, pode ser definida
como excesso de peso corporal, no entanto, a definição mais exata é a de excesso de
gordura corporal. A etiopatogenia da obesidade descreve que o excesso de gordura
resulta de sucessivos balanços energéticos positivos, em que a energia ingerida é
maior do que a energia gasta. Embora a etiologia da obesidade seja ainda desconhe­
cida, alguns fatores conhecidos podem favorecer o excesso de peso, classificando a
obesidade como uma doença multifatorial: (1) fatores genéticos (obesidade endógena);
(2) fatores ambientais (ausência de atividade física e maus hábitos alimentares); (3)
fatores psicológicos, psicossociais e culturais (obesidade psicogênica) (Azevedo &
Spadotto, 2004; Coutinho & Dualib, 2006).
As estatísticas sobre a incidência da obesidade são muito altas com tendência
a aumentar nos próximos anos. A obesidade é considerada um problema grave, com

1Emai!:sonia. mneves@terra.com.br.

Sobre Comportamento e Cognição 345


prevalência alta e é reconhecida como um dos maiores problemas de saúde das socie­
dades modernas. Efetivamente, dois fatores potencializam esse aumento: (1) a mudança
cie estilo de vida, de ativo para sedentário, que traz implícito o trabalho industrializado e (2)
a mudança de hábitos alimentares (Damiani, 2000; Oliveira & Fisberg, 2003).
No mundo existe mais de um bilhão de adultos com excesso de peso e pelo
menos 300 milhões deles sofrem de obesidade clínica. A obesidade infantil já apresen­
ta dimensões epidêmicas em algumas partes do mundo e afeta 17,6 milhões de crian­
ças com idade inferior a cinco anos (Organização Pan-americana da Saúde, 2003). No
Brasil não é muito diferente, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde
(OMS), a obesidade afeta 25% das crianças e adolescentes brasileiros (de Souza &
Heller, 2004). De acordo com Kaufman (1999) a obesidade atinge 13,5% dos meninos
e 9,5% das meninas com idade de 11 anos. Em 1980, esses valores eram de cerca de
6,5% para meninos e 7% para as meninas.
Algumas pesquisas foram realizadas no Brasil com o objetivo de observar o
aumento da obesidade infantil e percebeu-se que a obesidade está presente nas dife­
rentes classes econômicas (Mello, Luft & Meyer, 2004). Taddei (2002 citado por Mello e
cols, 2004, p. 8) analisaram dois inquéritos sobre mudanças relevantes na prevalência
da obesidade entre crianças e adolescentes, que tiveram sete anos de duração (1989
a 1996), em diferentes regiões e paises. Concluiu-se que aumentou a prevalência da
obesidade nas regiões menos desenvolvidas economicamente.
Kaufman (1999) lembra que as crianças obesas são mais predispostas a
apresentarem hipertensão, diabetes e alteração da taxa de colesterol e transtornos
como cardíaco, respiratório e ortopédico. Assim, os países desenvolvidos têm concen­
trado seus esforços na área de saúde pública, na prevenção de doenças não
transmissíveis. Para tanto, ênfase tem sido dada à redução da obesidade, visando a
modificação do padrão alimentar e a redução do sedentarismo. Os resultados obtidos
em relação à redução da obesidade são, contudo desencorajadores dado que a
prevalência de sobrepeso e obesidade, em países como os Estados Unidos tem sido
crescente (Fonseca, Sichieri, & Veiga, 1998).
Segundo Fonseca e cols (1998) quanto mais prevalente se torna a obesidade
maior o estímulo para se estudar grupos populacionais mais vulneráveis ao problema,
onde se possa levantar hipóteses relacionadas a determinação desta patologia. Alguns
desses grupos são os de crianças e adolescentes que, quando obesos, apresentam
maior probabilidade de se tornar um adulto obeso. Dado o grande número de crianças
que potencialmente podem se tornar adultos obesos, a prevenção deveria ser uma
prioridade. No entanto, a obesidade é um problema de saúde já instalado e o tratamen­
to se faz necessário objetivando diminuir o risco de doenças, mortes e melhorar a
qualidade de vida dessas pessoas.
Verificou-se, no entanto durante intervenções que a obesidade não é vista como
uma doença por muitos pacientes. Porém, seu tratamento deve ser conduzido da mes­
ma forma que o de outras doenças crônicas. O tratamento da obesidade produz resul­
tados que são alcançados lentamente e em longo prazo, por isso as chances de aban­
dono do tratamento ou a busca por tratamentos rápidos e milagrosos que podem ser
reincidentes. Esses fatores identificam a obesidade como uma entidade complexa de
difícil abordagem e terapêutica.

Tratamento médico da obesidade


Mello e cols (2004) relatam que o ganho de peso na criança normal é acompa­
nhado por aumento de estatura e aceleração da idade óssea. No entanto, depois, o
ganho de peso pode continuar, e a estatura e a idade óssea podem se manter constan­
tes, levando a obesidade.

346 Sônia M. M. Neves, Myriam C. A.Rodrigues, Daniele P. e Silva, Luis G G. Barreto, Raquel V. da Costa
Existem vários métodos diagnósticos para classificar o indivíduo como porta­
dor de obesidade ou de sobrepeso; o IMC (peso/estatura2), a medida de dobra cutânea
do tríceps (DCT) e o índice de obesidade (IO, peso atual/peso no percentil 50/estatura
atual/estatura no percentil 50x100). Aescolha de um ou vários métodos deve ser criteriosa
devendo-se considerar sexo, idade e maturidade sexual para obter valores de referên­
cia e classificar a obesidade. Há diferenças na quantidade de gordura e na sua distri­
buição regional entre as pessoas, e também quanto à idade e sexo - diferenças essas
que podem ser de origem genética.
As complicações da obesidade infantil são identificadas pela quantidade total
de gordura, o excesso de gordura em tronco ou região abdominal e o excesso de
gordura visceral que são três aspectos da composição corporal associados à ocorrên­
cia de doenças crônico-degenerativas. O aumento do colesterol sérico é um fator de
risco para doença coronariana, e esse risco é ainda maior quando associado à obesi­
dade. O sobrepeso triplica o risco de desenvolvimento de diabetes melito. A obesidade
é também fator de risco para dislipidemia, promovendo aumento de colesterol,
triglicerídeos e redução da fração HDL colesterol. A perda de peso melhora o perfil
lipídico e diminui o risco de doenças cardiovasculares. A qualidade dos alimentos inge­
ridos é um fator de risco para o desenvolvimento das doenças acima citadas e a ingestão
desses pela criança está intimamente relacionada com hábitos alimentares dos pais.
Os mesmos autores também relatam existência de estudos que demonstram
que a síndrome aterosclerótica já se inicia na infância e adolescência. O risco de síndrome
plurimetabólica na vida adulta é maior nos indivíduos que apresentam obesidade na
infância. Os fatores de risco são mais prevalentes quando maior o grau de obesidade. Os
riscos de hipertensão arterial e hipertrigliceridemia parecem ser maiores nas crianças
mais novas, e os riscos de hipercolesterolemia e hiperinsulinemia, maiores em adoles­
centes. A presença de doenças cardiovasculares na família indica maiores riscos para as
crianças. O histórico familiar é determinante e justifica investigação laboratorial.
A obesidade, já na infância, está relacionada a várias complicações, como
também a uma maior taxa de mortalidade. E, quando mais tempo o indivíduo se man­
tém obeso, maior é a chance das complicações ocorrerem, assim como mais precoce-
mente. O diagnóstico das evidências quanto aos danos na qualidade de vida mostra
que crianças e adolescentes obesos apresentam comprometimento físico variável em
conseqüência de alterações musculoesqueléticas, intolerância ao calor, cansaço e
falta de ar. É importante examinar, nessa população, as possibilidades de morbidades
ortopédicas, de morbidades gastrintestinais do tipo esteatose hepática, de refluxo
gastroesofágico, de coletilíase, assim como morbidades do sistema reprodutor, como
ovário policístico e pseudoginecomastia. Também, deve-se ressaltar que pode haver
incidência de transtornos do comportamento alimentar na adolescência e no início da
vida adulta, com maior possibilidade em meninas (Halpern & Rodrigues, 2006).
Em geral, quanto maior o número e a gravidade das complicações, maior a
probabilidade de que a criança necessite de avaliação e tratamento, talvez
medicamentoso, sob orientação de um médico pediatra.

Tratamento nutricional da obesidade


Tradicionalmente a forma de se tratar à obesidade envolve restrição alimentar,
com dietas hipocalóricas, e mudanças comportamentais nos hábitos alimentares. Tem-
se o suposto de que o problema deixa de existir se o obeso mudar seus hábitos e

Sobre Comportamento e Cognição


desenvolver comportamentos sem elhantes aos não obesos, isso implica, por exem ­
plo, aprender a comer menos e mais lentamente.
O tratamento nutricional tem como objetivo a perda de peso sustentada, saudá­
vel e que promova benefícios adicionais à saúde do obeso. Os nutricionistas orientam
uma dieta ou plano alimentar com baixas taxas de quantidade de gorduras. Segundo
Bressan e Costa (2006) esses planos devem estar dentro de metas reais e sustentá­
veis e associados ao aumento da atividade física. Dessa forma, os planos continuam
sendo a melhor opção de controle nutricional da obesidade.
Muito mais que a redução da massa adiposa, o plano alimentar deve objetivar
a sustentação do peso adquirido e prevenir o aumento do percentual de gordura corpo­
ral. Além desses objetivos do plano alimentar, existem outras finalidades da terapia
nutricional, como reduzir fatores de risco metabólico e cardiovascular, mudar os com­
portamentos alimentares lesivos à saúde, diminuir a oscilação de peso, restaurar o
equilíbrio psicossomático e aperfeiçoar a competência funcional e a qualidade de vida.
O nutricionista ao elaborar planos alimentares restritivos tem como referencial
o sexo, a idade, o nível de atividade física e o índice de massa corporal (IMC) da criança
e do adolescente, pois o plano deve atender às necessidades calóricas mínimas des­
ses. Verifica-se se o paciente precisa de um plano alimentar normocalórico, contem­
plando somente os hábitos alimentares e no estilo de vida, ou de um plano alimentar
hipocalórico e qual o nível de restrição.
Percebe-se a importância da implementação de medidas intervencionistas no
combate e prevenção a este distúrbio nutricional em indivíduos mais jovens. Algumas
áreas merecem atenção, sendo a educação, a indústria alimentícia e os meios de
comunicação, os principais veículos de atuação. Algumas ações que devem ser pratica­
das, como: as medidas de caráter educativo e informativo, através do currículo escolar
e dos meios de comunicação em massa; o controle da propaganda de alimentos não
saudáveis, dirigidos principalmente ao público infantil e a inclusão de um percentual
mínimo (Je alimentos in natura no programa nacional de alimentação escolar e redução
de açúcares simples. Sobre a indústria alimentícia, deve-se procurar o apoio à produ­
ção e comercialização de alimentos saudáveis (Oliveira & Fisberg, 2003).

Atividade física no tratamento da obesidade


Os profissionais da saúde verificaram que hábitos de vida com características
sedentárias podem, também, causar e manter a obesidade. As conseqüências desses
hábitos incidem em um aumento considerável de doenças crônico-degenerativas ou
hipocinéticas (Fortes, 2006).
Numa forma simplista de explicar o complexo fenômeno fisiológico da obesida­
de, os educadores físicos dizem que o peso corporal é uma função da energia consumida
versus a energia gasta. São três os componentes do gasto energético, o metabolismo
basal, o efeito térmico dos alimentos e a atividade física, sendo essa última a mais fácil de
modificar Embora o obeso possa não praticar mais exercício físico que o não obeso,
esse, no entanto, gasta mais energia ao realizar a mesma atividade, posto que tem de
deslocar mais massa corporal (Guerrero, 2007). É certo que na nossa atual sociedade
industrializada o estilo de vida é evidentemente sedentário e que a falta de atividade física,
além de ser prejudicial à saúde, leva a uma aquisição de peso gradual.
Os educadores físicos definem atividade física como qualquer movimento cor­
poral produzido pelos músculos esqueléticos que resulte num gasto calórico. Já o exer­

348 Sônia M. M. Neves, Myriam C. A.Rodrigues, Daniele P. e Silva, Luis G G. Barreto, Raquel V. da Costa
cício físico é uma subcategoria da atividade física e deve ser prescrito por esses profissi­
onais. Para melhor entender as funções e os resultados das atividades físicas e dos
exercícios, os epidemiologistas da atividade física estudam a correlação entre hábitos de
atividade física e doença ou atividade física e saúde; a verificação dos agentes que defi­
nem os hábitos de atividade física em uma população e a correspondência entre atividade
física e outros hábitos ou rotinas do cotidiano. Os pesquisadores após registrarem os
dados da pesquisa descritiva e analítica aplicam-na na prevenção e no controle de doen­
ças e de determinados situações que favorecem a ocasião de predispor a população.
O exercício físico é um dos fatores mais importante na manutenção do peso
corporal. Para tanto, é necessário uma avaliação individualizada do estilo de vida no que
se refere a quantidade de atividade física que o obeso realiza. A atividade física colabora
para o controle do peso corporal e reduz os sintomas dos transtornos de ansiedade e
do humor; o risco de fatores associados a doenças cardiovasculares; aumenta o
colesterol HDL; diminui os triglicerídeos e a propensão a trombose. Os indivíduos fisi­
camente ativos e com excesso de peso apresentam menor morbidade e mortalidade
do que os sedentários, pelo aumento da sensibilidade à insulina e melhora na tolerân­
cia à glicose e no metabolismo lipídico. Cerca de 60 a 85% da população mundial não
é suficientemente ativa para obter os benefícios para a saúde, dados verificados princi­
palmente em mulheres e em dois terços das crianças. De acordo com a OMS, o
sedentarismo está entre as 10 maiores causas de morte no mundo.
O educador físico orienta que a prática de atividade física proporciona um maior
gasto energético e auxilia no controle metabólico (glicose e lipídios) e no controle da
pressão arterial. Os exercícios devem ser sempre prescritos por profissionais capacita­
dos e os pacientes devem estar acompanhados por esses. Pois, geralmente, essa
população tem grande prevalência de fatores de riscos cardiovasculares.

Os aspectos psicológicos da obesidade e o tratamento psicoterápico


Os fatores comportamentais, cognitivos e emocionais mantêm estreitas rela­
ções com aprendizagem do comportamento de se alimentar em situações aversivas ou
em outras contingências (Schneider, 2008) indicando, nessas ocasiões, uma preferên­
cia pelos alimentos ricos em carboidratos, açúcares e gorduras. Durante a análise do
comportamento desses pacientes, verificou-se que os obesos podem não analisar
bem suas emoções e ainda ter baixa habilidade nas resoluções de problemas. Assim,
constantemente utilizam estratégias não assertivas para aliviar o sofrimento psicológi­
co, identificado por sentimentos negativos de raiva, dor, tristeza, mágoa, sensações de
vazio, solidão, dentre outros (Schacehter, Goldman, & Gordon, 1986). Alguns estudos
demonstram que a incidência e prevalência da obesidade nas crianças e adolescentes
têm aumentado significativamente (Kaufman, 1999). O impacto psicológico que a obe­
sidade tem nessas faixas etárias pode ser determinante no aparecimento de perturba­
ções que podem afetar esses indivíduos durante a vida (Halpern & Rodrigues, 2006).
O tratamento psicológico investigará a história de aprendizagem do hábito ali­
mentar e as possíveis causas do transtorno emocional que podem produzir compulsão
e maus hábitos alimentares, como medidas compensatórias. A psicologia
comportamental proporá metas a serem alcançadas, tendo como a principal interven­
ção terapêutica em pacientes obesos, as mudanças comportamentais que tem como
objetivo a diminuição do consumo calórico e o aumento do gasto energético. Assim, o
monitoramento do progresso individual do paciente, as auto-observações, os registros
diários e as pequenas mudanças de comportamento contribui para a mais importante

Sobre Comportamento e Cognição 349


intervenção comportamental no tratamento da obesidade, o automonitoramento (Conte
& Regra, 2006). Esse procedimento promove autoconhecimento, o paciente analisa
sobre que situações certos comportamentos podem contribuir para o ganho de peso,
comprometendo o programa de tratamento da obesidade. O automonitoramento pro­
moverá maior adesão ao tratamento por sinalizar e facilitar a discriminação da ocasião
que promove a compulsão alimentar. Outras técnicas incluem controle de estímulos,
solução de problemas e promoção de autocontrole (Asbahr & Ito, 2008; Rehm, 2007;
Rodrigues & Beckert, 2004). Essas promovem mudanças ambientais e permitem a
identificação de situações e auto-regras que possam comprometer o programa de
emagrecimento. Durante o percurso do tratamento, o paciente é estimulado e reforçado
em pequenas tarefas que produziram resultados positivos em curto prazo. Dessa forma
conseguirá engajar-se no projeto e permanecer “autocontrolado” até a meta final, onde
está o reforço de maior magnitude (saúde, perda de peso e todos os reforços valoriza­
dos pelo paciente que possam contribuir para a qualidade de vida do mesmo).
Hoje em dia, os tratamentos comportamentais da obesidade são pacotes
terapêuticos que não somente incluem elementos de aprendizagem, mas também
outros, como o exercício físico, a informação dietética, a restruturação cognitiva e o
apoio social do companheiro (Guerrero, 2007).

A equipe multidisciplinar no tratamento da obesidade


As condutas adotadas para o tratamento da obesidade, que envolvem somente
as modificações dos hábitos alimentares podem não causar resultados satisfatórios
devido as dificuldades que os pacientes encontram em seguir esses planos alimenta­
res de baixa calorias (Dyer, 1994).
Para o sucesso de um plano alimentar, a equipe multiprofissional tem funções
importantes ao longo de todo o tratamento. São elas: motivar o indivíduo obeso para a
perda de peso; conhecer a história de êxitos e fracassos do indivíduo na perda de peso;
observar o suporte familiar e de amigos; monitorar as co-mobidades - coronariopatia,
aterosclerose, diabete tipo 2 e hipertensão - associadas à obesidade, bem como ou­
tros fatores de risco - perfil lipídico, glicemia, tabagismo e sedentarismo; motivar a
prática de atividade física; minimizar as dificuldades e resitências do indivíduo ao trata­
mento, assim como observar sua condição socioeconômica (Bressan & Costa, 2006).
Pesquisadores propuseram que o tratamento multidisciplinar seria o mais
efetivo, mas as sessões não deveriam ser somente revisões do que já foi aprendido.
Ressalta-se que o tratamento deve incluir elementos novos e atender as necessidades
individuais. Tais elementos seriam: o suporte social (um companheiro no programa de
emagrecimento), aquisição de habilidades para solução de problemas e aprendiza­
gem de prevenção de recaídas e enfrentamento dessas possíveis quedas (Guerrero,
2007 & Kaufman, 1999).
Considerando a problemática acima descrita o Grupo de Estudos e Assistência
da Obesidade na Infância e na Adolescência da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia,
composto por profissionais e alunos dos Departamentos de Medicina e Psicologia da
Universidade Católica de Goiás e outros profissionais e alunos voluntários vinculados
a diversas instituições tem como objetivo oferecer tratamento multidisciplinar à crian­
ças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade e as suas respectivas famílias. Esse
projeto de atuação multidisciplinar oferece ajuda aos pacientes e suas família a perder
peso, promovendo aderência a um estilo de vida mais saudável.

350 Sônia M. M. Neves, Myriam C. A.Rodrigues, Daniele P. e Silva, Luis G G. Barreto, Raquel V. da Costa
Os grupos de pacientes são compostos por crianças (8 à 11 anos), adolescen­
tes (12-15 anos) e cuidadores. As crianças e adolescentes são selecionados dentre
aqueles que procuram o serviço de pediatria da Sta Casa de Misericórdia de Goiânia e
que são diagnosticados como portadores de sobrepeso ou obesidade. A equipe
multidisciplinar que atende essa população é composta por representantes dos cam­
pos da nutrição, medicina, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia e educação física.
São utilizadas salas para atendimento em grupo e individual, o auditório para palestras
e consultórios médicos. Recursos áudio-visual, balança, instrumentos específicos e
material de consumo são necessários para intervenções dos profissionais de diversas
áreas.
O tratamento consiste basicamente em reuniões semanais onde é acompa­
nhada a evolução do peso e do tratamento nutricional individualmente. Já a psicoterapia
de apoio e as palestras educativas alusivas à problemática da obesidade ocorrem em
grupo. Atendimentos psicoterápicos individuais, acompanhamento domiciliar, fisiotera­
pia, tratamento fonoaudiológico e acupuntura são oferecidos aos pacientes onde tais
necessidades são identificadas.

Referências

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352 Sônia M. M. Neves, Myriam C. A.Rodrigues, Daniele P. e Silva, Luis G G. Barreto, Raquel V. da Costa
Capítulo 35
Obesidade Juvenil: Correspondência
entre Relatos das Causas,
Tratamentos Necessários e
Praticados.

Suzan Alves dos Santos


Universidade Católica de Qoiás
Sônia M aria M ello Neves1
Universidade Católica de Qoiás
Doralice Oliveira Pires
Universidade Católica de Qoiás

A obesidade é considerada como uma doença crônica, multifatorial, caracteri­


zada pelo armazenamento excessivo de gordura nos tecidos adiposos do organismo,
devido a um balanço energético positivo, podendo ser produto da vulnerabilidade ge­
nética e de condições ambientais acarretando fatores de risco para patologias graves,
tais como diabetes, complicações cardiovasculares e hipertensão. Já no que se refere
às complicações psicológicas, pode causar sofrimento, depressão, dificuldades na
interação social, problemas de imagem corporal, sentimento de inferioridade em com­
paração aos amigos, e na qualidade de vida (Bicalho, & Salim, 2004).
Dentre os tratamentos da obesidade existentes podemos citar: intervenções
farmacológicas e cirúrgicas necessárias para o domínio da biogenética; educação
nutricional, necessária para o domínio da biologia; dietas necessárias à regulação e
modelação de hábitos alimentares mais saudáveis; atividades físicas, necessárias
para modificações biopsicossociais, resultantes da melhora da qualidade de vida;
psicoterapia intensiva, necessária para modificar comportamentos públicos e priva­
dos; treinamentos de habilidades necessárias para a extinção de hábitos alimentares
inadequados; programas de mudanças no comportamento direcionados para crian­
ças e adolescentes; psicoterapia interpessoal podendo ser útil no manejo das rela­
ções diárias do indivíduo com o seu ambiente; e elevação da auto-estima, importante
na manutenção da perda de peso (Brownell, & 0'Neil, 1999).
Tendo em vista o aspecto multifatorial da obesidade, conclui-se que as práti­
cas terapêuticas, objetivando desenvolver padrões reguladores duradouros de com­

1Email:sonia. mneves@terra.com.br. Telefone

Sobre Comportamento e Cognição 353


portamentos saudáveis que sustentam a manutenção de um peso mais baixo e a
melhoria da qualidade de vida dos indivíduos precisarão se amparar na formulação de
intervenções interdisciplinares que tratam os constituintes da obesidade do indivíduo
na sua complexidade, gerando assim resultados satisfatórios (Dyer, 1994).
A perspectiva Behaviorista Radical, em sua visão sobre a causalidade, apre­
senta o comportamento como multideterminado por fatores constitutivos do evento
comportamental (ambientais intrínsecos ao organismo e sócio-culturais), fazendo a
análise das múltiplas causas a partir da interação do organismo visto como um todo
com o seu meio ambiente. Então a expressão determinante do comportamento signifi­
ca quaisquer condições ou fatores que afetam, e participam do evento (Moore, 1990).
Para Skinner (1953/1994), expor com precisão a interação organismo-ambien-
te implica sempre especificar a ocasião na qual a resposta ocorre, a própria resposta,
e as conseqüências por ela produzidas. A relação entre esses três elementos constitui
a contingência de reforço, assim nomeada pela probabilidade do efeito da conseqüên­
cia aumentar a emissão de uma resposta semelhante àquela que produz o apareci­
mento ou desaparecimento de uma dada conseqüência.
A análise do comportamento skinneriana, tomada como modelo causai à expli-
caçãp darwinista da evolução das espécies, propõe um modelo de seleção pelas con-
seqüênçias, a partir do qual analisa três níveis de variação e seleção responsáveis pela
história do comportamento humano (Micheletto, 2001).
Esses três níveis podem ser descritos da seguinte forma: o primeiro nível
respondente implica que o ser humano nasce possuindo um corpo físico geneticamen­
te determinado. Trazemos assim, repertórios comportamentais que são reflexos e apren­
demos com a interação com o meio que, na presença de novos estímulos, podemos
emitir comportamentos, que são os condicionamentos pavlovianos, ou seja, respostas
selecionadas previamente pela seleção natural que passam a ocorrer sob o controle de
novos estímulos (Micheletto, 2001).
No segundo nível operante o sujeito desenvolve repertórios na sua interação
com o ambiente podendo essa relação ser adaptativa ou trazer conseqüências negati­
vas para ele mesmo, mas também para o meio ambiente. No sentido não adaptativo, o
sujeito tenta responder de forma adequada para obter reforçadores, não conseguindo
isso, opera de outra forma, através de comportamentos disfuncionais (patológicos),
gerando outros reforçadores (Micheletto, 2001).
No terceiro nível ocorre a evolução dos ambientes sociais; os culturais. A interação
do indivíduo com o ambiente social acarreta, e impulsiona mudanças tanto ambientais
quanto individuais, de todo o repertório comportamental necessário à sobrevivência do
indivíduo. Por isso, outros indivíduos passam a ser parte importante do ambiente. As­
sim a partir do comportamento de outras pessoas o individuo pode adquirir novos
comportamentos a serem reforçados (Micheletto, 2001).
A cultura se desenvolve através da linguagem onde valores sociais, crenças
que a sociedade dita como certas e erradas fazem com que o individuo não só se
comporte em prol de si mesmo, mas do seu grupo. Seu comportamento é selecionado
não só pelas suas conseqüências imediatas sobre ele, mas pelas conseqüências que
traz para o seu grupo e sua sociedade. O comportamento verbal é um tipo de comporta­
mento social que coloca o homem como um ser social porque ele inicia a produção de
conhecimentos que é de interesse do grupo, como também transmite e troca experiên­
cias (Micheletto, 2001).
O comportamento verbal é definido como um operante estabelecido e mantido

