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A RESPONSABILIDADE PENAL ISOLADA DAS PESSOAS


JURÍDICAS EM CRIMES AMBIENTAIS

Carlos Almeida José*

Resumo

O trabalho em mãos tem por objeto de estudo a responsabilização penal da pessoa jurídica por
crimes ambientais na legislação brasileira. A previsão constitucional deste instituto, bem como sua
regulação pela Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), ainda suscitam divergências doutrinárias a
respeito de sua harmonização com outros pilares do Direito Penal Moderno, tal qual a
individualização da pena e a concepção hodierna de culpabilidade. O tema merece ser revisitado em
face do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal em 2013 do Recurso Extraordinário 548.181, que
marcou a superação da Teoria da Dupla Imputação – entendimento até então cristalizado nos
Tribunais Superiores – e o reconhecimento da possibilidade de uma responsabilização penal isolada
da pessoa jurídica em crimes ambientais.

Palavras-chave: Direito Penal, Direito Ambiental, Crimes Ambientais, Responsabilidade Penal da


Pessoa Jurídica

Abstract

This paper aims to make a brief study of corporate criminal liability on environmental crimes
regarding the Brazilian legislation. Despite its prevision on the Constitution and its regulation by the
Federal Environmental Crimes Law, the topic still faces doctrinal divergences, especially on its
harmonization with other Modern Criminal Law institutes, such as individual criminal imputation
and the current conception of culpability. The topic must be revisited taking into account a newly
decision issued by the Brazilian Federal Supreme Court that overruled the so prevailing position held
by the superior courts in favor of the Double Liability Theory and recognized the possibility of a
solely corporate criminal liability on environmental crimes.

Keywords: Environmental Law, Environmental Crimes, Corporate Criminal Liability

*
Advogado; bacharel em Direito pela UFMG; aluno do Programa de Pós Graduação em Direito Ambiental e
Minerário do Instituto de Educação Continuada – IEC/ PUC/MG.
2

1. INTRODUÇÃO

É de inegável destaque a guarida que a Constituição de 1988 dá à preservação dos recursos


naturais. Da redação do artigo 225 1 da CF/88, emerge não só o direito à fruição destes, mas
especialmente o dever – comum ao Poder Público e á coletividade – de harmonizar o
desenvolvimento humano à preservação ambiental. Nesse diapasão, não surpreendeu o legislador
constituinte ao elevar o meio ambiente à condição de bem jurídico penal ao prever expressamente
a responsabilização criminal de pessoas físicas e jurídicas por condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente, tal como expresso no § 3º do citado artigo:

Art. 225
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os dados causados.

A adoção da tutela penal ao lado da administrativa visa à ampliação da prevenção geral


negativa de condutas lesivas, visto que tais sanções têm por objetivo inibir a prática e a
reincidência em tais ilícitos. É que no âmbito civil esta proteção sempre se dá a posteriori à lesão,
se circunscrevendo a esta, vez que promove tão somente a indenização pelo dano causado e a
recuperação do status quo ante, ainda que esta seja quase sempre impossível. Por sua vez, as
sanções penais e administrativas gerariam um efeito a priori, que se pretende capaz de
desestimular – tanto nas pessoas físicas quanto nas jurídicas – práticas que danifiquem ou que
coloquem em risco o equilíbrio ambiental.
A novidade legislativa que o citado dispositivo trouxe é o exato objeto deste trabalho: a
responsabilização penal da pessoa jurídica. Se por um lado argumenta-se que o Código Penal de
1940 não vedava taxativamente tal possibilidade, é imperioso reconhecer que tal diploma
tampouco prevê as adequações jurídicas necessárias à persecução criminal da pessoa jurídica.
A responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais só veio a ganhar
contornos mais claros com a promulgação da Lei 9.605/98, a Lei de Crimes Ambientais, que
regula tal instituto em seu artigo 3º. A opção política de perquirir criminalmente também as
pessoas jurídicas passa pelo reconhecimento que estes são os agentes que oferecem maior
periculosidade ao equilíbrio ecológico e à preservação dos recursos naturais. Tanto que a Lei
6.938/81 (Lei da Política Nacional de Meio Ambiente), em seu artigo 3º, inciso IV, define o termo
1
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para
as presentes e futuras gerações.
3
poluidor como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou
indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. A inclusão das pessoas
jurídicas não surpreende, visto que cabem a elas as atividades de grande intervenção no meio físico
– indústria, mineração, pecuária extensiva, etc. Fato é que a previsão constitucional do artigo 225,
§ 3º não dá azo a interpretações de que no Brasil ainda vigora o brocardo societas delinquere non
potest. Diante do mandamus constitucional, coube à Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), à
doutrina e à jurisprudência construir o edifício jurídico que serviria de base à responsabilização
penal da pessoa jurídica.
Até poucos anos atrás, o Superior Tribunal de Justiça acolhia a Teoria da Dupla Imputação,
inspirada no direito francês, tese que condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica à
concomitante identificação e persecução penal da pessoa física ou o colegiado diretivo que a
representa legalmente. Entretanto, frente às limitações desse modelo, o Supremo Tribunal Federal,
em 2013, ao julgar o Recurso Extraordinário 548.181 promoveu a superação da citada tese,
inaugurando uma percepção em favor da possibilidade de uma responsabilidade penal isolada da
pessoa jurídica, estritamente aplicável nos casos em que seja impossível identificar as pessoas
físicas a quem se poderia atribuir concomitante participação no delito ambiental.
2. A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
A fim de que se conheça o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica, é
imperioso se reportar às suas origens e traçar sua evolução ao longo da História, bem como
dissecar os textos de lei que internalizaram o instituto no ordenamento jurídico brasileiro e a
interpretação doutrinária que se faz dos mesmos. A complementar o tópico, serão apontadas as
principais objeções críticas à responsabilidade penal da pessoa jurídica, acompanhadas dos
respectivos contrapontos da lavra de autores da mesma envergadura.

2.1 Histórico

O potencial criminal da pessoa jurídica tal como sua capacidade jurídica de ser penalmente
sancionada remonta à Grécia antiga2 com a responsabilização criminal das corporações comerciais
bem como das próprias famílias. Entretanto, somente no Império Romano cunhou-se o brocardo
latino societas delinquere non potest, a partir da consagração de uma visão da pessoa jurídica como
mera ficção, cuja responsabilização se limitava ao campo cível.

