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FACULDADE CÁSPER LÍBERO

UM
O processo de construção
de refilmagens cinematográficas

SÃO PAULO
2005
2
3

MICHELLE SCHIRPA

UM
O processo de construção
de refilmagens cinematográficas

Monografia apresentada à matéria de Métodos e


Técnicas de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero,
como exigência parcial para cumprimento da
matéria, sob orientação do professor Eugênio de
Oliveira Menezes.

SÃO PAULO
2005
4

Agradeço,

á minha mãe pela compreensão e paciência em me ensinar


tudo o que sei,
á Rosângela por me auxiliar a manter a serenidade mesmo em
momentos conturbados,
ao professor Eugênio de Oliveira Menezes pela orientação,
á Luanna pelo apoio e carinho,
ao Fiúza pela ajuda sentimental e operacional,
ao Maurício pelas horas de paciência e companheirismo,
e a todos aqueles que, de qualquer forma, contribuíram para
que este trabalho pudesse ser construído.
5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 01

CAPITULO 1 – PONTO DE PARTIDA 02


1.1 – Linguagem ou estilo 03

CAPITULO 2 – OCEAN’S 11- A CONSTRUÇÃO DA REFILMAGEM 05


2.1 – 11 homens, um segredo e Frank Sinatra 06
2.2 – 11 homens, um segredo e George Clooney 18
2.3 – O processo de construção da refilmagem 27

CAPITULO 3 – REFILMAGEM – A QUESTÃO DA REPRODUTIVIDADE 31


3.1 – Kellner e a reprodutividade do produto midiático 32

CONCLUSÃO 34

ANEXO 1 36
6

Introdução

Este trabalho pretende pesquisar o processo construtivo de refilmagens levando-se em


conta a estrutura de seus roteiros e linguagens, através da análise de filmes originais e suas
respectivas refilmagens; o entorno histórico no qual se encontravam ambas as produções; a
produção imagética contida nos filmes analisados; e os conceitos que diferenciam a linguagem
cinematográfica de um filme original de uma refilmagem, caso existir.

Tem como problema central o questionamento da possibilidade ou não de haver


espaço para criatividade produtiva no processo de construção de refilmagens e o motivo pelo qual
isso ocorre.

Parte-se da hipótese de que o ser humano é influenciado por diversos eventos,


possibilitando a emergência de uma subjetividade que o torna único, e portanto produtor de uma
visão singular e específica.

Assim sendo, é provável que haja espaço para a criatividade em um remake devido à
identidade pessoal dos envolvidos na construção da nova narrativa, ainda que baseada em um
mesmo argumento original. Contudo somente através da análise profunda de suas características
estilísticas e de seu entorno histórico essa hipótese pode ser provada, ou não.
7

Capítulo 1 – Ponto de partida

Antes de poder começar a análise da linguagem e da estrutura


presente tanto em um filme original quanto em uma
refilmagem, processo de mais importância para esta pesquisa,
deve-se tomar por base alguns conceitos para a melhor
compreensão e aproveitamento desse processo: linguagem e
estilo cinematográficos.
8

1.1 – Linguagem ou estilo

Quando vemos um filme, não estamos apenas processando fotogramas em


movimento e transformando em imagens que nos contam histórias como nossas professoras do
jardim de infância faziam. Filmes têm, assim como a fala, os gestos e a escrita, uma linguagem
específica que internalizamos e aprendemos a receber e utilizar.

Linguagem é, em si, um arsenal gramatical e estilístico. Segundo o dicionário


Aurélio, trata-se do “uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de
comunicação entre pessoas”.

Mas como essa definição se aplica ao cinema? Podemos dizer que a linguagem
cinematográfica se limita ao seu roteiro, pois aí está o uso das palavras que se transformarão
através da filmagem em mensagem ao público? Ou a linguagem seria a própria imagem?

Alexandre Astruc em seu artigo “Nascimento de uma nova vanguarda: a câmera


estilógrafo” faz uma citação que nos pode ser útil de ponto de partida para definição de
linguagem cinematográfica. Ele diz: “é uma forma na qual e pela qual um artista pode exprimir
seu pensamento, por mais abstrato que seja, ou traduzir suas obsessões”.

Sendo assim, tudo o que é expressão no cinema é linguagem. Resta agora observar os
elementos expressivos da sétima arte. Partindo de uma visão estruturalista, e assim dividindo o
filme em suas diversas partes constituintes, pode-se perceber que tudo em um filme expressa algo
através do sentimento do diretor: a câmera que pode exercer uma função subjetiva ou objetiva da
imagem a ser mostrada; o som e efeitos sonoros, capazes de exprimir sentido através da
complementação da imagem; a montagem, recurso mais expressivo e que detém mais da
subjetividade do diretor, pois é através dela que se mostra a realidade retratada; dentre outros
aspectos..
9

Enfim, sob este ponto de vista tudo o que é técnico é linguagem no cinema, pois este
é visto como arsenal dos meios de expressão fílmicos. Contudo, há uma diferença entre
linguagem e estilo cinematográfico.

“A linguagem, comum a todos os cineastas, é o ponto de encontro da técnica e da


estética; o estilo, específico de cada um, é a sublimação da técnica na estética”

Esta citação de Marcel Martin mostra como a linguagem é, em relação ao estilo,


menos libertadora. Na análise dos filmes e das refilmagens que virão em capítulos posteriores,
esta diferença fica muito clara quando nos deparamos com filmes mais atuais, onde o recurso da
linguagem prevalece.

Muitos dizem que filmes hollywoodianos são todos iguais e que não acrescentam
muito ao que já foi dito anteriormente ao público. Segundo a definição de linguagem acima
mencionada, esta afirmação não está completamente errada. Como estes filmes se baseiam na
linguagem como fundamento principal da produção imagética, e esta se apresenta dada, feita e
comum a todos os diretores, não há realmente muito que inovar, nem o que passar que já não
tenha sido feito.

Contudo há os filmes, principalmente antigos, ou contemporâneos mais alternativos,


que tentam fugir da rigidez da linguagem e vão diretamente ao estilo, sem passar pela primeira
antes. Dessa forma, propiciam mais liberdade ao processo de criação e execução cinematográfica,
explorando todos os sentidos que podem ser atribuídos a ele não mais através de outras
linguagens, como a escrita ou a musical, mas através da busca pelo estilo específico da sétima
arte: o cinematográfico. E assim, “o cinema de roteiristas dá lugar ao cinema de cineastas”1.

“O cinema não consiste mais em contar antes de tudo uma história por meio de imagens,
como outros o fazem com palavras ou notas musicais: reside na necessidade
insubstituível da imagem, na soberania absoluta da especificidade audiovisual do filme
em seu papel de veículo intelectual.”2

1
TRUFFAUT, in MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica.
2
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica.
10

Capítulo 2 – Ocean’s 11: a construção da refilmagem

Este capítulo pretende analisar profundamente a composição


da cada uma das versões de 11 homens e um segredo e, a
partir das conclusões e elementos de cada um, reuni-los em
uma só análise, a fim de buscar os elementos que os conectam
ou que os diferem, a fim de descobrir os elementos
constituintes na construção de uma refilmagem.
11

2.1 – 11 homens, um segredo e Frank Sinatra

• Os personagens
Assistir à versão cinematográfica original de 11 homens e um segredo é
particularmente curioso para quem viu a segunda primeiro. Isto porque o que define a ligação
entre ambos é tão e somente o título da obra, o nome do personagem principal, Danny Ocean, e a
premissa básica do filme: comandados pelo astuto e bem sucedido Ocean, 11 homens planejam
roubar vários cassinos em Las Vegas ao mesmo tempo, na mesma noite.

Esta primeira versão chega às telas no verão norte americano de 1960, tendo como
carro chefe o intérprete do personagem principal, Frank Sinatra, e seus amigos, interpretados por
Sammy Davis Jr. e Dean Martin, entre outros.

