‘Sem Cuutuna
Quando se trata de letra de tevtog
Titeréios, o assunto parace envelvar
insoluvel polémica, As listas de
livros, por exemplo, refletem & Mba
_gostos particulares de algumas pessoas
fe sempre estdo desaflando outros
padrdes e outros gostos, excluidos
de parametros supostamente:
cortetos de avalar a literatura
O livro aborda, corajosamente, algumas
questdes polémicas: como definir
literatura? ha livros bons em $i? todos
devem apreciar o mesmo tipo de texto?
hd uma maneira correta de ler literatura?
Defende-se a idéia de que se abra mio
da tarefa de julgar 0 conjunto dos textos
empregando um tnico critério e s€ passe
a compreender cada obra dentro do.
sistema de valores em que foi criads
‘Assim, na escola haveria lugar, a lado
da literatura erudita, também para ler e
discutir os livros preferidos pelos alunos,
considerando os objetivos com que foram
produzidos, os géneros a que pertencem,
‘seu funcionamento textual.
Vem para o primeiro plano a questio
de que, para além da existéncia de livros
bons e ruins, hd uma escolha e o poder
de quem escolhe
(Marcia Abreu ¢ professoralivre-docente pelo
Departamento de Teoria Literéria do Instituto
de Estudos da Linguagem da Unicamp.
Durante muitos anos, dedicou-se 20 estudo
da literatura de folhetos nordestina tem
realizado pesquisas na Srea de Historia
do Livroe da Leitura
Coat)
eu Ue msiaeler)
ccna nee)
paradidaticas
—ancia anneu
Aotratar de literatura e de valor estético, estamos em ter:
reno movedigo e variével endo em terrasfirmes e estaveis.
que se considera literatura hoje nao é 0 que se considerava
no século XVIII; 0 que se considera uma histéria bem narra-
da em uma tribo africana nio 60 que se considera bem nar-
rado em Paris; o enredo que emociona uma jovem de 15 anos
ho € o que traz ligrimas aos olhos de um professor de 60
‘anos; 0 que um eritico literdrio carioca identifica como um
uso sofisticado de linguagem nao é compreendido por um.
nordestino analfabeto. O problema é que o parisiense, o pro:
fessor, ocritico literdrio, o homem maduro tém mais pres
gio social que o africano iletrado, a jovem, o lavrador. Por
isso conseguiram qui
a, sua forma de se emocionar, seus textos preferidos fossem
vistos como o tinico (ou 0 correto) modo de ler e de sentir.
‘A introdugto da literatura como disciplina escolar teve
tum papel decisivo na difusio da idéia de que a Literatura
(aquela que se chama de Grande) nao é algo particular histo-
seu modo de ler, sua apreciagao estéti-
ricamente determinado, mas sim um bem comum ao ser hu-
mano, que deve ser lido por todos ¢ lido
Nés vamos fazer diferente. Vamos ver, nos préximos capitu-
Jos, o que alguns jovens, alguns pobres, alguns analfabetos,
algumas pessoas comuns pensam sobre fiego, poesia ebeleza
3 "Versos simples e rudes produzidos pela
cultura popular” — a beleza e o sentido
ética e o gosto litersrio variam conforme a
época, o grupo social,a formagao cultural, fazendo que dife-
rentes pessoas apreciem de modo distinto os romances, as
ow
mam algumas produgdes ¢ algumas formas de lidar com elas
‘como as tinicas validas. E af reclamam porque o brasileiro
nao
s,s pegas teatrais, os filmes. Muitos, entretanto,to-
ce nio tem interesse pela cultura. Muita gente pensa
assim ¢ por isso so criadas organizacoes encarregadas de
difundir o gosto pela leitura, sao elaboradas propagandas
divulgadas pelo ridio, pela televisio, em jornais, em outdoors
‘e em revistas para estimular a leitura e o contato com livros.
‘Quem pensa assim talvez nfo conhega 0 mundo dos fo-
Ihetos de cordel, vendidos baratinho em feiras, festas e mer-
cados. Em meados do século passado, periodo de auge dos
folhetos, era possivel vender milhares de exemplares, se 0
assunto fosse bom. Folhetos sobre a morte de Getiilio Vargas
venderam 200 mil exemplares; sobre a rentincia de Janio
Quadros, 70'mil; sobre a morte de Lampiao,$0 mil.! Para
+ MEYER,
aye Autores de corde, Sto Poles Abi Educaque voc® tenha uma idéia do que isso significa, é preciso
saber, por exemplo, que o grande sucesso de Jorge Amado,
Gabriela, eravo e canela, vendeu 20 mil exemplares em sua
1 edigao, em 1958 —o que foi visto por todos como uma
venda extraordinéria, Livros menos atrativos, escritos por
autores de menor destaque e com investimento em propa-
ganda menos intenso, nio passavam dos 1.000 exemplares
em uma primeira edigio.?
Hoje em dia, as vendas de folhetos so muito menor
‘mas houve um tempo.em que até analfabetos compravam
Ihetos, esperando encontrar alguém que pudesse lé-los em.
voralta, O escritor Origenes Lessa conta ter encontrado, um
dia, na loja do poeta Manuel Camilo dos Santos, uma velha
senhora, de labios murchos pela falta dos dentes, acompa-
hada de uma menina de uns dez anos de idade. Ambas pa-
reciam fascinadas olhando para os folhetos expostos para,
venda, Disse a velha:
= Seu Camilo, eu queri
= Deque qualidade?
~ Qualquer um.
— Naotem preferéncia?
~ Quero um bom. O senhor, que é poeta, € quem sabe.
Ele remexe no balcao, faz a escolha.
= *O {ndio Leao da Selva"... Leve este, que é bom.
~ Se é com indio, eu vou gostar. Ainda mais com leao~
mais um romance.
sorri a velha, tio sem dentes, o vivo olhar iluminado.
E jade folheto na mao:
— Quanto custa?
0 cruzeitos.
Afos olhos se anuviam.
‘Af, eu nao posso levar, me desculpe. $6 tenho quatro.
Na hesitagao entre os dois entra a voz da menina
Nao chega, v6?
‘Chega nao.
Comovido, intervenho:
Eucompleto, posso?
Porisso
E freguesa honrada, de toda confianga. Pessoa de muita
moral.’
j0 — diz Camilo. ~ Ela paga o resto na outta vez.
Origenes Lessa fica admirado coma si
tha visto alguém entrar numa livraria,
Stes, para comprar um livro “de qualquer qualidade”,
lais admirado ainda ficou quando soube que a velha se--°)
ora era analfabeta. Quem lia os folhetos era a neta, c
a, para a av6 ouvir. b
),poisnunca
E dizer que o brasileiro nao gosta de ler... Ao menos os
compram folhetos parecem gostar, endo é de hoje
A publicagao de folhetos comegou no final do século
, na Parafba, onde alguns homens pobres ¢ t
Jquiriram prensas manuais de jornais q
ra fazer suas publicagdes. Com essas prensas, montaram
yuenas gréficas em suas casas, onde, junto coma mulher
filhos, transformavam em folhetos os poemas que ti
sm composto. O trabalho cra bem dividido: uns monta:
0s clichés, juntando as letras metilicas ¢ formando os
jnfioas usavam
108; outros prensavam essas formas sobre o paps
am as folhas impressas em quatro, formando um fo-
outros colavam a capa.
Juase nenhum desses poetas ganhava dinheiro pela com-
io dos versos, esim pela comercializagio dos folhetos,
“Origees, Avo der poca. ode ani: Pundago Case de Raa
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