Adiante na linha da História, o societas delinquere non potest ganha novo sopro no Ocidente
com a Revolução Francesa, embebida de um viés individualista, persistindo quase inconteste até o
final do Século XIX e início do Século XX. Se no Estado Moderno ocidental as grandes companhias
e operações comerciais estavam isentas de responsabilização criminal em razão de pertencerem ao

2
FRANCO, Affonso Arinos de Mello. Responsabilidade Criminal das Pessoas Jurídicas. Rio de Janeiro:
Gráfica Ypiranga, 1930. p. 21
4
próprio Estado, observa-se a partir da Revolução Industrial o surgimento de conglomerados privados
cada vez maiores e mais interventivos no meio ambiente e na organização da sociedade como um
todo.

O segundo Congresso da Associação internacional de Direito Penal, ocorrido em 1929,


também conhecido como Congresso de Bucareste, é marcado pelo reconhecimento do potencial
delitivo dos entes morais na persecução de suas finalidades econômicas. Ali, já se destacava também
a ideia de que a responsabilização penal das pessoas jurídicas não elide a responsabilização das
pessoas físicas que porventura a dirijam. Interessante notar a proximidade entre o texto aprovado no
Congresso de Bucareste e a própria Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), promulgada setenta
anos depois. É o texto aprovado àquela ocasião, em tradução de Nicolao Dino Neto, Ney Bello Filho
e Flávio Dino:

1º) Que se estabeleçam no direito interno medidas eficazes à defesa social contra as
pessoas morais, nos casos de infrações perpetradas com o fim de satisfazer ao interesse
coletivo de tais pessoas ou realizadas com meios proporcionados por elas e que
engendram, assim, a sua responsabilidade.

2º) Que a imposição à pessoa moral de medidas de defesa social não deve excluir a
eventual responsabilidade penal individual pela mesma infração, de pessoas físicas
que administrem ou dirijam os interesses da pessoa moral, ou que se tenham cometido
a infração com meios proporcionados por estas. 3

Antes da virada para o Século XXI, destacam-se outras duas manifestações em favor da
responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais. Em 1979, no Colóquio de
Hamburgo (XII Congresso Internacional de Direito Penal) o texto final trouxe recomendação à
internalização da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais reconhecendo
aos entes morais elevado potencial lesivo ao equilíbrio ambiental.
Já em 1994, no XV Congresso Internacional de Direito Penal realizado no Rio de Janeiro,
os participantes aprovaram a seguinte inserção à conclusão do Colóquio:

III – Responsabilidade criminal das empresas pelos delitos contra o meio ambiente.
1. A conduta que suscita a imposição de sanções penais pode proceder de entidades
jurídicas e públicas, bem como de pessoas físicas.
2. Os sistemas penais nacionais devem, sempre que possível, no âmbito de sua
respectiva constituição ou lei básica, prever uma série de sanções penais e de outras
medidas adaptadas às entidades jurídicas e públicas.

3
DINO NETO, Nicolao; BELLO, FILHO, Ney; DINO, Flávio.Crimes e Infrações Administrativas Ambientais – 3a
ed. rev. e atual. – Belo Horizonte: Del Rey, 2011.
5

À exceção da responsabilização penal de entidades públicas, a Constituição Federal de 1988


já se mostrava alinhada ao texto aprovado no Rio de Janeiro em 1994, ainda que a tipificação das
condutas delitivas só tenha ocorrido mais tarde, com a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98).

2.2 Previsão constitucional e regulação pela Lei de Crimes Ambientais

Ainda que a constitucionalização da matéria ambiental seja fenômeno mundial observado a


partir da segunda metade do Século XXI, mesmo na América Latina 4, a eleição do constituinte
brasileiro chamou atenção do mundo jurídico: já na Carta Magna, instituiu-se a responsabilização
penal e administrativa para pessoas jurídicas, como se depreende da redação do artigo 225, 3º, que
não permite outra interpretação senão a literal, em favor do instituto jurídico5:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações;
(...)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A presença do termo conectivo “e” deixa claro que as pessoas jurídicas estão susceptíveis
tanto a sanções administrativas quanto às penais, sendo imprópria a leitura de que a
responsabilização do ente moral se restringiria à seara administrativa, sob pena de se negar a própria
letra da Constituição. A resistência à opção do legislador deve ceder frente à clarividência do texto
constitucional, como bem observa Fernando Galvão Rocha:

“Se o legislador, legitimamente, fez opção por responsabilizar a pessoa jurídica, não
podem os operadores do direito inviabilizarem essa opção política, cabe aos operadores
construir o caminho dogmático necessário a realizar a vontade do legislador. O
entendimento divergente, vencido no debate político, deve se submeter às regras do
jogo democrático.” 6

A promulgação da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) marcou o passo definitivo
4
PRADO, Luiz Régis. Direito penal do ambiente – 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
5
Isolada é a posição de René Ariel Dotti, que entende que o dispositivo não determina a responsabilização penal da pessoa
jurídica, de modo que, a seu ver, persiste em pleno vigor o brocardo societas delinquere non potest.
6
ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Belo Horizonte: Del Rey,
2003.
6
para o combate às infrações contra o meio ambiente. Afinal, o diploma trouxe a necessária
tipificação das condutas lesivas, as dividindo em dois grupos: os crimes e as infrações
administrativas, sendo ambos podem ser atribuídos tanto a pessoas físicas quanto a pessoas
jurídicas, em perfeita sintonia com o que já previa a Constituição de 1988.
Especificamente quanto à responsabilização da pessoa jurídica, prescreve o diploma em seu
artigo 3º:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente
confirme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão
de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou
benefício de sua entidade.

Nota-se que o legislador infraconstitucional impôs dois requisitos à responsabilização


criminal da pessoa jurídica, que só se opera se ambos estiverem presentes no caso concreto; é dizer,
a ausência de qualquer um deles obstaria a imputação penal ao ente coletivo7 ). São os requisitos: (i)
que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão
colegiado e (ii) que o crime seja cometido no interesse ou benefício da pessoa jurídica.
Quanto ao primeiro requisito, é de se observar que o legislador adere a Teoria da Realidade
de Gierke, ao identificar na vontade de seus dirigentes a vontade do próprio ente coletivo. Há
coerência: se os dirigentes, por força do Contrato Social, detém poder para representar a pessoa
jurídica em uma série de atos lícitos – contratações, pagamentos, celebração de contratos, etc., –
poderiam também determinar a sua má condução, fazendo com que a pessoa jurídica eventualmente
pudesse incidir nas condutas tipificadas na Lei 9.605/988. Importante anotar que o requisito visa
também evitar a responsabilização da pessoa jurídica em situações que a pessoa física atua em nome
próprio, mesmo que a serviço desta, mas sem poderes de representação sobre a pessoa jurídica, caso
em que o agente natural responderá sozinho pelo delito ambiental que vier a cometer9:
Por sua vez, o segundo requisito – que o crime seja cometido no interesse ou benefício da
pessoa jurídica – merece maior atenção. Uma primeira leitura pode levar à precipitada conclusão de
que o interesse ou benefício do ente moral é o resultado necessário à configuração do delito, ou seja,
que só haveria crime se que a lesão perpetrada gerasse a satisfação de um interesse ou a fruição de
um benefício, em geral econômico, para a pessoa jurídica. Essa é, por exemplo, a leitura de
Guilherme José Ferreira da Silva:

“Quanto ao segundo requisito, também o objetivo é vincular a punição criminal das


empresas aos atos próprios do ente coletivo, exigindo-se algum ganho potencial para a

7
SILVA, Guilherme José Ferreira da. Incapacidade criminal da pessoa jurídica – Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
8
ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Op.cit..
9
SILVA, Guilherme José Ferreira da. Incapacidade criminal da pessoa jurídica. Op.cit..
7
corporação na realização da atividade que resulta na infração ambiental.”10

Contudo, tal entendimento encontra alguma resistência. Afinal, não são poucas as vezes em que o
resultado do delito não se reverte em qualquer benefício à pessoa jurídica – como, por exemplo, no
rompimento de uma barragem – e nem por isso não se encontra configurado crime ambiental por
ausência do requisito em exame. Como afirma Fernando Galvão Rocha:

“A responsabilização da pessoa jurídica independe da satisfação do interesse ou


obtenção do benefício. Sendo o crime (consumado ou tentado) perpetrado para
satisfazer o interesse ou obter benefício para a pessoa jurídica esta será
responsabilizada.” 11

Mais arrojada a visão de Rocha. O que lei exige, em verdade, é um dolo específico que
consiste na prática da conduta lesiva visando interesse ou benefício, sendo irrelevante à
configuração do delito se o dano em si mostrou-se ou não benéfico ou interessante para a pessoa
jurídica.
2.3 Críticas doutrinárias à Responsabilização Penal da Pessoa Jurídica

Apesar dos quase vinte anos de vigência da Lei de Crimes Ambientais, a responsabilização
penal da pessoa jurídica ainda encontra alguma resistência dentre os autores pátrios, em especial
quanto à harmonização do instituto com a dogmática tradicional do Direito Penal brasileiro,
marcadamente caracterizado pela culpabilidade e pela personalidade das penas.
Antes de apresentar e contraditar as críticas, há de ser memorada a lição de Fernando
Galvão Rocha ao comentar o desafio de se harmonizar a escolha do constituinte pela
responsabilização penal da pessoa jurídicas em crimes ambientais com conceitos tradicionais do
Direito Penal:

“Outro caminho não resta senão construir novo edifício dogmático para, paralelamente
ao que define os limites da responsabilidade individual, reprimir as atividades
desenvolvidas por pessoas jurídicas em prejuízo dos bens e interesses juridicamente
tutelados. A construção do sistema dogmático para a responsabilização da pessoa
jurídica é o desafio que se apresenta aos operadores do direito, e não se pode fugir dele”
12

Ponto este também sustentado pela ministra Rosa Weber em seu voto-relatório no Recurso

11
ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Op.cit., p. 74.
12
Ibidem, p. 80.
8
Extraordinário 548,181/PR, que será estudado à miúde a seguir:

“a finalidade da imposição de uma pena os entes coletivos não pode se guiar por
critérios embasados na comparação ou na pretensão de correlação das pessoas
jurídicas com as pessoas físicas, tornando-se indispensável, portanto, a elaboração de
novos – exclusivos ou conglobantes – conceitos de ação e de culpabilidade válidos
para as pessoas jurídicas.”13

Um dos críticos mais fortes ao instituto é Luiz Régis Prado, que aponta que a o ente moral
não pode ser responsabilizado na seara penal conquanto não possui sequer capacidade de ação ou
omissão. Também ausente à pessoa jurídica culpabilidade individualizada. Sendo que, a seu ver, as
sanções de natureza administrativas seriam suficientes para o objetivo de prevenção geral e
específica buscado pelo legislador brasileiro, aos moldes do modelo alemão. Quanto à
culpabilidade, assim assinala Prado:

“A culpabilidade penal como juízo de censura pessoal pela realização do injusto


típico só pode ser endereçada a um indivíduo (culpabilidade da vontade). Como juízo
ético-jurídico de reprovação, ou mesmo de motivação normal, somente pode ter como
objeto a conduta humana livre” 14

Há de se considerar que o princípio da culpabilidade, nos moldes da dogmática tradicional,


não se comunica com a pessoa jurídica 15 , razão pela qual, em boa verdade, é inadequada a
afirmação de que a responsabilização penal da pessoa jurídica viola o princípio da culpabilidade.
Afinal, ainda que a culpabilidade penal decorra inexoravelmente de um juízo de reprovação acerca
de uma conduta humana, o artigo 3º da Lei 9.605/98 constrói o instituto jurídico sobre o qual deve
ser aplicado o juízo de reprovação social acerca da conduta. Do diploma, que adota a teoria de
Gierke, se extraí como a vontade da pessoa jurídica a ação que seja cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado16. da mesma forma que a pessoa
jurídica exterioriza sua vontade quando seus dirigentes decidem por celebrar um contrato, adquirir
uma empresa concorrente, ou qualquer outro ato empresarial. Assim, para se aplicar o princípio
da culpabilidade em casos de responsabilização penal de pessoa jurídica em crimes ambientais, há
de ser aplicado o juízo de reprovação social acerca da conduta que a ela foi atribuída, entendida esta
como substrato da vontade dos seus dirigentes.
A presente argumentação se estende também à crítica feita à incapacidade de ação da

13
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido no Recurso Extraordinário 548.181/PR.
14
PRADO, Luiz Régis. Direito penal do ambiente. Op.cit., p. 136
15
ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Op.cit., p. 26
16
Trecho do artigo 3º da Lei 9.605/98.
9
pessoa que é muito bem reconhecida para diversos atos da vida civil, não havendo obste a
reconhecer a possibilidade de que uma pessoa jurídica – sob a direção de agente mal
intencionados – empreender sua força de produção em desalinho às normas legais, podendo
incorrer em crimes ambientais.
De mais a mais, sempre será mal sucedida a tentativa de enquadrar a responsabilização
da pessoa jurídica às molduras da teoria do delito tradicional bem como à dogmática penal
moderna, construída toda em vista da pessoa humana, constituindo-se um desafio constante a
aplicação e adaptação de tais institutos à responsabilização penal da pessoa jurídica positivada
na lei brasileira.