O filme começa com um longo crédito inicial em animação, mostrando os números


de 1 a 11 com os nomes dos atores principais da trama, muito próximo do que seria a atual
computação gráfica. É sabido que estes créditos tiveram que ser refeitos 5 vezes pois a tecnologia
da época não possibilitava que as animações por computação fossem projetadas nas telas de
cinema sem ficarem de alguma forma desfocadas ou deformadas, porém o resultado final, devido
à persistência e compra de novas tecnologias, foi bem satisfatória.

Toda a primeira metade do filme é dedicada à apresentação dos personagens e de


suas tramas pessoais. O primeiro a aparecer é o patrocinador do evento, um senhor com seus 55
anos e sotaque carregado (provavelmente russo ou da região dos Bálcãs), Mr. Acebos. Sempre
retratado como ansioso e ingênuo, é motivo de piada entre a turma dos 11. Ele espera em sua casa
em São Francisco que cheguem os outros 10. É interpretado de forma muito caricata e exagerada,
como se não o pudéssemos levar a sério.

Um a um os personagens vão sendo apresentados, porém é indiscutível que o filme


gira em torno de 4 figuras-chave: Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr. e Peter Lawford.
Sinatra, como já foi dito, é Ocean, o líder da trupe. Nesta parte introdutória do filme
o roteiro se preocupa em retratar a problemática entre ele e as mulheres que o rodeiam: sua
12

esposa acaba de deixa-lo e sua amante lhe dá um ultimato, até que o deixa também. A esposa é
interpretada pela bela Angie Dickinson, que apesar de fazer muito bem seu papel, tem uma
participação quase descartável para o desenrolar do filme, assim como todas as mulheres da
trama.

Já Martin é o extremo oposto: Sam, galante e discreto, consegue todas as mulheres


que quer com sua postura e sua bela voz. É o mais desconfiado de todos e é apresentado neste
momento como recém chegado do Havaí, onde mora, até ser convocado para juntar-se ao grupo.
Mostra-se desde o início o grande amigo de Ocean, e a dupla é, sem dúvida, o chamariz principal
para o público feminino.

Sammy Davis Jr., o único negro da trama, é um motorista de caminhão que não tem
endereço fixo, pois muda de cidade em cidade devido à profissão. É um dos últimos a ser
apresentado ao espectador, e o faz em grande estilo, cantando a bela canção escrita para o filme
“E O Eleven”. Na cena, aparece como centro das atenções de seus companheiros de profissão em
uma parada de descanso. Canta e se apresenta para todos enquanto alguns vão acompanhando-o
na gaita. É boêmio, habilidoso em realizar os trabalhos sem deixar rastros e ambicioso.

Peter Lawford é Jimmy, peça de ligação entre a trama inicial e o desfecho da história.
Interpreta o filho de uma viúva prestes a se casar pela sexta vez desde que seu marido faleceu.
Sem problemas monetários, devido à herança que detém, é ela quem sustenta o filho, dando-lhe a
quantia requisitada a qualquer momento.

Em um primeiro momento nos perguntamos por que um “filhinho da mamãe” com


todo o dinheiro do mundo em suas mãos entraria no bando de Ocean para assaltar os cassinos.
Ele mesmo responde a pergunta e, ao mesmo tempo, elucida a visão de mundo apresentada pelo
filme em um diálogo3 com Sam, em que esclarece a revolta pela submissão que sofre em relação
à sua mãe. Relação esta que não pode ser cortada até que consiga uma renda considerável
sozinho. A mãe para ele é somente sua fonte de remuneração. Sem isso, é só mais uma mulher,

3
Ver anexo 1.
13

que, segundo a lógica do filme, não deve ser levada a sério. Por isso junta-se aos outros na
investida ao cassino.
Este papel secundário atribuído à figura feminina é ilustrado, além da figura da mulher de Ocean
e sua amante, por Shirley McLane, que faz uma minúscula participação em uma cena que parece
ter sido embutida de ultima hora do roteiro. E foi.

McLane era uma grande amiga de Sinatra, Martin e Davis Jr., e foi visitar o set.
Quando chegou, resolveu filmar uma cena com eles. Toda a cena é improvisada e, para surpresa
do espectador mais leigo, feita em um só take. Ela, uma moça bem afeiçoada e demonstrando ter
posses, chega bêbada de carro com uma amiga à rua em que os planos estão sendo executados,
atrapalhando o andamento do trabalho. A amiga vai embora e ela tem uma cena com Martin, que
tenta tira-la de lá a qualquer preço.

Na vida real, todos os 11 atores eram realmente amigos e trabalhavam em Las Vegas,
seja em casas de shows ou em cassinos. Porém o que une os personagens na trama é o fato de que
todos serviram juntos na segunda guerra mundial, na divisão de pára-quedismo do 82º batalhão.
A partir do momento em que voltaram para os EUA e retomaram suas vidas, cada um seguiu o
seu caminho, apenas um deles criminoso.

À idéia do plano não é explicitamente atribuído um mentor, mas fica subentendido


que seja o próprio Ocean quem a tenha concebido.

• A história

Os créditos iniciais do filme são apresentados mediante representações de luzes


coloridas e brilhantes dos cassinos de Las Vegas, fazendo também referências aos jogos que
nesses lugares se realizam. Então, o filme se inicia em Beverly Hills, no natal, com uma voz em
“off” dizendo do espírito de generosidade que a data passa às pessoas.

Vê-se Mushy entrar na barbearia e encontrar com Mr. Acebos que tentava fazer uma
ligação para Danny Ocean ou Jimmy Foster sem sucesso.
14

Acebos sai da barbearia indignado com o fato de os dois o ignorarem, sendo que ele
era quem tinha as grandes idéias do grupo do qual fazem parte. Jimmy e Ocean estão em um
quarto sendo massageados por duas belas garotas e comentando o quanto Acebos os incomoda
com seus insistentes telefonemas, e Danny Ocean quer saber de Jimmy se Vince Masler aceitou
participar do plano deles, Jimmy responde negativamente.

Acebos fala com Mushy, em sua casa, sobre Sam Harmon que está para chegar. No
aeroporto, este é recepcionado por Curly Steffans, o qual explica ao companheiro que o que estão
organizando é um golpe que lhes dará um lucro de trinta milhões de dólares. Em São Francisco,
Roger Corneal procura por Tony Burdoff, um excelente eletricista indispensável para que o plano
dê certo. Corneal encontra, então, a mulher dele: Grace Burdoff.

Ela explica para ele que seu marido está preso e ela divorciada. Corneal encontra
com Burdoff na saída da prisão e logo diz que seus serviços são necessários para a realização de
um plano que a antiga equipe pretende realizar, mas ele não aceita. O eletricista marca um
horário no médico e lá se subentende que ele tem uma doença grave e pouco tempo de vida, tal
notícia (que a cena não deixa clara) faz Burdoff aceitar a oferta de trabalho já que o dinheiro
daria para pagar os estudos de seu filho.

Sam Harmon e Curly Steffans chegam ao encontro de Acebos e Mushy, enquanto


isso Jimmy e Danny Ocean vão a um “teatro de revista”, onde Honey Face se apresenta. Trata-se
da esposa de Vince que está sendo convencido, pelos dois, de participar do plano deles. Citam
argumentos como “operação de ouro”, onde onze homens que tinham seis milhões de dólares em
barra de ouro, mas não um resultado perfeito, mas agora seria a hora de colocar o plano em
prática de novo. Vince parece não querer participar devido a sua esposa, mas após uma briga por
causa dela, muda de idéia. Os dois dão uma passagem a ele para encontrar Josh Haward. Também
perguntam se tem notícias de Louis Jackson.

Josh canta e dança a música “Eee - O Eleven” com amigos quando vê Vince
observando-o, conversam, relembram do passado e pensam na grana que levarão caso o golpe dê
15

certo. Existe uma frota de caminhões ao fundo, pois Josh trabalha com transporte. Jimmy e
Danny comunicam Acebos que estão indo para Salt Lake City. Sam Harmon encontra a esposa
de Ocean no hotel que ele está hospedado, eles se tratam com intimidade, ela fala que seu
casamento com Danny já acabou, pois não conseguem mais se entender.