354 Suzan Alves dos Santos, Sônia Maria Mello Neves, Doralice Oliveira Pires
pelo reforço mediado por outra pessoa. Entretanto, a emissão do comportamento ver­
bal tende a ocorrer apenas no contexto em que tem probabilidade de ser reforçada e
necessita de um falante e de um ouvinte, conjunto este denominado de episódio verbal
total. Esse episódio constitui no comportamento combinado de dois ou mais indivídu­
os, onde, nessa interação social, os indivíduos emitem comportamentos, ora como
falantes, ora como ouvintes (Skinner, 1978).
A análise funcional do comportamento verbal emprega a forma como cada
indivíduo usa a língua em episódios de interações verbais, estando sob o controle tanto
da comunidade verbal quanto de sua própria história pessoal e das variáveis atuais em
vigor, que aumentam a probabilidade da ocorrência de dado comportamento verbal,
incluindo as formas aberta ou encoberta (Gangora, 2003).
Na abordagem Behaviorista Radical conhecer é comportar-se
discriminadamente perante estímulos. A discriminação de estímulos gerados pelo pró­
prio individuo que se autoconhece está relacionada ao conhecimento sobre si, distinto
do conhecimento sobre o mundo, podendo ser estes estímulos privados ou públicos.
Assim, o sujeito é capaz de se autoconhecer quando consegue identificar os fatores ou
variáveis controladores e as condições sob as quais o comportamento é emitido, como
também os repertórios verbais autodescritivos e a auto-observação, são elementos
indispensáveis no comportamento de se autoconhecer. O autoconhecimento é um com­
portamento de origem social, e é instalado a partir de contingências providas pela
comunidade verbal (Marçal, 2004). Portanto, problemas na formação do autoconceito
acarretam comportamentos disfuncionais na descrição precisa e no rearranjo das vari­
áveis controladoras do evento comportamental (Simonassi, & Cameschi, 2003).
Os comportamentalistas em seus estudos têm preferência pela observação
direta de seu objeto de análise, o comportamento, atendendo preferencialmente as
causas desse comportamento através da manipulação direta de variáveis experimen­
tais. Mas, nem sempre essa observação direta é possível, dado que certos eventos
comportamentais são privados ou inacessíveis num certo momento. Portanto, utilizam
de relatos verbais, que são um comportamento verbal emitido sob controle de um
estado de coisas, que funcionam como estímulo discriminativo para obterem informa­
ções acerca de comportamentos manifestos (públicos) e comportamentos encobertos
(de Rose, 1997).
O relato verbal é uma das fontes de dados mais amplamente utilizadas na
Psicologia, Medicina e outras ciências que lidam com o homem, constituindo a base de
entrevistas clínicas, levantamentos, avaliações padronizadas, entrevistas pré-experi-
mentais e outros (de Rose, 1997). Porém, resultados de várias pesquisas que utiliza­
ram diferentes técnicas de inquérito alimentar demonstraram a subestimação nos rela­
tos de consumo, tanto em homens quanto em mulheres adultas (Salvo & Gimeno,
2002; Drummond, Crombie, Cursiter, & Kirk, 1998), como também em adolescentes
(Andrade, 1995). Entretanto, a subestimação é, especialmente, encontrada entre mu­
lheres (Drummond, Crombie, Cursiter, & Kirk, 1998). Outros estudos indicaram, através
do uso de relatos verbais, que o consumo calórico de pessoas obesas pode ser o
mesmo ou ainda menor que o consumo calórico de pessoas magras (Lincoln, 1972;
Krombout, 1983).
Bandini, Schoeller, Cyr, & Dietz (1990) também mostraram que o consumo calórico
foi subestimado por 20% dos não obesos e por 45% dos obesos. Em um outro estudo,
com um grupo de obesos submetidos a uma dieta de restrição calórica, os 47% do
consumo calórico subestimado e, os 51% dos exercícios físicos superestimados pare­
cem explicar o fracasso na perda de peso. Dyer (1994) conclui que os resultados obtidos

Sobre Comportamento e Cognição 355


nesses estudos não são fidedignos, já que se baseiam em auto-relatos sobre o consu­
mo alimentar. O autorelato tem se mostrado um meio não confiável, mais especificamen­
te para as pessoas obesas, quando se trata de consumo de alimentos (Shoeller, 1990).
Neves et al. (2007) ao utilizarem como método de coleta de dados o relato
verbal, pretendendo com isso verificar a existência de correspondência entre os relatos,
de mulheres obesas, das causas e dos tratamentos aos quais elas se submeteram,
chegaram à conclusão que: a correspondência encontrada nos relatos das participan­
tes relativa às causas e aos tratamentos aos quais mulheres obesas foram submeti­
das revelou-se de forma incoerente.
Portanto, os estudos apresentados acima demonstraram que o relato verbal
está sob controle de outras variáveis que não a quantidade e o tipo de alimento consu­
mido. Mesmo assim, apesar das conclusões mencionadas sobre o relatar, ele é uma
fonte metodológica que auxilia o pesquisador a verificar se existe ou não a correspon­
dência entre o comportamento verbal e o comportamento não verbal.
Diante da temática, resumidamente apresentada acima, este estudo tem como
objetivo geral identificar comportamentos verbais relevantes para compreensão da obe­
sidade de pré-adolescentes e adolescentes com problemas de obesidade. Especifica­
mente, pretende verificar a relação existente entre relatos de causas da obesidade, dos
tratamentos que pré-adolescentes e adolescentes obesos acreditam ser necessários
e daqueles aos quais já se submeteram.
A importância deste trabalho se justifica na busca de uma melhor compreen­
são da obesidade juvenil, que atualmente vem se destacando através de dados estatís­
ticos alarmantes, pela invisibilidade social e científica em relação ao problema. Portan­
to, este trabalho visa à expansão do estudo desse tema, dentro do campo científico da
análise do comportamento; em especial a análise do comportamento verbal. Esta aná­
lise possibilita o acesso dos estudiosos a eventos encobertos, como também permite
aos analistas comportamentais apontar a correspondência entre os comportamentos
dizer-fazer e fazer-dizer, especificamente, neste estudo o relato verbal, das causas, das
ações necessárias e das já praticadas no tratamento da obesidade. Essa metodologia
(dizer-dizer) possibilita também ao pesquisador explorar o comportamento de
autoconhecimento e autocontrole dos indivíduos observados, na sua análise dos rela­
tos verbais.

Método
Participantes
Participaram deste estudo 21 (vinte e um) pré-adolescentes e adolescentes de
Goiânia com sobrepeso e obesidade, na faixa etária entre 10 anos e cinco meses e 14
anos. Tpdos os participantes foram escolhidos mediante critério de índice de massa
corpórea (IMÇ), ou seja, com IMC acima de 25% e foram classificados conforme o índice
do percentil acima de 85 como portadores de sobrepeso, e acima de 95 como portado­
res de obesidade (Halpern, & Rodrigues, 2006). Essa seleção só fora iniciada após o
consentimento dos pais ou responsáveis mediante a leitura, preenchimento e assina­
tura do termo de consentimento livre e esclarecido (vide Tabela 1)
Materiais
A coleta de dados foi realizada através da abordagem dos indivíduos em ambi­
entes variados, tais como: escolas, hospitais e domicílios. Para tal finalidade foram
utilizadas folhas de fichário, canetas esferográficas para as anotações; uma balança

356 Suzan Alves dos Santos, Sônia Maria Mello Neves, Doralice Oliveira Pires
mecânica pessoal digital e analógica, da marca Plenna, para pesagem; uma fita métri­
ca (trena de 2m), para medir a altura; um microcasset pearlcorder 5706 Olimpus, duas
micro fitas casset de 30 minutos de cada lado, para gravar as respostas dos participan­
tes; uma calculadora para o cálculo do IMC e um computador.

Procedimento
Antes do início da entrevista os participantes abordados nas escolas, hospitais
e domicílios foram investigados sobre a sua possibilidade de colaboração ou não no
estudo, mediante as informações contidas na folha de instrução para iniciar as entrevis­
tas. Após o aceite do participante, foi entregue um documento de consentimento e
autorização aos pais ou responsáveis que foram devolvidos devidamente preenchidos
e assinados para a pesquisadora.
Em seguida os participantes foram pesados e medidos para a realização do
cálculo de índice de massa corpórea (IMC), que se dá pela fórmula: IMC, peso (kg)/
altura2 (m2), pois a seleção dos participantes se dava pelo IMC acima de 25%. O valor do
IMC foi transportado para uma figura de peso-padrão relacionado com a idade
objetivando a classificação dos participantes como portadores de sobrepeso ou obesi­
dade (Halpern & Rodrigues 2006). Posteriormente os sujeitos responderam verbal­
mente a um questionário que constava de três perguntas estruturadas e abertas, grava­
das juntamente com as respostas. Todas as entrevistas tiveram a freqüência de tempo
variando de 10 a 20 minutos.
As perguntas foram as seguintes:
1. O que você acha que é a causa do seu excesso de peso? (Se a causação for
multifatorial) Então qual dessas causas você considera mais importante?
2. O que você acha que deve fazer para resolver seu excesso de peso?
3. O que você já fez para resolver essa situação?

Resultados
Com referência às causas, aos tratamentos necessários e aos tratamentos já
praticados, os relatos verbais dos pré-adolescentes e adolescentes com sobrepeso ou
obesidade foram agrupados em cinco categorias, sendo: 1) nutrição/dieta: nesta foram
tabuladas respostas referentes à quantidade e qualidade de alimentos, horário de
alimentação, perda de calorias, emagrecimento e regime; 2) exercício físico: nesse
grupo incluem-se relatos como atividades físicas, academia, esportes e dança; 3)psi-
cológico/comportamental: esta categoria abarca-se respostas tais como:
compulsividade/descontrole, gula, fome è vontade de comer; 4) médico/orgânico/
farmacológico, descrições sobre especialidades médicas, tendência genética e medi­
camentos foram reunidas nessa categoria. A não descrição das variáveis investigadas
foi agrupada na categoria não sei/nada.
A análise da freqüência das respostas dada por cada participante, referentes
às variáveis investigadas (causa, intervenções necessárias e intervenções já pratica­
das), foi tabulada de acordo com o seu conteúdo, considerando as categorias acima
definidas.
A categoria nutrição/dieta foi apontada pela maioria dos participantes nas três
variáveis investigadas (causa - 12 vezes, intervenção necessária - 17 vezes e interven­
ção já praticada - 17 vezes).

Sobre Comportamento e Cognição 357


Ao nos referirmos à causa múltipla do sobrepeso ou obesidade, dos pré-ado-
lescentes e adolescentes entrevistados os dados demonstram que dezessete dos
interrogados relatam somente uma causa para o seu sobrepeso ou obesidade; quatro
indicaram duas causas e nenhum dos entrevistados indicou três causas.
Verifica-se que dentre os apontamentos de uma causa da obesidade, 40%
foram dirigidos a categoria nutrição/dieta, 26,7% a exercícios físicos, e a categoria psi-
cológico/comportamental recebeu 13,3% de indicações (vide Figura 1).
Sobre as aduções dos participantes que elegeram duas causas para seu pro­
blema de excesso de peso, a categoria nutrição/dieta foi a mais relatada, seguida de
psicológico/comportamental, médico/orgânico/farmacológico e exercícios físicos que
receberam o mesmo número de indicações. Nenhum dos participantes elegeu três ou
mais causas (vide Figura 2).
Em relação às intervenções necessárias para o tratamento do sobrepeso ou
obesidade, observa-se que: doze relataram uma intervenção necessária. Verifica-se
nessas respostas uma prevalência de 66,7% do fator nutrição/dieta, e uma relevância
de 25% para exercícios físicos (vide Figura 3). Um equivalente a nove dos colaborado­
res escolheram duas intervenções necessárias. Observa-se que 50% desses relatos
foram direcionados à categoria nutrição/dieta e uma porcentagem muito próxima a
essa (44,5%) foi dirigida ao grupo de exercícios físicos (vide Figura 4). Não houve rela­
tos que contivesse três ou mais intervenções necessárias.
Quanto aos tratamentos já praticados para cuidar do sobrepeso ou obesidade,
dez da população declararam uma intervenção já praticada. Dentre essas declarações,
60% foram dirigidas a categoria nutrição/dieta, 20% foram referentes a exercícios físi­
cos e os demais relatos foram distribuídos entre as categorias psicológico/
comportamental e não sei/nada (vide Figura 5).
De toda amostra entrevistada, oito afirmaram em seus relatos, já terem pratica­
da duas intervenções; a Figura 6 que se segue mostra que foram encontrados nesses
discursos uma porcentagem de 47% referentes à categoria nutrição/dieta e de 35,3%
para exercícios físicos.
Relatos que mencionaram três ou mais intervenções já praticadas totalizaram
três dos participantes abordados. As categorias nutrição/dieta, exercício fisco e médico/
orgânico/farmacológico foram igualmente contemplados (vide Figura 7).
No que se diz respeito à correspondência dos relatos verbais da causa, inter­
venções necessárias e intervenções já praticadas, dos participantes com sobrepeso
ou obesidade conclui-se que: 14 participantes apresentaram em suas respostas cor­
respondência total em pelo menos uma categoria sobre o que eles consideravam a
causa da obesidade, intervenção necessária e intervenção já praticada.
Dos entrevistados, doze apresentaram uma correspondência parcial entre cau­
sas, intervenções necessárias e praticadas; sendo que uma pessoa correspondeu, em
seus relatos, causa e intervenção necessária, quatro participantes demonstraram cor­
respondência entre causas e intervenções já praticadas e sete pessoas entre interven­
ções necessárias e já praticadas.

Discussão

O presente estudo teve como objetivo geral identificar comportamentos verbais


relevantes para a compreensão do sobrepeso ou obesidade juvenil, através dos relatos

358 Suzan Alves dos Santos, Sônia Maria Mello Neves. Doralice Oliveira Pires
de causas, tratamentos necessários e tratamentos já praticados. A partir das análises
dos relatos, os resultados demonstraram que a maioria dos participantes apontou os
fatores nutricionais como a causa do seu sobrepeso ou obesidade.
Os dados, com base nas indicações referentes à causação do problema de
sobrepeso ou obesidade, podem ser relacionados com os níveis de determinação e
variação do comportamento segundo o Behaviorismo Radical (Micheletto, 2001). As­
sim, pode ser observado que somente um dos participantes identificou a causalidade
do seu problema num nível biológico de determinação, identificação essa de causação
filo-genética. No entanto pouco mais da metade (2/3 de 21 dos participantes), perce­
bem os determinantes do seu sobrepeso ou obesidade como provenientes do nível de
causação ontogenético, ou seja, indicam os fatores nutricionais e psicológicos/
comportamentais como causas. Em contrapartida, o nível de causação sócio-cultural
identificado como um dos fatores de determinação do comportamento dentro do mode­
lo Skinneriano, não foi contemplado neste estudo, como possíveis causas.
Poderíamos supor que em termos do sobrepeso ou obesidade, fatores como
por exemplo, mídia ou família, podem ser identificados como fatores sócio-culturais,
mas isso não ocorre nos relatos, sugerindo que esses fatores não são entendidos
pelos pré-adolescentes e adolescentes como determinantes de seus hábitos alimen­
tares.
Conforme Bicalho, & Sallim (2004), Dyer (1994), Neves etal. (2007), o excesso
de peso pode ser acarretado por uma multiplicidade de causas; isto é uma combinação
de fatores que incluem hábitos alimentares inadequados, sedentarismo, propensão
genética e distúrbios psicológicos. Dos 21 participantes, 17 não apresentam estar
conscientes das afirmações dos autores citados, pois relataram apenas uma causa,
isto é, esses pré-adolescentes e adolescentes parecem não ter consciência no sentido
de descrever o seu problema de sobrepeso ou obesidade como multideterminado.
Pode-se conferir nos relatos de identificação dos tratamentos necessários
que um pouco mais da metade participantes acredita ser necessária para a solução do
seu problema de excesso de peso apenas uma intervenção. Esse dado sugere certa
dificuldade desses entrevistados de entenderem a necessidade de realizar tratamen­
tos multidisciplinares. Certamente essa visão pode ser proveniente da falta de consci­
ência sobre a gênese multifatorial da obesidade.
Esse estudo teve como objetivo especialmente investigar além dos dados já
discutidos acima, a correspondência existente entre os relatos de causas do sobrepeso
ou obesidade, dos tratamentos necessários e aqueles aos quais os participantes já se
submeteram. Verificamos a correspondência, nos relatos de mais da metade dos par­
ticipantes; indicando frequentemente os fatores nutricionais nas três variáveis
investigadas. Nesse sentido, a correspondência encontrada nas descrições dos pré-
adolescentes e adolescentes indica que o autoconhecimento, observado através do
relato das causas e dos tratamentos necessários e praticado, pode dessa forma de­
senvolver pré-requisitos para o autocontrole (Simonassi & Cameschi, 2003). Entretan­
to, apesar de apresentarem essa correspondência, os participantes desse estudo não
entendem sobre a multicausalidade do comportamento humano, não tendo desse modo
um desenvolvido repertório de autoconhecimento o que, neste sentido, prejudica a
obtenção de autocontrole eficaz. Isto é, intervenções apropriadas no sentido de mudar o
comportamento ou intervir no nível da multicausação.
Pode-se supor que provavelmente o insucesso do tratamento do seu sobrepeso
qu obesidade se deve ao fato de muitas vezes não perceber todos os fatores causado­

Sobre Comportamento e Cognição


res da obesidade, como também de não entenderem a necessidade de se intervir em
todos os níveis de determinação. O estudo de Neves et al. (2007) também nos leva as
mesmas conclusões.
O comportamento de nos autoconhecer e observar é aprendido a partir de
contingências sociais, que nesse caso, em nível do relato das causas, das ações
necessárias e das ações já praticadas, não podem ser asseguradas com fidedignida-
de porque não temos certeza se as identificações apontadas são resultados das per­
cepções do próprio indivíduo baseadas nas suas experiências diretas ou se elas pro­
vêm de conceitos dos outros sobre ele, culturalmente condicionados.
Essas suposições também podem sugerir que a falta de conhecimento sobre
as causas do problema em questão seja produto de condicionamentos sociais, já que
culturalmente, em geral, entende-se a obesidade como uma doença que deve ser
tratada simplesmente no nível nutricional (ontogenético) e/ou orgânico (Dyer, 1994).
Portanto, percebemos assim a necessidade do desenvolvimento de progra­
mas sócio-educacionais formadores de consciência relativa ao problema do excesso
de peso intervenções terapêuticas interdisciplinares, com a finalidade de obter suces­
so no tratamento da obesidade juvenil.

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Anexos

Tabela e Figuras

Tabela 1. Dados descritivos dos participantes em relação a: idade, peso, IMC, percentil e
classificação de peso/padrão para a idade.
Participantes Idade Peso (kg) IMC (kg/m*) Percentil(%) Classificação
1 10,10 72 29 >95 Obesidade
2 12 75 28 >95 Obesidade
3 11 55 26 >95 Obesidade
4 11 59 25 >95 Obesidade
5 11 75 29 >95 Obesidade
6 12 81 30 >95 Obesidade
7 13 71 31 >95 Obesidade
8 12 91 36 >95 Obesidade
9 11 72 28 >95 Obesidade
10 12,10 79 28 >95 Obesidade
11 10,11 55 28 >95 Obesidade
12 10,10 58 26 >95 Obesidade
13 14 75,7 28 >95 Obesidade
14 12 87 32 >95 Obesidade
15 14 99 36 >95 Obesidade
16 12 87 36 >95 Obesidade
17 13 74 36 >85 Sobrepeso
18 12 80 30 >95 Obesidade
19 14 70 28 >95 Obesidade
20 12 70 26 >95 Obesidade
21 12 64 26 >95 Obesidade

Sobre Comportamento e Cognição 361


□ Nutrição
□ fticobgia/Ccmportamertal
■ Exercício Fteico
Dl Mèdco/Crganioo
5 l\6o sei/Nada

1 Causa
Figura 1: Porcentagem de respostas distribuídas nas categorias, quando apontado uma causa.

0 Nutrição
□ Pscologé/Oompatamental
■ Exercido Físico
03Médico/Orgânico
SNão se^Nada

Figura 2. Porcentagem de respostas distribuídas nas categorias, quando apontado duas causas.

0 Nutrição
□ Psicologia/Comportamental
■ Exercício Fisico
0 Médico/Orgânico
□ Não sei/Nada

1 1ntervenção Necessária
Figura 3: Porcentagem de respostas distribuídas nas categorias, quando apontado uma intervenção
necessária.

0 Nutrição
□ Psicologia/Comportamental
■ Exercício Fisico
ESMédico/Orgânico
B Não sei/Nada

2 Intervenções Necessárias

Figura 4: Porcentagem de respostas distribuídas nas categorias, quando apontado duas


intervenções necessárias.

362 Suzan Alves dos Santos, Sônia Maria Mello Neves, Doralice Oliveira Pires
□ Nutrição
□ Psicologia/Comportamental
■ Exercício Físico
DDMédico/Orgânico
□ Não sei/Nada

1 1ntervenção Já Praticada

Figura 5: Porcentagem de respostas distribuídas nas categorias, quando apontado uma intervenção
já praticada.

Q Nutrição
□ Psicologia/Comportarrental
■ Exercício Físico
CDMédico/Orgânico
B Nâo sei/Nada

2 intervenções Já Praticadas

Figura 6: Porcentagem de respostas distribuídas nas categorias, quando apontado duas


intervenções já praticadas.

Z Nutrição
□ Psicologia/ComportamentaJ
■ Exercício Fisico
D Médico/Orgânico
5 Não sei/Nada

3 Intervenções Já Praticadas

Figura 7: Porcentagem de respostas distribuídas nas categorias, quando apontado três intervenções
já praticadas.

Sobre Comportamento e Cognição 363


Capítulo 36
Cirurgia plástica estética: implicações
psicológicas
Talita Lopes Marques1
Denise Cerqueira Leite Heller2.

Introdução
As pessoas estão cada vez mais insatisfeitas com sua aparência (Stenzel,
2006). Todo ano milhões de pessoas fazem dieta para emagrecer, se exercitam para
ficar em forma, usam cosméticos para disfarçar defeitos ou se submetem as cirurgias
plásticas estéticas para modificar alguma característica de sua aparência. Todas essas
estratégias possuem um único propósito: fazer com que a pessoa se sinta melhor no
corpo em que vive (Cash, 2008).
A obesidade é hoje um problema de saúde pública em diversos países. Muitas
pessoas estão com sobrepeso e a gordura é repudiada na sociedade ocidental ou com
hábitos ocidentalizados, o que gera a “fobia de gordura”. A preocupação com o peso é
um dos pilares principais para a imagem corporal negativa (Pope, Phillips, & Olivardia,
2000).
Homens e mulheres estão cada vez mais se submetendo á cirurgia plástica
estética para modificar sua aparência. De acordo com a Sociedade Americana de Cirur­
giões Plásticos (2007) aproximadamente 11 milhões de americanos passaram por
cirurgia ou procedimentos cosméticos só no ano de 2006, uma média 7% acima de
2005, que é 48% maior do que a média do ano 2000 e assustadoramente 800% acima
da média de 1992. A questão que se levanta a partir desses dados é se a melhora do
corpo em si é capaz de melhorar a imagem corporal (Cash, 2008) e a auto-estima. Para
entender essa questão, neste capítulo iremos discorrer sobre o contexto atual da beleza
em nossa sociedade e como a auto-estima, imagem corporal e resiliência, principais
aspectos psicólogos intrínsecos a esse procedimento, estão atreladas a busca pela
cirurgia plástica estética.

