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MEMORIA E IDENT ADE


SOCIAL

Michael Pollak

MichnelPollDk MSceu em Vte1IO,Austria, em ratarei aqui do problema da ligação


1948, e morreu em Paris em 1992. Rntlicadona entre memória e identidade social,
FrlUlfD, formou-se em socwlogio. e traba/hou
mais especificamente no âmbito das histó­
comopesquisador do Centre Natwnolde In R e­

chel'r:M Scientifique CNRS. Seu interesse aca­


-
rias de vida, ou daquilo que hoje, como
dêmico, voltodo de iniciopara as relações entre nova área de pesquisa, se chama de história
politica e ciências·sociais, tema de sua tese de oral.
dQl.ltorado orienkUlo por PiD,e Bourdieu e de­ Ultimamente tem aparecido certo nú­
fendida naÉcok Pratiq;edes HautesÉbuinem
1975, estendeu-se a diversos outros campos de mero de publicações que dizem respeito,
pes'1'isa, � c0nfÚ4ÚJm para uma reflexiio teó­ sob aspectos relativamente diferentes, ora
rica sobre o problema do iJentitfotle social em ao problema da memória - e refiro-me
sitlloções limiJes. Entre seus úúimos trabalhos apenas à abordagem histórica - ora ao
incluem-se um eshvfo sobre mulheres sobrevi­ problema da identidade.
ventes dos campos de concentração publicado
sob o título L'expérience concentrationnaire: es­ Para falar apenas da França, a úllima
Sjli sur le maintien de I'identité sociale (Paris, obra de Femand Braudel foi precisamente
FAitwns Melailié, 1990), e uma pesquisa sobre um livro sobre a identidade deste país.
a Aids (Les bomosexuels race au SIDA). Neste caso, é claro, predominava a preocu­
PollaJc esteve no Brasil entre outubro e de­ pação com os conceitos de identidade e de
zembro de 1987 como prof""''' visiJanJe do
COllStruçãO, na longa duração, de uma
CPDOC e do PPGAS do Musa. NacwnaL Na
oco.sWo concedeu uma entrevista sobre aAids a identidade nacional. No que diz respeito à
AlziraAlves deAbreu eA.5pásio. Camargopubli­ memória, penso sobretudo no livro d e
cado em Qência Hoje, voL7, nR41 (abr.1988). Pierre Nora, Les lieux de la mémoire, que
Proferiu também, no CPDOC, a conferêncio. é uma tentativa de encontrar uma metodo­
aqui transcriúJ, que vem se somar a seu artigo logia para apreender, nos vestígios da me­
MMemóriLl, esquecimenlO, silêncio", publicado
em Estud"" Hist6ricoo 3 (1989). Presat mos mória, aquilo que pode relacioná-los, prin­
uma homenagempósluma a estegrande cipalmente, mas não exclusivamente, co m
te das ciêncins .sociais na Fran.ça. a memória política. Finalmente, no caso

Nota: Esta conferêDcia foi transcrita t tnduztda por Monique Augras. A edição i de Dora Rocha.

EsJudOJlIistóricos, Rio de Janeiro., vai. S. o. lO, 1992, p. 200-212.