Danny encontra com sua esposa, que chama de Bea, e conversam. Bea acha que o
marido ama mais o jogo do que ela e pede a ele que seja apenas um bom marido, a mulher
demonstra uma mistura de tristeza e melancolia. Enquanto isso, no quarto deste hotel Sam canta
no piano e Jimmy marca de ver sua mãe já que precisa de dinheiro, ela parece ser uma mulher
muito fútil que mimou demais o filho, mas não sabe nada de sua vida. Ela está noiva e pretende
se casar, pela quinta vez. O noivo do momento é Duke Santos. Jimmy confessa a Sam que se
acostumou com a riqueza, mas não consegue conviver com a mãe, por isso rouba, para manter o
padrão de luxo de sua vida sem ter que aturá-la.

Ainda neste apartamento se tem a prova de infidelidade de Danny, pois Adele


invade o lugar fazendo cobranças e querendo que o homem deixe a esposa, um se irrita com o
outro e Adele promete acabar com Danny.

Jimmy, na casa de sua mãe, conhece o futuro padrasto e deixa claro não gostar
dele. Percebe-se que o rapaz sabe que Duke tem um passado sujo. À noite os onze homens se
encontram na casa de Acebos para detalhar o assalto que farão. O décimo primeiro homem é
Louis Jackson, e os cinco cassinos a serem roubados na noite de Reveillon são: “Sahara”,
“Riviera”, “Desert Inn”, “The Sands” e “The Flamingo”. Fica acertado que eles se dividirão em
duplas e após a música “Should all the quaintance be forgot” que se inicia à meia-noite do
primeiro dia do ano começar a tocar, eles apagarão as luzes de toda a cidade com uma explosão
numa torre geradora de energia.

Burdoff ficará encarregado de fazer um esquema elétrico para que os cofres se


abram no horário combinado do blackout e Josh se encarregará do transporte e de ajudar a todos
na fuga.
16

Em todos os hotéis, nas portas que dão para os cofres, são passados sprays de tinta
infravermelha que só pode ser vista com óculos apropriados. Na hora em que tudo estiver escuro,
será a maneira deles identificarem o acesso ao cofre.

Adele, não se sabe se coincidentemente ou não, está passando uma estadia no “The
Sands”. Ela encontra Danny e faz questão de ligar para sua mulher para dizer a ela que ele está
em Las Vegas. Bea, porém, a ignora.

Na noite de Reveillon, Josh coloca a bomba na torre para explodi-la. Duke está com
sua noiva, mãe de Jimmy, na festa de Reveillon do “The Flamingo” com um casal, cuja mulher é
Adele, que comenta com a mãe de Jimmy que seu filho está no hotel acompanhado de Danny
Ocean.

Dá meia-noite e as comemorações se iniciam nos cinco hotéis, logo a torre explode


e as luzes se apagam abrindo as portas dos cofres, por onde os homens passam, pegam o dinheiro
e colocam-na no lixo. As luzes acendem novamente e, aparentemente, ninguém percebe o roubo.
Josh pega o dinheiro no lixão e esconde em uma lata. Tudo está correndo bem, a polícia não
desconfia de nada ainda, no entanto Tony Burdoff morre, tem uma parada cardíaca no meio da
rua.

Duke Santos, porém, descobre o roubo e se reúne com os donos dos hotéis e promete
conseguir recuperar a quantia roubada desde que fique com 30% do valor. Ele sabe da morte de
Burdoff e descobre que ele pertencia à 82º Divisão Aérea, a mesma que Jimmy. Descobre
também que o enteado está em Las Vegas, assim como Ocean e vários amigos desta Divisão: é aí
que Duke percebe que o rapaz está envolvido no roubo e conta a história para a futura esposa, que
se decepciona muito com o filho.

O homem, então, faz chantagem com Danny e Sam, pedindo 50% do valor do roubo
para não denunciá-los. Para se livrarem do homem, os rapazes decidem esconder o dinheiro no
caixão de Burdoff. A esposa do falecido chega à cidade para providenciar o transporte do corpo
do ex-marido, porém não tem dinheiro para isso e decide que vai deixá-lo em Las Vegas mesmo.
17

Os outros homens vão ao velório do ex-companheiro. O dono da capela acha aquilo


suspeito e comunica Santos que há uma dúzia de homens ali e também que encontrou uma
presilha de amarrar dinheiro próxima ao caixão, o que faz Duke Santos entender o que aconteceu.

Durante a cerimônia do velório os homens estão ansiosos e, ao mesmo tempo,


preocupados, pois percebem a presença de Duke e um barulho estranho. Neste momento
descobrem: era o barulho do caixão sendo cremado! Incrédulos, todos os homens caminham
pelas ruas da cidade enquanto os créditos aparecem na tela finalizando o filme.

• A linguagem

Os papéis retratados pelo diretor são mais do que simples retratos da época em que
foram filmados: são também os espelhos da situação pessoal e da vida social dos atores
envolvidos na trama.

Como já antes dito, os 11 atores que fazem parte da turma de Ocean, na verdade,
eram todos amigos fora das telas e, segundo Marco Antônio Pereira do Vale4, tinham seu próprio
“clube do bolinha” em Las Vegas onde Sinatra era o chefe e , de acordo com Vale, tinham
relação com os donos de cassino e com a máfia italiana da Costa Leste.

Neste grupo, não havia lugar para mulheres, salvo dois momentos: as amigas
ingênuas e inofensivas ao trabalho que executavam, ou as mulheres para pura diversão. E esta
realidade é, em si, toda a atmosfera do filme: um universo exclusivamente masculino, para um
público majoritariamente masculino.

Os dois modelos femininos aceitos pelos membros do “clube”, o de mulher-mãe ou


de prostituta, são os dois modelos que estão na obra. As figurantes são sempre vedetes ou estão
prestando algum tipo de serviço aos homens, ao passo que as personagens com alguma carga de
intensidade para a história, são ingênuas e passivas.

4
Professor mestrando pela ECA-USP entrevistado em 24 de agosto de 2005. Ver anexo 2.
18

Esta última representação feminina é levada ao seu apogeu com a personagem da


mãe de Jimmy: uma mulher viúva dependente de figuras masculinas ao seu redor (por isso casou-
se tantas vezes), que não percebe a realidade que se apresenta em seu entorno, apenas vive na
fantasia que criou para si. Sua função na vida dos homens a sua volta é somente de status e
estabilidade social, e não exerce qualquer tipo de influência sobre eles.

Já a mulher independente é tratada como fácil e fadada a ficar sozinha. Tanto a


personagem de Shirley McLane quanto a de Angie Dickinson passam por esta situação. Bea,
esposa de Ocean, ao decidir se separar dele é deixada só e esquecida pelo desenrolar do filme,
passando a mensagem de que a mulher separada não tem mais valor algum, pois, sua função de
mulher-mãe que agrega a estabilidade social foi perdida.

Assim também é com McLane. Pois a mulher que se permite viver com hábitos
masculinos se entrega, na obra, a uma vida promíscua e solitária, pois, novamente, a função que
lhe estabelece estabilidade social é quebrada, só que neste caso com mais intensidade.

Apesar de a figura feminina ser quase anulada pela força e destreza demonstrada pelo
sexo oposto, não se pode deixar de notar que, mesmo havendo outros mais importantes, um dos
pivôs da história é o personagem da mãe de Jimmy. Sem ela não haveria uma conexão lógica
entre seu filho e Duke Santos, e assim a rede de relações não estaria completa.

Também relacionado ao universo real em que os atores estavam imersos vem a


questão da abordagem dos cassinos e da Las Vegas de 1960. Percebe-se na elaboração do roteiro
um cuidado excessivo em não se falar quase nada dos cassinos em si, muito menos de seus donos
e de suas políticas administrativas.