1Universidade Federai de Santa Catarina, taiimarques@hotmail.com.


2 Universidade Tuiuti do Paraná, deleiteheli@yahoo.com.br.

364 Talita Lopes Marques, Denise Cerqueira Leite Heller


Padrões de beleza atuais:
Hoje em dia há dois ideais de beleza para as mulheres, o da magreza extrema
e o da definição corporal, com seios fartos e musculatura torneada. Entretanto, esses
padrões são praticamente inatingíveis uma vez que a magreza preconizada representa
um índice de massa corporal correspondente à anorexia nervosa e a definição corporal,
para a maioria das pessoas, só pode ser conquistada com exercícios físicos em exces­
so, uso de anabolizantes esteróides ou cirurgias plásticas estéticas, como lipoaspiração
ou lipoescultura e implantes de silicone (Marques, & Heller, 2008 a, b).
A sociedade impõe o “culto à magreza”, sendo este promovido, em parte, pelo
modelo econômico e instituições sociais que se beneficiam dele (Hesse-Biber, Leavy,
Quinn, & Zoino, 2006). Essa imposição de padrão de beleza disseminado pela mídia
mobiliza um mercado lucrativo relativo a propaganda, produtos light ou diet, estratégias
para perda de peso, fitness e cirurgia plástica estética, que, exceto o primeiro, são
meios pelos quais as pessoas buscam se adequar ao padrão estabelecido (Castilho,
2001).
Este ideal de beleza preconiza que a aparência corporal deve ser a principal
base da auto-estima de homens e mulheres. Contudo, essa aparência não pode ser a
que satisfaça a própria pessoa, pelo contrário, a aparência socialmente aceita estabe­
lece padrões extremamente rígidos, quase inatingíveis, extinguindo qualquer conside­
ração pelas possibilidades e limitações do corpo das pessoas (Pope et al.. 2000).
Segundo Stenzel (2006), pesquisas recentes confirmam o crescente descon­
tentamento que as pessoas sentem com a aparência do seu corpo, não obstante a
população feminina é a mais atingida, visto que a mídia foca nelas a imposição de
padrões de beleza. Desta forma, o bem-estar psíquico e social depende diretamente
das medidas corporais socialmente aceitas.

Imagem corporal
Hoje em dia há um consenso quanto à definição da imagem corporal, que se
refere à experiência subjetiva que as pessoas têm com sua condição corpórea (Stenzel,
2006). Para Castilho (2001) a imagem corporal é formada a partir da infância. As crian­
ças aprendem como a sociedade enxerga diferentes características físicas e a imagem
corporal vai se formando na medida em que elas absorvem conceitos do que é valoriza­
do e do que não é atraente. Julgam sua própria aparência corporal e conferem se estão
de acordo com aquilo exigido pela sociedade. A clara percepção de si mesmo é influen­
ciada pelos padrões estipulados pela sociedade e cultura, pela família e experiências
vividas pelo indivíduo.
Segundo Briggs (2000) a construção da imagem corporal, bem como da auto-
estima, se dá à medida que a criança interage como ser social em sua família e com o
meio em que vive, adquirindo informações a seu respeito. Antes do aprendizado da
linguagem, a criança aprende a linguagem corporal transmitida pelos outros, e, através
dela, a criança capta e registra impressões sobre si mesmo e o mundo com base na
maneira como é tratada. Quando se está feliz, por exemplo, tende-se a se perceber
mais belo e o contrário também é verdadeiro.
A avaliação do próprio corpo surge a partir da interação com o ambiente, sendo
a auto-imagem desenvolvida e reavaliada no decorrer de toda a vida. Com a valorização
extrema da beleza externa, ocorre um processo onde se atrelam valores tais como
aceitação social, ascensão social, profissional, pessoal com o belo e se faz de tudo

Sobre Comportamento e Cognição


para atingir padrões de beleza muitas vezes inatingíveis. Tudo isso gera insatisfação
com o próprio corpo, rebaixamento da auto-estima, prejuízos sociais e a crença de que
a cirurgia será a solução do problema. A partir do momento que o indivíduo percebe que
está fora do padrão preconizado pela mídia, passa a buscar uma aparência física idea­
lizada. Essa busca dá-se através da prática excessiva de dietas, exercícios físicos,
tratamentos estéticos e, de forma mais radical, a submissão a cirurgias plásticas esté­
ticas (Castilho, 2001).
Pessoas patologicamente preocupadas com sua aparência física podem apre­
sentar distúrbios de imagem corporal, desde leves preocupações com sua imagem,
comportamentos de esconder seu corpo ou buscar melhorá-lo ou, de forma mais grave,
a pessoa pode desenvolver o distúrbio dismórfico corporal ou distúrbio da “feiúra ima­
ginária”. Aproximadamente 2% da população geral sofre com essa doença que se
caracteriza por uma preocupação obsessiva com sua aparência. A pessoa se vê feia ou
vê defeitos em certas partes do corpo, como barriga muito grande, quadril desproporci­
onal ao resto do corpo, musculatura muito delgada, contudo, são defeitos mínimos ou
imperceptíveis aos olhos das outras pessoas. É comum que ela passe horas do seu
dia checando seu “defeito” e buscando forma de “consertá-lo” (Cash, 2008). A cirurgia
plástica estética acaba sendo uma opção muito procurada por essas pessoas que
podem ser descritas como “eternos insatisfeitos”, chegando ao ponto de fazerem diver­
sas cirurgias ou recorrerem a diversos cirurgiões em busca de “corrigir” seu “defeito”.

Auto-estima
De acordo com Coopersmith (1967):

Uma pessoa com auto-estima aita mantém uma imagem bastante constante das
suas capacidades e da sua distinção como pessoa, pessoas criativas têm alto grau
de auto-estima. Estas pessoas com auto-estima alta também têm maior probabili­
dade para assumir papéis ativos em grupos sociais e efetivamente expressar as
suas visões. Menos preocupados por medos e ambivalências, aparentemente se
orientam mais diretivamente e realisticamente às suas metas pessoais.

A auto-estima influencia características do indivíduo como independência,


racionalidade, criatividade, habilidades sociais, etc. Pessoas com a auto-estima eleva­
da possuem um repertório mais adequado para lidar com as adversidades da vida e
tendem a buscar mais os seus objetivos. Já as com auto-estima baixa não possuem
habilidades para lidar com as adversidades, tendendo a se esquivar da luta pelos seus
ideais. A auto-estima está ligada, portanto, à resiliência. (Rosenberg, 1979).

Resiliência
Tavares (2001) define resiliência sob três aspectos: físico, médico e psicológi­
co. Aspecto físico, como sendo a qualidade de resistência de um material ao choque, à
pressão, o qual lhe permite voltar à sua posição inicial. Aspecto médico como sendo a
capacidade de um sujeito resistir a uma doença, infecção ou intervenção por si próprio
ou com ajuda de medicamentos. Aspecto psicológico, como a capacidade das pesso­
as, individualmente ou em grupo, resistirem a situações adversas.

Talita Lopes Marques, Denise Cerqueira Leite Heller


Ralha-Simões (2001) destaca que resiliência não é uma espécie de “escudo
protetor” que alguns indivíduos teriam, mas sim a possibilidade de flexibilidade
comportamental que lhes permitiria interagir com êxito em diferentes situações de vida
inclusive as adversas. A resiliência é um processo psicológico que vai se desenvolven­
do ao longo da vida, a partir do binômio fatores de risco x fatores de proteção. Ela vai
sendo desenvolvida já na primeira infância através da interação da criança com seus
pais. Pais atentos, que reforçam a criança e a ajudam a lidar com adversidades, mode­
lando nelas comportamentos de solução de problemas, facilitam o processo de aquisi­
ção de resiliência. Os professores e pares são elementos que podem ou não favorecer
o processo. Em suma, ao se definir resiliência, deve-se levar em conta as qualidades
do próprio indivíduo, seu temperamento, o ambiente familiar favorável e as interações
positivas entre esses elementos.

Cirurgia plástica estética


O termo “plástica” vem do grego plastikos = moldar, dar forma. No início, a
cirurgia plástica destinava-se à reparação ou reconstrução de partes do corpo de pes­
soas prejudicadas por doenças, traumas, más formações, seja sua finalidade restau­
rar a anatomia ou a funcionalidade desta parte. Com o passar do tempo, as técnicas
foram sendo aprimoradas e atualmente a cirurgia plástica divide-se em duas categori­
as, reparadora e estética. A reparadora continua cumprindo as funções acima descritas
e a estética visa corrigir aspectos que prejudicam a aparência física: narizes muito
grandes, orelhas de abano, sobras de pele, desproporcionalidades, etc. (Rossoe, 2006).
A popularidade das cirurgias plásticas estéticas cresceu muito nas últimas
décadas. De acordo com a Sociedade Americana de Cirurgia Plástica em 2004 foram
realizados aproximadamente 11,9 milhões de procedimentos, o que representa um
aumento de 465% desde 1997 (Sarwer et al., 2005). No Reino Unido a preocupação
exagerada com a aparência está começando a ser vista como uma epidemia associa­
da à crença de que a cirurgia plástica estética seria uma solução para esse desconforto
(Clarke et al., 2005). Com isso, aumenta-se a busca por procedimentos desse tipo e os
autores acreditam que esse fenômeno aumente a demanda de tratamento psicológico,
uma vez que a motivação inicial é psicológica e não física.
Devido à grande exposição corporal dos brasileiros, em função do clima tropi­
cal e da preocupação com a aparência, o Brasil se tornou referência mundial em cirur­
gias plásticas. Médicos brasileiros desenvolvem técnicas mundialmente utilizadas e
médicos de outros países vêm ao Brasil para aprender com os cirurgiões daqui. Muitas
pessoas também vêm de fora do país para serem operadas pela competência dos
profissionais, pelos preços e condições de pagamento mais acessíveis. As condições
de pagamento facilitadas também atraem o público interno que, atualmente pertencem
a quase todas as classes sociais (Rossoe, 2006). Este panorama é preocupante, pois
parece não considerar todos os aspectos emocionais intrínsecos à motivação para a
cirurgia bem como aqueles advindos do processo pós-cirúrgico, havendo uma aparen­
te banalização deste procedimento.
Segundo Castilho (2001) a cirurgia plástica estética tem sido um dos recursos
utilizados para aumentar o bem-estar psicológico das pessoas. As mudanças decor­
rentes da cirurgia plástica estética são sentidas nos aspectos a) perceptivo (percep­
ções nas transformações corporais e sensoriais), b) cognitivo (maneira mais otimista
de pensar a respeito de sua aparência e de seu corpo), c) emocional (diminuição da
depressão e da ansiedade e a melhora da auto-estima) e d) comportamental (modifica­

Sobre Comportamento e Cognição


ção dos comportamentos relacionados ao corpo). Desses aspectos o perceptivo é o
fator mais importante na resposta psicológica do paciente à cirurgia plástica, pois essa
percepção é influenciada pelas expectativas do paciente, podendo acarretar até mesmo
numa diminuição da auto-estima.
Sarwer et al. (2006) fizeram uma revisão bibliográfica de pesquisas que relaci­
onam a modificação do corpo, seja por procedimentos estéticos ou cirurgias plásticas
estéticas e concluíram que para muitas pessoas o procedimento cirúrgico pode aliviar
o descontentamento com uma característica corporal específica. Esses dados vão de
encontro com o que a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica preconiza, que a cirurgia
deve ser feita quando a insatisfação é pontual, restrita a determinada parte do corpo,
desde que não seja um distúrbio dismórfico corporal. Na revisão daqueles autores não
foi encontrado relação positiva entre a busca por esse procedimento e imagem corporal
negativa ou auto-estimas rebaixada, o que contradiz muitas das hipóteses levantadas a
esse respeito. Uma possibilidade para essa conclusão é a utilização de instrumentos
inadequados a esse propósito.
Cash (2008) ressalta que a cirurgia plástica não possui poderes mágicos, e
que, como qualquer procedimento cirúrgico, possui potenciais riscos e benefícios, que
dependem do estado de saúde e emocional do paciente e da competência do cirurgião.
Sobre a submissão à cirurgia plástica, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plás­
tica afirma que dentre os candidatos à cirurgia existem os aptos e inaptos. Dentre as
pessoas que não deveriam se submeter ao procedimento estão os pacientes em crise,
pacientes com expectativas fantasiosas, eternos insatisfeitos, pacientes obcecados
com mínimos defeitos, e pacientes com desequilíbrios mentais.
Já os pacientes aptos à cirurgia são as pessoas com auto-estima positiva, que
estão incomodadas com algum aspecto físico e desejam corrigi-lo ou melhorá-lo. Após
a cirurgia estes pacientes sentem-se bem com os resultados e mantém uma imagem
positiva a seu respeito. Pessoas com defeitos físicos ou desarranjos estéticos que ao
longo do tempo foram diminuindo a sua auto-estima em função disso também são
candidatos aptos. Estes pacientes podem se ajustar um pouco mais lentamente no
pós-operatório, uma vez que o ajustamento da auto-imagem leva certo tempo. Entre­
tanto, após este período normal de adaptação a auto-estima via de regra sai bastante
fortalecida.
Neste contexto, a avaliação psicológica pré-cirúrgica torna-se fundamental, pois
se a pessoa estiver insatisfeita com diversos aspectos da sua vida, buscar um cirurgião
sem ter bem certo qual é a parte do corpo que pretende operar, como gostaria que
ficasse, nenhuma cirurgia irá suprir sua insatisfação, pelo contrário, o resultado pode
se tornar um novo problema, uma nova frustração e motivo para insatisfação.
A cirurgia plástica estética, através da mudança física, pode implementar a
auto-estima (SBCP, 2008), contudo, submeter-se a esse procedimento é um processo
que exige uma profunda investigação da motivação e expectativas em relação a ele. A
habituação às mudanças pode acarretar um período de tristeza, desânimo ou depres­
são a partir do segundo ou terceiro dia, principalmente quando a pessoa começa a
retornar às sua atividades, quando a aparência está longe da definitiva e a pessoa se
sente desconfortável com o inchaço e fraqueza, normais no período pós-operatório
(Rossoe, 2006).
Muitas vezes é necessário aprender a lidar com críticas como: “preferia você antes”,
“você não precisava de plástica”. Além disso, é preciso que o paciente tenha a consciência
de que o bom resultado da cirurgia depende não só da competência profissional do cirur­
gião, mas também da resposta do seu organismo ao processo de recuperação e cicatriza-

368 Talita Lopes Marques, Denise Cerqueira Leite Heller


ção, dos cuidados do paciente com a medicação, drenagem linfática (quando necessário)
massagens, etc. Ou seja, mesmo que as expectativas sejam realistas, que o paciente
tenha consciência de sua motivação, se cuide, se prepare para o procedimento, os resulta­
dos nem sempre saem como o esperado. É importante que a pessoa que vai se submeter
a este processo esteja consciente deste risco (Rossoe, 2006).

Relação entre imagem corporal, auto-estima e resiliência


Segundo Cash (2008), com freqüência uma imagem corporal pobre rebaixa a
auto-estima. A pessoa com auto-estima rebaixada se sente inadequada enquanto pes­
soa e não consegue se valorizar. Estima-se que em torno de um terço da auto-estima
esteja relacionada a quão positiva ou negativa é sua imagem corporal. Para o autor "se
você não gosta do seu corpo, fica difícil de gostar da pessoa que vive dentro dele” (p. 2).
Outro ponto importante é que a imagem corporal está ligada a auto-estima e a
identidade de gênero, ou seja, o sentimento de masculinidade ou feminilidade. Algu­
mas pessoas não se sentem adequadas ou atraentes em função das características de
seu corpo que denotam a masculinidade ou feminilidade. Por exemplo, altura e muscu­
latura para homens e magreza e traços delicados para as mulheres, e isso reduz o
sentimento de aceitação social, além de a pessoa ficar cada vez mais focada nas defici­
ências do seu corpo, sem realmente compreender o porquê disso (Pope et al.f 2000). Se
esta insegurança atinge a área da sexualidade, pode prejudicar a sua satisfação sexual,
pois se a pessoa acredita que seu corpo nu é feio ou inaceitável, e tentam esconder seu
corpo, evitar que o parceiro a toque ou mesmo a veja, experiências sexuais passam a
gerar ansiedade, apreensão e evitação (Castilho, 2001).
De acordo com Cash (2008) uma imagem corporal negativa pode gerar ansie­
dade interpessoal, pois se a pessoa não aceita sua aparência, possivelmente presume
que os outros também não a aceitem. Esse tipo de sentimento pode fazer com que ela
se sinta inadequada em certas situações sociais, com medo da inspeção e julgamento
dos outros e acabe evitando contatos dessa natureza. A imagem corporal negativa pode
reduzir a qualidaóe de vida da pessoa e está inter-relacionada também à depressão,
pois a depressão pode gerar o desgosto pela sua aparência e vice-versa. A auto-depre-
ciação, desesperança e desamparo em relação à aparência geram sentimentos de
depressão, auto-crítica exacerbada que se tornam um ciclo vicioso.

Na busca por melhorar a imagem corporal e auto-aceitação pode-se recorrer a


diversas estratégias, tais como: fazer terapia, dieta, exercícios físicos, mudar o
estilo (roupas, cabelo, maquiagem, etc.), tratamentos estéticos e de forma mais
radical e permanente, a cirurgia plástica estética. Contudo, essas ações, se exa­
geradas, podem gerar conseqüências negativas como: a imagem corporal negati­
va pode aflorar um distúrbio alimentar, como a anorexia ou bulim ia, a prática
recorrente de dietas pode ocasionar compulsão alimentar, e, esses problemas,
por sua vez prejudicam a imagem corporal. Assim, modificar a forma como a
pessoa se vê previne transtornos alimentares (Cash, 2008).

De acordo com Mühlan, & Klein (2007) a auto-estima é tradicionalmente vista


como o cerne para a busca pela cirurgia plástica estética. Para a Associação Americana
de Medicina, a “cirurgia estética é realizada para dar novo contorno a estruturas normais
do corpo para melhorar a aparência e auto-estima do paciente”. Apesar da auto-estima
estar intimamente relacionada a cirurgia plástica estética, espera-se que as pessoas

Sobre Comportamento e Cognição


que buscam esse procedimento apresentem auto-estima mais baixa do que a popula­
ção geral, contudo, isso não se confirma nas pesquisas mundialmente realizadas (Sarwer
et al., 2005, 2008).
Em relação à resiliência, parece que ela é um elemento que favorece a auto-
estima e, como esta, segundo Heller (2007), tende a ser indiretamente proporcional ao
desejo de fazer plástica. Observa-se uma relação indiretamente proporcional entre
resiliência e desejo de se submeter à cirurgia plástica, ou seja, pessoas com alta
resiliência se submetem menos a procedimentos cirúrgicos.
Pessoas pouco resilientes tendem a não se satisfazer com os resultados da
cirurgia (Heller, 2007) provavelmente por terem expectativas irreais a seu respeito. Há
uma intensa relação entre cirurgia plástica, auto-imagem, auto-estima e resiliência,
mas há ainda pouca bibliografia sobre o assunto. Parece que o fato de uma pessoa ser
pouco resiliente faz com que apresente auto-estima rebaixada. Isto ocorre porque a
pessoa tem dificuldade em lidar com as adversidades e sente-se ansiosa e incapaz
(resultado da punição). Sendo assim, a necessidade de agradar ao outro aumenta,
pois esta pessoa não está em contingência de auto-reforçamento e sim de reforçamento
externo. A cirurgia plástica parece vir a ser a solução para este impasse. Contudo,
conforme será explanado a seguir, quanto mais irreal forem as expectativas em relação
à cirurgia, maiores as chances de insatisfação com os resultados.
A relação entre cirurgia plástica estética e auto-estima se constrói a partir do
fato de que muitas vezes as pessoas buscam a cirurgia por motivos alheios ao que o
procedimento pode proporcionar, buscando nela solucionar insatisfações da esfera
emocional ou psicossocial em um procedimento que irá alterar somente a esfera física
(Marques, & Heller, 2008b). De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
essa pessoa não é considerada uma candidata ideal à cirurgia, pois sua insatisfação
não é meramente física.
Resultados de pesquisas apontam que a mudança física almejada pelos paci­
entes geralmente refletem objetivos psicossociais. Grossbant, & Sarwer (1999) afirmam
que as motivações variam de pessoa para pessoa, mas basicamente relacionam-se a: 1.
mudanças nos estados emocionais e cognitivos, 2. melhora dos relacionamentos
interpessoais e 3. alterar a reação da maioria das pessoas em relação à sua aparência
(que, pela definição, está relacionado à cirurgia plástica reparadora e não estética). Em
suma, todos esses espectros são primariamente de ordem psicológica, buscando-se
que a mudança na esfera física resulte em melhoras emocionais, e refletem uma íntima
co-relação com a auto-estima. Contudo, dependendo do grau de comprometimento emo­
cional do paciente, os resultados físicos podem ser satisfatórios, do ponto de vista cirúr­
gico, mas insatisfatório do ponto de vista das expectativas do paciente.
De acordo com Sarwer et al. (2005) a maioria dos estudos em cirurgia plástica
estética está focada nas mudanças de imagem corporal após a cirurgia, mas poucos
estudos estão centrados em avaliar mudanças na imagem corporal que estão relacio­
nadas a áreas mais abrangentes do funcionamento psicossocial, como sintomas de
depressão e a auto-estima. Para Sarwer et al. (1998), estudos sobre os aspectos psico­
lógicos de pessoas que buscam a cirurgia plástica estética são contraditórios. Perce­
be-se que muitos artigos relatam pesquisas sobre auto-estima e cirurgia plástica esté­
tica (em maior número do que imagem corporal e cirurgia plástica estética), nos quais
a definição tanto de construto quanto de lócus é falha, assim como os procedimentos e
instrumentos utilizados.

370 Talita Lopes Marques, Denise Cerqueira Leite Heller


Conclusões
Visto a crescente preocupação da população com o corpo, muito em decorrência
dos ditames sociais de beleza, a crescente acessibilidade às cirurgias plásticas, muitas
pessoas recorrem a esses procedimentos para melhor uma aparência normal, em bus­
ca da perfeição ou ideais de beleza. Contudo, a decisão de se submeter a uma cirurgia
deve ser muito bem pensada, pesando-se os prós e contras do procedimento, avaliando
as reais motivações para a busca, as expectativas em relação aos resultados e o que se
pretendem com o procedimento, afinal, em geral, as mudanças são permanentes.
A cirurgia plástica estética é benéfica quando a insatisfação é pontual, com uma
parte do corpo, há consciência das limitações físicas inerentes ao procedimento, bem
das limitações do próprio procedimento e quando as expectativas são realistas. O
procedimento cirúrgico se toma insatisfatório quando o paciente possui expectativas
irreais, com insatisfação para além do corpo e quando é encarado como um procedi­
mento milagroso, capaz de sanar todas as mazelas que a pessoa possua. Para
minimizar as freqüentes insatisfações com este tipo de cirurgia pensamos ser neces­
sária uma profunda avaliação psicológica pré-cirúrgica e acompanhamento para adap­
tação à nova imagem corporal e suas implicações. Neste sentido, estamos desenvol­
vendo um protocolo de avaliação e acompanhamento do paciente candidato a esse
procedimento.

