Professor: Luiz Assunção Aluno: Handerson Luiz de Souza Xavier
A antropologia e o Estado no Brasil: breves notas acerca de uma relação complexa –
Antonio Carlos de Souza Lima, pp.23-39. (Livro: Antropologia em novos campos de atuação: debates e tensões).
O autor aponta que com a instalação no Brasil dos cursos de pós-graduação
em antropologia social não era possível imaginar a relação entre Antropologia e Estado. Durante o regime militar que só acabaria com a promulgação da Constituição de 1988, houve um processo de institucionalização, no qual os antropólogos enfrentaram variadas temáticas influenciadas pelo desejo de intervenção dos militares na vida social. Em 1950 o campo antropológico foi impulsionado pela Unesco com estudos sobre política indigenista e estudos voltados para as relações de trabalho. Há também aqueles que tratam sobre a política imigratória. No contexto urbano encontramos estudos sobre migração, trabalho assalariado, favelas, educação e ações da administração pública. São os chamados “feixes temáticos” pelo autor: indígena, camponês e urbano. Uma exceção a estes feixes é a reflexão feita a partir de 1970 por Roberto DaMatta, quando este estuda a cidadania, a construção do Brasil como nação, seus valores, ritos e dramas. Os antropólogos, nesse momento, tiveram quatro posições para lidar com o poder público: denunciando os gestores de políticas e as iniquidades geradas por sua intervenção; defendendo seus direito à pesquisa; discutindo o papel de antropólogo; como tomadores de decisão e gestores de políticas. Muitos profissionais pós-graduados criaram ONGs destinada ao exercício de formas de intervenção social embasados por supostos da antropologia social, formando o que chamamos hoje de “terceiro setor”. Relacionavam constantemente o trabalho acadêmico com o trabalho social. Estas ONGs tiveram papel fundamental, já que durante o governo militar houve um desmantelamento das estruturas institucionais voltadas para a produção científica questionadora. No período ditatorial, os antropólogos atuaram como assessores em grandes projetos de desenvolvimento rural integrado, viabilizados com recursos externos provenientes do Estado Brasileiro e do Banco Mundial, caso do projeto Polonoroeste, voltado para a abertura de rodovias, e como o Projeto Grande Carajás. O movimento de defesa das minorias, de populações relocalizadas e de preservação do meio ambiente impôs a necessidade de se avaliar os impactos ambientais e sociais, surgindo a partir daí o licenciamento ambiental para grandes intervenções ambientais. A partir de 1990 e primeira década do século XXI a antropologia ampliou seu foco com as mudanças organizacionais aliadas ao acolhimento de novas temáticas. Proliferaram no país as pós-graduações e, mais recentemente, começaram a ser abertos cursos de graduação em antropologia. Neste tempo entra em questão a profissionalização da antropologia no Brasil. Embora se queixem de falta de espaço, muitos ainda preferem pensar sua ação profissional a partir da ideia de militância ético- política. As eleições foram tomadas como ponto de partida para o que se chamou de antropologia da política e com isso contribuiu significativamente, já que propiciou uma ampliação da gama de significados sociais do fazer político. Duas grandes tendências. A primeira delas busca adensar teoricamente as conquistas de investigações empíricas em campos temáticos específicos, de modo a ultrapassar as “teorias etnográficas” e produzir um horizonte de generalização que permita reagrupar a dispersão dos temas em feixes de processos remissíveis às dinâmicas de formação de Estado e de construção de coletividades. Outra tendência valoriza a dispersão, encerrando os feixes de processos abordados como achados etnográficos em si mesmos. O Estado Nacional não deve ser visto enquanto como forma política enquanto uma realidade dada e imorredoura, mas tampouco foi abolido pela globalização. Tomando state formation and nation-bulding como processos dinâmicos e inconclusos, nós nos obrigamos a explicitar o que entendemos sobre os temas apresentados. As dimensões de processo, fluxo e performance. São apreensíveis não apenas pela via de análises dos grandes rituais e eventos, mas também pela de sua atualização cotidiana. É preciso pensar os processos de formação do Estado em termos de sua dimensão performativa, o que significa toma-los em termos de objetificação e da sbjetivação que operam, construindo e desconstruindo realidades no plano da vida diária, adquirindo a dimensão de automatismo incorporados, oriundos ou não de imposições emanadas de um corpo administrativo apoiado em leis e normas. A relação entre Estado e cultura assume importância mais complexa se lidarmos com o chamam de “políticas culturais”, onde os papéis desempenhados por antropólogos e outros cientistas sociais merecem ser levados em conta.