Isto é devido à influência e amizade que Sinatra e os outros tinham com os


verdadeiros donos dos cassinos mencionados no filme. Até porque eles mesmos estavam
envolvidos na administração das origens e destinos da renda obtida na cidade. Com isso, o roteiro
19

foca muito mais na problemática interna do grupo do que na forma como abordariam os cassinos
e como estes operam.

Como decorrência deste fato, não é dito ao espectador o plano do roubo em palavras,
mas em imagens pouco reveladoras sobre os locais internos e as infra-estruturas encontradas.
Também é conseqüência a “visão fingidamente inocente”5 dos donos dos estabelecimentos ao
serem saqueados. Apresentam-se frágeis e desorientados, inseguros e, de certa forma ingênuos,
por aceitarem a ajuda de Santos, mesmo sabendo de seus antecedentes ilegais.

Não há em nenhum dos hotéis homens a mando dos donos para vigiar e punir clientes
indesejados de forma ilegal, nenhum tipo de extorsão ou estelionato. Pelo contrário, há apenas
seguranças pacíficos e que executam seu trabalho de uma forma ética, existindo, inclusive, uma
cena em que o guarda do Flamingo retira do salão um homem que já jogou demais e que está a
beira de gastar todo o seu dinheiro, num ato de responsabilidade em relação ao desconhecido e
seu bem-estar.

Quanto à narrativa e à linguagem da obra, são, ambas, tradicionais e sem quebras de


padrão estético, mesmo para a época. Não há flashbacks e a narrativa é estritamente linear. Esta
linearidade dá ao filme a probabilidade de um grande número de inserções de montagens
paralelas, pois permite ao espectador, especialmente durante a primeira metade do filme, apreciar
o desenrolar da história quase em tempo real.

Esta seqüência em questão, que tem aproximadamente sessenta minutos, é toda


dedicada à apresentação dos personagens um a um, e ao final do bloco, a revelação do motivo
pelo qual estes 11 homens estão se reunindo. Contudo como é centrado nas figuras de Danny,
Sam, Jimmy e Josh, mesmo tendo-se passado uma hora de filme, ainda assim não fica claro quem
é quem para o espectador, pois há nomes e personagens que são mencionados uma ou duas vezes
apenas durante todo o processo.

5
Marco Antonio Pereira do Vale, professor mestrando pela ECA-USP entrevistado em 24 de agosto de
2005. Ver anexo 2.
20

O espectador é mero observador, não participa ativamente da trama junto dos


personagens, pois a ele é contada a história de forma a dar todas as informações necessárias para
a compreensão de seu desenrolar. É, de acordo com Syd Field6, o espectador que sabe mais.
Neste tipo de situação, não há espaço para o suspense, nem a apreensão. O receptor da obra
apenas assiste à projeção acompanhando o desenrolar de uma história contada em palavras,
imagens e sons.

A trilha sonora, aliás, tem grande efeito no filme, acompanhando todos os momentos
dos personagens, seus sentimentos e ações. É definitivamente parte integrante e considerável da
narrativa, assim como o uso dos planos imagéticos.

Em relação ao aspecto da imagem, os planos são, em sua maioria, planos médios com
duas ou três personagens bem centradas. Close ups são usados apenas para cenas de alta carga
dramática ou com intenção criar um apelo à beleza do elenco. Quase não são vistos planos gerais,
com exceção dos interiores dos cassinos, onde, mais uma vez, há o cuidado em enaltecer o
ambiente de Las Vegas.

Quanto à justificativa para este uso da linguagem, em seu sentido literal, e não do
estilo cinematográfico, há de se considerar alguns aspectos: Lewis Milestone, o diretor; 1960, o
cinema holliwoodiano neste momento.

Comecemos pelo segundo. A indústria em Holliwood passava, neste momento, por


uma lenta agonia causada pelo crescimento da televisão como meio de comunicação de massa.
Contudo, a tevê não causava influências lingüísticas à sétima arte, pois ainda não tinha se firmado
como detentora de linguagem própria. Assim, a narrativa truncada, rápida e cortada em close ups
não fazem parte da construção deste filme.

No entanto, já havia certas quebras de paradigmas lingüísticos cinematográficos


“pipocando” pelo mundo da telona. Hitchcock e Kubrick foram os grandes nomes da época a
criar um estilo cinematográfico que seria incluído mais tarde nas premissas básicas de filmagem:

6
FIELD, Syd. Manual do roteiro.
21

com O Grande Golpe (1956), Kubrick revela, pela primeira vez, a narrativa subjetiva, mosaica,
em que uma mesma situação é abordada sob diversos pontos de vista, em diversos momentos, e
com uma linha narrativa descontínua.

Já Hitchcock inicia o suspense criado pelo espectador que sabe mais em relação aos
próprios personagens da trama, trazendo o público para dentro da história e envolvendo-o nas
emoções dos personagens, como se ele próprio fosse um.

E apesar de haver já estes movimentos de quebra, 11 Homens e um segredo se


apresenta sob a égide de uma narrativa tomada pela linguagem clássica, linear e remetente aos
anos 40 e 50, devido a um único fator, decisivo para todo o rumo lingüístico do filme: Lewis
Milestone.

O diretor desta primeira versão, roda esta obra já no final de sua carreira em
Hollywood, já com a idade avançada e muitos anos de experiência cinematográfica, juntamente
com a sedimentação de conceitos formais e estilísticos sobre como fazer cinema.

Milestone começou sua carreira ainda com filmes mudos, passou pela sonorização e
chega à década de 60 com muitos arquétipos de personalidade e interpretação em sua bagagem. A
partir destas afirmações fica explícito o porque de algumas atuações parecerem exageradas
demais e de os planos serem em sua maioria planos médios com poucas pessoas em quadro, uso
de muitas panorâmicas em planos seqüência e de um uso de fusões entre cenas para demarcar,
visualmente, a mudança de foco narrativo (como se a fusão entre cenas fosse um espaço de
parágrafo, num texto.).

A narrativa paralela é a grande marca deste filme, seja em seu começo, quando as
personagens vão sendo apresentadas uma a uma por meio de uma engenhosa montagem paralela
em que quase podemos ver os acontecimentos em tempo real; ou na cena da contagem regressiva
para o ano novo em que, de uma forma muito criativa, com balões separando um cassino do
outro, o diretor mostrou o mesmo momento em lugares diferentes para aumentar, juntamente com
a música, a apreensão do público.
22

Contudo não se pode dizer que não há nada de novo na linguagem utilizada por
Milestone, há, mesmo que poucos, alguns enquadramentos mais modernos, como leves plongés
em cenas com grande número de pessoas, e o uso das cores do cenário com um “cuidado sígnico
subliminar”7 que complementa a personalidade do personagem em cena.

Isto acontece em cenas entre Santos e os donos dos cassinos, e entre ele, Danny e
Sam. Santos sempre aparece em paredes com tons amarelados, e nunca se mistura com paredes
de cor verde. Os donos dos cassinos e a polícia estão sempre em frente à paredes e objetos
verdes; e Danny, juntamente com Sam, variam entre umas e outras.

Com isso pode-se analisar que enquanto a polícia está ao lado dos donos do cassino,
na categoria de vigilantes da lei, Santos é o fora da lei, o vilão, e Danny e sua turma estão num
patamar intermediário. É como se fossem bandidos por justa causa, ou criminosos porém bons
rapazes.

Assim, resta apenas um detalhe para desvendar todo o processo de criação desta
primeira versão de 11 homens e um segredo: o produtor executivo do filme é o próprio Frank
Sinatra. Com esta informação, simplifica-se o porquê de o universo retratado ser cassinos, shows,
“manda-chuvas”, crime, mulheres em segundo plano e moralismo em relação aos donos dos
estabelecimentos em Las Vegas.

O final em que o dinheiro é cremado junto ao corpo de Bergdorf e ninguém ganha


com a história é o desfecho perfeito para não se comprometer a amizade e cooperação que
existiam entre Sinatra e os chamados hot-shots da pequena cidade no estado de Nevada.

Nenhum filme é inocente em sua proposta. Todo filme traz traços de sua época. Isto
fica mais que provado também para 11 homens e um segredo de Lewis Milestone após a análise
de sua estrutura.