Referências

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Sobre Comportamento e Cognição 371


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372 Talita Lopes Marques, Denise Cerqueira Leite Heller


Capítulo 37
Levantamento e categorização dos
artigos que versam sobre
Transtorno Obsessívo-
Compulsivo em periódicos de
referência nacional*
Tânia Pappas
Núcleo Paradigma

Nicodemos Batista Borges


Núcleo Paradigma e Universidade São Judas

Em virtude da grande quantidade de doenças e também de causas de morte


existente, a comunidade médica sentiu a necessidade de ter uma linguagem comum.
Dessa forma, seria possível a troca de informações específicas a respeito de uma
doença, como, por exemplo, formas de diagnóstico, de prevenção e de tratamento. O
desejo era que se constituísse um instrumento de uso internacional. Então, “em 1893
surgiu uma classificação que, com suas sucessivas revisões, passou a ser usada
internacionalmente como classificação de causas de morte e na metade do século XX
passou a ser uma classificação internacional de doenças, mesmo que não fossem
causas de morte.” (Laurenti, 1991, p. 410). A Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (ClD), que passou a ser chamada assim
apenas na sua décima e mais recente revisão, teve aí sua origem. Nela constam todas
as manifestações, especificações e variações de doenças até hoje diagnosticadas ao
redor do mundo.
Na quinta revisão (CID-5), os transtornos mentais foram apresentados em uma
categoria específica. Mesmo assim, esta estava inserida na seção das doenças do
sistema nervoso e dos órgãos dos sentidos (Figueiredo, 2004). Foi exatamente que, “a
partir da Sexta Revisão, a de 1948 e posta em uso em 1950, a responsabilidade pelos
trabalhos de revisão, publicação e divulgação da Classificação Internacional de Doen­
ças, passou a ser da Organização Mundial de Saúde.” (Laurenti, 1991, p.412). Essa
mudança ocasionou, dentre outros fatos relevantes, a criação de uma seção exclusiva
para as doenças mentais (Figueiredo, 2004). Algumas das motivações para tal foram
desde alguns fenômenos psicopatológicos (por exemplo, “síndrome do coração do

*Esse artigo faz parte do trabalho de condusão de curso de Especialização em Clínica Analítico-Comportamental elaborado pela primeira autora,
sob orientação do segundo autor. Contato: taniapappas@uol com .br

Sobre Comportamento e Cognição 373


soldado” ou “síndrome do coração irritável” relativas a quadros ansiosos) evidenciados
durante as guerras, bem como os adventos da psicanálise (por exemplo, Freud e a
“neurose de angústia”) (Pereira, 2004).
Como os transtornos constantes não eram tão amplos, isso gerou muita insa­
tisfação com as classificações existentes. Aproveitando o ensejo do momento, a Asso­
ciação Psiquiátrica Americana (APA) desenvolveu, em 1952, o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-I). Essa proposta surgiu como uma variação
da CID-6, apesar de ser uma classificação independente. O DSM-I foi “o primeiro manu­
al oficial de transtornos mentais a focalizar a utilidade clínica" (APA, 1994, xvii). Deste
para o DSM-II (1968), pouco se acrescentou. Mudanças significativas só ocorreram com
o DSM-III (1980), em que o caráter descritivo, a hierarquização dos diagnósticos, bem
como seus critérios explícitos passaram a ser utilizados apoiando-se em um crescente
de pesquisas empíricas. No entanto, devido à falta de clareza em alguns critérios e
determinados entraves ocasionados pela hierarquização dos diagnósticos, a APA pro­
pôs uma revisão publicando, assim, o DSM-III-R (1987). Com isso, o conceito de
comorbidade, que havia sido proposto, em 1970, por Feinsten, passou a ser aceito e
fortemente utilizado até agora (Gomes de Matos, 2001). Mesmo apesar das suas limita­
ções, diz-se que o marco no avanço de diagnósticos dos transtornos mentais foi o DSM-
III. Contudo, o volume de pesquisa não parou de crescer, o que levou tanto a APA quanto
a OMS a aprimorar seus sistemas de categorias desenvolvendo, assim, o DSM-IV (1994)
e CID-10 (1993), respectivamente (APA, 1994). Esta foi a última edição lançada da CID,
porém o DSM teve seu texto revisado em 2002, o DSM-IV-TR (Escocard, 2007). Ambos
permanecem em uso atualmente.
Para a categoria médica, manuais de classificação têm grande utilidade por
organizarem a informação de forma coerente e concisa, por selecionarem estratégias
terapêuticas, por terem caráter preditivo do curso da doença e por facilitarem a comuni­
cação entre os profissionais de saúde (Piccinini, 2006). Entretanto, muitas críticas ain­
da são feitas às duas publicações em questão.Laurenti (1991) destaca algumas quan­
to a CID. São elas, entre outras: não abordar as patologias de forma mais detalhada;
não ter um sistema uniforme de classificação; ser considerada “biologicista”. Por sua
vez, Gomes de Matos (2001) afirma que o DSM-IV fragmentou os quadros clínicos dos
transtornos mentais de forma excessiva, gerando, assim, pacientes com muitos diag­
nósticos concomitantes. O referido autor cita também que, na prática clínica, pacientes
descrevem queixas que não estão contidas na lista de sintomas de determinados
transtornos descritos no DSM-IV.
Considerando as vantagens e as desvantagens dos sistemas classificatórios
(DSM-IV e CID-10), vale ressaltar que utiliza-los de forma adequada por profissionais
qualificados para tal pode ser de grande valia. No próprio DSM-IV (1994), por exemplo,
enfatiza-se que o objetivo é a classificação do transtorno mental e não da pessoa que o
apresenta. Sendo assim, beneficia-se o profissional de saúde (médico, psicólogo etc.)
que tem um norteador para seu trabalho, bem como o paciente que tem maior clareza
quanto ao seu quadro clínico e, conseqüente, prognóstico.
O presente trabalho abordará exatamente uma das categorias diagnosticas
dos supracitados sistemas classificatórios. Escolheu-se para tal, o Transtorno Obses­
sivo Compulsivo (TOC). Fato este que se deveu, muito provavelmente, a similitude de
pensamento com que Hafner (1988, p.221) refere-se ao TOC: “bizarro e fascinante, bem
como incapacitante e persistente”. O TOC pertence a uma categoria mais ampla descri­
ta, no DSM-IV, como Transtornos de ansiedade e, na CID-10, como Transtornos neuró­
ticos, relacionados ao estresse e somatoformes (Torres, 2004).

374 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


A utilização da terminologia TOC, por ter advindo do meio médico, é utilizada
para denominar um tipo específico de problema/desordem/perturbação, ou seja, um
“transtorno”. Entretanto alguns autores - que se fundamentam nos princípios da ciência
da Análise do Comportamento que, por sua vez, tem como base a filosofia Behaviorista
Radical - passaram a utilizar a terminologia COC1. O primeiro motivo para tal é a não-
crença na existência de comportamentos disfuncionais. Ao contrário, conforme explica
Almeida (2005), baseando-se em Skinner (1979), Sidman (1989) e Cavalcante (1997),
se um comportamento existe é devido sua função no ambiente, não tendo a topografia
qualquer relevância. Sendo assim, o estudo e entendimento do comportamento só se
tornam possíveis mediante a análise das condições (contingências), tanto anteceden­
tes quanto conseqüentes, em que eíe ocorre2. O segundo motivo para o uso do termo
COC é que, além de não ser incompatível com as definições contidas no DSM-IV, ampa­
ra e facilita o estudo das compulsões (comportamentos abertos ou encobertos), bem
como das obsessões (comportamentos encobertos). Mesmo Salkovskis, & Kirk (1997),
a despeito de não serem behavioristas radicais, endossam que os comportamentos
compulsivos de limpar e verificar, por exemplo, têm um significado funcional idêntico,
apesar de serem topograficamente diferentes. Tal descrição condiz com a afirmação de
Guedes (1997), na qual a análise do comportamento estabelece uma relação estreita e
inseparável entre ansiedade e esquiva. Faz coro a esta explicação outra dada por
Zamignani, & Banaco (2005, p. 79), onde “o padrão comportamental característico dos
transtornos de ansiedade é a esquiva fóbica: na presença de um evento ameaçador ou
incômodo o indivíduo emite uma resposta que elimina, ameniza ou adia esse evento”.
Esclarece-se, assim, a explicação analítico-comportamental em que, na presença de
estímulos aversivos (desencadeadores de respostas encobertas de obsessões) ocor­
rerão respostas abertas ou encobertas (compulsões, que não apenas de limpar e
verificar) cuja função é manter afastado os tais aversivos (esquiva).
Entretanto, um questionamento quanto à possibilidade da resposta de ansie­
dade ser seguida por outro tipo de reforçamento que não apenas a eliminação de
aversivos é levantado por Zamignani, & Banaco (2005). Os autores, assim como as
explanações anteriormente feitas, reiteram que o reforçamento negativo (no qual, pela
eliminação do estímulo aversivo, a resposta de esquiva tenderia a aumentar de
freqüência) é uma explicação plausível e bastante pesquisada. Porém, eles advertem
que atenção deve ser dada também para a possibilidade da manutenção dos COC ser
por reforçamento positivo (quando a resposta de esquiva for seguida por outros
reforçadores como, por exemplo, atenção social). Alguns autores que já publicaram
corroborando tal idéia são: Banaco (1997), Regra (2002), Vermes (2003) e Zamignani
(2000). Outras possíveis variáveis envolvidas na contingência de manutenção do COC
foram destacadas por Almeida (2005), que utilizou, como base, o estudo de Zamignani,
& Banaco (2005), onde tais autores analisam o contexto antecedente das contingências
por meio das operações estabelecedoras, do tipo privação e estimulação aversiva.
Paralelamente, Zamignani, & Vermes (2003) estudaram o controle do COC pela retirada
de eventos aversivos.
Visto que parece existir interesse e preocupação pelo tema Transtorno Obses­
sivo Compulsivo (TOC), o presente trabalho visa servir como um ponto de partida no
estudo do que já se avançou sobre o assunto. Sendo assim, estabeleceu-se por objetivo

1Para maiores detalhes vide Guedes, 1997 ou Vermes, 2003.


2Para mais informações recomenda-se Skinner, 1953/1994 (pp 170-179) nu Sidman, 1989/1995 (pp 179-196)

Sobre Comportamento e Cognição 375


fazer um levantamento a respeito dos tipos de publicações sobre TOC que têm se
realizado no Brasil. Para tal, foram selecionados, especificamente, dois destacados
veículos de divulgação no cenário analítico-comportamental e cognitivo-comportamental
nacional: a coleção de livros Sobre Comportamento e Cognição (SCC) e os exemplares
da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva_(RBTCC).

Método
Amostra
Para a realização desse trabalho, foram analisados todos os 36 exemplares de
ambas as publicações lançados até momento (junho de 2008). A coleção de livros SCC
lançou 20 volumes ao todo. Os três primeiros foram lançados em 1997 e o quarto em
1999. A partir daí, a cada ano, foram lançados dois volumes; os últimos datam de 2007.
A RBTCC teve seus dois primeiros exemplares lançados em 1999. A cada ano, lança­
ram-se duas novas publicações, perfazendo um total de 16 exemplares lançados até
2006. Até a data de coleta de dados do presente trabalho (junho de 2008), a RBTCC não
havia publicado os volumes referentes a 2007.
Procedimento
Pesquisaram-se artigos sobre Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). A seleção
incluiu desde aqueles exclusivos sobre o assunto até aqueles que apenas faziam referên­
cia a ele. Para tal, a primeira etapa consistiu em ler o título de cada um dos 775 capítulos (um
deles era um posfácio) da coleção de livros SCC e também cada título dos 138 artigos (105
artigos, 10 sobre livros, nove artigos didáticos, quatro notas técnicas, duas resenhas, oito
“outros”3) dos exemplares da RBTCC Buscaram-se, inicialmente, aqueles artigos que apre­
sentavam, em seu título, as palavras TOC ou Comportamento Obsessivo Compulsivo (COC).
Como foram encontrados apenas 14 artigos na coleção de livros SCC e três nos exempla­
res da RBTCC com essa especificação, resolveu-se adotar alguns critérios de inclusão que
poderiam facilitar a descoberta de outros artigos que pudessem fazer alusão ao tema
proposto. Desta forma, os critérios de inclusão foram:
• trazer, no título, as palavras TOC ou COC;
• trazer, no título, as palavras Ansiedade ou Transtorno de Ansiedade;
• trazer, no título, as palavras Acompanhamento Terapêutico ou Ambiente Natural;
• trazer, no título, as palavras Transtorno(s) Psiquiátrico(s);
• trazer, no título, as palavras Caso(s) Grave(s);
• trazer, no título, as palavras Distúrbio(s) de Comportamento.
Com isso, encontraram-se inúmeros artigos cujos títulos continham algo do
supracitado ou mesmo sinônimos e similares. Vale ressaltar que houve títulos de arti­
gos que continham dois critérios de inclusão (exemplo: TOC e Transtorno de Ansieda­
de). Na ocorrência desse fato e para qualquer fim, prevaleceu o termo TOC por ser o
tema central deste trabalho. Inversamente ao ocorrido na primeira etapa (número redu­
zido de trabalhos), houve um aumento significativo na quantidade de artigos encontra­
dos. Este fato ocasionou, pelo intuito de maximizar tempo e resultados, o estabeleci­
mento de alguns critérios de exclusão para tais artigos. Foram eles:

3“Outros" refere-se a: três artigos sobre ABPMC/AEC/ SBP, uma homenagem a M. Amélia Matos e uma a Carolina Bori, uma auto-biografia
de D. Francês, um sobre inauguração do laboratório F. Keller e um sobre comunidade científica em Análise do Comportamento no Brasil.

376 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


• trazer, no título, qualquer palavra que não estivesse contida, ou sinônima e/ou
correlata, àquelas descritas nos critérios de inclusão;
• trazer, no título, palavras que, apesar de descritas nos critérios de inclusão, ao
se ler todo o título, ficava claro que o artigo era referente a um assunto diferente
de TOC.
Uma vez lidos os títulos dos artigos e selecionados aqueles que atendiam aos
critérios estabelecidos, optou-se, na segunda etapa, pela leitura na íntegra desses. Essa
triagem resultou em 58 artigos que foram lidos integralmente (52 da coleção de livros
SCC e seis dos exemplares da RBTCC). Desses, 23 foram excluídos por não fazerem
sequer menção ao TOC, apesar de preencherem os critérios de inclusão e não fazerem
parte dos critérios de exclusão pré-estabelecidos. Restaram, portanto, 35 artigos (30 da
coleção de livros SCC e cinco dos exemplares da RBTCC). Houve artigos em que apenas
ocorria uma citação do termo TOC. Por outro lado, em alguns, o TOC era o tema central. A
leitura na íntegra foi necessária porque, apesar de, nos exemplares da RBTCC quatro
dos cinco artigos selecionados (a exceção foi um artigo “sobre livros”) conterem resumo
e abstract (resumo em língua inglesa), o mesmo não ocorreu na coleção de livros SCC
(dos 30 artigos lidos, 21 não tinham resumo e apenas nove tinham resumo e abstract).
A terceira etapa consistiu na classificação dos artigos em:
• Teórico - quando o artigo basicamente fazia referência ao que já foi escrito
sobre o assunto ou quando procurava desenvolver uma linha de pensamento a
respeito do tema;
• Experimental - quando o artigo trazia um relato de pesquisa ou experimento
desenvolvido pelos próprios autores;
• Estudo de Caso - quando o artigo era uma descrição de caso(s) atendido(s)
pelo próprio autor;
• Teórico + Estudo de Caso - quando o artigo, além das referências a cerca do
que já foi publicado sobre o tema, descrevia também algum caso clínico atendi­
do pelo autor;
• Teórico + Experimental - quando, além das referências a cerca do que já foi
publicado sobre o tema, o artigo descrevia também algum experimento realizado
pelo autor;
• Outros - quando o artigo não se encaixava em nenhuma das categorias acima.
Na quarta e última etapa, verificou-se se, nos artigos, havia referências biblio­
gráficas. Naqueles que continham - pois foram encontrados artigos que não apresen­
tavam qualquer referência bibliográfica - era feita uma contagem da quantidade de
referências nacionais e estrangeiras.
Outro levantamento feito, referente àqueles artigos lidos que continham refe­
rências bibliográficas nacionais, foi quanto à apuração se, dentre essas, a RBTCC e/ou
a coleção de livros SCC constavam como referência. Além disso, registrou-se uma
série de informações tais como: número de autores e suas respectivas instituições,
número de páginas do artigo etc.

Resultados e Discussão
Os resultados mostram que, dos 775 títulos de artigos analisados da coleção de
livros SCC, apenas 30 (3,87%) foram selecionados por preencherem os critérios de
inclusão e por não preencherem os critérios de exclusão estabelecidos para a realização

Sobre Comportamento e Cognição 377


deste trabalho. Foram encontrados outros 22 artigos que possuíam em seu título algum
dos critérios de inclusão - 1 4 , ansiedade ou transtorno de ansiedade; 2, acompanha­
mento terapêutico ou ambiente natural; 6, nos outros critérios de inclusão ou similares a
estes. Entretanto, ao se realizar a leitura destes, nada foi encontrado sobre TOC.
Dos exemplares da RBTCC, foram analisados 138 títulos de artigos e somente
cinco (3,62%) foram selecionados pelos motivos anteriormente mencionados. Nesta
publicação, encontrou-se um artigo que, apesar de possuir em seu título um dos crité­
rios de inclusão (distúrbio de ansiedade) e nenhum dos critérios de exclusão, foi des­
cartado por não fazer qualquer alusão ao TOC.
É importante salientar que estes foram os dados obtidos tendo-se em vista os
critérios adotados. Eventuais falhas em tais critérios podem ter ocorrido. Logo, a exis­
tência de outros artigos (que não os contemplados neste trabalho) a fazer algum tipo de
referência ao TOC é factível.
Na Figura 1 verifica-se a classificação dos critérios de inclusão adotados para
os títulos dos artigos lidos, bem como a distribuição percentual destes na coleção de
livros SCC.

* TOC COC

s: A m e m á * chi T r a n s t e s a é e
àastatod»
MÁmmpmttmznw Tmitâitfizo
Amtxmte Natural

*C

Figura 1: Di&frifeuiçâo perceftfuãl dós artigos cfe ác&rdo com as


paréavfas -cbrne setedcmacías nos títulos m coleção de livros Sobrv
Comportamento e Cognição.

Conforme se pode observar, 14 (47%), dos 30 artigos encontrados na coleção


de livros SCC que versam sobre TOC continham em seu título, as palavras-chave “trans­
torno obsessivo-compulsivo” ou “comportamento obsessivo-compulsivo”; oito (27%)
apresentavam as palavras-chave “ansiedade” ou “transtorno de ansiedade” e cinco
(17%) continham as palavras-chave “acompanhamento terapêutico” ou “ambiente natu­
ral”; as demais palavras-chave utilizadas, “casos graves” e “distúrbios de comporta­
mento”, só resultaram em um artigo cada.
A Figura 2 apresenta a classificação dos critérios de inclusão adotados para os
títulos dos artigos lidos, bem como a distribuição percentual destes na RBTCC.

378 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


* TOC í5u COC

Tramiscmo d*
Anaà&íSadfc

F&íiira 2 p%mmn¥: $m artigo m s&mtio cm\ m


jfjíM^vfá^-châve m t títtil&fc nã R M sfá Bmzitemt m?
Tvr®pi<$ Campvrtmmnttâ $ Cogmiv#

Conforme se pode observar, 3 (60%) dos 5 artigos encontrados nos exempla­


res da RBTCC que versão sobre TOC, tinham em seu título as palavras-chave “transtor­
no obsessivo-compulsivo” ou “comportamento obsessivo-compulsivo” e 2 (40%) apre­
sentavam a palavra-chave “ansiedade” ou “transtorno de ansiedade”; as demais pala­
vras-chave utilizadas não resultaram em nenhum artigo cada, são elas: “casos graves”
e “distúrbios de comportamento”.
Os 30 artigos publicados na coleção de livros SCC foram escritos por 59 auto­
res. Dentre estes, os que mais publicaram foram: Denis Roberto Zamignani com quatro
artigos e Regina Christina Wielenska com três. Outros nove autores escreveram, cada
um, dois artigos. O restante dos autores (34) participou da publicação de apenas um
artigo. Este dado sugere que muitos autores se interessam pelo tema, no entanto,
poucos permanecem focados nele, ao menos no que se refere a suas publicações na
coleção de livros SCC. A questão mercadológica (enquanto há retorno, quer seja finan­
ceiro com pacientes, quer seja com financiamento de pesquisa, há publicação) pode
ser uma variável a ser analisada. Outra variável pode ser a escolha dos autores por
outros meios para divulgação de seus artigos (periódicos exclusivos de medicina ou da
abordagem cognitiva, por exemplo). Todavia, estas são hipóteses que necessitam de
um número maior de pesquisas para obtenção de dados mais conclusivos.
Na coleção de livros SCC, 18 autores (60%) optaram por escrever sozinhos
seus trabalhos. Os outros artigos (40%) foram escritos da seguinte maneira: quatro
artigos escritos por dois autores (13,33%); três artigos escritos por três autores (10%);
um artigo escrito por quatro autores (3,33%); e quatro artigos escritos por cinco autores
(13,33%).
Nos exemplares da RBTCC, nenhum artigo foi escrito por apenas um autor.
Dos 11 autores que publicaram artigos abordados neste trabalho, oito trabalharam em
dupla, ou seja, quatro artigos (80%) foram escritos por dois autores conjuntamente e
um (20%) foi escrito em trio.
Os resultados, em relação ao número de autores por publicação, sugerem
uma diferença de comportamento dos autores ao publicarem em um periódico e no
outro, haja vista que os artigos sobre TOC enviados à coleção de livros SCC, muitas
vezes, apresentam diversos autores enquanto que, nos exemplares da RBTCC, essa
não é uma prática comum.

Sobre Comportamento e Cognição 379


Vale ressaltar que, mais uma vez, o nome de Denis Roberto Zamignani apare­
ce, tendo em vista que foi o único autor a ter dois trabalhos sobre TOC publicados nos
exemplares da RBTCC Este fato coloca o autor como aquele que mais tem escrito
sobre TOC, ao menos nos dois meios de publicação em questão.
A primeira publicação da coleção de livros SCC data de 1997 e a última de 2007.
Quanto a RBTCC, o primeiro exemplar foi lançado em 1999 e último em 20064. Na
Figura 3 pode-se analisar a freqüência acumulada de artigos que fazem referência ao
TOC ao longo dos anos. Nota-se um aumento na quantidade de publicações no período
de 1999 a 2003, na coleção de livros SCC. Daí em diante, houve uma desaceleração na
quantidade de publicações com este tema. Já nos exemplares da RBTCC, houve um
aumento sutil a partir de 2003, sendo que, nos três primeiros anos de publicação, não
foi publicado sequer um artigo sobre o tema.

* í / r

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í',, jíBSX.

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Todos os artigos selecionados foram classificados em categorias previamente


estabelecidas e já mencionadas no Método. A prevalência dos artigos categorizados
como “Teóricos” ocorreu nas duas publicações, conforme se pode observar na Figura 4.

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Ê*5>ss £*^.r.iracíi&ii,. Te*£*|*»T»ôricí> *•experimentai.

4Até a data de coleta de dados do presente trabalho, a Revista Brasileira de Terapia comportamental e Cognitiva não publicou os volumes referentes
ao ano de 2007.

380 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


Talvez isto possa indicar o grande interesse em se discorrer sobre o tema.
Inclusive, foi bastante freqüente a afirmação por parte dos autores que, muito ainda
falta para ser pesquisado sobre o TOC e adjacências. Por outro lado, a ínfima quantida­
de de artigos classificados como experimentais chama atenção. Surgem, então, certas
questões que, no mínimo, merecem reflexão. São elas:
1- A classificação dos artigos obedeceu a critérios que evitassem dubiedade ou
falhas?
2- Se houve recorrentes indicações por mais pesquisas na área, qual o motivo
delas não ocorrerem (ou, por que não têm respondido às necessidades dos
autores)?
3- Existiria algum empecilho por parte dos pesquisadores em publicar suas
pesquisas na coleção de livros SCC e nos exemplares da RBTCC (seriam elas
de pouca expressão para o “tamanho" de suas obras)?
Outro aspecto relevante a ser mencionado é a quantidade de instituições envol­
vidas nos artigos publicados.
Conforme se pode verificar na Figura 5, na coleção de livros SCC, das 24 insti­
tuições associadas às publicações dos artigos, 13 (54,17%) publicaram apenas um
artigo cada. Em quatro artigos, não constava sequer a que instituição pertencia(m) o(s)
autor(es). Vale ressaltar que, três artigos foram escritos por autores que disseram
pertencer a Clínicas Privadas (observe-se que os autores pertencem a clínicas distintas
entre si), e esta foi exatamente a mesma quantidade de artigos publicados pela PUC-
SP e Universidade Braz Cubas. Considera-se, com esses dados, que os profissionais
das instituições têm publicado pouco (ao menos sobre TOC e nas duas publicações
analisadas), apesar destas instituições terem tradição em ensino e pesquisa. A situa­
ção das outras instituições é ainda mais significativa, pois publicaram um número
ainda menor de artigos. Se considerarmos cada artigo escrito por Clínica Particular
distintamente (um artigo por clínica), ainda assim questionam-se os motivos pelos
quais instituições tradicionais por suas contribuições acadêmicas (como UNICAMP e
UNIFESP cada uma com um artigo publicado) equiparam-se, em quantidade, com os
artigos produzidos por tais Clínicas. Conclusões só poderão ser tiradas mediante mais
pesquisas.

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livre** S o «• Cognição par

Sobre Comportamento e Cognição


Diferentemente do ocorrido na coleção de livros SCC, além de, em todos os
artigos analisados dos exemplares da RBTCC, constarem referências sobre as institui­
ções (nove ao todo) a que pertencem os autores, não existem artigos publicados por
autores que mencionaram ser ligados apenas a Clínicas Particulares. De fato, somente
instituições de ensino e/ou pesquisa publicaram seus artigos sobre TOC nos exempla­
res da RBTCC, conforme se pode observar na Figura 6. Os autores que publicaram na
RBTCC, em sua maioria, estão associados às instituições PUC-SP e USP, respectiva­
mente.