3. RESPONSABILIDADE PENAL ISOLADA DA PESSOA JURÍDICA E A


TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO

Ao regulamentar a responsabilidade penal da pessoa jurídicas na Lei de Crimes Ambientais,


o legislador brasileiro internalizou uma importante previsão já contida no Código Penal francês de
1994: trata-se da não-exclusão da responsabilização da pessoa física pelos mesmos fatos, como
consta no Parágrafo único do artigo 3º da Lei 9.605/9817, com destaque:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente


conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão
de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou
benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.

Considerando a redação do Parágrafo único, é dizer que, ainda que tenha por requisito a
conduta de representante legal ou de órgão colegiado, a responsabilização penal da pessoa jurídica
não isenta as pessoas físicas de responsabilização penal, na medida de sua culpabilidade, pelo
mesmo fato, sem que isso configure bis in idem18
A justificativa política para tal instituto é evidente: estender a força inibitória da pena às
pessoas físicas que atuam em nome da pessoa jurídica. Afinal, inócua seria a prevenção de infrações
ambientais por meio da responsabilização criminal da pessoa jurídica se esta acobertasse a punição
daqueles que, em concreto, decidem as condutas do ente moral. Em outros termos, a
responsabilização da pessoa jurídica não pode servir de véu a encobertar a responsabilidade

17
BRASIL. Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 de fev. 1998.
18
SILVA, Guilherme José Ferreira da. Incapacidade criminal da pessoa jurídica. Op.cit., p. 133.
10
daqueles que, em derradeira análise, decidem, de modo monocrático ou colegiado, posturas
ambientalmente abusivas adotadas pelas empresas.
O exemplo ilustra: o gerente local de uma indústria poderia se sentir compelido a não dar
manejo adequado aos resíduos de sua produção se estivesse ciente de que o dano patrimonial a ser
sofrido pela empresa em razão de eventual condenação criminal fosse menor do que a economia
gerada pela conduta delitiva de não propiciar destino adequado aos esses resíduos. Ou seja, se, em
termos econômicos, o crime compensasse. Sendo que, poderia até mesmo usar tal argumento para
convencer seus superiores a não investir na correção dessa postura. Inegável, porém, que a previsão
do art. 3º, Parágrafo único, desencoraja a postura negligente de tal gerente ao habilitá-lo a
responder criminalmente, ao lado da pessoa jurídica, por esses fatos. Ainda no mesmo exemplo, os
seus superiores também atuariam para evitar tal conduta delitiva em razão da posição de garantes
que o artigo 2º da Lei de Crimes Ambientais19 os confia.
Assim, a possibilidade de dupla imputação criminal – imputa-se a pessoa física e a
jurídica, sem nisso incorrer em bis in idem – amplia a força inibitória da pena. Em boa verdade, as
pessoas físicas passam a adotar posturas ambientalmente corretas visando evitar, principalmente,
serem pessoalmente imputadas por crimes ambientais, ainda que esses sejam cometidos a partir das
condutas das pessoas jurídicas que elas gerenciam. Quando se estuda a tutela penal do meio
ambiente na legislação brasileira, é forçoso reconhecer que as previsões do art. 2º e do art. 3º,
Parágrafo único, são as responsáveis por exponenciar o poder de prevenção geral negativa das penas
previstas na Lei de Crimes Ambientais.
A não exclusão da responsabilidade da pessoa física, prevista no Parágrafo único do artigo
3º, bem como os esforços de se equalizar a responsabilização das pessoa jurídicas às demais
previsões penais da Constituição, voltadas sempre ao indivíduo, levaram à consagração, na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, da Teoria da Dupla Imputação de autoria de Sérgio
Salomão Shecaira, que assim a resume:

“A responsabilidade da pessoa jurídica não excluí a das pessoas físicas autoras,


coautoras ou partícipes do mesmo fato, o que demonstra a adoção do sistema de dupla
imputação. Através desse mecanismo, a punição de um agente (individual ou
coletivo) não permite deixar de lado a persecução daquele que concorreu para a
realização do crime, seja coautor ou partícipe. Consagrou-se, pois, a teoria da
coautoria necessária entre agente individual e coletividade.”20

19
“Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes
cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão
técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem,
deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.”
20
SHECAIRA, Sergio Salomão, A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e nossa recente legislação. In: GOMES,
Luiz Flávio et al. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias e Direito Penal – São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1999.
11
Pelo prisma da Teoria da Dupla Imputação, a imputação simultânea da pessoa física seria
necessária na medida em que se reconhece à pessoa jurídica incapacidade de agir, bem de como ser
culpável, de modo que a sua culpabilidade seria extraída exatamente da conduta de indivíduo ou de
grupo de indivíduos que decidem pela pessoa jurídica, exprimindo sua vontade e locupletando assim
a capacidade de ação e a culpabilidade desta.
Segundo a Teoria da Dupla Imputação, o elemento subjetivo do delito – que não pode estar
ausente sob pena de configurar responsabilidade penal objetiva e violação ao princípio da
culpabilidade – reside na conduta da pessoa física do dirigente, que se comunica com a vontade da
própria pessoa jurídica. Como reparam Silva21 e depois Prado22 a Teoria da Dupla Imputação bebe
da responsabilização por ricochete consagrada no Direito francês.
A Teoria da Dupla Imputação foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, como se
extrai do REsp 610.144/RN, assim ementado, com detaque:

CRIMINAL. RESP. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA.


RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE.
PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL.
OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO
MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA.
ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA
PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL.
CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO
ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO.
IMPOSSIBILIDADE.ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E
PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA.DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA.
DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO.
I. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma
inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao
meio-ambiente.
III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais
advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas
lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.
IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade
de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem

21
“(...) o sistema de dupla imputação possui sua origem no Código Penal Francês e foi justificado pela comissão de
revisão daquela diploma legal como instrumento criado para evitar que a responsabilidade penal das pessoas
jurídicas possa encobrir as pessoas físicas responsáveis pelo delito, criando-se uma impunidade em relação ao ser
humano. ”
22
PRADO, Luiz Régis. Direito penal do ambiente. Op.cit.,
12
penalidades.
V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos
no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar
condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal
VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade
da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em
seu nome e proveito.
VII.A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de
uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.
VIII."De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente
pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu
órgão colegiado.".
IX. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de
prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e
desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.
X. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa
do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma
física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada
qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.
XI. Há legitimidade da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da relação
processual-penal.
XII.Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado foi denunciada isoladamente por
crime ambiental porque, em decorrência de lançamento de elementos residuais nos
mananciais dos Rios do Carmo e Mossoró, foram constatadas, em extensão
aproximada de 5 quilômetros, a salinização de suas águas, bem como a degradação
das respectivas faunas e floras aquáticas e silvestres.
XIII.A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma
pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.
XIV.A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade
da empresa.
XV.A ausência de identificação das pessoas físicas que, atuando em nome e
proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, inviabiliza o
recebimento da exordial acusatória.
XVI.Recurso desprovido.