7
Marco Antonio Pereira do Vale, professor mestrando pela ECA-USP entrevistado em 24 de agosto de
2005. Ver anexo 2.
23

2.2 – 11 homens, um segredo e George Clooney

• Os personagens

A apresentação dos personagens e suas funções dentro da história é construída de


forma a não deixar nenhuma pergunta não respondida ao espectador. Cada figura que surge tem
seu perfil e suas ações explicadas por meio de um verdadeiro estilo cinematográfico, fazendo uso
de todos os três elementos do cinema para caracterizar os componentes das cenas: imagem, som e
texto. Muito da teoria semiótica pode ser observado neste tópico, pois a caracterização dos
personagens é feita muito além das falas, mas através de símbolos, índices, ícones e signos.

Isto fica muito claro já na primeira cena do filme a qual, em menos de cinco minutos e
com apenas o diálogo necessário para expor sua personalidade, George Clooney é introduzido ao
público no papel de Ocean através de uma entrevista para os responsáveis em concede-lo
liberdade condicional. Em trajes da penitenciária, a imagem nos diz que se trata de um preso. O
diálogo8 em si anuncia qual o motivo de ter sido preso, e que está retornando a liberdade. E a
imagem, no último plano, mais aproximado, da cena, revela sua maior característica: sua
habilidade de desviar a verdade para onde gostaria. Este é o Danny Ocean de 2001: determinado,
astuto, sereno e sempre cheio de bons argumentos para fazer quem quer que seja acreditar em si.

Frank Catton é o segundo membro do grupo a ser apresentado. Trabalha em cassinos


em Atlantic City, mas já foi preso por roubo anteriormente. Sobre sua personalidade há pouca
informação, mas seus atos revelam um homem que sabe mentir muito bem e que leva o trabalho
muito a sério. Conhece Ocean há um certo tempo e é o elo de ligação entre ele e o terceiro dos 11
a aparecer na trama: Rusty.

Rusty, interpretado por Brad Pitt, mora em Los Angeles no momento em que é
recrutado por Ocean. Seu emprego é de professor de pôquer para estrelas de cinema de
Hollywood. Por suas ações e respostas sempre ágeis, percebe-se que, dentre todos, é o mais

8
Ver anexo 3
24

profissional dentre o grupo. Sarcástico, desconfiado e inteligente, Rusty é um homem de


resultados. Se Danny é quem tem as idéias, Rusty é quem as põe em prática.

A relação entre ambos é notavelmente muito forte e antiga. Chegam a um ponto de


não precisarem nem usar palavras para se comunicar. A cumplicidade extrema entre Danny e
Rusty é explicitada em uma cena9 brilhante em que, em um bar, Danny o pergunta se precisam de
mais alguém. Após receber nada além de silêncio de seu amigo, Ocean deduz que precisam de
mais um integrante.

A liderança do grupo fica dividida entre os dois, já que Danny tem a autoria do plano
e as táticas para organizá-lo precisamente, ao passo que Rusty não só recruta, como comanda a
equipe, tendo total controle operacional da trupe.

Assim que discutem o plano inicialmente, e o apresentam superficialmente ao público,


Reuben é introduzido à trama. Patrocinador do esquema que será realizado, é um empresário
enrolado em operações ilegais que era dono de um cassino em Las Vegas que acaba de ser
comprado por Terry Benedict para ser demolido e se transformar em área pertencente a seus já
existentes três cassinos: Bellagio, MGM Grand e Mirage.

Por “coincidência”, estes são exatamente os estabelecimentos que Rusty e Danny


pretendem roubar. E com esta motivação, o pessimista, durão e caricato Reuben se junta a eles,
dando-lhes a ajuda financeira necessária para acabar com quem terminou com sua fonte de renda
em Las Vegas.

Assim, logo que o dinheiro começa a ser gasto em virtude do plano, os outros são
recrutados por ambos, Rusty e Danny, na seguinte ordem:

5. Os irmãos Malloy: gêmeos mórmons de Salt Lake City, muito competitivos um


com o outro. Tem como função o transporte, de pessoas, objetos ou valores, e

9
Ver anexo 4
25

utilizar sua competitividade quando necessário para distrair as atenções


indesejadas.
6. Livinstone Dell: ansioso e nervoso em situações de grande tensão, era perito em
monitoração eletrônica e servia ao FBI, é recrutado para comandar a área de
informática, eletrônica e estratégia operacional mecânica da missão.
7. Basher: por mais irônico que possa ser, é um negro irlandês. Seu forte sotaque não
permite que muitos de seus companheiros o compreendam. É especialista em
armas e explosivos.

8. Yen: chinês acrobata de estatura baixa e feições serenas. Não é levado a sério por
ninguém no grupo, pois não fala a língua (inglês) corretamente e sua única
participação, apesar de crucial, não se passa em momento nenhum no âmbito
intelectual. Seu papel é saltar do carrinho situado no centro do cofre até a porta
sem tocar o chão, para não fazer soar o alarme.
9. Saul: senhor de idade, com úlceras e de aparência pacata. Não demonstra, em
momento algum de sua vida social regular de um idoso judeu habitante do estado
da Flórida (como todo judeu em idade avançada) que é um membro da antiga
máfia existente nos EUA. Declara que largou a vida fora da lei há um ano, mas ao
saber do plano junta-se a Danny. Seu papel é atuar no cassino como hóspede
europeu, misterioso e determinado, que requisita os serviços do cofre principal
para manter certas pedras preciosas que recebe, fazendo assim o link entre o cofre
e a entrada do grupo no mesmo.
10. Linus: filho de um ex-companheiro de tramas entre Danny e Rusty que já faleceu.
Vive em Chicago e é batedor de carteiras. Ágil, porém inexperiente, é chamado
para completar a trupe, mas não tem função definida. Age como coringa.
11. Tess: ex-mulher de Ocean.Bela, independente, determinada, séria e ressentida
pelas mentiras de Danny, é a atual curadora do museu do Bellagio, um dos
cassinos de Benedict, e namora o próprio. É o pivô da história, motivo pelo qual
Danny resolve ter por alvo os três cassinos de Benedict. Acusa Danny de ser, além
de ladrão profissional, o que sua ética não permite ter como marido, também ser
mentiroso, adjetivo o qual Ocean desmente e prova não ter. No fundo ainda o ama.
26

Por último, o grande vilão, latino, é claro, é o próprio dono dos cassinos e também do
coração de Tess: Terry Benedict. Previsível, frio, elegante, pontual, sempre seguidor de uma
rotina “britânica”, gosta de star sob controle de tudo e todos. Mostra-se, ao passo que a história se
desenrola, ser também muito esperto e cruel.

• A história

Esta versão de inicia em uma penitenciária, onde Danny Ocean passa por uma
audiência que permitirá que ele volte a liberdade. Ele comenta que foi abandonado pela esposa,
em seguida pode-se vê-lo saindo do lugar enquanto os créditos iniciais aparecem na tela. Vai a
um cassino que fica em Atlantic City e lá ele encontra Frank Catton, agora auto denominado de
Ramon, trabalhando no lugar.

Em Hollywood, Rusty trabalha em uma boate ensinando jovens atores a jogarem


pôquer. Num segundo momento, quando ele volta à sala, encontra Danny, com quem jogam uma
partida e Danny ganha deixando Rusty desconcertado já que seus alunos perdem seguindo seus
conselhos. Os dois saem juntos, demonstram que se conhecem e ainda planejam roubar três
cassinos, que dividem um só cofre, o do hotel Bellagio.

Agora em Las Vegas, os dois homens conversam com Reuben, na beira da piscina de
sua casa. Este acha que a idéia dos dois é loucura devido ao ótimo sistema de segurança do cofre
do lugar, mas ele aceita ajudá-los já que o proprietário do Bellagio é Terry Benedict, inimigo de
Reuben, pois o fez perder muito dinheiro.