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Cognitiva, pç# msitíMçào

Quanto às referências bibliográficas, houve um grande volume destas. Foram


687 no total, o que daria uma média de 20 referências por artigo. Essa distribuição, no
entanto, não foi tão igualitária assim, principalmente na coleção de livros SCC. Houve
artigo sem referência bibliográfica, outros com apenas uma, duas ou três. Ao mesmo
tempo, nesta publicação encontrou-se um artigo com 74 referências - destas 71 eram
estrangeiras e três nacionais. A média de referências bibliográficas na coleção de livros
SCC, foi de 18,5 por artigo, enquanto que, nos exemplares da RBTCC, foi de 26,4 referên­
cias por artigo. Além desta média apontar uma diferença, aproximadamente, 43% maior
de uma publicação para a outra, vale destacar a uniformidade de padrão encontrado
neste quesito nos exemplares da RBTCC. Não obstante, quanto ao aspecto das referên­
cias bibliográficas estrangeiras, pode-se dizer que o resultado encontrado foi inverso ao
que se esperava. As relações encontradas foram: para cada 1,92 referência bibliográfica
estrangeira citada na coleção de livros SCC, uma nacional era citada; já nos exemplares
da RBTCC para cada 1,44 referência nacional, uma estrangeira era citada. Talvez pela
RBTCC obedecer a critérios mais rígidos para a publicação de artigos, esta expectativa
tenha sido criada. Como ilustra a Figura 7, a quantidade de referências bibliográficas
estrangeiras na coleção de livros SCC (65,76%) foi maior quando comparada a dos
exemplares da RBTCC (40,90%). Em contrapartida, o contrário ocorreu quanto às referên-

382 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


cias nacionais onde a quantidade destas foi, proporcionalmente, superior nos exempla­
res da RBTCC (59,10%) quando comparada com a coleção de livros SCC (34,24%).

t: sfesójiatsa úm iipoü é®

Vale a ressalva que o número de referências bibliográficas nos exemplares da


RBTCC, em números absolutos, é menor, porém esta teve um número significativa­
mente menor de artigos publicados (seja no todo, ou especificamente sobre TOC). Ao
se relativizar estes números, a RBTCC apresenta um maior número de referências
bibliográficas por artigo, conforme já foi mencionado anteriormente.
Como foram escolhidas as publicações Sobre Comportamento e Cognição e
Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva devido à sua relevância no
cenário acadêmico nacional, foi importante levantar o quanto elas são utilizadas como
referência. Verificou-se que, dos 30 trabalhos avaliados da coleção de livros SCC, ape­
nas sete (28%) têm entre suas referências artigos oriundos destas duas publicações.
São 20 citações da própria coleção de livros SCC (em que dois dos artigos são citados
três vezes cada um) e oito dos exemplares da RBTCC (em que um artigo é citado duas
vezes). Dos cinco artigos dos exemplares da RBTCC analisados, quatro (80%) conti­
nham citações das duas publicações (o outro não tinha qualquer referência bibliográfi­
ca). Foram 21 artigos da coleção de livros SCC (em que dois artigos são citados quatro
vezes cada um. OBS: São os mesmos que foram muito citados na coleção de livros
SCC) e dois da própria RBTCC (na verdade, um artigo que foi citado duas vezes; tam­
bém é o mesmo que foi citado mais vezes na coleção de livros SCC).
A Figura 8 apresenta uma comparação entre o total de referências nacionais
utilizadas nos artigos selecionados, com o total de referências utilizadas da coleção de
livros SCC e o total de referências utilizadas da RBTCC.

Sobre Comporlamento e Cognição 383


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RBTCC
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Bftmtem ete Ywapfà Ccwpúrtmmu&f # CúgniWã*
Conforme se pôde verificar na Figura 8, do total de 268 referências bibliográfi­
cas nacionais utilizadas para compor os artigos selecionados, 41 (15,03%) são oriun­
das da coleção de livros SCC, 10 (3,73%) são oriundas da RBTCC e 217 (80,97%) são
oriundas de outras publicações nacionais.
Estes dados indicam que para a elaboração de seus artigos, os autores não
têm concentrado suas leituras nestes periódicos, buscando em outras fontes informa­
ções que lhes foram úteis.

Considerações Finais
Após toda a explanação dos dados encontrados, pode-se dizer que os objetivos,
tanto gerais quanto específicos, foram alcançados. Pesquisar a cerca do que se tem
escrito sobre TOC estritamente na coleção de livros SCC e nos exemplares da RBTCC
revelou seis aspectos a se considerar.
O primeiro deles é o percentual de artigos publicados nesses periódicos que
fazem menção ao TOC, 3,87% e 3,62% na coleção de livros SCC e nos exemplares da
RBTCÇ, respectivamente. Ressalte-se o fato que só se chegou a essas quantidades após
o estabelecimento de alguns critérios de inclusão e de exclusão. Quando se buscou ape­
nas títulos que continham o termo TOC o número de artigos encontrados foi ainda menor.
Verificou-se que um aumento significativo de publicações na coleção de livros
SCC ocorreu no período entre 1999 e 2003. Já nos exemplares da RBTCC um aumento,
mesmo que sutil, só pôde ser notado a partir de 2003.
O segundo aspecto merecedor de destaque diz respeito à quantidade de auto­
res que publicaram e a forma com que o fizeram. Na coleção de livros SCC foram 59
autores. Destes, 18 escreveram seus artigos sozinhos (60%). Os outros 12 artigos
(40%) foram escritos por, no mínimo, dois e, no máximo, cinco autores. Outro dado
sobre os autores é que dos 59, 34 publicaram apenas um artigo, nove publicaram dois,
um publicou três e um (Denis Roberto Zamignani) publicou quatro artigos. Nos exem­
plares da RBTCC, 11 autores publicaram artigos, sendo que oito em dupla (80% dos
artigos) e um em trio (20%). Novamente, Denis Roberto Zamignani aparece não apenas
como autor, mas, também, como o que mais publicou (dois artigos).

384 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


A classificação dos artigos selecionados em tipos é o terceiro aspecto a ser
ressaltado, uma vez que houve similaridade entre os dados das duas publicações. Os
artigos categorizados como exclusivamente teóricos foram maioria (19 - SCC e 2 -
RBTCC), seguidos pelos teóricos com estudo de caso (6 - SCC e 1 - RBTCC). Por outro
lado, os artigos experimentais são os que aparecem em menor quantidade (um na
coleção de livros SCC). Algumas hipóteses foram levantadas, porém, fazem-se neces­
sários novos estudos visando explicar este baixo número de publicações experimen­
tais sobre o tema.
As instituições que tiveram seus artigos publicados destacar-se-ão como quar­
to aspecto deste levantamento. Autores ligados a 13 instituições, de um total de 24,
publicaram somente um artigo na coleção de livros SCC. A instituição com mais artigos
publicados (cinco) foi o HC-FMUSR Houve artigos sem citação a respeito da instituição
de origem bem como artigos publicados por Clínicas Particulares. Estes dois últimos
dados não ocorreram nos exemplares da RBTCC. Na referida publicação foram menci­
onadas nove instituições (todas de ensino e pesquisa), sendo que sete com um artigo
cada e duas instituições (PUC-SP e USP) com dois artigos cada.
O quinto aspecto aborda as 687 referências bibliográficas encontradas nos
artigos selecionados. Na coleção de livros SCC, foram ao todo 555 referências, sendo
que 190 eram nacionais (34,24%) e 365 eram estrangeiras (65,76%). Nos exemplares
da RBTCC, ocorreu o inverso. Das 132 referências bibliográficas, 78 eram nacionais
(59,10%) e 54 eram estrangeiras (40,90%). Pode-se notar, proporcionalmente, uma
superioridade de 43% na quantidade de referências bibliográficas nos exemplares da
RBTCC em comparação à coleção de livros SCC.
Um último aspecto a ser ressaltado diz respeito à verificação sobre o quanto
estas publicações (SCC e RBTCC) são utilizadas como referências nos artigos
selecionados. Concluiu-se que, das 190 referências bibliográficas nacionais dos arti­
gos selecionados na coleção de livros SCC, 20 (10,52%) eram da própria SCC e 8
(4,21%) eram da RBTCC. Quanto aos artigos publicados nos exemplares da RBTCC,
das 78 referências bibliográficas nacionais, 21 (26,92%) eram da coleção de livros SCC
e 2 (2,56%) eram dos próprios exemplares da RBTCC.
Apesar de o presente trabalho ter tido como objetivo fazer um levantamento do
que já foi publicado no Brasil sobre Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), mais
especificamente nos exemplares da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva e na coleção de livros Sobre Comportamento e Cognição, ele apresenta
dados de comparação entre estes dois periódicos de relevância ara os analistas do
comportamento e terapeutas comportamentais.

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386 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


Capítulo 38
"Behavioral cusps": uma visão
comportamental do
desenvolvimento

Thais Porlan de Oliveira


Universidade Federal de Minas Qerais.

Naiara Minto de Sousa


Universidade Federal de Sâo Carlos

Maria Stella Coutinho de Alcantara Qil


Universidade Federal de São Carlos.

A visão tradicional do desenvolvimento humano remete à concepção de que


este ocorre em estágios, ou seja, períodos que se sucedem em seqüências invariantes
de mudanças contínuas e integradas vividas pelas crianças e que explicariam a com­
plexidade crescente do comportamento do indivíduo ao longo do tempo (Lourenço, 1997).
Algumas das principais formulações sobre os estágios do desenvolvimento humano
foram propostas originalmente por Piaget, para explicar o desenvolvimento cognitivo
(1945; 1971), por Freud para tratar do desenvolvimento psicossexual (1905; 1923), por
Kohlberg a respeito do desenvolvimento moral (Kohlberg, Levine & Hewer, 1983) e por
Erikson (1950), que estudou o desenvolvimento psicossocial. A interação entre o ho­
mem e o ambiente, nestas teorias, também tem um papel mais ou menos manifesto e
proeminente. O conceito de estágio tem destacado relevo na psicologia do desenvolvi­
mento, suscitando polêmica sobre a centralidade da sua posição na explicação do
desenvolvimento humano e sobre a relevância das interações homem-meio para a
produção de estruturas cognitivas ou outras que explicariam o desenvolvimento.
Ao por em foco os aspectos desenvolvimentais das mudanças que acontecem
no longo da vida humana, a Análise do Comportamento discute a função das interações
organismo-ambiente e o faz de modo explícito, tal como proposto por Bijou (1995) ou
implícito, tal como se encontra na apresentação feita por Keller (1950), em meados do
século passado, sobre a contribuição do conceito de contingência produzido pela a pes­
quisa experimental com animais para a compreensão do desenvolvimento humano.
A proposição de que o desenvolvimento pode ser explicado pelos estágios que
decorreriam de mudanças estruturais produzidas pela interação entre a ação e o meio
é substituída pela compreensão de que o desenvolvimento decorre do impacto das

Sobre Comportamento e Cogniçáo


interações organismo-ambiente na probabilidade de ocorrência de interações futuras.
Dito de outro modo, à medida que a criança interage com seu ambiente físico e social,
o repertório comportamental é estabelecido, é mantido ou modificado ao longo do tem­
po em decorrência de relações únicas entre a criança e o ambiente, incluindo neste
último as variáveis contextuais e culturais que adquirem função ao longo da vida da
criança (Bijou, 1995; Schlinger, 1992,1995; Skinner, 1953; Souza & Pontes, 2007; Tourinho
& Carvalho Neto, 2004).
Dois aspectos desta concepção merecem ser explicitados: a interação orga­
nismo-ambiente constitui o comportamento, ou seja, sem interação não há comporta­
mento e são as conseqüências da ação do homem sobre o meio que produzem as
mudanças ambientais que definem a probabilidade de novas ações (Skinner, 1953). A
potência da ação do homem (das respostas do organismo) na produção de mudanças
no ambiente e estas na alteração da ação podem ser consideradas prescindindo-se do
recurso aos estágios para descrever e explicar o desenvolvimento.
Discutir as divergências e concordâncias das diferentes teorias do desenvolvi­
mento sobre a definição e o papel da concepção de estágio não cabe no escopo deste
trabalho. Vale retomar, entretanto, algumas das críticas de Rosales-Ruiz & Baer (1997)
ao poder heurístico do conceito de estágios para a compreensão do desenvolvimento e
destacar as dificuldades que eles consideram decorrentes da carência de definição
sobre a continuidade e descontinuidade das mudanças que constituem os estágios
essencialmente em relação a três aspectos: 1) as características definidoras de um
estágio - habilidades, idade cronológica? 2) os determinantes da quantidade de estági­
os necessária para explicar o desenvolvimento - qual o critério de divisão de determina­
do período do desenvolvimento em um número específico de estágios? 3) os fatores
determinantes ou definidores da transição de um estágio para o próximo - como identi­
ficar a passagem de um estágio para outro?
Para Rosales-Ruiz & Baer (1997) as questões podem ser superadas ao se
adotar o conceito de cúspide comportamental (behavioral cusps) que implica compre­
ender que uma mudança comportamental pode ter conseqüências de tal monta para o
organismo que elas se sobrepõem às conseqüências diretas da própria mudança,
resultando em modificações nas interações entre o organismo e seu ambiente.
Em uma tradução livre das palavras de Rosales-Ruiz & Baer (1997), o caráter
desenvolvimental da cúspide é dado pelo fato de que a mudança no comportamento
põe o organismo “(...) em contato com novas contingências que têm conseqüências a
longo prazo.” (p.534). O conceito de cúspide comportamental focaliza a importância do
que acontece para além da modificação em si mesma. Não é demais enfatizar que para
os autores a mudança comportamental permanece o fenômeno base do desenvolvi­
mento e uma cúspide comportamental é uma instância especial da mudança
comportamental, uma mudança crucial para o que pode vir em seguida.
Bosch & Fuqua (2001) acrescentaram alguns dos critérios para a análise de
mudanças comportamentais que poderiam ser consideradas cúspide comportamental.
Além de produzirem acesso a novos reforçadores, novas contingências e novos ambi­
entes, como propuseram Rosales-Ruiz & Baer, eles acrescentaram três outros critérios
para caracterizar a promoção de mudança comportamental que a cúspide permite: - a
cúspide deve apresentar potencial gerativo ou a capacidade da modificação de propici­
ar a ampliação do repertório comportamental; - especificar número e importância rela­
tiva das pessoas afetadas e - estar em competição com respostas inapropriadas que
para elas seriam respostas que comprometeriam o bem estar ou o desempenho.
Este último critério parece diferir da proposta de Rosales-Ruiz & Baer (1997)

388 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


para quem a cúspide comportamental deve apresentar validade social. Neste caso, a
validade social não significa que se trata de mudanças consideradas benéficas para o
organismo, pois algumas mudanças comportamentais podem produzir novos
reforçadores, novas contingências e novos ambientes e, ainda assim, serem prejudici­
ais ao indivíduo. Os autores ilustram a possibilidades de um comportamento ser uma
cúspide que produz dano ao organismo com a indução de uma criança a um comporta­
mento de adição ou ao ensino da dependência de instruções de outros para resolver
seus problemas ao invés da persistência nas próprias tentativas de encontrar respos­
tas e soluções.
Bosch & Hixson, (2005) reafirmam que o conceito de behavioral cusps pode
envolver a aprendizagem de habilidades que promovam o desenvolvimento do indiví­
duo, ou seja, que envolvam a aquisição de habilidades socialmente desejadas ou
ainda a aprendizagem de comportamentos considerados socialmente inadequados,
tal qual o comportamento anti-social em crianças. Estes autores consideraram os efei­
tos cumulativos do comportamento anti-social em crianças, que estaria relacionado ao
fracasso escolar, rejeição dos pares e delinqüência. Tais conseqüências do comporta­
mento anti-social no longo prazo poderiam, por sua vez, levar ao envolvimento com
gangues e criminalidade. Desta maneira, deve-se considerar que comportamentos
previamente adquiridos (cusp) podem prover acesso a novas contingências que funci­
onam de forma complexa para favorecer o desenvolvimento de repertórios que podem
ser considerados socialmente aceitos ou socialmente desviantes.
Independentemente das possibilidades de formular critérios para determinar
se uma mudança comportamental é ou não uma cúspide, na visão dos diferentes
autores esta tende a se configurar como classes de respostas relativamente amplas
como a imitação generalizada, a leitura, o engatinhar o manter contato visual, ou o
brincar como assinalado por Gil e De Rose (2003).
É importante insistir na funcionalidade da definição de modo que cúspides
comportamentais podem incluir classes de respostas consideradas simples e especí­
ficas exemplificada pelo manejo de uma maçaneta ou pelo apertar um botão (Rosales-
Ruiz & Baer, 1997) e, mais, que este conceito tem um valor pragmático além de
desenvolvimental. Na Análise do Comportamento, a possibilidade de que o conceito de
cusp oriente a programação de contingências para produzir comportamentos novos é
tão importante quanto o seu poder explicativo.
A descrição de um dos exemplos citados pelos autores pode contribuir para
esclarecer a possibilidade de variação na complexidade das respostas envolvidas na
mudança comportamental. Rosales-Ruiz & Baer referem-se ao relato do pai de uma
criança com retardo mental severo para a qual se ensinou manejar a maçaneta de uma
porta que a separava do quintal. A aprendizagem do manejo da maçaneta transformou
a criança, antes dependente de que alguém atendesse seus reclamos para abrir a
porta, em uma criança que podia ir ao quintal sem depender de outros. A nova habilida­
de da criança ampliou suas oportunidades de atividade ao lhe propiciar o acesso a um
ambiente aberto e externo. Os autores salientam que a mudança atinge também a
percepção da família em relação à criança: acarretando modificações no modo como
encaravam o potencial de aprendizagem da criança que resultaria em maior indepen­
dência.
O outro exemplo de cusp é a aquisição de um repertório comportamental rela­
tivamente específico de apertar um botão de um computador. Retomando o exemplo
anterior da criança com retardo mental severo, a nova habilidade permitiria a ela realizar

Sobre Comportamento e Cognição 389


treinos de tarefas complexas que poderiam melhorar seu repertório verbal, inclusive ao
estabelecerem algumas respostas envolvidas na leitura e compreensão de texto (de
Rose, de Souza & Hanna, 1996).
O que foi discutido até aqui e os exemplos lustram uma das contribuições do
conceito de cúspide comportamental para a Análise do Comportamento: uma perspec­
tiva complexa e ampla dos processos de aprendizagem ao longo da vida dos organis­
mos, ao considerar os efeitos cumulativos que uma mudança no repertório pode pro­
porcionar para a aquisição e manutenção de outros repertórios. Além disso, deve-se
considerar o aspecto pragmático da contribuição do conceito, quanto ao planejamento
das contingências favorecedoras do desenvolvimento infantil.
Quanto ao primeiro aspecto, o conceito aproxima-se da chamada “hierarchical
learninçH (aprendizagem hierárquica), definida por Staats (1977) como a aquisição de
habilidades comportamentais que funcionariam como pré-requisito a ser instalado antes
da proposição de uma nova tarefa de aprendizagem. Segundo o autor, a criança está
envolvida em uma progressão de aprendizagem que se move da aquisição de repertó­
rios básicos para a aquisição de habilidades mais avançadas a partir da aprendizagem
anterior.
Hixson (2004) salienta o caráter cumulativo da aprendizagem envolvido no con­
ceito de behavioral cusps. Segundo o autor, muito do desenvolvimento do comporta­
mento é cumulativo e hierárquico, pois a aprendizagem subseqüente é dependente da
aprendizagem prévia. O comportamento ou mudanças de ou nas classes de respostas
que produzem importantes mudanças comportamentais subseqüentes são designa­
dos como repertórios comportamentais básicos (basic behavioral repertories) ou
cúspides comportamentais (behavioral cusps). Esta progressão da aprendizagem é
chamada “aprendizagem hierárquica-cumulativa” (cumulative-hierarchical learning), e
deve ser um importante conceito para entender muitos dos comportamentos humanos
complexos.

A atenção compartilhada como uma “cusp” comportamental.


A primeira parte deste trabalho tratou de alguns aspectos teóricos do conceito
de cúspide comportamental. Nesta seção será enfatizado o segundo aspecto da contri­
buição do conceito para a Análise do Comportamento: o aspecto pragmático da progra­
mação das contingências de ensino. Segundo a perspectiva comportamental, o papel
do adulto, pais e/ou cuidadores, inclui planejar e manejar as contingências responsá­
veis pela aquisição de repertórios comportamentais pelas crianças.
O conceito de cusp decorre de uma visão que considera a complexidade dos
processos de aprendizagem ao longo do desenvolvimento, essencialmente por desta­
car o efeito cumulativo da ocorrência destes processos e por priorizar comportamentos-
alvo do repertório do indivíduo.
Um fenômeno conhecido como atenção compartilhada (do inglês joint attention)
exemplificará o aspecto pragmático desta concepção relacionado ao papel do adulto
enquanto “organizador/planejador” de contingências. Propõe-se que a classe operante
envolvida na atenção compartilhada refere-se a uma nova classe de respostas das
crianças que permite a experiência de novas contingências e novos ambientes.
A literatura tradicional da Psicologia do Desenvolvimento sobre atenção com­
partilhada pode contribuir para a compreensão de quais estímulos passam a exercer
função reforçadora na aquisição do repertório verbal dos indivíduos, tendo em vista a

390 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


relação que o fenômeno parece guardar com a aquisição do repertório lingüístico. Para
analisarmos o lugar da atenção compartilhada no contexto da compreensão
comportamental do desenvolvimento, discutiremos brevemente a abordagem analítico-
comportamental da linguagem.
Utilizando como suporte as pesquisas desenvolvidas sobre contingências de
reforçamento, em 1957 Skinner analisou os fenômenos lingüísticos sob a perspectiva
comportamental dando um novo nome a eles: comportamento verbal. A primeira impli­
cação da nova denominação foi a de distinguir o aspecto comportamental de um fenô­
meno que já vinha sendo escrutinado por outras áreas do conhecimento, por exemplo,
a lingüística. Outra implicação, não menos importante, decorreu da afirmação de que o
comportamento verbal compartilha a mesma natureza com quaisquer outros operantes
e, por isso, pode ser analisado com as mesmas ferramentas conceituais estabelecidas
pela Análise do Comportamento no estudo de processos básicos da aprendizagem.
A especificidade do comportamento verbal que o torna, segundo Skinner, um
tipo especial de operante, é o papel da comunidade verbal ao estabelecer o controle de
estímulos nas contingências que produzem o repertório verbal do falante. É importante
destacar que a comunidade verbal efetiva para a aquisição de operantes verbais é
formada por indivíduos que foram especialmente preparados para atuar como media­
dores; sendo assim, quaisquer comportamentos que sejam adquiridos e mantidos por
intermédio de outro indivíduo que compartilha as características de uma comunidade
verbal são comportamentos verbais, sejam eles de topografia vocal, gestual ou escrita,
por exemplo.
Com a obra de 1957, Skinner lega aos analistas do comportamento a tarefa de
prover o suporte empírico das suas formulações pela análise rigorosa das condições
objetivas de aquisição e manutenção do comportamento verbal. As experiências de um
bebê desde o seu nascimento provêm contingências produzidas pela interação do
bebê com o ambiente físico e com os falantes da comunidade verbal em que vive e que,
por modelação e modelagem, lhe ensinam os comportamentos de falante e ouvinte
(Schlinger, 1992; Souza, 2003; Souza & Affonso, 2007). A condição para se identificar as
variáveis efetivas no controle de estímulos, por exemplo, ao se ensinar um bebê a
nomear “bola” diante do objeto bola, implica, necessariamente, identificar os compo­
nentes presentes na história de reforçamento (interação) entre o agente da comunida­
de verbal e o bebê, até que o repertório verbal vocal tenha sido instalado. Aqui, sem
desprezar variáveis biológicas que possibilitam a emissão de respostas verbais pelas
crianças, a análise dos comportamentos produzidos pela comunidade verbal que edu­
ca o bebê indica que o adulto tem papel fundamental para maximizar a função de
contingências naturais na medida em que a aquisição de operantes verbais pelas
crianças depende de interações que promovam discriminações sutis e complexas.
Usualmente, adultos maximizam aspectos do ambiente que exercem a função de ante­
cedentes e de subseqüentes às respostas dos bebês, constituindo os operantes ver­
bais.
Duas condições atuam no estabelecimento dos operantes verbais ao longo de
uma história de reforçamento. Em uma delas, o organismo que aprende tem a possibi­
lidade de entrar em contato com muitos reforçadores diferentes e na outra, estes
reforçadores adquirem função de reforçadores generalizados (Skinner, 1957).
Em relação à identificação dos reforçadores condicionados generalizados, para
se distinguir os componentes específicos que parecem constituir as reações dos ou­
vintes aos operantes emitidos na linguagem natural do falante, Holth (2005) sugeriu