(REsp 610.114/RN, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em


17/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 463)
13

Cabe aqui colacionar excerto do voto-relatório, de lavra do Min. Gilson Dipp, vencedor por
unanimidade:

“Nesse contexto, entendo que a denunciação da pessoa jurídica só poderá ser efetivada
depois de identificadas as pessoas físicas que, atuando em seu nome e proveito,
tenham participado do evento delituoso. A identificação da atuação das pessoas
físicas é importante como forma de se verificar se a decisão danosa ao meio-ambiente
partiu do centro de decisão da sociedade ou de ação isolada de um simples empregado,
para o qual a pessoa jurídica poderia responder por delito culposo (culpa in eligendo e
culpa in vigilando ), recebendo penalidades menos severas daquelas impostas a título de
dolo direito ou eventual, advindos da atuação do centro de decisão da empresa.”

Mesmo que muitas vezes não cite taxativamente Shecaira e sua Teoria da Dupla Imputação,
certo é que o STJ reiteradas vezes condicionou a responsabilização da pessoa jurídica à
responsabilização de pessoa física23. Posição esta que enfrenta resistência por parte da doutrina,
como veremos a seguir.
3.1 Críticas à Teoria da Dupla Imputação

Ainda que consagrada no STJ, a tese de Shecaira não encontra forte apoio dentre os autores
da doutrina pátria, estes, de modo bastante pertinente, destacam duas críticas à Teoria da Dupla
Imputação: a violação ao princípio da legalidade e a consequente frustração da própria finalidade da
previsão constitucional. Ambas as críticas foram acolhidas pela ministra Rosa Weber em seu voto-
relatório prolatado no julgamento do Recurso Extraordinário 548.181/PR, que marcou a superação
da Teoria da Dupla Imputação, como se verá no próximo item.
A primeira crítica diz respeito à inexistência suporte legal – constitucional ou
infraconstitucional – à imprescindibilidade de perquirição simultânea de pessoa física e jurídica por
crime ambiental. As previsões do artigo 225, § 3º, da CF/88, bem com dos artigos 2º e 3º da Lei de
Crimes Ambientais não condicionam a incriminação de pessoa jurídica à identificação e
incriminação de pessoa física, de modo que a interpretação celebrada pelo Superior Tribunal de
Justiça fere o princípio da legalidade, vez que cria embaraço extra legem à aplicação de norma
constitucional, como concluem Nicolao Dino Neto, Ney Bello Filho e Flávio Dino:

23
“Não é possível que haja a responsabilização penal de pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com
elemento subjetivo próprio” (RHC 24239); “A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver
intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.” (REsp 564960/SC);
“Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio
poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou
imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime,
atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana.” (RMS 16696/PR).
14

“Aqui a questão esbarra no princípio da legalidade. Nada há na legislação que


imponha a obrigatoriedade da denúncia da pessoa física conjuntamente com a jurídica,
e tampouco essa interpretação advém do o artigo 3º, parágrafo único, da Lei 9,605/98.”
24

A segunda crítica está no desdobramento da primeira: ao criar condição extra legem à


perquirição de pessoa jurídica, a Teoria da Dupla Imputação tem por efeito a própria impunidade
dos entes morais.
Se parte da motivação política de se positivar a responsabilização da pessoa jurídica em
crimes ambientais reside, exatamente, na dificuldade de se responsabilizar nos moldes tradicionais a
pessoa física que age sob as sombras das grandes corporações, é contraditório exigir do órgão
acusatório o ônus de identificar o agente físico por trás da má-conduta do ente moral. Nesse sentido
é a lição de Guilherme José Ferreira da Silva:

“Esse sistema coloca em dúvida um dos fundamentos da criação da


responsabilidade penal do ente coletivo, ou seja, a dificuldade de se responsabilizar
criminalmente a pessoa física que atua dentro de uma complexa organização como são
as corporações.“25

A escolha do legislador foi outra: optou este pela independência entre a responsabilidade da
pessoa física e a da pessoa jurídica quando poderia fazê-lo diferente. A condicionante extra legem
gera o efeito oposto do pretendido pelo legislador, na medida em que abre brecha para a impunidade
de agentes, sejam físicos ou jurídicos, por crimes contra o meio ambientes.
Interessante a conclusão que Nicolao Dino Neto, Ney Bello e Flávio Dino tecem acerca da
Teoria da Dupla Imputação: aduzem os autores que esta seria uma cláusula de natureza puramente
processual e não material, à medida que a ausência da identificação da pessoa física não configura
causa de exclusão de tipicidade, antijuridicidade ou culpabilidade quanto à responsabilização penal
da pessoa jurídica. É a lição:

“Será caso de exclusão de tipicidade? O fato de a empresa não ter sido denunciada
desconstitui o fato típico? Quer parecer que não é o caso, pois os elementos
constitutivos do tipo penal sobrevivem à rejeição da denúncia. Da mesma maneira, não
se trata sequer de cláusula extralegal de exclusão de antijuridicidade, tampouco de
cláusula de exclusão de culpabilidade. É o caso de mera limitação formal, de natureza

24
DINO NETO,Nicolao; BELLO FILHO, Ney; DINO, Flávio. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais.
Op.cit.,. p.56.
25
SILVA, Guilherme José Ferreira da. Incapacidade criminal da pessoa jurídica. Op.cit.,. p. 133.
15
processual.”26

A segunda crítica está no desdobramento da primeira: ao criar condição extra legem à


perquirição de pessoa jurídica, a Teoria da Dupla Imputação tem por efeito a própria impunidade
dos entes morais.
Se parte da motivação política de se positivar a responsabilização da pessoa jurídica em
crimes ambientais reside, exatamente, na dificuldade de se responsabilizar nos moldes tradicionais a
pessoa física que age sob as sombras das grandes corporações, é contraditório exigir do órgão
acusatório o ônus de identificar o agente físico por trás da má-conduta do ente moral. Nesse sentido
é a lição de Guilherme José Ferreira da Silva:

“Esse sistema coloca em dúvida um dos fundamentos da criação da


responsabilidade penal do ente coletivo, ou seja, a dificuldade de se responsabilizar
criminalmente a pessoa física que atua dentro de uma complexa organização como são
as corporações.27“

A escolha do legislador foi outra: optou este pela independência entre a responsabilidade da
pessoa física e a da pessoa jurídica quando poderia fazê-lo diferente. A condicionante extra legem
gera o efeito oposto do pretendido pelo legislador, na medida em que abre brecha para a impunidade
de agentes, sejam físicos ou jurídicos, por crimes contra o meio ambientes.
Interessante a conclusão que Nicolao Dino Neto, Ney Bello e Flávio Dino tecem acerca da
Teoria da Dupla Imputação: aduzem os autores que esta seria uma cláusula de natureza puramente
processual e não material, à medida que a ausência da identificação da pessoa física não configura
causa de exclusão de tipicidade, antijuridicidade ou culpabilidade quanto à responsabilização penal
da pessoa jurídica. É a lição:

“Será caso de exclusão de tipicidade? O fato de a empresa não ter sido denunciada
desconstitui o fato típico? Quer parecer que não é o caso, pois os elementos
constitutivos do tipo penal sobrevivem à rejeição da denúncia. Da mesma maneira, não
se trata sequer de cláusula extralegal de exclusão de antijuridicidade, tampouco de
cláusula de exclusão de culpabilidade. É o caso de mera limitação formal, de natureza
processual.”28

26
DINO NETO, Nicolao; BELLO FILHO, Ney; DINO, Flávio. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais
Op.cit.,. p.56.
27
SILVA, Guilherme José Ferreira da. Incapacidade criminal da pessoa jurídica. Op.cit.,. p. 133.
28
DINO NETO, Nicolao; BELLO FILHO, Ney; DINO, Flávio. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais.
Op.cit.,. p.56.
16
De todo modo, órgão acusatório não pode denunciar a reboque agente natural apenas com o
fim de locupletar a exigência “processual” de que a imputação da pessoa jurídica prescindiria de
imputação a pessoa física, ainda que esta seja a responsável legal ou que sustente posição diretiva. É
indispensável a demonstração do nexo causal e do elemento subjetivo (dolo ou culpa) por parte do
agente natural a quem se pretende imputar o crime, sob pena de estarmos diante de uma
responsabilização penal objetiva, o que não se coaduna com o sistema penal brasileiro.
Nesse sentido, o HC 217.229, julgado pelo STF em 2013, oportunidade em que se decidiu
pela inépcia da denúncia contra o paciente e contra outros acusados sobre os quais a exordial
acusatória igualmente não havia decentemente comprovado a contribuição para o resultado danoso,
prosseguindo a ação contra a pessoa jurídica e demais réus contra os quais a denúncia havia
atendido os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.

HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL (ARTIGO 54, § 3º, DA LEI 9.605/1998).


INÉPCIA DA DENÚNCIA. MERA CONDIÇÃO DE INTEGRANTE DO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. AUSÊNCIA
DE DESCRIÇÃO DO NEXO CAUSAL. AMPLA DEFESA PREJUDICADA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1.A hipótese em apreço cuida de denúncia que narra supostos delitos praticados por
intermédio de pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e
por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas
naturais.
2.A tal peculiaridade deve estar atento o órgão acusatório, pois embora existam
precedentes desta própria Corte Superior de Justiça admitindo a chamada denúncia
genérica nos delitos de autoria coletiva e nos crimes societários, não lhe é dado eximir-
se da responsabilidade de descrever, com um mínimo de concretude, como os
imputados teriam agido, ou de que forma teriam contribuído para a prática da conduta
narrada na peça acusatória.
3.No caso, olvidou-se o órgão acusatório de narrar qual conduta voluntária praticada
pelo paciente teria dado ensejo à poluição noticiada, limitando-se a apontar que seria
um dos autores do delito simplesmente por se tratar de conselheiro da sociedade
empresária em questão, circunstância que, de fato, impede o exercício de sua defesa
em juízo na amplitude que lhe é garantida pela Carta Magna.
4.Tendo em vista que os corréus ADELINO RAYMUNDO COLOMBO, ANTONIO
BRITTO FILHO, ADIMAR SCHIEVELBEIN, ROBERTO GIANNETTI DA
FONSECA e PAULA CAMILA DE PAULA se encontram na mesma situação
processual do paciente, os efeitos desta decisão devem lhe ser estendidos, nos termos
do artigo 580 do Código de Processo Penal.
17
5.Ordem concedida para declarar a inépcia da denúncia ofertada contra o paciente,
estendendo-se os efeitos desta decisão aos corréus ADELINO RAYMUNDO
COLOMBO, ANTONIO BRITTO FILHO, ADIMAR SCHIEVELBEIN, ROBERTO
GIANNETTI DA FONSECA e PAULA CAMILA DE PAULA.

(HC 217.229/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em


15/08/2013, DJe 23/08/2013).

Ainda assim, persistia a pergunta: seria juridicamente possível a responsabilização penal


isolada da pessoa jurídica em crimes ambientais?
Em um caso, por exemplo, em que demonstrado o nexo causal entre a atuação da pessoa
jurídica e o dano por meio de uma conduta-tipo, mas não se conseguisse apurar qual a pessoa/órgão
responsável pela vontade decisória delitiva (elemento subjetivo), dentro de uma complexa cadeia de
tomada de decisões? Nesse caso, seria possível a responsabilização penal isolada da pessoa jurídica?
A tese se equilibra entre duas balizas: de um lado, a imprescindibilidade criada pela Teoria
da Dupla Imputação de se identificar a pessoa natural que locupleta o elemento subjetivo reprovável
da pessoa jurídica; do outro, a vedação à responsabilidade penal objetiva, efeito de uma imputação
delitiva a dirigente/diretor sem se apontar sua culpabilidade – à exceção da posição de garante nos
moldes prevista no artigo 2º da Lei de Crimes Ambientais.
A possibilidade da pessoa jurídica figurar de maneira isolada em uma ação penal por crime
ambiental foi enfrentada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em 06/08/2016, no
julgamento do Recurso Extraordinário 548.181/PR, sob relatoria da ministra Rosa Weber.