Os dois contam ao homem que Frank Catton já aceitou participar e pediu


transferência do cassino em que trabalhava para a filial em Las Vegas, falam também que os
irmãos gêmeos Malloy participarão com eles. Citam ainda Livingston Dell, free-lancer do FBI e
especialista em máquinas de espionagem.
27

Na cena seguinte se vê uma tentativa fracassada de assalto a um cofre, onde Basher é


preso, conseguindo escapar com a ajuda de Rusty, que se passa por um policial. Rusty ainda vai
com Danny a San Diego, ao circo, assistir uma apresentação do acrobata chinês Yen, os dois
decidem que ele será útil no plano. Outro que é recrutado é um senhor velho e com úlcera, trata-
se de Saul, homem que assiste e aposta em corrida de cachorros. É neste lugar que Rusty tenta
convencê-lo a entrar no esquema.

Achando que ainda falta um integrante ao time, Danny vai a Chicago e conhece
Linus, que consegue furtar carteiras como ninguém. É o homem que se demonstra mais
inexperiente e receoso. Todos se encontram na casa de Reuben e Danny começa a explicar o
audacioso plano. Explica que precisam fazer um reconhecimento dos cassinos, seus horários e
etc. Enquanto isso, cenas dos homens nos cassinos são mostradas. Basher fica incumbido de
providenciar o “apagão” enquanto Livingston cuidará de vigiar a segurança, já que é experiente
no assunto.

Após conseguir a chave da sala de controle, este consegue colocar chips nos cabos
das câmeras, o que faz com que os homens consigam monitorar de seu QG todos os movimentos
do hotel. Um cofre idêntico ao do cassino é construído para que o grupo consiga treinar todos os
movimentos para o dia do assalto. Linus tem a função de espionar Benedict já que só ele tem
acesso às senhas do cofre que se alteram diariamente. Um furgão é adquirido para facilitar a ação
do grupo.

Um personagem é criado para conseguir se infiltrar no cassino e ter acesso a


Benedict mais facilmente, quem irá interpretá-lo é Saul: trata-se de Lyman Zerga, um homem
muito rico que vai passar uma temporada no Bellagio, acompanhado de seus seguranças, os
irmãos Malloy.

A partir daí uma seqüência de fatos se encadeiam perfeitamente para que o plano
tenha um andamento perfeito: Linus já sabe detalhadamente a rotina de Benedict, inclusive que
ele tem uma namorada, Tess, com quem ele tem um relacionamento discreto, não se permitindo
nem troca de carinhos em público.
28

Rusty conhecia Tess, ela é ex-mulher de Danny Ocean e logo o primeiro imagina que
o objetivo do assalto que Danny quer organizar é, justamente, para se vingar do homem que está
com sua esposa e consegui-la de volta.

Confirmando sua suposição, Danny vai procurar Tess, deixando-a surpresa e


incomodada com sua presença, ainda mais por saber que Benedict não tolerará isso. Ela o trata
com frieza, e Benedict os vê juntos. Já é motivo suficiente para o proprietário do cassino marcar o
ex-presidiário e botar seguranças para vigiá-lo.

O hotel de Reuben é explodido por Benedict e isso faz com que Basher perceba que a
equipe de técnica do cassino descobriu o próprio ponto fraco da segurança da empresa,
obrigando-o a mudar os planos de explosão da torre de energia: agora eles são obrigados a roubar
uma morsa, que realizará o black-out sem explodir as torres.

No entanto, outro imprevisto ocorre, o grupo descobre que Benedict sabe quem é
Danny, e Rusty decide por deixá-lo de fora da missão para não prejudicar o grupo. Mais tarde,
sabe-se que isso não passou de tática para despistar Benedict.

Linus fica incumbido de se passar por um representante da CJN (Comissão de Jogos


de Nevada), Sheldon Willis e, como parte do plano, entrega Frank a Benedict, dizendo-lhe que
ele é um ex-presidiário e, portanto não pode trabalhar no Cassino. Uma briga é simulada e Linus
consegue roubar de Benedict uma senha que dará acesso ao “cérebro” do cassino.

Tal situação ocorre no dia em que uma luta de boxe está acontecendo no lugar e após
“Zerga” entrar no sistema de segurança junto com o proprietário com a desculpa de guardar uma
valise valiosa.

Ao mesmo tempo, Yen é levado para o cofre dentro de um compartimento, enquanto


Danny é obrigado a entrar numa sala onde um homem está para espancá-lo, a pedido de Benedict.
29

Acontece que Danny é amigo do “capanga” e este o ajuda a fugir do lugar e auxiliar Linus a
entrar no cofre onde Yen está.

Os seguranças não os vêem nos monitores de segurança porque “Zerga” passa mal,
fingindo ter um ataque do coração no momento exato, distraindo a atenção deles.

A luta de boxe começa e logo a ativação da morsa faz com que todas as luzes se
apaguem. Danny e Linus, com a ajuda de Yen, conseguem entrar no cofre e realizar o roubo.
Rusty liga para Benedict avisando-o que ele está sendo roubado. O proprietário, ao chegar à
central de segurança, vê o que pensa ser o assalto, chama a polícia, mesmo dizendo a Rusty, no
celular, que concorda em deixá-los fugir desde que só levem metade do valor.

O dinheiro é levado no furgão e ao chegar ao aeroporto a polícia invade o carro e vê


que lá não estavam os assaltantes nem o dinheiro e sim um robô.

Benedict percebe que as câmeras de segurança não mostravam o que acontecia


naquele momento no cofre, e sim que aquilo era uma gravação, o vídeo tape que Livingstone
ativara. Do mesmo modo que ele não chamou a polícia, pois a ligação foi transferida para o QG
dos assaltantes. Então, nota-se que os agentes da SWAT que chegaram para solucionar o
problema e que todos acreditavam serem policiais, na verdade eram os Danny e sua turma, que
conseguiram levar o prêmio tranquilamente.

Benedict vai a sala onde Ocean estaria apanhando, desconfiado que ele fizesse parte
daquilo e ao chegar lá, Danny realmente está levando uma surra de seu capanga, intrigando o
dono do cassino.

Danny pergunta a Benedict que se ele pudesse recuperar seu dinheiro, ele o deixaria
ficar com Tess. Benedict diz que sim. Tess vê tudo e é o suficiente para deixar o dono do cassino.
Danny é preso por violar sua liberdade condicional, pois saíra do estado, e Tess o chama de
marido, demonstrando que ainda o ama. Os dez homens se despedem, tendo cumprido suas
missões e cada um vai para um lado.
30

Seis meses se passam e Rusty está em frente à penitenciária aguardando Danny.


Encontram-se e vão para um carro onde Tess aguarda. Rusty dirige o carro e vão embora
mostrando que Ocean e Tess voltaram a ter um relacionamento. Um carro os segue, e dentro
deles estão os dois homens que ficaram de segurança na porta da sala do Bellagio em que Ocean
supostamente apanhou dos capangas de Benedict. Os créditos finais aparecem na tela encerrando
o filme.

• A linguagem

Quando se assiste a este filme, tem-se a certeza de que estamos em frente de um


verdadeiro estilo cinematográfico hollywoodiano, calcado em fórmulas e modelos, utilização das
imagens dos atores para chamar publicidade e a participação de um diretor “da moda”. Porém
não se pode desmerecer o esmero com que o roteiro e os planos foram construídos, quase sem
falhas, sem erros de continuidade e tecnicamente perfeitos.

A considerável diferença de linguagem entre este segundo filme e sua primeira


versão não está calcada apenas pela evolução dos estilos cinematográficos que houve durante os
40 anos que separam um do outro. Isto porque já em 1960 havia tentativas como as mencionadas
em tópicos acima de truncagens e narrativas não lineares. Estas, são características presentes
nesta versão de 2001.

Logo na primeira cena, vemos a introdução de um recurso narrativo que surgiu com
Kubrick em 1956 e é incluído somente nesta versão: a narrativa subjetiva. É através desta que se
revelam as informações mais importantes e são construídas as mais interessantes cenas.