Sobre Comportamento e Cognição 391


realizar a observação das situações cotidianas das comunidades verbais o que permi­
tiria compreender, por exemplo, porque uma criança, diante de uma bola, emite a res­
posta “bola” aqui no Brasil e ubalí nos Estados Unidos. Assim, a descrição de situa­
ções naturais nas quais seja possível identificar as contingências em vigor no estabe­
lecimento de reforçadores generalizados condicionados para os bebês possivelmente
permitirá identificar elementos dos operantes verbais no início do uso da linguagem.
Retomando o exemplo da criança que aprende a emitir o tato “bola” diante do
objeto bola, e ao fazê-lo é reforçado ou pelo acesso ao objeto ou pela aprovação da
comunidade verbal do bebê, ou seja, pelos seus ouvintes, ressalta-se que os ouvintes
que mediam a aquisição da resposta vocal é em geral formada pelos seus pais. Quan­
do um bebê está começando a vocalizar, em diversas situações de brincadeira entre ele
e a mãe, as bolas estão presentes e exercem função de estímulo antecedente para as
interações da díade: o bebê aponta e direciona seu olhar para uma bola; a mãe, então,
direciona seu próprio olhar para a bola, olha em direção ao bebê e diz: “é, a bola, fala
para a mamãe BOLA”. Em seguida, o bebê olha em direção à mãe e emite uma
vocalização: “BO”; a mãe, então, sorri para o bebê e diz “Isso mesmo!! BOLA”. A mãe,
neste caso, dirige o seu olhar para o mesmo objeto alvo da atenção do bebê e, a partir
daí passa a atuar um membro de uma comunidade verbal que ensina o bebê a tatear
objetos.
A progressão em complexidade para o bebê da situação em que a mãe “segue”
o olhar dele até chegar ao comportamento do bebê de dirigir seu olhar para o mesmo
objeto focalizado previamente pela mãe, deverá ser analisada de modo a recuperar as
contingências que atuam tanto na estabilidade do comportamento de manter o seu
olhar focalizado no objeto previamente olhado pelo outro, como na mudança que ocorre
quando passa a “ seguir” o gesto ou o olhar da mãe.
A literatura da Psicologia do Desenvolvimento tem denominado de atenção
compartilhada as habilidades dos bebês para coordenarem e dividirem atenção visual
dirigida a objetos e/ou eventos para os quais adultos estejam direcionando sua aten­
ção. Tais habilidades, conforme descreveram alguns autores (Baumwell, Tamis-
LeMonda & Bornstein, 1997; Harris, Kasari, & Sigman 1996; Markus, Mundy, Morales,
Delgado & Yale, 2000; Mundy, & Gomes, 1998; Mundy, Sigman & Kasari, 1990; Paparella
& Kasari, 2004; Tomasello & Farrar, 1986), têm função comunicativa no repertório das
crianças pequenas, uma vez que envolvem trocas interativas nas quais o adulto não
apenas coordena e divide seu olhar, mas emite falas e gestos direcionados para as
ações do bebê. As falas, os gestos exercem diferentes funções, seja de modelo, seja de
reforçadores.
Desde o início das pesquisas sobre atenção compartilhada na Psicologia do
Desenvolvimento - em meados da década de 1980, até recentemente - o número de
investigações empíricas sobre o fenômeno cresceu consideravelmente e os resulta­
dos evidenciam a sua robustez. Grande parte dos estudiosos da atenção compartilha­
da (Baumwell etal., 1997; Kaplan & Hafner 2004; Markus et al. 2000; Paparella, & Kasari,
2004; Tomasello & Farrar, 1986) caracteriza o fenômeno pela existência de um foco
atencional para o qual, pelo menos, dois indivíduos, simultaneamente, compartilham
uma experiência, ou seja, um fenômeno que tem função comunicativa.
Uma abordagem comportamental da atenção compartilhada considerará que
sua ocorrência envolve algum tipo de controle sobre as contingências em operação na
interação entre os parceiros, uma vez que o comportamento de um deles exerce algum
efeito sobre o comportamento do outro e vice-versa. Este controle do comportamento de

392 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


um sobre o comportamento do outro membro de uma díade caracteriza uma interação
já que um episódio interativo não se distingue pela ocorrência simultânea ou
seqüenciada de comportamentos e sim pela reciprocidade de influências exercidas
pelas respostas dirigidas por um parceiro ao outro mutuamente.
As investigações sobre diferentes aspectos da atenção compartilhada trouxe­
ram contribuições a respeito da correlação entre episódios de atenção compartilhada e
capacidades lingüísticas e levantaram questões sobre as características os episódios
interativos com destaque para o comportamento do adulto cuidador em relação ao
bebê.
Uma parcela relevante das pesquisas conduzidas com autistas e indivíduos
com Síndrome de Down sobre a relação entre atenção compartilhada, comportamento
materno e aquisição de linguagem tem sugerido que, embora possivelmente por cau­
sas diferentes para cada deficiência, há um atraso no desenvolvimento de capacidades
para atenção compartilhada das crianças com Síndrome de Down e autismo. Sugere-
se que esse atraso pode resultar em dificuldades subseqüentes para aquisição de
linguagem (Bono, Daley & Sigman, 2004; Harris, Kasari & Sigman, 1996; Landry &
Chapieski, 1989; Mundy e/a/., 1990; Siller & Sigman, 2002).
Em relação aos comportamentos maternos especificamente direcionados às
crianças com Down e autismo nos episódios interativos de atenção compartilhada, a
literatura indica, de modo geral, que os comportamentos das mães das crianças com
deficiência são mais diretivos e controladores quando comparados aos comportamen­
tos de adultos cuidadores de crianças com desenvolvimento típico (Harris et al., 1996;
Kasari & Sigman, 1996; Mundy et al., 1990).
De acordo com Kasari & Sigman (1996), o maior direcionamento e controle do
comportamento das crianças com alguma deficiência podem ser explicados parcial­
mente pela expectativa que os adultos criam a respeito das capacidades das crianças
com déficits, como se a emissão de comportamentos mais controladores fosse uma
maneira de compensar as dificuldades impostas pela deficiência. Outra hipótese le­
vantada para explicar os comportamentos dos adultos nas interações com as crianças
com deficiência relaciona-se às diferenças quanto aos feedbacks que os adultos rece­
bem das crianças. Os autores consideram que existe uma diferença de repertório
comportamental e, conseqüentemente, uma diferença nos feedbacks proporcionados
pelas crianças para os adultos, mas ressaltam, entretanto, que essas diferenças nas
respostas interativas das crianças não têm necessariamente um caráter único quanto
ao efeito sobre os pais, ou seja, os feedbacks destas crianças não produzem efeitos
claros de punição ou não para o comportamento dos pais.
A possibilidade de o bebê dirigir sua atenção a um objeto ou evento que um
adulto também focaliza pode ser analisada como uma cúspide comportamental consi­
derando a importância, no sentido dado por Rosales-Ruiz & Baer (1997), que o compor­
tamento de compartilhar a própria atenção com a atenção de um adulto dirigida às
mesmas circunstâncias amplia fortemente não só o acesso a aspectos relevantes do
ambiente para a emissão de tatos, mas também por permitirem que a nomeação
inicialmente aproximada dos objetos denominados pela comunidade verbal tome-se
cada vez mais precisa.
Nesse sentido, emprego do conceito de cusps pode contribuir para explicitar o
papel da atenção compartilhada enquanto fenômeno com potencial importância nas
aquisições iniciais do comportamento verbal para as quais os adultos podem exercer
função de programadores de contingências.

Sobre Comporlamento e Cognição 390


Retomando os critérios estabelecidos por Rosales-Ruiz & Baer (1997) e por
Bosch & Hixson, (2005) para definição de uma cúspide comportamental e consideran­
do a atenção compartilhada uma capacidade discriminativa inicial dos bebês, precur­
sora do acesso a novas contingências, é possível supor que:
- atenção compartilhada possibilita acesso a novos reforçadores e a novos am­
bientes, na medida em que a criança direcionar o olhar para os mesmos estímu­
los que o adulto possibilita um controle de estímulos por um ouvinte treinado
para mediar a aquisição gradual de repertórios verbais pela criança;
- é um fenômeno que tem validade social uma vez que na interação estabelecida
entre falante (criança) e ouvinte (adulto), a atenção compartilhada exerce função
reforçadora para os comportamentos dos adultos direcionados à criança e vice-
versa;
- tem potencial gerativo na medida em que pode ser considerada uma classe de
respostas que facilita aprendizagens subseqüentes e é componente de classes
de respostas mais complexas; por exemplo, a criança ficar sob controle de um
brinquedo que o adulto mostre para ela cria condições para que o adulto emita
um tato (nomeie o objeto) e para que a criança emita um operante verbal vocal
(como uma vocalização).

Conclusões
O presente trabalho objetivou a análise de alguns aspectos que constituem a
perspectiva de estudo do desenvolvimento humano, mais precisamente do desenvolvi­
mento infantil. O suporte empírico-conceitual dessas análises preliminares foi conceito
de behavioral cusps como uma ferramenta que permita a elaboração de um possível
modelo comportamental para a compreensão do desenvolvimento. Entretanto, são inú­
meras as questões de natureza teórica, empírica e metodológica que os analistas do
comportamento precisam abordar e aprofundar a fim de contribuir para a explicação e a
promoção do desenvolvimento infantil.
Espera-se que o trabalho propicie uma discussão mais ampla do conceito de
cúspide comportamental, tanto para a compreensão do aspecto cumulativo do desen­
volvimento como para o planejamento da aquisição de novas habilidades para diversas
populações.

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304 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


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396 Tânia Pappas, Nicodemos Batista Borges


Capítulo 39
Terapia Comportamental de casais :
especifiridades da prática clínica e
questões atuais.
Vera Regina Lignelli Otero
Clínica ORTEC - Ribeirão Preto - SP

Yara Kuperstein Ingberman


IEPAC, CETECC
Universidade Positivo
Faculdade Evangélica do Paraná

O atendimento de casais em psicoterapia tem sido abordado pela análise do


comportamento enfatizando processos de aceitação e comunicação, constituindo um
avanço frente às propostas iniciais que priorizavam os processos de mudança de com­
portamento. Neste capítulo serão apresentadas ponderações teóricas abrangentes re­
lativas à análise do comportamento aplicada ao atendimento de casais; serão ainda
abordadas algumas especificidades do atendimento de casais tais como os constituí­
dos por parceiros homossexuais, os que vivenciam a violência doméstica e os roman­
ces virtuais além de algumas das peculiaridades de parceiros que se encontram em
diferentes etapas da vida.
A prática clínica tem revelado uma diversificação bastante extensa dos tipos de
casais que buscam ajuda terapêutica nos últimos tempos. No Brasil, até em torno de 30
anos atrás, procuravam ajuda, predominantemente, casais formados por pessoas “le­
galmente” casadas e que estavam no máximo na “meia idade”. Suas queixas principais
e mais freqüentes eram: “ele não me ouve", “ela não me entende”: “ela acha que eu nãQ
sei nada”, “ele auer mandar em mim”: ''ele me. tfaiü", "ela nãQ me quer mais”, dentre
outras similares.
Atualmente observa-se que uma variedade cada vez maior de parceiros tais
como namorados, noivos, casais jovens ou mais idosos, heterossexuais ou homosse­
xuais buscam ajuda para equacionar dificuldades específicas ou mesmo mais gerais,
vividas nos seus relacionamentos. As queixas mais freqüentemente apresentadas con­
têm peculiaridades decorrentes dos novos contextos sociais, econômicos ou profissio­
nais, permeadas pela diversidade de novos costumes e valores de vida e, quase sem­
pre são acrescidas das mesmas queixas que eram apresentadas anteriormente. Os

Sobre Comportamento e Cognição 397


parceiros estão convivendo com as imposições destas novas realidades. Podem-se
r denominar essas mudanças de “sinais dos tempos”. O “espaço e o tempo” que cada
um deles dedica para o “relacionamento do casal” mudaram, indicando realidades,
necessidades, valores e prioridades diferentes. Alguns pontos podem ser citados para
exemplificar: os novos papéis assumidos pela mulher, incluindo sua profissionalização
e independência econômica, o desempenho de funções semelhantes às exercidas
pelos homens; as parcerias “homo afetivas” são assumidas e melhor aceitas publica­
mente, ao lado de uma maior liberação sexual; os recasamentos sucessivos de um ou
de ambos os parceiros, dentre outros.
As novas exigências e expectativas, pessoais e mútuas, acrescidas das altera­
ções dos contextos de vida e da busca de ajuda por parceiros de todas as idades não
alteraram, entretanto, a essência das intervenções, apenas ampliaram os “temas” abor­
dados. A ajuda para os “novos” casais que nos procuram permanece centrada nos
problemas de comunicação das mais diferentes ordens, no compromisso que têm
com o relacionamento e na dificuldade de aceitarem que ambos são igualmente res­
ponsáveis pela qualidade de suas interações. Acrescente-se a estas variáveis o fato de
que os contextos de vida têm sido cada vez mais complexos. As questões primordiais
da terapia de casais, atualmente, não são mais metodológicas, mas sim ideológicas,
conforme afirma Papp (2000/2002, p. 14): “Se os terapeutas desejam continuar a ser
importantes na vida dos casais de hoje, devem ajudá-los a olhar para além de seus
mundos particulares, ou seja, para as forças sociais externas que estão atualmente
determinando a vida deles”.
Neste mesmo sentido Matine (2001), com base no modelo da análise do com­
portamento, descreve o que denomina de análise eco-comportamental na qual propõe
um eco-campo transacional conforme apresentado a seguir.

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Figura 1: Ecocampo Transacional Simples (Mattaini, 2001, p. 5).

396 Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman


O Ecocampo Comportamental inclui as interações entre os diferentes mem­
bros da família e o seu entorno social; permite fazer análises das interações que podem
ser positivas (reforçadoras) ou negativas (de estimulação aversiva), levando a um au­
mento da freqüência de determinados comportamentos por reforçamento positivo ou
negativo e até mesmo à eliminação de algum tipo de interação por falta de reforço ou por
ocorrência de punição.

Condução do atendimento
A terapia comportamental de casais pode ser conduzida por um ou dois
terapeutas e esta decisão dependerá dos critérios e das características pessoais do
profissional e dos clientes, assim como dependerá também da natureza das principais
dificuldades apresentadas pelos parceiros. Além disso, as sessões poderão ser todas
conjuntas, conjuntas e individuais ou basicamente individuais, todas realizadas por um
ou dois terapeutas. Ao tomar as decisões acima o terapeuta ficará atento também às
questões relativas ao funcionamento do casal e às dificuldades mais acentuadas de
cada um dos cônjuges para assim poder escolher a estratégia que levará ao melhor
andamento do processo. E importante, seja qual for o arranjo escolhido, que o foco
esteja nos processos que interferem na interação dos parceiros.

Ampliação das intervenções


A terapia comportamental de casais teve como propostas iniciais básicas:
• alterar os comportamentos públicos dos parceiros;
• aumentar as interações positivas mútuas;
• diminuir interações negativas mútuas;
• ensinar estratégias gerais para solucionar futuros problemas de interação.
Os trabalhos de Jacobson, & Christensen (1998) e de Cordova, & Jacobson
(1993/1999) descrevem a ampliação do alcance das primeiras propostas de interven­
ção da terapia comportamental de casais, cuja eficácia para resolver problemas era
limitada para melhorar as habilidades interativas dos parceiros. Estes autores formula­
ram uma proposta de intervenção baseada em três conceitos essenciais e
indissociáveis: mudança, aceitação e compromisso. Entendem que há necessidade de
se buscar mudanças nas topografias das interações dos parceiros visando promover
alterações nos comportamentos públicos de um ou de ambos. Outro conjunto de inter­
venções deve visar promover efeitos sobre as experiências privadas, sobre as “emo­
ções vividas" por cada um dos parceiros; deve-se também buscar ajudá-los a compre­
ender que não temos como escapar de todas as emoções negativas, e, portanto elas
estarão sempre presentes. Aceitação, desta forma, significa experimentar sentimentos
negativos ao invés de negá-los; significa corrigir as concepções socialmente
estabelecidas sobre felicidade ou bem estar, por exemplo, levando-os a perceber que
ninguém é feliz ou se sente bem durante todo o tempo. Por outro lado, desenvolver
comportamentos de enfrentamento destes sentimentos conduz à construção da aceita­
ção que é uma “atitude" altamente desejável entre os parceiros; e, além disso, é neces­
sário que tenham compromisso com a relação de ambos; que queiram também
melhorá-la. Isto significa comprometer-se com a mudança das próprias atitudes, inclu­
indo aceitação e enfrentamento dos próprios sentimentos e “aceitação” do outro.

Sobre Comportamento e Cognição


Aceitação emocional através da construção da tolerância
Nos relacionamentos, parte do que torna a aceitação difícil é que comporta­
mentos de um parceiro induzem uma grande dor no outro. Uma maneira de aumentar a
aceitação é aumentar a tolerância de cada parceiro para com os comportamentos do
outro que lhe geram sofrimento. Isto significará tornar a relação menos dolorosa. A
tolerância se desenvolve quando os parceiros aprendem que devem interromper as
próprias tentativas de “mudar o outro”; tolerância só pode ocorrer se os parceiros inter­
romperem seus esforços para prevenir ou evitar os comportamentos uns dos outros.
Se ambos “experimentarem” o comportamento do outro sem tentarem mudá-lo e, se for
também possível criar um contexto de mudanças desejáveis, ocorrerá uma diminuição
da toxicidade daquele comportamento que então se tornará mais aceitável.
A chave para construir tolerância é capacitar os parceiros a:
• abandonar a luta para mudar um ao outro;
• criar oportunidades de viver experiências de interações desagradáveis nas
sessões terapêuticas para tomar mais fácil o “deixar passar” e,
• aprender a relevar.
O treino de tolerância é análogo ao procedimento de exposição usado por
terapeutas comportamentais para tratar desordens de ansiedade. Quando o terapeuta
promove a tolerância na sessão de terapia do casal, ele se esforça para expor os
parceiros ao conflito e aos comportamentos negativos uns do outro num ambiente
seguro (presença do terapeuta), com a expectativa de que os comportamentos negati­
vos possam ser tolerados, e aceitos mais facilmente. Para isso são usadas estratégias
e objetivos específicos tais como:
• aprimorar as habilidades de discriminação e generalização das interações;
• “reformular” a compreensão de cada um dos parceiros sobre um fato;
• rever as auto-regras ou as regras de ambos;
• melhorar a comunicação entre os parceiros em termos de recepção e expres­
são (Jacobson, & Christensen, 1998).
Comunicação é entendida aqui como a ocorrência de um ou mais estímulos
produzidos por um organismo e que afetam outro organismo. Entende-se que comuni­
car-se é uma habilidade aprendida e que pode ocorrer de diferentes maneiras: verbal
(oral): falar”ouvir”falar”ouvir e através de comportamentos não verbais ou “atos”.
A grande maioria dos problemas de relacionamento de um casal ocorre ou é
agravada pelas dificuldades de comunicação existentes entre eles, principalmente às
ligadas à escolha das palavras.
Desta maneira, enfatiza-se para os parceiros que palavras têm “poderes e
força” e geram emoções e sentimentos. Pondera-se ainda que é a palavra que dá
significado ou existência a tudo o que ocorre no mundo, inclusive os relacionamentos.
O que existe, existe porque compreendemos e exprimimos com palavras; o que senti­
mos ou fazemos alguém sentir é percebido e categorizado através das palavras que
acariciam, machucam, constroem, destroem, aproximam ou separam pessoas que
interagem.
Vale a pena reafirmar que cada conversa contém:
• atributos pessoais: delicadeza, agressividade, reflexão, impulsividade, etc.;
• hábitos e maneiras pessoais: individualismo, inclusão, participação, coopera­

400 Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman


ção, exclusão, etc.;
• valores de vida: certo, errado, bom, mal, adequado, inadequado, respeito, des­
respeito, etc.;
• conceitos “errôneos” embutidos nos diálogos: discordar como sinônimo de
brigar, ser assertivo muitas vezes é compreendido como ser agressivo, franque­
za é confundida com desrespeito ou falta de educação;
• “adivinhar” a intenção do outro, “transferir” a própria “verdade” para adjetivar o
comportamento do outro, “crer” que a culpa é sempre do outro, etc. Este proces­
so transforma o conversar e a interação do casal em uma experiência aversiva
que produz esquiva e contracontrole.
Todos esses elementos que caracterizam e estão contidos em uma conversa
são tópicos que devem ser considerados e examinados durante o processo terapêutico
de parceiros.

Comportamentos privados na terapia do casal


Quando nos referimos aos eventos privados na situação terapêutica nos repor­
tamos a: 1) eventos privados são mais do que aqueles controlados verbalmente; 2)
respostas do organismo e o que elas podem sinalizar; 3) não apenas ao comportamen­
to verbal encoberto ou a comportamentos governados por regras.
Nesse sentido a terapia de casais é um espaço privilegiado para a reorganiza­
ção dos comportamentos privados e torna-se a oportunidade de:
• explicitar verbalmente os próprios comportamentos encobertos;
• sensibilizar as reações do parceiro dentro da sessão;
• dessensibilizar as reações estabelecidas em interações de aversividade;
• ao contrário do que ocorre na terapia individual na qual o interlocutor do cliente
é o terapeuta, na terapia de casais o interlocutor é o parceiro e o terapeuta é um
facilitador;
• lidar com pensamentos, emoções e sentimentos constitui-se em uma tarefa
central, compartilhada na sessão e mantida fora dela.
• criar alternativas para a ocorrência e manutenção dos novos encobertos fora
das sessões;
Tome-se como exemplo a seguinte situação: O marido liga para a esposa
durante o trabalho e diz: “posso falar agora" (com um determinado tom de voz); ela tem
uma sensação eliciada de “perigo” mesmo quando o assunto é corriqueiro e isto gera
nela uma reação de raiva (CV agressivo). Este comportamento tem funções na relação
do casal:
• Ela fica sob controle do que ele possa dizer a partir de uma sensação privada
decorrente da atenção que ela dá à fala dele com este tom (provavelmente sen­
tida em ocasiões anteriores nas quais este tom de voz foi utilizado para dar
notícias graves);
• esta atenção, provavelmente, não é a mesma quando ele fala de modo mais
“leve”;
• de forma “inexplicável” ele reage “mal” (com sensação de desconforto) quando
ela responde com agressividade;

Sobre Comportamento e Cognição 401


• nos próximos dias ele, provavelmente, não falará com ela neste tom e não
sentirá que recebe a mesma atenção da parte dela nos telefonemas (esquiva);
• ele tenderá a falar daquela forma novamente em algum momento (para ser
escutado “atentamente”). Portanto, ao chegarem à terapia poderão trazer dife­
rentes “interpretações” sobre a mesma situação: “e/a não me dá importância”,
“e/e só me assusta”. Ambas as afirmações constituem a verdade “de e para cada
um deles”.
Outro componente relevante da comunicação entre parceiros é a assertividade. A
conversa “de casal” requer assertividade, ou seja, a habilidade de identificar, formular e
expressar, adequadamente, suas próprias opiniões, desejos, vontades, sentimentos etc.,
mas sem ferir os direitos do (a) parceiro (a). Saber falar e ouvir respeitando a si e ao outro.
Como afirmado anteriormente, deve-se considerar também na comunicação
entre parceiros os aspectos não verbais que estão embutidos nas interações relatadas
e que podem ser diferentes para cada um deles. Por exemplo: um homem que sai do
trabalho, cansado e vai tomar “uma cervejinha” com amigos mesmo sabendo que sua
mulher está doente em casa, só com o filho. O marido não entende porque ela ficou
triste e brava com seu comportamento. Pára ele, “e/a estava cuidada e ele precisava
relaxai"', para a mulher, “e/e é egoísta e não à considera ,f:
De acordo com este “pano de fundo”, quaisquer que sejam as queixas, o
terapeuta deverá: 1) buscar dados para realizar análises funcionais; 2) considerar o
contexto mais amplo e as 3) especificidades de cada dupla de parceiros; 4) analisar
amplamente a qualidade da comunicação existente entre eles

Especificidades do atendimento de alguns parceiros


Descreveremos a seguir especificidades sobre alguns dos temas abordados
na terapia de casais. Serão apresentados casos clínicos através dos quais faremos
algumas ponderações teóricas.