O mal-estar da ética na antropologia prática – Roberto Cardoso de Oliveira, pp. 21-31.
(Livro: Antropologia e ética: o debate atual no Brasil).
Por prática, o autor se refere a uma modalidade de “antropologia da ação”
conforme da definição dada por Sol Tax, diferente da “antropologia aplicada” que esteve associada ao colonialismo. Faz isto para sublinhar o caráter de sua atuação na prática social ou seu agir no mundo moral, como o compromisso de assegurar “boa qualidade de vida” e eticidade pela via do diálogo. Recupera a noção de prática nos termos de uma tradição inerente à filosofia da moral. A antropologia é descartada por não orientar o seu exercício pelo diálogo com aqueles sobre os quais atua, por outro lado também há de se descartar a antropologia da ação por déficit reflexivo. Chama a atenção para as “relações morais”, de relações dotadas de um compromisso com o direito de bem viver dos povos com o dever de assegurar condições de possibilidade de estabelecimento de acordos livremente negociados entre interlocutores. O entrelaçamento da pesquisa e da ação na experiência do autor quando trabalhava para a Funai. Surge o conceito de “fricção interetnica”. O confronto pode acontecer com os diferentes agentes locais inseridos nos sistemas de fricção interetnica. O antropólogo não é passivo na pesquisa, mas ter uma participação observante, pois há um caráter de intervenção da realidade que estuda. “Todavia, esse fato me leva a sublinhas o lugar de mediador em que o etnólogo sempre se coloca ou é levado a se colocar, queira ou não. É uma imposição de seu próprio trabalho. Ao ocuparmos esse espaço que nos torna tradutores de sistemas culturais no plano cognitivo, isso não nos torna isentos de responsabilidade prática, portanto no plano moral, quando somos induzidos a agir. Estamos, assim, postos na esfera da ética e da moral! Sabemos que os dois mundos estão eivados de valores. Valores que sustentam juízos diferenciados de seus agentes, igualmente defensáveis segundo as particularidades de casa sistema cultural em que esses agentes estão inseridos. Qual a orientação que o pesquisador poderia adotar”? Distinção de Groenewold sobre as esferas ética: micro, meso e a macro. Microesfera como um espaço ocupado pelas particularidades; a macrofesra como o espaço do universal; a mesosfera é o espaço ocupado pelos estados nacionais. Não há entidade que possa estabelecer os valores planetários e que sirvam de ideias reguladoras do convívio mundial entre os povos. A questão do infanticídio e da circuncisão feminina levantam a questão da indiferença moral. O infanticídio levou as missionárias a questionarem a necessidade do ato, tendo em vista o reduzido número de membros da tribo. No caso da circuncisão feminina, a pesquisadora não interviu, limitando-se a procurar compreender e cotejar os argumentos prós e contras. Distinguir neutralidade de imparcialidade. A imparcialidade deve estar sempre integrada no horizonte do etnólogo orgânico, uma vez que isso significaria a adoção de uma postura instrumentalizada pela perspectiva adotada. Nada nos impede de agir junto aos povos estudados, sempre sob o signo da solidariedade e sob o signo da justiça. Não existe objetividade absoluta. “Mas ao ocupar esse espaço, o etnólogo orgânico passa a se orientar por esse binômio particular/universal, microsfera e macrosfera, sempre procurando mediá-lo através de sua inserção na mesosfera.”