Exemplos de utilização da subjetividade são: a primeira cena, quando a câmera é


posicionada como se fosse os olhos da entrevistadora de Ocean, ou seja, temos o foco visual de
um personagem da cena; o sem número vozes em off, enquanto a voz se relaciona a uma cena em
que os personagens estão conversando, explicando ou contando alguma passagem, a história
31

contada ou explicação é mostrada por meio de imagens cheias de travellings, com muito
movimento, para acompanhar o tom descritivo e dinâmico das vozes dos personagens.

Existe um momento em que há uma mistura perfeita da narrativa subjetiva com


humor e explicação, a cena em que Reuben conta a Rusty e Danny quais foram as três vezes em
que alguém chegou mais perto de assaltar um cassino de Las Vegas: um caso na década de 1960,
um na década de 1970 e um na década de 1980. Esta cena é brilhante pela construção de cada
segmento. Com a voz de Reuben sempre em off, a cada roubo que se refere, introduz-se uma
trilha da época, até chegar ao terceiro roubo, que se passa em 1987, e tem como trilha “Take my
breath away”, que casa perfeitamente o momento de clímax da narrativa subjetiva com a trilha e a
imagem mostrada.

Esta preocupação com a trilha é percebida ao longo não só desta cena, mas também
de todo o filme. Assim como na versão estrelada por Frank Sinatra, toda vez que o plano está
sendo explicado ou realizado, ouve-se sempre o mesmo tema ao fundo. Isto para criar uma
identificação da trama com o público por meio de recursos subliminares, tal como a trilha.

Contudo se considerarmos a imagem, podemos perceber que, obviamente, os


recursos de computação e efeitos digitais não só avançaram, mas, dir-se-ia até que foram
inventados, desde o primeiro filme.

Assim sendo, o uso de recursos imagéticos para complementar a narrativa é muito


observado neste filme. Há inúmeras cenas em que a narrativa paralela é elucidada através de
close ups e divisões da tela em duas, mostrando as duas ações ocorrendo concomitantemente.

Ainda sob a ótica da imagem, há uma preocupação com as cores e o que elas
representam e atribuem a cada personagem e ação. Uma cena específica que deixa esta idéia
muito clara é a cena de apresentação da personagem de Julia Roberts, Tess. Rusty e Linus estão
conversando sobre ela quando a própria surge, em câmera lenta, descendo uma escada dourada.
Tess veste um conjunto social de saia e terninho vermelho, com batom da mesma cor nos lábios.
32

A figura de Julia Roberts, já uma mulher com muita presença, vestida de vermelho
em contraste com o cenário dourado já seria suficiente para passar a mensagem de que Tess causa
impacto por onde passa. Porém a cena quer transmitir algo a mais: que ela é o pivô para toda a
história, motivo pelo qual toda a ação acontece. Assim, além de todos os signos pictóricos já
existentes, toma-se cuidado para que, tanto os figurantes, como os próprios Rusty e Linus estejam
vestindo branco, preto ou cinza, para exaltar ainda mais a figura de Tess.

O responsável por tudo isso é o próprio diretor, Steven Soderbergh, na época em


ascensão aos olhos das produtoras californianas. Começou sua carreira com filmes B, mas logo
ganhou seu espaço na indústria por abusar de narrativas paralelas, linguagens truncadas, cheias de
flashbacks, se firmando como grande realizador de filmes do tipo “os atores sabem mais que o
público”.

E, resumindo, 11 homens e um segredo, de 2001, é exatamente isso! Um roteiro


repleto de narrativas paralelas, muitas utilizações subjetivas tanto da câmera quanto do áudio e
inúmeros flashbacks, estes cruciais para a manutenção da tensão e suspense causado no
espectador.

2.3 – O processo de construção da refilmagem

Agora que as análises individuais de ambos os filmes estão claras, pode-se então
confrontar um ao outro para deduzir qual o caminho de construção criativa apresentado neste
processo de refilmagem.

Primeiramente, as visões do roubo em si mudam drasticamente de 1960 a 2001, em


que cada filme trata o universo dos cassinos de forma completamente diversa. Em 1960, por
motivos já citados, houve um cuidado excessivo por amenizar ou quase completamente excluir
informações de ações ilícitas ou degradantes aos usuários e donos dos cassinos de Las Vegas.

Ao contrário, em 2001, talvez como resposta a esta falsa ingenuidade da versão


original, todo o desfecho gira em torno do ambiente dúbio interno dos cassinos e, principalmente,
33

da figura de Terry Benedict. Benedict surge como um homem ganancioso e que se revela ao
longo da trama como um grande vilão, com ameaças, capangas e formas de burlar a lei, fazendo
uso de sua própria.

Na versão de Milestone, assim que há o blackout, os freqüentadores aproveitam o


escuro para fugir dos padrões morais da época e há quase que um bacanal dentro dos cassinos,
com pessoas que nem se conhecem se beijando, bebendo, felizes, etc. Ao passo que, assim que a
escuridão se dá no filme de Soderbergh, há furtos, assaltos aos caixas e mesas de jogo. É o caos!

Assim como a reação dos usuários e diversa, a dos donos também. Em 1960, os
proprietários têm de se reunir e pedir ajuda a outros para que recuperem seu dinheiro, parecem
desolados e indefesos. Contrário a isto se posiciona Benedict, que, ao ouvir de Danny a mesma
proposta que Santos fez aos donos em 1960, que conhece alguém que pode ajudá-lo a recuperar o
dinheiro e descobrir quem o fez, Benedict não aceita, pois não é inocente, nem tampouco confia
em outras pessoas.

Estas definições justificam a mudança do final em cada um deles: a moral na versão


original tem de ser a de que homens com má índole têm de ser punidos em vista da moral e bons
costumes. E que qualquer pessoa que tente assaltar um cassino logo será punida, pois, apesar de
seus donos serem criaturas gentis e vulneráveis, há muitos ambiciosos por aí querendo uma parte
do ouro.

Já na refilmagem fica clara a moral da história pela referência de uma cena entre Tess
e Danny no restaurante no final da trama, quando o casal fica junto10: ladrão por ladrão, melhor o
que não é mentiroso. Danny se apresenta como este “ladrão honesto”, que consegue o que quer
sem utilizar-se de nada ilegal além da própria ação de se furtar algo. Já Benedict, além de
bandido, que fica bem claro no fim, com suas ameaças e com os capangas para “punição própria”
de pessoas com atitudes indesejadas, é também apresentado como um homem que nem sempre
diz a verdade. É como se fosse um “ladrão que rouba ladrão”. E com isso, justifica-se o fato de os
11 levarem a melhor, e não o dono do cassino: pois eles são “honrados”.

10
Ver anexo 5
34

Ademais, os desfechos diferentes demonstram também algo que fica superficial a


uma primeira análise, mas que se mostra nítido ao se levar em conta o primeiro filme. Danny e
sua turma não escondem ser ladrões profissionais em nenhum momento. Todos estão cientes
disso e não há problema algum. Há diversas citações no roteiro afirmando este fato, mas os dois
momentos em que isso fica mais nítido ao público é quando Basher é recrutado e diz “É bom
trabalhar com vilões de verdade novamente”, e no diálogo já mencionado que se passa no
restaurante do Bellagio entre Tess e Danny.

Essa auto-afirmação da profissão que leva é uma resposta direta à camuflagem da


atividade de Frank Sinatra, e da maioria do elenco do primeiro filme, na máfia siciliana da Costa
Leste dos EUA.

Todavia nem tudo são diferenças, há inúmeras referências do original na refilmagem.


A primeira e mais visível é a de que o menu do DVD da refilmagem reconstrói a abertura do
primeiro filme, e traz a animação para a computação gráfica como “homenagem” aos precursores
desta arte que trabalharam no primeiro filme.