Casais homossexuais ou homo afetivos


José, 28 anos, engenheiro. Relata: "Eu tenho um relacionamento muito bom,
mas ao mesmo tempo tenho muitas dificuldades no meu relacionamento. Eu amo mui­
to, mas não sei se dará para ficarmos juntos. Na realidade acredito que nós nos ama­
mos. Eu vim aqui porque não sei o que fazer da minha vida". Uma queixa inicial com
este conteúdo impõe ao terapeuta a necessidade de cuidados na elaboração das per­
guntas para colher mais informações; “O que ocorre no seu relacionamento? O que o
faz muito bom ou muito ruimH? Tale um pouco sobre você e sobre a pessoa com quem
você está se relacionando". Neste exemplo, essa era a história do José e do João. A
pergunta genérica poupa o cliente e o terapeuta de expressões de preconceitos,
Na terapia de casais não se diferencia se são parceiros de um mesmo sexo ou
heterossexuais uma vez que as questões que os preocupam são do mesmo teor:
comunicação, afeto, tolerância, aceitação etc.. O terapeuta deve ter cuidado ao coletar
dados iniciais, especialmente, não partir de nenhum pressuposto, para que possa
permitir que o cliente aborde todos os temas que o preocupam.
História de Thiago (43 anos): “ Vim lhe procurar porque a minha vida já não tem
mais sentido. Sou um empresário de sucesso, mas estou sem condições de seguir em

402 Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman


meu trabalho porque tenho de escolher entre viver a minha vida pessoal ou a profissio­
nal. Não suporto mais ter só vida profissional, e se souberem que sou homossexual não
vão me respeitar e vou perder tudo. O que mais quero na vida é ter uma relação
interpessoal estável. Preciso aprender a me relacionarM .
Considerando esses dois exemplos, devemos atentar que em casos de par­
ceiros homossexuais (masculinos ou femininos), existem pontos relevantes e especí­
ficos para esse tipo de atendimento. A postura do terapeuta frente à homossexualidade
ou homo afetividade deve considerar que: 1) é um relacionamento como outro qualquer
embora com suas próprias especificidades; 2) é um relacionamento humano que con­
tém uma preferência por uma forma de relacionamento afetivo e que também busca
uma realização pessoal além da satisfação sexual; 3) não é apenas uma questão de
identidade sexual;
Outros pontos relevantes a serem observados no atendimento de parceiros
homossexuais são:
• o terapeuta deve usar o mesmo vocabulário mostrado pelos parceiros (por
exemplo, gays e lésbicas) ao invés de apenas “homossexuais";
• fazer reflexões efetivas sobre os conceitos sociais e culturais que podem estar
comprometendo o relacionamento dos parceiros;
• ajudá-los a “limpar” as queixas e a esclarecer questões tais como: diminuição
do interesse de um deles ou “descuido” com a parceria. Poderá não ser nada
disso, mas sim, falta de repertório adequado para lidar com “pressões sociais”,
às vezes, auto-impostas;
• assumir-se ou não como homossexuais: perante as famílias, os amigos, os
filhos, no trabalho etc.;
• atentar para limites imprecisos de suas ações, “invisibilidade” da parceria, falta
de modelos satisfatórios de relacionamento;
• acesso a direitos civis, benefícios sociais, etc.;
• “afetação” comportamental de um dos parceiros que poderá desagradar o
outro;
• acordos para o estabelecimento e/ou “distribuição” dos papéis na execução de
tarefas, domésticas ou não;
• como lidar com a “passagem” do tempo que leva ao envelhecimento e deman­
dará o equacionamento de tópicos tais como heranças e “testamentos”;
• acordos de separação;
• filhos de relacionamentos anteriores ou adotados que requerem decisões liga­
das à educação em si, dentro e fora de casa, dentre outros.
Vale a pena registrar que o atendimento de parceiros homossexuais, na maio­
ria das vezes, inicia-se pelo atendimento de um deles como se fosse uma terapia
individual. Gradativamente vai surgindo a demanda real que, na verdade, trata-se do
atendimento do casal. O terapeuta deverá então decidir com o cliente como ele gostaria
que transcorresse o atendimento. Uma grande porcentagem de parceiros homossexu­
ais prefere ser atendida por dois terapeutas, em sessões individuais, embora quase
sempre abordando os mesmos temas, ocorrendo apenas eventuais sessões conjun­
tas com a presença dos quatro participantes.

Sobre Comportamento e Cognição 403


“Romances” ou encontros virtuais
Nas últimas décadas, com o desenvolvimento e expansão do uso da tecnologia,
a comunicação virtual passou a permitir que pessoas se relacionem em tempo real
com os mais diferentes objetivos. Muitas delas se encantam com a possibilidade de
conhecer outras pessoas que se tornam seus parceiros em “viagens fantásticas” que
parecem realizar sonhos ou desejos não possíveis na vida real, pelo menos naquele
momento. A internet com suas salas de bate papos e demais formas de contato em
tempo real, leva as pessoas a, equivocadamente, desenvolverem a percepção de que o
que ocorre naquele contexto não interfere no que vivem de fato, isto é, nos seus relaci­
onamentos já estabelecidos ou mesmo em suas vidas estritamente pessoais. É como
se elas se sentissem protegidas ou “retiradas" da realidade por um espaço de tempo.
Outras pessoas conseguem estabelecer apenas este tipo de relacionamento e acredi­
tam que a possibilidade de “viverem” relacionamentos virtuais “salvou-as” da solidão.
Relacionamento virtual é então um tema atual, freqüente e de grande interferên­
cia nos relacionamentos compreendidos como estáveis como o de Luiz, 45 anos, inves­
tidor e Maria Antônia, 40 anos, lojista, que apresentaram o diálogo a seguir: Maria Antônia/
“Não me conformo, prá mim o nosso casamento está acabando ou já acabou. Não me
importa que ele nunca se encontrou com ela. Ele namora ela. Ele não me namora.n Luiz:
uNós estamos juntos há 15 anos. É natural que o interesse vá diminuindo, mas eu não
quero te trair. Eu não te trai. Eu já te falei: você só fica pensando na loja. Abriu espaço, eu
entrei. Eu entrei, mas não tem nada a ver com o nosso casamento. Já te falei que eu nunca
encontrei com ela. É só no computador, a gente conversa e pronto, só isso.".
Como os encontros são “apenas virtuais”, possibilita que o parceiro do exem­
plo desconsidere como reais as trocas pessoais vividas por ele através da internet. As
experiências virtuais não são consideradas “reais”, como se estas interações não fos­
sem verdadeiras, diferentemente da compreensão da esposa que as entende como
verdadeiras e genuínas. Este caso evidencia que terapeutas de casais devem buscar
compreender e analisar todas as possíveis implicações e/ou funções das experiências
virtuais nos relacionamentos dos parceiros que o procuram. Estas experiências interfe­
rem nos relacionamentos reais, “estáveis”; desencadeando “crises” entre os mesmos,
uma vez que levam a pessoa a fugir da realidade, como no caso de Márcio (38 anos) e
Beatriz (36 anos): ambos eram advogados, e trabalhavam em cidades diferentes e se
encontravam apenas nos finais de semana. A queixa de Beatriz foi ter encontrado Márcio
se masturbando em um encontro virtual. Para ele esta era uma situação “normal” por­
que, ele e a mulher ficavam distantes muito tempo; para ela tratava-se de uma traição.
O terapeuta deverá ajudar a ambos a identificar que todas as experiências,
virtuais ou não, são reais. O foco principal da intervenção deverá estar sempre no que de
fato ocorre entre aquelas pessoas que estão buscando o atendimento. Como cada
uma delas se comporta em relação ao outro? Como cada um deles considera o relaci­
onamento? Qual o grau de compromisso de cada um deles com o relacionamento? O
que cada um pode e quer mudar em seu próprio comportamento com o objetivo de
tornar o relacionamento mais gratificante para ambos? Quais sentimentos são possí­
veis de serem identificados em cada um deles? O que o comportamento de cada um
causou no outro parceiro? Qual a concepção de cada um deles sobre o que é traição?
Quais acordos eles tinham anteriormente estabelecido entre eles? Há valores
morais envolvidos nestas situações? Quais? São os mesmos para ambos? Em que,
na percepção de cada um deles, a experiência de encontros virtuais interferiu no relaci­
onamento do casal?

404 Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman


As respostas a estas questões devem ser facilitadoras de uma interação mais
harmoniosa na qual os sentimentos de cada um possam ser levados em conta.

Violência doméstica
Terapeutas de casais constantemente se encontram diante de parceiros que
praticam e/ou sofrem violência doméstica. A despeito de ser um tema bastante atual e
freqüente na relação a dois observa-se que os profissionais têm pouco preparo técnico
para trabalhar com estes problemas. A formação do psicólogo não contempla este
estudo como um tópico especifico. Jacobson e Christensen (1998) relatam que a falta
deste conhecimento pode vir a trazer “conseqüências sérias” aos clientes por ser um
problema que põe o (a) parceiro (a) em risco se não forem tomados alguns cuidados.
“Abuso físico de qualquer tipo, seja ele de parceiro ou de filho, seja estupro ou
incesto, exige posicionamentos morais e éticos específicos.” (Papp, 2000/2002, p.28).
Sempre será inaceitável, em qualquer condição.
A história, exemplificada nos relatos abaixo, de Artur, 46 anos, agricultor, e Laís,
36 anos, professora, mostra um dos tipos comuns de violência doméstica: Artur: “E/a
me tira do sério. Já falei prá ela nâo me olhar daquele jeito. Já falei prá ela que não é prá
por os meninos contra mim. Aí eu fico louco e parto prá cima dela.” Laís: uE!e não sabe
escutar. Ele acha que os meninos não percebem como ele é. Ele acha que sou eu quem
põe os meninos contra eles. Ele bate em mim e nos meninos também. ”
O que fazer nestes casos? Atendimento do casal? Atendimento individual?
Não atendimento? Denúncia à polícia? Dois terapeutas?
A incidência de violência entre casais é de 3 a 4 % da população (Roth, 1993, in
Mattaini 1999). Estimativas indicam que alguma violência física, ocorre em metade das
relações íntimas entre adultos. Algumas são em baixo nível e sua função não é só o
controle coercitivo; envolvem ainda as diferentes funções do bater (Jacobson, &
Christensen, 1998).
Segundo estes autores, 50% dos casais que procuram terapia se engajaram
em comportamento violento no ano que antecede a procura. Porém a maioria dos
casais envolveu-se em comportamentos violentos alguma vez. Salientam os autores
que a violência contra a mulher é, às vezes, acompanhada pela violência recíproca da
mulher. Estes dados sugerem que, na maioria dos casos, o homem tem menos preju­
ízos e não tem a experiência emocional de terror que a mulher vivência, pois a violência
na mulher, em geral, envolve auto defesa (Mattaini, 1999).
Nestes casos o mecanismo usado é a coerção. Sidman (1989/1995) afirma
que punimos as pessoas porque acreditamos que as levaremos a agir diferentemente.
Queremos parar ou prevenir certas ações. Punimos alguém quando avaliamos que sua
conduta é considerada má para a comunidade, para outros indivíduos ou para nós
mesmos. O que desejamos com a prática da punição é por fim à conduta indesejável.
Desta maneira a violência é usada como forma de controle por reforçamento negativo
tomando funcional a aversividade da agressão.
Esta aversividade, algumas vezes, detém o comportamento indesejável, pelo
menos temporariamente. No entanto, não ensina nada sobre o que deve ser feito além
de poder destruir relações. A violência é um comportamento, e não é causado por raiva,
abuso de substâncias ou doença mental, embora em alguns casos estes fatores dimi­
nuam a sua inibição. A violência repetitiva ocorre porque é reforçada pelo estabeleci­

Sobre Comportamento e Cognição


mento do controle coercitivo e pela retirada de estados emocionais negativos (Mattaini,
1999).
A manutenção da relação com violência se dá porque após o episódio de vio­
lência pode se estabelecer um período de “lua de mel”, durante o qual, vários reforçadores
não contingentes são trocados. Porém o padrão de controle coercitivo retorna, eventual­
mente, porque esta é a maneira mais eficiente de manter o controle estabelecendo
então, um esquema de reforçamento intermitente entre agressões e trocas de afeto.
O caso de Marina, 23 anos, estudante universitária e José, 24 anos, estudante
de programação visual, ilustra o controle mútuo de comportamento exercido pela puni­
ção: Marina: “Eu tenho medo quando ele chega em casa. Preciso fazer com que o bebê
pare de chorar porque ele logo fica nervoso e começa a gritar. Tenho medo de ficar
sozinha em casa e vou para a casa de minha mãe e ele fica furioso e grita: o filho é
nosso". José: “Ela não sabe ser mãe. A mãe dela é quem diz como criar meu filho. Não
quero que meu filho fique com ninguém. Nós é quem somos os pais”.
Este exemplo mostra como José, na tentativa de ter controle sobre o comporta­
mento de Marina, fica “nervoso” e grita. Marina tenta controlar o comportamento do filho
(bebê de seis meses) para não desencadear o comportamento agressivo de José.
Quando, em função de seu medo de ficar sozinha com o bebê, vai para a casa da mãe,
emite o comportamento que gera a agressividade de José. A dificuldade é que ao invés
de falarem de seus próprios medos eles se engajam em comportamentos de fuga e
esquiva, não compreendidos pelo outro, e desencadeiam interações aversivas: José
teme que os avós, paternos ou matemos, conduzam a educação e “tomem” o amor de
seu filho, e, Marina, por sua vez, acredita que tem que fazer tudo certo e que não sabe
lidar com o bebê e assim recorre à sua mãe. Para evitar o pior, na compreensão dele,
José agride Marina embora ambos queiram a mesma coisa: cuidar melhor de seu bebê
e tornarem-se pais amorosos e responsáveis.
A aversividade recíproca assim iniciada pode chegar à agressão física, poden­
do assumir formas desastrosas de relacionamento.
A violência doméstica tem sido cada vez mais intensa e freqüentemente relata­
da nos atendimentos de casais. É um problema social que está sendo mais enfocado
na atualidade. A discussão atual leva a um aumento nas denúncias e à necessidade do
desenvolvimento de estratégias específicas de cunho social, policial e psicológico para
lidar com o problema.
Jacobson e Christensen (1998) descrevem dez mitos sobre a agressão:
• Homens e mulheres, ambos batem;
• Os agressores são parecidos;
• A violência nunca é causada por drogas;
• Agressores não podem controlar sua raiva;
• A agressão acaba por si mesma;
• A psicoterapia é um tratamento “melhor" do que a prisão;
• As mulheres provocam os homens para que eles batam nelas;
• Mulheres que apanham podem mudar a situação mudando o próprio compor­
tamento;
• Existe uma única resposta para a pergunta: “Por que os homens batem nas
mulheres”.

406 Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman


Os agressores são em geral os homens, e são classificados, segundo os
autores, em dois padrões: cobras; são frios e o objetivo deles é controlar a parceira pelo
medo; e Pit Bulls, cuja agressividade está ligada a intenso tônus emocional e à depen­
dência da parceira. (Jacobson e Christensen, 1998).
Para os autores, os ataques dos cobras às suas mulheres sugerem alguns
propósitos nas interações: 1) suprimir reações de raiva; 2) aumentar o medo; 3) produ­
zir muita tristeza; 4) intimidar suas mulheres. O objetivo das suas ações é a coerção e o
controle. Os ataques dos Pit Bulls às suas mulheres sugerem alguns propósitos nas
interações: 1) solucionar situações de conflito; 2) levar a mulher a deixar de fazer algo
que o desagrada ou o irrita; 3) impedir o abandono; 4) intimidar suas mulheres quando
não lhes parecerem intimidadas. O objetivo de suas ações é a coerção e, como não têm
controle emocional e dependem de suas mulheres, respondem a elas com agressividade
como descarga emocional.
A função da agressão é controle. Geralmente, ocorre uma escalada com abuso
físico e verbal para obterem controle, intimidação e submissão. Porém, existem várias
formas de controle e diferentes experiências que geram mudanças nele. As formas de
controle do comportamento do outro são diferentes em casais que entram no ciclo da
agressão e nos que não o fazem.
Na maioria das vezes os casais têm um ritual de parada que faz com que a
escalada da agressão seja interrompida antes que ocorra o ato violento. Contudo,
alguns parceiros não discriminam a linha divisória que desencadeia o episódio de
agressão. No caso dos cobras estes a ultrapassam quando sentem que a companhei­
ra deseja controlá-los, e no dos Pit Bulls, eles a ultrapassam quando a tensão emocio­
nal fica muito alta e perdem o controle sobre seus impulsos.
Os agressores não são capazes de aceitar nenhuma influência da mulher, por
mais razoável que seja; tornam-se mais agressivos quando a esposa afronta sua auto­
ridade; querem dar-lhes uma lição; ficam ultrajados se a mulher lhes sugere uma
conduta. Assim, ficam mais agressivos quando suas mulheres os enfrentam, iniciando,
a partir do enfrentamento, uma situação de abuso emocional contra a mulher. Aceitar
“influências” é normal nos casamentos mas não o é quando os parceiros são
agressores.
As mulheres tentam o máximo que podem inserir uma normalidade em suas
vidas; solicitam mudanças do parceiro e lutam pela família que desejam; neste proces­
so, raramente desistem e seus comportamentos emocionais ou de resistência podem
ser estímulos contextuais para o processo de escalada que leva à agressão.
Este ciclo faz com que, equivocadamente, ao se tentar compreender a questão
da violência, as mulheres sejam colocadas como causadoras da agressão. Isto, se­
gundo nossa perspectiva, não procede. O agressor é responsável por seu próprio com­
portamento e isso deve ficar claro para o terapeuta e para os parceiros.
As respostas da mulher podem parecer provocações, mas elas estão reagin­
do à agressão. Sendo assim, as esposas vivem emoções competitivas entre si: medo
da agressão física, raiva e ultraje, necessidade de agir e medo, por exemplo, ao prote­
ger um filho durante um episódio de agressão.
As mulheres ficam muito zangadas; mais do que os maridos; são mais
briguentas e reagem verbalmente, parecendo responder mais do que se espera e
fazendo muito esforço para conter a raiva, mas não conseguem. Sentindo raiva e frustra­
ção elas* descuidam de sua segurança. A esposa amedrontada e raivosa não tem como
interromper o episódio de agressão depois de iniciado, e, isso faz com que, em uma

Sobre Comportamento e Cognição 407


leitura topográfica da situação ela possa ser descrita como provocadora do episódio.
Freqüentemente ocorre apenas um controle aparente e momentâneo. “E/a
aprendei/': quando ele pensa que a mulher já aprendeu a lição. “Ele vai mudar3': a
mulher, sonhando com uma relação normal, tenta minimizar o mais rapidamente pos­
sível o incidente e voltar ao momento anterior a ele. Porém, reinicia-se o ciclo de agres­
são.
Afinal, o que as impede de sair da relação? Dois processos parecem ser mais
claros: a síndrome da mulher abusada, que se enquadra como transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT) e o desamparo aprendido.
Frente à intensa estimulação aversiva a mulher poderá ter: 1) história
comportamental desfavorável à apresentação de comportamentos concorrentes (difi­
culdades no repertório total); 2) condições atuais desfavoráveis que podem impedir a
apresentação de comportamentos concorrentes (reforçados positivamente).
Então, o que as impede de sair da relação pode ser: medo, sonho de amor
eterno ou de ter uma família unida, dependência econômica, vínculos traumáticos, den­
tre outros possíveis fatores.
Para sair deste ciclo é necessário passar do medo e da raiva para a aceitação,
do pensamento para a ação. O abuso emocional, tal como descrito a seguir, ajuda as
mulheres a decidirem interromper o relacionamento: destruição de coisas de estima­
ção e pessoais, coerção e abuso sexual, tentativas de isolamento da mulher, degrada­
ção, abuso emocional contínuo (cobras).
A violência doméstica ainda requer a realização de muitos estudos para que
possamos melhor compreendê-la e preveni-la.

Parceiros em diferentes etapas da vida


A procura da terapia de casais se dá em diferentes etapas da vida: namorados
ou noivos; casais sem filhos; casais com filhos pequenos; casais com filhos adoles­
centes; casais cujos filhos já saíram de casa (ninho vazio); a chegada dos netos e a
renovação que eles promovem; a aposentadoria de um ou de ambos; etc. Cada uma
das etapas requer atenção e intervenções especiais, dado que impõem a discussão de
diferentes temas, analisados por diferentes perspectivas. É natural que em cada etapa
da vida as pessoas tenham preocupações diversificadas e, conseqüentemente dife­
rentes indagações.

Namorados ou noivos
Parceiros que estão nesta etapa da vida buscam ajuda terapêutica tentando
encontrar alguma “solução mágica” para as dificuldades encontradas em seus relacio­
namentos, no momento, ou mesmo alguma “previsão segura” sobre o “acerto” ou não
da escolha da parceria que têm no momento. São comuns indagações do tipo:
• O relacionamento “dá conserto”?
• O relacionamento tem futuro?
• Como mudar o relacionamento?
• Como mudar o outro?
• Ele (a) vai mudar?
• Como fazer a família aceitar o (a) parceiro (a) que escolheram?

408 Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman


Casal sem filhos
Muitas vezes ter ou não filhos aparece como a questão central do relaciona­
mento de casais que procuram ajuda terapêutica. Este tema permeia muitos outros
tópicos das interações dos parceiros e normalmente trata-se de uma questão bastante
delicada por poder colocá-los diante de limites pessoais biológicos, emocionais e/ou
“filosóficos". O respeito mútuo à individualidade de cada um e a necessidade de cons­
truir um “acordo” conjunto requer que o terapeuta os ajude a responder questões como
as que são mencionadas abaixo:
• Ter ou não filhos? Qual a vontade de cada um dos parceiros sobre isso?
• Há algum “impedimento”? De quem?
• Ocorreram tentativas anteriores de ter filhos?
• Quais métodos buscaram ou gostariam de procurar?
• Como lidar com as revoluções tecnológicas e biológicas?
• Qual a “interferência” de cada uma das famílias sobre o casal ter ou não filhos?
Como lidam com o fato?
• O que “significa” para cada um deles não poder ter sua vontade satisfeita pelo
outro?

Casal com filhos pequenos


Ter filhos e decidir como conduzir a educação deles freqüentemente também
se transforma em motivo de desentendimento entre parceiros. Muitos deles têm no­
ções teóricas sobre crianças, mas não avaliam exatamente o que e como passará a ser
o cotidiano do casal, na prática, após o nascimento de um bebê, que embora tenha sido
desejado impõe uma grande quantidade de renúncias pessoais por um longo período.
O terapeuta de casais, nestes casos lidará dentre outras, com as seguintes questões:
• Têm modelos de criação de filhos?
• Têm acordos sobre como lidar com situações de cuidados em geral, alimentação,
sono, saúde, escolaridade, limites, participação de terceiros na educação, etc.?
• Como os modelos vivenciados por cada um dos pais interferem na obtenção de
acordos?
• Têm conhecimentos acerca do comportamento esperado para crianças peque­
nas?
• Têm soluções práticas para as “exigências”’ que a criação de filhos demanda?
• O que fazer com as alterações do cotidiano do casal a partir do nascimento dos
filhos?
• O que muda na vida de cada um deles?
• O que fazer com o lazer de cada um e do casal?
• Quais “direitos e deveres” de cada um e de ambos?

Casal com filhos adolescentes


Além das questões apontadas acima se somamoutraspróprias daadoles­
cência e que também geram dúvidas e/ou divergênciasentreparceiros com filhos desta

Sobre Comportamento e Cognição 400


idade e que levam também parceiros a procurar ajuda psicoterápica:
• Impor limites? Quais e em quais circunstâncias?
• Conseguem se adaptar às mudanças do comportamento do filho?
• Como e quais valores de vida cada um deles acredita que seja importante
transmitir, reforçar ou mesmo discutir com os filhos?
• Como avaliar as amizades vividas e desejadas pelos filhos? É possível estimulá-
las ou impedi-las?
• Qual a importância do grupo de amigos? Trazê-los para dentro de casa? Fre­
qüentar a casa de amigos?
• Como conduzir a “liberdade vigiada”? É necessário este procedimento? Como
orientar os filhos sobre as “experiências” tidas como próprias da idade: sexo,
“uso” de bebida alcoólica, “drogas”?
• Como ensinar os filhos adolescentes a construir critérios para suas próprias vidas?

Casais com filhos adultos:


Mudanças sociais fazem com que filhos fiquem na casa dos pais por períodos
cada vez mais prolongados. A ampliação do período de estudos, incluído atualmente os
cursos de pós-graduação, acentua a dificuldade em obter e manterem-se em outra
residência. As regras criadas para os filhos adolescentes não são mais válidas. Agora,
trata-se de uma convivência entre adultos. Pais e filhos devem aprender a ter relaciona­
mentos cada vez mais horizontais. Quando aparecem problemas, os processos coerci­
tivos de parte a parte podem se estabelecer: 1) dos pais para com os filhos: Você vive
aqui e as coisas devem ser como d e term in o2) de filhos para com os pais: "sou adulto
e faço o que quero ou acho corretd\ São extremos que causam dificuldades de convi­
vências com os filhos adultos.
Os filhos se tomam financeiramente independentes, mas não inteiramente por­
que necessitam morar na casa dos pais até poderem adquirir a própria casa, tendo então
uma autonomia apenas parcial, embora em geral, queiram uma autonomia integral.
Os filhos, que deveriam constituir suas próprias famílias continuam a ser parte
da vida do casal e as discordâncias podem interferir nas relações do casal.
• Onde estão os limites?
• Como determinar novas regras de convivência?
Em outras famílias, ter filhos adultos significa que eles já têm a própria vida,
saíram da casa dos pais e, freqüentemente, constituíram suas próprias famílias. Nes­
tes contextos terapeutas de casais são também procurados por parceiros que se en­
contram novamente sozinhos, como eram no início do casamento. A diferença entre
esses dois “momentos” da vida é que durante longos anos conviveram com a presença
dos filhos, o que geralmente leva os parceiros a se relacionar de outras maneiras,
muitas vezes “esquecendo-se” da vida de casal. Após a saída dos filhos passam a viver
o que é amplamente conhecido como a “síndrome do ninho vazio”; precisam reaprender
a relacionar-se sem a intermediação dos filhos ou das tarefas para com os mesmos.