4. Recurso Extraordinário 548.181 e a superação da Teoria da Dupla Imputação

O case em análise trata-se de uma denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal
do Paraná em desfavor da Petrobrás (Petróleo Brasileiro S/A), do seu então presidente Henri
Philippe Reichsul e de Luiz Eduardo Valente Moreira, à época superintendente da Refinaria
Presidentes Getúlio Vargas.
Narrou o MPF/PR em sua peça acusatória que a Petrobrás era detentora da Refinaria
Presidente Getúlio Vargas em Araucária/PR, empreendimento voltado ao refino de óleo cru cuja
gestão local cabia ao superintendente Luiz Eduardo Valente Moreira. A denúncia imputou aos réus
a conduta-tipo prevista no art. 54 da Lei de Crimes Ambientais 29 em razão do vazamento de
aproximadamente quatro milhões de litros de óleo cru, ocorrido em 16 de julho de 2000, vindo a
poluir os rios Barigui e Iguaçu e suas áreas ribeirinhas e gerar mortandade de parte da fauna e flora
29
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde
humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a
quatro anos, e multa.
18
da região30. Segundo o MPF/PR, os denunciados teriam sido omissos quanto aos procedimentos de
cautela inerentes ao empreendimento que ali exerciam. A denúncia foi recebida pela Justiça Federal
do Paraná em 03 de agosto de 2001. Em setembro de 2003, o denunciado Henri Philippe Reichsul
impetrou31 habeas corpus no STF (HC 83.554-6/PR) pleiteando o trancamento da ação penal contra
si. Julgado pela Segunda Turma em agosto de 2005, a ordem foi concedida sob o argumento de que
não restou demonstrado o nexo de causalidade entre qualquer conduta do ex presidente da estatal e
o dano ambiental observado. Decidiu a Segunda Turma que há de se identificar os limites da
responsabilização penal do presidente da pessoa jurídica frente a seus atos, não podendo ele ser
responsabilizado individualmente por todo e qualquer malfeito da atividade, nem compartilhar com
a pessoa jurídica na mesma extensão os riscos inerentes à atividade econômica. Asseverou o relator
à ocasião, ministro Gilmar Mendes:

“Mas a relação de causa e efeito entre a conduta do paciente e o vazamento do oleoduto


não estão nada claras (...)O problema aqui refere-se aos limites da responsabilização
penal dos dirigentes de pessoas jurídicas em relação aos atos praticados sob o manto da
pessoa jurídica. (...) A relação Petrobrás-oleoduto não pode ser equiparada com a
relação Presidente da Petrobrás-oleoduto” (...) Entre as inúmeras garantias do acusado,
remanesce a perspectiva de que não há crime sem conduta”.32

Por sua vez, a Petrobrás impetrou Mandado de Segurança junto ao Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF-4) pugnando pelo trancamento da ação penal, o qual denegou a ordem.
Por efeito, a petroleira recorreu junto ao Superior Tribunal de Justiça por meio de Recurso
Ordinário, provido, com a concessão de habeas corpus de ofício para o réu Luiz Eduardo Valente
Moreira. Trancadas as ações quanto aos ambos os agentes físicos – Henri e Luiz –, a Sexta Turma
do STJ determinou que fosse a ação penal trancada in totum, vez que, na linha jurisprudencial da
Corte, a ação penal não poderia prosseguir somente contra a pessoa jurídica, no caso, a Petrobrás33.
Trata-se do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 16.696/PR, assim ementado com
destaque:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO


PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA
PESSOA JURÍDICA.POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

30
REIS FREIDE, Roy. Novo Paradigma da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por Crime Ambiental – Rio de
Janeiro: Legis Augustus, 2016
31
Na verdade, por tratar-se de Habeas Corpus, o denunciado figurou como paciente, o impetrante foi o advogado da
Petrobrás, José Gerardo Grossi.
32
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido no Habeas Corpus no 83.554-6/PR
33
REIS FREIDE, Roy. Novo Paradigma da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por Crime Ambiental.
Op.cit.
19
INÉPCIA DA DENÚNCIA.OCORRÊNCIA.
1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão
constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação
simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no
exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-
crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana.
2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas,
o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor.
3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício.

(RMS 16.696/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA,


julgado em 09/02/2006, DJ 13/03/2006, p. 373)

Irresignado, o Ministério Público Federal do Paraná aviou Recurso Extraordinário (RE


548.181) alegando que o acórdão prolatado pelo STJ no RMS 16.696/PR negava vigência ao artigo
225, § 3º. Segundo o órgão ministerial, a necessidade de imputação simultânea da pessoa física
e pessoa jurídica não é dotada de previsão legal e acabava por mitigar a eficácia da
responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais tal qual está prevista no citado
dispositivo constitucional. O argumento do MPF é assim sintetizado pela ministra Rosa Weber,
então relatora na ocasião:

“O argumento é que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao condicionar a


persecução penal da pessoa jurídica à persecução simultânea da pessoa física a quem
imputados individualmente os fatos, implica negativa de vigência ao art. 225, § 3º, da
Constituição da República, que prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica por
crime ambiental sem aquele condicionamento. Na prática, sustenta gerar, o
entendimento recorrido, impacto na eficácia da responsabilização penal da pessoa
jurídica, uma vez que não raras vezes inviável determinar, no âmbito da empresa, a
pessoa física causadora do delito ambiental.”34

Em acórdão prolatado em 06 de agosto de 2008, a Primeira Turma do Supremo Tribunal


conheceu e deu provimento – em parte, por maioria – para cassar o acórdão prolatado pelo STJ no
RMS 16.696/PR.
Argumentou a relatora àquela oportunidade que a opção do legislador constituinte foi,
expressamente, no sentido de que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, de modo
que “os argumentos teóricos e as concepções abstratas do modelo dogmático da ciência pena

34
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido no Recurso Extraordinário 548.181/PR.
20
tradicional, embasados na ação do indivíduo (societas delinquere non potest), não convenceram o
legislador constitucional ordinário, e, desse modo, são insuficientes para que se afirme a
ilegitimidade da opção feita” 35 Aduziu a ministra que a Lei de Crimes Ambientais só veio a
conferir a possibilidade de materializar o texto constitucional, estipulando os pressupostos,
requisitos e as penas atribuíveis às pessoas jurídicas.
Por fim, em colheita à argumentação da parte recorrente, embasando seu voto pelo
provimento do recuso, a ministra aponta que:

“a distribuição de competências no interior das modernas organizações e aparatos


societários complexos impossibilita, em quantidade não desprezível dos casos, a
identificação e respectiva imputação das infrações penais a um sujeito concreto.”36