Também há certas semelhanças na relação de Danny Ocean com certos personagens,


como o de sua ex-mulher. Tanto no primeiro como no segundo há a problemática da crise do
casamento e a decisão da mulher em abandonar o marido. A diferença mora da concepção do
modelo feminino de cada um: isso pois Tess é independente de Danny e vive bem sem ele; já Bea
não faz nada além de esperar por seu marido em casa, enquanto ele rouba os cassinos em Las
Vegas.

Entre Danny e seu companheiro mais próximo no grupo também há muitas


semelhanças: tanto Sam quanto Rusty desempenham um papel de quase co-autoridade no
comando dos outros 9. Esta relação equivalente se justifica na repetição de um diálogo do
primeiro no segundo filme, que é sintetizado pela frase de impacto da cena: “the house always
wins”.
35

Há uma referência, ainda, sobre a execução do plano. No filme original, Bergdorf


morre de um enfarte e é a partir daí que há um ponto de virada na narrativa e o rumo o qual o
dinheiro vai tomar é arranjado, sendo colocado em seu caixão para ser levado para fora da cidade.

Também no segundo filme, há um ponto de virada da execução da narrativa a partir


de um enfarte, só que desta vez, um enfarte representado. É a partir do momento em que Saul
finge morrer do coração que o processo de retirada do dinheiro é completo: conecta-se o vídeo
tape aos monitores de segurança do cassino e eles podem transportar o prêmio para fora da
cidade. Se pararmos para analisar, em ambos há o mesmo ponto de virada para a retirada do do
dinheiro de Las Vegas: o enfarte.

Além destas semelhanças, há o fato de que em ambos os filmes há a figura do latino


como vilão da trama. Terry Benedict é, por assim dizer, a tradução de Duke Santos à sua época.
Sério e conhecido como um grande homem de negócios, há vários rumores sobre seu caráter, mas
ninguém nunca o testou para saber se é verdade. E ambos, ao final, se revelam cruéis, astutos e
gananciosos.

Após observar os pontos de proximidade ou não entre o original e a refilmagem já


pode-se considerar que a refilmagem de 11 homens e um segredo é calcada no original. Mas até
que ponto? É necessária ainda algumas informações de origem teórica para poder, só então,
justificar certamente como se dá o processo de produção da refilmagem neste caso.
36

Capítulo 3 – Refilmagem – A questão da reprodutividade

A partir do momento em que definimos como o processo da


refilmagem foi efetuado, passamos à discussão sobre a
reprodutibilidade de uma obra de arte, dado que uma
refilmagem é uma obra reproduzida em outro momento, e
quais as teorias sobre esta questão.
Este capítulo se compromete a mostrar os caminhos para
compreender melhor o que seria uma refilmagem em termos
de sua reprodutividade e quais as conseqüências para a
própria obra quando sofre reprodução.
37

3.1 – Kellner e a reprodutividade do produto midiático

Em seu livro A cultura da mídia, Douglas Kellner reflete sobre a influência dos
meios de comunicação de massa e seus usos na sociedade atual, levando em conta os fenômenos
midiáticos recentes e as novas tecnologias utilizadas a seu favor.

Apesar das críticas presentes em seu texto à Escola de Frankfurt e à Teoria crítica,
afirmando ser esta por demais simplificadora do problema, com sua unilateralidade ideológica,
vemos que, na frase a seguir, ele mesmo se mostra Frankfurtiano, porém com teorias mais
sintéticas, menos apocalípticas:

“A cultura da mídia é industrial; organiza-se com base no modelo de produção de massa


e é produzida para a massa de acordo com tipos (gêneros), segundo fórmulas, códigos e
normas convencionais”.

Com esta afirmação pode-se constatar que o autor menciona a questão da


reprodutividade das obras (os produtos da cultura da mídia) no momento que sugere a
industrialização de seu processo produtivo. Quanto aos modelos e fórmulas de produção sobre os
quais disserta, as convenções que define como pré-estabelecidas e imutáveis merecem certa
análise mais profunda.

É sabido que cada época tem um certo público, este com suas necessidades próprias.
Destas são que surgem os produtos midiáticos, resposta a esta necessidade dos seres humanos
espectadores da mídia, que, quando funcionam, são elevados a categoria de modelo, fórmula ou
padrão, influenciando toda uma série subseqüente de obras.

Contudo a partir do momento em que o entorno histórico provoca uma mudança na


necessidade do público, seja ela social ou política, estes modelos, fórmulas e padrões já não mais
funcionam e são fadados ao fracasso. Neste momento, há uma renovação dos conceitos e uma
nova ordem de obras pré-fabricadas é criada, nutrindo o ciclo.

Esta análise é confirmada pela passagem:


38

Os textos da cultura da mídia não são simples veículos de uma ideologia dominante nem
entretenimento puro e inocente. Ao contrário, são produções complexas que incorporam
discursos sociais e políticos cuja análise e interpretação exigem métodos de leitura e
crítica capazes de articular sua inserção na economia política, nas relações sociais e no
meio político em que são criados, veiculados e recebidos.

Os produtos midiáticos têm em si diversas características que variam de acordo com


a situação sócio-política em que foram realizados. Um filme, por exemplo, sobre a guerra do
golfo com autoria dos EUA dos anos 1990 certamente obteria leitura e apresentação das ações
diversas a um filme iraquiano com o mesmo tema na época atual.

Entra aqui a questão da reprodutividade das obras: não importa se a obra é uma
releitura de uma outra anterior, sempre terá valor de peça única pois está embebida no contexto
de seu tempo. É construída segundo a linguagem e ideologia dominante de seu entorno, mesmo
que seja contraria a ela.

Portanto, para Kellner, a reprodutividade das obras são apenas re-atribuições de


sentido a algo que se fez relevante no passado e que, de certa forma, pode significar algo no
presente, não como fora construído outrora, mas como será reconstruído agora.
39

Conclusão

Tomando os fatos relatados neste trabalho, temos que, a construção da refilmagem de


11 homens e um segredo se deu por meio da utilização da obra anterior como matriz para a nova,
porém tomando o cuidado para trazer a trama a sua época e suas problemáticas para o contexto
em que está inserida.

Às características consideradas “abafadas” pelo entorno histórico precedente à primeira versão


são dadas as devidas atenções para a divulgação de todas as informações ocultadas no original. E,
seguindo uma lógica na narrativa, a partir do momento em que a ideologia embutida na
construção do roteiro muda, o final também tem de mudar, para não ficar desconexo com o resto
da história apresentada.

Visto estes fatos, fica evidente a presença da teoria de Kellner no processo de produção da
refilmagem de 11 homens e um segredo, pois esta se apresenta como uma reconstrução do
primeiro filme adequada ao contexto sócio-histórico de seu momento.

Toda obra leva em si a subjetividade de seu autor, que por sua vez, como ser humano, é um ser
social e influenciado pelos acontecimentos e normas culturais de sua época. Por isso a mesma
obra não é produzida e nem causa a mesma impressão em contextos diferentes, devido ser
humano uma condição de determinação do seu tempo.

Ao analisar uma obra em seu próprio contexto sócio-histórico, pode-se observar semelhanças
com o presente, mas sempre serão analogias, pois a obra pode continuar com tema atual, mas seu
sentido completo só é possível em seu momento.

Assim, a melhor forma de se analisar uma refilmagem é situando-a em seu próprio entorno,
processo efetuado nesta pesquisa, pois foi para este que a obra foi criada.
40

Anexos

Anexo 1 - Diálogo entre Jimmy e Sam

JIMMY
What a way to make a living.
(…)

SAM
Jimmy… Why do you need this picnic for? If you want
money, all you have to do is yell for Mother.

JIMMY
You haven’t met mother, have you?

SAM
No, but I gather she’s very generous

JIMMY
Generous to a fault. Especially when it comes to husbands.
She only had five.

SAM
That must’ve left you pretty much out in the cold.

JIMMY
No suck luck.

SAM
Would you mind spelling that out?

JIMMY
I had so much mother love, you’d have thought I was
quintuplets. She wouldn’t let me out of her sight. Everything
as done for me. After the war, I tried to break away from her
but plenty of money is a hard habit to kick. That’s why I’m
going to our picnic.

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