“Aposentadoria”’
Esta etapa da vida pode configurar-se de diversas maneiras para os casais,
exigindo atenção apropriada do terapeuta, como na apresentada no caso a seguir:

410 Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman


Daniel, 65 anos, contador aposentado e Carmem, 60 anos, dona de casa, que tinham
expectativas de vida diferentes como as referidas no seguinte diálogo: Carmem; “Eu
esperei a vida inteira para ficar em casa sossegada com ele. Ele aposentou e não pára.
Agora arrumou para trabalhar lá numa ONG Eu continuo sem ter ele". Daniel: “Eu não
consigo ficar parado. Eu quero que ela vá comigo e ela não quer. Só quer ficar em casa.
Já ficou a vida inteira e não quer mudaf. Estas falas nos mostram as expectativas de
cada um que não se realizaram. O parceiro que se aposentou não tem habilidades ou
interesses em permanecer em casa e isto é interpretado pela parceira como desinte­
resse do marido por ela.
Outra situação bastante comum nesta fase da vida é a do parceiro que trabalha­
va fora e que após aposentar-se quer participar das atividades que anteriormente dele­
gava inteiramente à mulher causando rivalidade ao invés de cooperação. Poderá ser
interpretado como uma intromissão. Ela era a “dona do lar” e agora ele quer tomar parte
na administração da casa.
A aposentadoria implica em mudanças que podem ser trabalhadas de modo a:
1) Diminuir a dificuldade em aceitar diferenças: mulher quer marido perto e este quer
nova atividade fora de casa ou vice versa; 2) Ajustar as expectativas de cada um; 3)
Contribuir para a formulação de projetos de vida individuais; 4) Analisar os diferentes
graus de envolvimento com a vida: os menos envolvidos se ressentem da atitude de
envolvimento do parceiro, sentido-se abandonados; 5) Enfrentar o processo de enve­
lhecimento utilizando os recursos que a ciência oferece quando as capacidades vão
diminuindo; 6) Aprender a lidar com as doenças próprias da nova etapa; 7) Lidar com a
possibilidade da própria morte ou do(a) companheiro(a).

Considerações finais
O terapeuta de casais exerce papéis e/ou funções variados como: mediador,
orientador, instigador, pacificador, “informador”, no entanto será sempre um analista do
comportamento.
O terapeuta precisa saber ouvir com todos os filtros presentes: gênero, idade,
pessoas de diferentes culturas e origens, profissionais, valores de vida, sociais, morais e
éticos. Precisa considerar os sinais dos tempos, o que significa viver em cada época; as
transições de costumes, práticas e realidades sociais de cada momento. Precisa saber
falar (comunicar-se) considerando todos os aspectos anteriormente mencionados.
Os objetivos e as estratégias apresentadas por diferentes propostas teóricas
para atender parceiros devem ser modificados, ampliados, encampados e revistos cons­
tantemente. Isso porque cada casal é único, tem sua própria história de relacionamento
e, portanto sua terapia requer o estabelecimento de objetivos e estratégias próprias.
A terapia de casal para ser eficaz deve prever processos de mudança, tolerân­
cia e aceitação. Deve considerar que diferentes conjuntos de variáveis controlam dife­
rentes interações entre eles. Uma terapia de casais deve “cuidar” de comportamentos
públicos e de encobertos presentes na relação. Embora o objetivo primeiro da terapia
de casais seja lidar com a relação do casal é fundamental para cada um deles como
pessoa: 1) identificar a influência de seus comportamentos na interação deles; 2) iden­
tificar suas características pessoais; 3) identificar seus sentimentos; 4) identificar seus
valores de vida; 5) identificar seus “limites” pessoais; 6) identificar seus objetivos de
vida; 7) perceber que ambos os parceiros “ganham” ao descobrir que são igualmente
responsáveis pela qualidade do relacionamento. (Otero e Ingberman, 2004).

Sobre Comportamento e Cognição


Consideramos importante reafirmar que a terapia do casal é a terapia de cada
um e de ambos com suas capacidades de interação com o outro. E, ainda, o terapeuta
tem como tarefa direcionar este processo respeitando a individualidade de cada um e
as necessidades dos parceiros para que ambos tenham como resultado a própria
realização e bem estar pessoais.

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412 Vera Regina Lignelli Otero, Yara Kuperstein Ingberman


Capítulo 40
Construir e desconstruir: o processo de
uma terapia de família.
Terapia de família um enfoque
integrativo
Yara Kuperstein Ingberman
IEPAC, CETECC
Universidade Positivo
Faculdade Evangélica do Paraná

Taísa Borges Qrün


UFPR, IEPAC

Para Sanders (1996), a intervenção comportamental com famílias (BFI) teve uma
grande importância no campo da psicopatologia da criança e tornou-se o paradigma
dominante no tratamento de muitas desordens infantis (Lochman, 1990). Durante as
últimas três décadas, a Intervenção Comportamental com Famílias evoluiu como uma
aproximação viável e, com suporte empírico, para o trabalho com crianças opositoras e
com distúrbios de conduta. Seu sucesso levou ao desenvolvimento de novas aplica­
ções de seus métodos. A justificativa para sua extensão veio em parte de estudos
mostrando que as dísfunções da família são um fator de risco genérico para uma série
de problemas psicológicos na infância. Extensa base empírica sustenta a conclusão
básica de que, quando os pais são treinados a implementar estratégias de mudanças
de comportamento, há um aumento do ajustamento do comportamento de seus filhos.
Intervenção Comportamental com Famílias é um termo genérico utilizado para
descrever um processo terapêutico que procura efetuar uma mudança no comporta­
mento da criança e ajustamento em mudanças correspondentes em aspectos do am­
biente familiar que afetam os problemas de comportamento da criança (Sanders e
Dadds, 1993).
Para os autores, tem como alvo processos interativos que pode ser relacionada
à etiologia, manutenção, exacerbação ou recaída do funcionamento da criança. O foco
da intervenção envolve uma tentativa de mudar o comportamento dos pais com relação
a seus filhos, apesar de poder incluir outros aspectos do funcionamento da família
como a relação de casal dos pais, o comportamento de irmãos, avós e de pessoas que
cuidam da criança, a divisão de trabalho entre os que cuidam da criança e o oferecimento
de atividades de acordo com a idade em casa.
Para Sanders e Dadds (1993), a contemporaneidade da Intervenção
Comportamental com Famílias tem suas rotas dentro das tradições da análise do
comportamento aplicada, uma aproximação que enfatizava a importância de se envol­
ver pais, professores, e outras pessoas significativas como mediadores ou agentes
modificadores do comportamento para obter a mudança terapêutica. Sua prática tera­
pêutica não é uma modalidade simples e inclui vários tipos diferentes de intervenção.

Sobre Comportamento e Cognição 413


A propriedade de cada intervenção depende da natureza e complexidade do
problema apresentado e de suas condições de manutenção. Sanders e Dadds (1993)
mostram, na tabela I, cinco níveis de intervenção que variam na complexidade e no nível
de sofisticação clínica requeridos para efetuar a mudança. Elas vão de intervenções
breves e focais utilizando materiais escritos que os pais implementam com pouco ou
nenhum treino (Azrin e Foxx, 1974) a programas de intervenção mais complexos que
reúnem uma variedade de questões familiares (problemas conjugais, depressão ma­
terna, stress dos pais, dificuldades financeiras, isolamento social dos pais) somados
aos problemas de manejo da criança.

Tabela 1. Opções terapêuticas na Intervenção Comportamental de famílias com crianças


Descrição da opção Mét. de intervenção Comportamentos alvo Ex. na literatura
1. Recomendações Breves instruções Distúrbios de sono, Seymur, Brick Dirong e
específicas escritas e í treinamento de toalete, | Poole (1989);
videomodelagem de ! problemas no McManmon, Peterson,
como resolver superm ercado. Metelenis, McWinther e
problemas específicos i Clark (1982); Endo,
de comportamento. ! Sloane, Hawkes,
Não há contato com o I McLoughlin e Jenson
terapeuta. ! (1991).
T".........
2. Recomendações Instruções escritas Comportamento Chistensen e Sanders
específicas com contato combinadas com alimentar, distúrbios na ! (1987); Sanders, Bor e
mínimo com o terapeuta contados breves com o i hora de dormir, chupar | Dadds (1984).
terapeuta (ao vivo ou o dedo.
por telefone) i
í
3. Recomendações Combinação de 1 Birras, agressão e Dadds et al (1984).
específicas com treino i instruções, modelagem, j desobediência,
ativo ensaio comportamental !
e feedback focados em ;
i ensinar os pais a como |
lidar com problemas
1 específicos. i
i i
4. Treino Métodos de treinamento Comportamento ! Forehand e McMahon
comportamental similares ao nível 3, mas opositivo ou agressão (1981); Sanders e Plant
intensivo para os pais 1 focados na interação como classe de ! (1989); Koegel et al.
j pais-criança e na 1resposta. ! (1993);
1 aplicação de diversas
habilidades parentais a
uma variedade de i
problemas da criança.
Inclui o treinamento em
controle de eventos
antecedentes e técnicas
de manejo de
contingências

5. Intervenção Deve envolver todas as Problemas de pais e Dadds et al. (1987b):


comportamental fam iliar acima. mas. em adição, filhos simultâneos ou Sanders e Dadds
outros problemas são concorrentes, (1993); Vahler et al.
anexados como desordens severas de (1993).
problemas conjugais, conduta, depressão
stress, depressão e ; infantil, desordens
manejo de raiva. mistas de depressão e
ansiedade.

414 Vara Kuperstein Ingberman, Taísa BorgesGrün


Todas as intervenções põem ênfase em produzir a mudança de comportamen­
to da criança na modificação da interação familiar, particularmente os padrões recípro­
cos dos antecedentes e conseqüentes dos problemas comportametnais da criança e o
cuidado parental disfuncional. A peça central da literatura está no treinamento de pais. “A
Intervenção Comportamental com Famílias é uma intervenção efetiva com muitas famí­
lias que procuram assistência para suas crianças por causa de problemas emocionais
e comportamentais. Esta aproximação envolve um processo que requer a efetiva comu­
nicação entre a família da criança, o terapeuta e outras pessoas significativas no ambi­
ente social da criança” (Sanders e Dadds, 1993, p.318).
O trabalho que será apresentado aqui se enquadra no nível 5 descrito na tabela
e se baseia na proposta de Mattaini (2001) de intervenção clínica com famílias com
enfoque da análise do comportamento que denomina como enfoque ecocomportamental.
Este leva em conta a configuração dos eventos nos quais uma família funciona. São
importantes, nesta proposta, duas dimensões: horizontal ou epistemológica (se refere
a como a realidade é percebida e conhecida). A maior mudança foi o reconhecimento de
que os problemas tinham de ser interacionais e que a família é mais que a soma das
forças e patologias de seus membros individuais. O pensamento é contextual, as cone­
xões de todos os elementos em interação no caso (pessoas, eventos e trocas) são
reconhecidos; vertical, isto é, nas “modalidades” individual, familiar e ambiental. Na
orientação ecocomportamental o terapeuta pode intervir quando e onde houver sentido
na leitura do contexto.
No enfoque ecocomportamental as aproximações são baseadas na aceitação.
Pensando contextualmente a tarefa, o terapeuta é construtor, com a família, de uma
melhor configuração de vida, um processo no qual cada um pode contribuir e no qual
todos compartilham responsabilidade. Não envolve apenas ver todos os membros da
família ao mesmo tempo ou não.
A Avaliação Ecocomportamental é individualizada para cada família, cada uma é
única e isso faz diferença na prática. O trabalho com a família é direcionado para encon­
trar um entendimento de como a situação é diferente dos objetivos desejados e clarifi­
car os passos necessários para chegar de um estado a outro.
É necessário, inicialmente, que o terapeuta tenha em mente um breve modelo
de avaliação. As informações não aparecem de uma maneira organizada, precisam ser
organizadas de forma a permitir que a família e o terapeuta possam desenvolver uma
estratégia de intervenção significativa. O objetivo da avaliação é desenhar um quadro
das transações dos membros da família com pessoas e culturas de fora, assim como
dentro da família. É particularmente válido ficar atento às percepções dos próprios
membros da família sobre estas dinâmicas. Elas refletem as experiências com as
contingências em operação. É importante considerar trocas com os sistemas externos,
os outros ambientes com os quais a família está em contato: as trocas positivas ou
negativas; condições e eventos que podem funcionar como antecedentes. Mapas po­
dem ser elaborados com a família e são uma forma de operacionalizar o poder compar­
tilhado enquanto os membros da família devem ser os primeiros a determinar que
condições e eventos incluir e clarificando como experienciam estes fatores (Mattaini,
2001).

Caso Clínico
O caso aqui apresentado diz respeito a uma família composta por quatro mem­
bros: o pai, aqui chamado de senhor João, 40 anos; a mãe, senhora Maria, 36 anos, o

Sobre Comportamento e Cognição


filho mais velho André de 14 anos e o filho mais novo Pedro de 12 anos. Essas idades
dizem respeito ao início da terapia.
O casal morava em outro estado e vieram à Curitiba em função do trabalho do pai.
Aqui estabeleceram a família, mas mantinham intensa relação com as famílias de ori­
gem. O senhor João era filho único e a senhora Maria era a filha mais nova e, como tais,
bastante protegidos por suas famílias de origem, o que trazia dificuldades para o casal.
O senhor João procurou a terapia com a primeira autora desse trabalho com
queixa de TDAH, depressão, irritabilidade e distração. Ele já veio com esses diagnósticos
e com o objetivo de tratar os referidos problemas. Ao longo das sessões, a terapeuta
percebeu a necessidade de chamar sua esposa para entender alguns problemas relaci­
onados ao casal.
Depois de um período de negociação entre o senhor João e a esposa, essa
decidiu vir à terapia. A senhora Maria apresentava histórico de depressão e reações de
intensa agressividade e falta de controle sempre que se sentia contrariada ou frustrada
pelo marido.
Concordam em sessões de casal por dificuldades de comunicação que interfe­
riam no manejo com os filhos, mas com muitas reservas. O casal já tinha história de
terapia anterior, sem sucesso.
Ao longo das sessões a terapeuta foi percebendo que um não compreendia a
perspecjtiva do outro em diferentes situações e se sentiam pouco considerados e pouco
amados. Nessas situações a esposa respondia ao marido agressivamente ou em silên­
cio, fazendo esquiva em discutir e brigar e assim chegar à separação. A terapia caminhou
com discussões sobre a educação dos filhos e como a dificuldade de comunicação do
casal dificultava o lidar com eles. Esse processo resultou no encaminhamento do filho
mais novo Pedro por notas baixas na escola.
A segunda autora ficou responsável pelo atendimento de Pedro. Segundo os
pais, Pedro mudou muito na pré-adolescência, passou a ficar muito calado, triste, o
rendimento escolar caiu muito. Até então ele conversava com os pais através de seus
bichos de pelúcia com voz infantil. Esses, preocupados com tal comportamento, escon­
deram os brinquedos e, desse momento em diante, o menino praticamente não se
comunicava com eles.
A primeira sessão com Pedro já indicou dificuldade de discriminação e expres­
são de sentimentos, pois ele respondia “não sei” para a maior parte das perguntas feitas
pela terapeuta. A sessão girou em torno de um desenho de mangá (quadrinho japonês) -
levantada como atividade reforçadora junto aos pais do menino - com o objetivo de
desenvolver a relação terapêutica.
Na segunda sessão, com o objetivo de obter a descrição das interações na
família, a terapeuta realizou uma atividade de construção de um objeto com massa de
modelar. Em seguida solicitou que Pedro imaginasse o objeto em diferentes partes da
sua casa e descrevesse o que acontecia em cada ambiente. A atividade e discussão
posteriores revelaram comunicação praticamente nula entre o menino e sua família.
Ao longo das sessões ficou clara a função do comportamento de tirar notas
baixas nesse contexto familiar. Apenas nesse momento Pedro recebia atenção dos pais,
que conversavam com ele sobre as causas do problema, iam à escola, davam broncas
para que estudasse. Esse era um comportamento inconsistente emitido pelos pais logo
da notícia das notas baixas que deixava de ser emitido assim que Pedro apresentava as
primeiras respostas de fazer as atividades da escola, por esquiva.
Após algumas sessões com Pedro, as terapeutas perceberam a necessidade

416 Ricardo da Costa Padovani, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


de serem feitas sessões de família para solucionar problemas que sozinhos os pais não
eram capazes de conduzir. Na primeira sessão discutiu-se sobre a questão da comunica­
ção com o tema “O que não pode ser dito nesta família?”. Nesta sessão, o filho mais velho
André vinculou-se com a primeira terapeuta e aceitou o convite para vir sozinho à terapia.
André apresentava agressividade, oposição aos pais e dificuldades de interação
com pares na escola. Os pais diziam que ele apresentava dificuldade em falar o que
estava acontecendo e, segundo eles, tinha um histórico de “hiperatividade” até quatro ou
cinco anos, que melhorou com homeopatia. Os pais também contaram que ele apresen­
tava tiques, os quais iam mudando com o passar do tempo. Levantou-se a hipótese que
esses "tiques” poderiam ser decorrentes da ansiedade enfrentada pelo menino frente ao
conflito dos pais e em outras situações de enfrentamento, como nas demais relações
sociais.
O segundo tema da família foi a mudança de escola dos filhos. O objetivo era o
treinamento em solução de problemas com a família. Todos foram ouvidos com relação
à mudança de escola. Os filhos discutiram, assim como na primeira sessão, a dificulda­
de que tinham em serem ouvidos e considerados pelos pais com relação a diferentes
assuntos, inclusive a escolha da escola. Nesta sessão chegaram a um consenso com
relação à nova escola.
Ainda foram realizadas duas sessões com ambos os irmãos. Essas sessões
surgiram a partir da percepção da terapeuta de Pedro que identificou dificuldade de comu­
nicação e relacionamento entre os irmãos. A melhora do relacionamento entre eles pode­
ria levar a apoio mútuo nos momentos das crises familiares.
O irmão mais velho André participou de um grupo de adolescentes para o desen­
volvimento de habilidades sociais conduzido pela segunda terapeuta. Ele participou do
grupo por aproximadamente um ano. Nesse percurso, ele desenvolveu habilidades para
iniciar e manter amizades no colégio e fora dele, bem como começou a namorar uma
garota da escola.
Durante todo esse processo, as relações familiares foram analisadas a partir
de uma avaliação ecocomportamental (Mattaini, 2001). A Figura 1 apresenta o ecocampo
transacional simples e as trocas entre os familiares e o ambiente externo.

F i g u r a 1 . A n á lis e E c o c o m p o r ta m e n ta l a n te s d a in te r v e n ç ã o .

Sobre Comportamento e Cognição 417


Ao longo das sessões percebeu-se que os pais apresentavam um padrão de
comportamento agressivo e impositivo, o qual aparecia na relação do casal e destes
com os filhos. Já os filhos apresentavam grande dificuldade de discriminação e expres­
são de sentimentos, provavelmente resultado de seu crescimento em um núcleo fami­
liar que oscilava entre intensos conflitos e isolamento total dos pais em suas atividades.
Nesse contexto, a família extensa da mãe tinha a função de apoiá-la nos mo­
mentos de crise do casal e quando essa ficava muito deprimida. Já o relacionamento
com a família extensa do pai era mais conflituoso. Existia uma disputa entre a mãe de
João e Maria. A mãe de João ficava hospedada de tempos em tempos na casa da família
para tratamento de saúde. Nesses momentos elas discutiam sobre organização da
casa, cuidados com João e espaço a ser utilizado pela sogra.
Quanto aos trabalhos dos pais, ambos eram sobrecarregados. O pai viajava
muito a trabalho, situação de conflito entre eles, pois a mãe se sentia assumindo toda
a responsabilidade pelos problemas sozinha, além de atuar em diversas atividades.
Os problemas escolares dos filhos coincidiam com os momentos de conflito
do casal e da esquiva que faziam através do trabalho.
Os problemas de comunicação pareciam não se restringir ao contexto familiar,
pois todos os membros tinham poucos amigos ou contatos sociais.
A escola em que os meninos estudavam inicialmente tinha um método antigo e
rígido, o que parecia se refletir neles e em outros colegas, também desmotivados e
pouco engajados, segundo relato de ambos.
A religião da família era a doutrina espírita, mas o pai era o único responsável
pela educação religiosa das crianças, uma vez que a mãe não participava dessas
atividades e o pai obrigava os filhos a participar dos encontros aos sábados.
As questões focais levantadas como objetivos terapêuticos para as sessões
de família foram a negligência dos pais para com os filhos, o que levava a notas baixas
desses na escola e, em seguida, a monitoria estressante dos pais, motivados pela
culpa, na tentativa de resolver o problema.
As análises contextuais realizadas permitiram entender o funcionamento familiar. Os
problemas começavam quando os pais brigavam por qualquer motivo que fosse e ficavam
sem se falar. Os filhos ou ficavam isolados ou só falavam com a mãe, a qual os manipulava
contra o pai, na tentativa de ter sua vontade ou objetivos satisfeitos. O pai então procurava se
aproximar para resolver os problemas com os filhos e muitas vezes era ignorado por esses.
Em outras situações tomava-se agressivo e obtinha resposta dos filhos.
Já os filhos muitas vezes seguiam o padrão da mãe de ignorar o pai ou se
comportavam de acordo com os reforços disponíveis.
Para ambos os filhos, o contexto foi impeditivo para a aquisição do repertório de
expressão de sentimentos mas de maneiras diferentes, ao passo que
André aprendeu a conter as emoções,
Pedro não aprendeu a discriminar e expressar emoções.
Ao longo de sua história de vida, o comportamento de expressar sentimentos
de André recebeu dois tipos de conseqüência: não era reforçado quando ele discrimina­
va que “não adiantava” argumentar com o pai ou punido, pois ser agressivo levava a
mais punição e significava “ser como o pai”.
Pedro já apresentava comportamentos de dissociação e apatia, como se nada
estivesse acontecendo, resultado do desamparo vivido no contexto familiar.

418 Ricardo da Costa Padovani, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


As tarefas de intervenção utilizadas foram a discriminação das relações famili­
ares através do uso de metáforas, treino em solução de problemas e treino em expres­
são adequada de sentimentos.
Após um ano, discutiu-se novamente a mudança de escola, situação em que
foi possível observar que todos se expressavam melhor e puderam chegar a uma
conclusão em comum na qual cada um dos filhos argumentou sobre a escola que
queria para o próximo ano e foram respeitados pelos pais. Nesta sessão foi discutida
com a família a sua capacidade de solução de problemas'. Os resultados observados
estão na Figura 2 a seguir.

Esta sessão permitiu observar os resultados das várias intervenções individu­


ais e grupais pela forma com que discutiram e chegaram à solução do problema. Foi
possível observar comportamentos que foram modelados durante o processo na área
de comunicação e de análise do contexto pelos membros da família. A sessão foi
encerrada com a proposta feita pelo pai de que a família já poderia lidar com seus
problemas e com a concordância dos outros membros da família. Em contato posterior
com André a terapeuta pôde verificar, frente a um novo problema vivido pela família, que
os repertórios ainda se mantinham e que estavam equalizando o problema.
As autoras, com este breve relato de caso com a estratégia de análise e seleção
das informações, esperam poder contribuir com uma das várias possibilidades de
trabalho que se pode selecionar quando se trata do trabalho com famílias tendo como
instrumento central a análise do comportamento.

Referências

Sanders, M. R., & Dadds, M. R. (1993). Behavioral family intervention. Boston, MA: Allyn & Bacon.
Sanders, M. R. (1996). New directions in behavioral family intervenction with children. In Ollendick,
T., & Prinz, R. (Oras.) Advances in Clinicai Child Psvcholociv. 18. New York, NY: Plenum, p. 283-321.
Mattaini, M. A. (2001). Clinicai Interventions with Families. Washington, DC: NASW Press.

Sobre Comporlamento e Cognição 419


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