Exatamente em razão da impossibilidade de se determinar pela via da prova a autoria


decisória de ilícitos no campo empresarial, justifica-se à responsabilização penal da pessoa jurídica
ainda que sem se apontar o agente físico responsável pela má-condução. É que, não poucas vezes, o
processo decisório dentro de uma grande corporação é notoriamente intrincado: segmentados em
etapas sucessivas e complementares, tornando quase impossível o ônus probatório que juízo
criminal haveria de requerer do órgão acusatório ao condicionar o prosseguimento da ação penal à
imputação criminal também a agente físico. A Teoria da Dupla Imputação acaba por minar a
perquirição de crimes ambientais, na medida em que cria uma “condição processual” não prevista
na Constituição ou na legislação ordinária, é como entendeu a ministra relatora, que votou pelo
provimento do Recurso Extraordinário para que a ação penal continuasse apenas em desfavor da
Petrobrás S/A, ela acompanhada pelos colegas ministros Roberto Barroso e Dias Toffoli,
vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux.
O julgamento marca a superação da Teoria da Dupla Imputação e abre caminhos para uma
maior aceitação da responsabilização penal isolada da pessoa jurídica em crimes ambientais.

5. CONCLUSÃO

Diante da opção do legislador constituinte de estender às pessoas jurídicas a


responsabilização penal por crimes ambientais, criou-se a necessidade de viabilizar juridicamente
tal instituto, com o desafio de harmonizá-lo com os demais preceitos do sistema penal brasileiro,
caracterizado pela busca de uma responsabilização subjetiva, individual e calcada na culpabilidade
do agente.
Coube à Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), em seu artigo 3º, regulamentar a

35
Ibidem.
36
Ibidem.
21
responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais. O diploma, de inspiração
francesa, positivou a perquirição do ente moral por delitos decorrentes de decisões de seus
representantes, sem prejuízo da responsabilização individual deles. Aliado a isso, estabeleceu como
requisito que a conduta tem sido perpetrada em interesse da pessoa jurídica, ou seja, no exercício do
seu objeto social, sendo a lei omissa quanto sua aplicabilidade às pessoas jurídicas públicas.
Quanto à responsabilização penal da pessoa física, sempre possível e nunca excluída em
razão da persecução criminal contra a pessoa jurídica por quem o agente atua (artigo 3º, Parágrafo
único), a Lei de Crimes Ambientais trouxe importante inovação em seu artigo 2º ainda que criticada
por parte da doutrina, a exemplo de Luiz Régis Prado:

“Trata-se de uma norma genérica que prevê modalidade especial de delito omissivo
próprio, sem o correspondente tipo legal. Ademais, não se estabelece nenhum dever de
agir. É o dispositivo, simplesmente, inaplicável” 37

O citado artigo prevê de um dever de agir – ainda que nos moldes do que o Código Penal já
havia instituto análogo em seu artigo 13, § 2º – incumbido a determinados agentes na estrutura
organizacional de pessoa jurídica, que estão sujeitos às iras do diploma legal ambiental quando,
podendo e sabendo, não agiram para evitar a ocorrência do resultado danoso ambiental.
Outro ponto de destaque na Lei Crimes Ambientais é a afirmação da não exclusão da
responsabilização da pessoa física pelos mesmos fatos, impedindo que as pessoas físicas tentem se
elidir de responder penalmente por condutas que deu causa na condução de pessoa jurídica. Esse
dispositivo (art. 3º, Parágrafo único) embasa a Teoria da Dupla Imputação, acolhida pelo STJ na
última década.
Ainda que visasse ampliar a força de prevenção geral e específica da pena, a Teoria da
Dupla Imputação de Shecaira ou dupla imputação necessária acabou gerando o efeito oposto do
pretendido à medida que cria um obste jurídico-processual não previsto em lei – a
indispensabilidade da identificação do agente físico – de modo que quando este não era satisfeito,
a ação penal era trancada, ainda que preenchidas as condições para responsabilização penal da
pessoa jurídica previstas no art. 225, § 3º, da CF/88 e na Lei de Crimes Ambientais. Em boa
verdade, nas vezes em que não se identificavam os dirigentes por traz dos atos, acaba a pessoa
jurídica causadora do delito impune.
Frente à complexidade e a diluição de tarefas e responsabilidades que caracterizam a tomada
de decisões em grandes corporações – que em geral são aquelas que exercem atividades de alto
risco ambiental – é imperioso reconhecer a existência de situações em que não se possa identificar o
agente ou o colegiado responsável pela má-conduta perpetrada pela pessoa jurídica. Nesses casos,
ainda assim possível é a responsabilização criminal da pessoa jurídica por delito ambiental, ainda

37
PRADO, Luiz Régis. Direito penal do ambiente. Op.cit.,. p. 166
22
que única ré na ação penal. Entendimento este cristalizado no Recurso Extraordinário 548.181/PR.
Como se vê, o reconhecimento da possibilidade jurídica da responsabilização isolada da
pessoa jurídica por crimes ambientais não visa dar azo à impunidade dos agentes físicos que a
dirigem. Pelo contrário, a responsabilização isolada permite a continuidade de ação penal ambiental
e persecução daqueles que deram causa ao delito – ainda que pessoa jurídica – a fim de que sejam
punidos e os danos reparados. Assim, o novo entendimento é mais eficiente na materialização do
propósito constitucional de se promover um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Referência Bibliográfica

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial


da. União, Brasília, DF, 05 de out. 1988.
______. Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
12 de fev. 1998.
______. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido no Habeas Corpus 83.554-6/PR.
______. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido no Recurso Extraordinário 548.181/PR.
______. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido no Recurso Ordinário em Mandado de
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DINO NETO, Nicolao; BELLO FILHO, Ney; DINO, Flávio. Crimes e Infrações Administrativas
Ambientais – 3a ed. rev. e atual. – Belo Horizonte: Del Rey, 2011.
FRANCO, Affonso Arinos de Mello. Responsabilidade Criminal das Pessoas Jurídicas. Rio de
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PRADO, Luiz Régis. Direito penal do ambiente – 5a ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista
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Ambiental – Rio de Janeiro: Legis Augustus, 2016.
ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Belo
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SHECAIRA, Sergio Salomão, A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e nossa recente
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Provisórias e Direito Penal – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Revista dos
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SILVA, Guilherme José Ferreira da. Incapacidade criminal da pessoa jurídica – Belo Horizonte:
Del Rey, 2003.

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