MEMÓRIA EIDENTIDADESQClAL 201

das diversas pesquisas de história oral, que vida, ou a certos fatos, algo de invariante.
utilizam entrevistas, sobretudo entrevistas É como se, numa história de vida indivi­
de história de vida, é óbvio que o que se dual - mas isso acontece igualmente em
recolhe são mem6rias individuais, ou, se memórias construídas coletivamente -
for o caso de entrevistas de grupo, memó­ houvesse elementos irredutíveis, em que o
rias mais coletivas, e o problema aí é saber trabalho de solidificação da memória foi
como interpretar esse material. tão importante que impossibilitou a ocor­
Se levannos em conta certo número de rência de mudanças. Em certo sentido, de­
conceitos usados freqüentemente na histó­ tenninado número de elementos tomam-se
ria da França - mas é claro que eu poderia realidade, passam a Caur parte da própria
me referir a qualquer outro país -, há algu­ essência da pessoa, muito embora outros
mas designações, atribuídas a detennina­ tantos acontecimentos e fatos possam se
dos períodos, que aludem diretamente a modificar em função dos interlocutores, ou
fatos de memória, muito maisdo que a em função do movimento da fala.
acontecimentos ou fatos históricos não tra­ Quais são, portanto, OS elementos cons­
balhados por memórias. Por exemplo, titutivos da memória, individual ou coleti­
quando se fala nos "anos sombrios", para va? Em primeiro lugar, são os aconteci­
designar a época de Vichy, ou quando se mentos vividos pessoaliLLnte. Em segun­
fala nos "trinta gloriosos", que são os trinta do lugar, são 06 acontecimentos que eu
anos posteriores a 1945, essas expressões chamaria de "vividos por tabela", ou seja,
remetem mais a noções de memória, ou acontecimentos vividos pelo grupo ou pela
seja, a percepções da realidade, do que à coletividade à qual a pessoa se sente per­
Cactualidade positivista subjacente a tais tencer. São acontecimentos dos quais a
percepções. pessoa nem sempre participou mas que, no
A priori, a memória parece ser um fe­ imaginário, tomaram tamanho relevo que,
nômeno individual, algo relativamente ín­ no fim das contas, é quase impossível que
timo, próprio da pessoa. Mas Maurice ela consiga saber se participou ou não. Se
Halbwacbs, nos anos 2(}'30,já havia subli­ formos mais lohge, a esses acontecimentos
nhado que a memória deve ser entendida vividos por tabela vêm se juntar todos os
também, ou sobretudo, como um fenôme- eventos que não se situam dentro do espa­
00 coletivo e social, ou seja, como um ço-tempo de uma pesso a ou de um grupo.
fenômeno construído coletivamente e sub­ É perfeitamente possível que, por meio da
metido a flutuações, transformações, mu­ socialização política, ou da socialização
danças constantes. histórica, ocorrn um fenômeno de projeção
Se destaca)11OS essa característica flu­ ou de identificação com detenninado pas­
tuante, mutável, da memória, tanto indivi­ sado, tão forte que podemos falar numa
duai quanto coletiva, devemos lembrar memória quase que herdada. De fato - e eu
também que na maioria das memórias gostaria de remeter aí ao livro de Philippe
existem marcos ou pontos relativamente Joutard sobre os camisards -, podem
invariantes, imutáveis. Todos os que já re­ existir aContecimentos regionais que trau­
alizaram entrevistas de história de vida matizaram tanto, marcaram tanto uma re­
percebem que no decorrer de uma entrevis­ gião ou um grupo, que sua memória pode
ta muito longa, em que a ordem cronológi­ ser transmitida ao longo dos séculos com
ca não está sendo necessariamente obede­ allíssimo grau de identificação.
cida, em que os entrevistados voltam vá­ Além desses acontecimentos, a memó­
rias vezes aos mesmos acontecimentos, há ria é constituída por pessoas, persolJQgens.
nessas voltas a detcnninados períodos da Aqui também podemos aplicar o mesmo
202 ESlUOOS mSTÓRlCOS -1991110

esquema, falar de personagern realmente quais a lembrança argelina foi mantida de


encontradas 1\0 decorrer da vida, de perso­ tal maneira que o lugar se tomou formador
nagens freqüentadas por tabela, indireta­ da memória.
mente, mas que, por assim dizer, se trans­ Esses três critérios, amolecimentos,
formaram quase que em conbecidas, e ain­ personagern e lugares, conhecidos direta
da de personagern que nâo pertenceram ou indiretamente, podem obviamente dizer
necessariamente ao espaço-tempo da pes­ respeito a acontecimentos, personagens e
soa. Por exemplo, 1\0 caso da França, não lugares reais, empiricamente fundados em
é preciso ter vivido na época do general De fatos concretos. Mas pode se tratar também
Gaulle para senti-lo como um contempo­ da projeção de outros eventos. É o caso, na
râneo. França, da confusão entre fatos ligados a
Além dos acontecimentos e das persa­ uma ou outra guerra. A Primeira Guerra
nagern, podemos finalmente arrolar os lu­ Mundial deixou marcas muito fortes em
gares. Existem lugares da memória, luga­ certas regiões, por causa do grande número
res particularmente ligados a uma lem­ de mortos. Ficou gravada a guerra que foi
brança, que pode ser uma lembrança pes­ mais devastadora, e freqüentemente os
soal, mas também pode não ter apoio no mortos da Segunda Guerra foram assimi­
tempo cronológico. Pode ser, por exemplo, lados aos da Primeira. Em certas regiões,
um lugar de férias na infância, que penna­ as duas viraram uma SÓ, quase que uma
ncceu muito forte na. memória da pessoa, grande guerra.
muito marcante, independentemente da O que ocorre nesses casos são portanto
data real em que a vivência se deu. Na trarnferências, projeções. Numa série de
memória mais pública, nos aspectos lnais entrevistas que fizemos sobre a guerra na
públicos da pessoa, pode haver lugares de Nonnandia, que foi invadida em 1940 pelas
apoio da memória, que são os lugares de tropas alemãs e foi a primeira a ser liberta­
comemoração. Os monumentos aos mor­ da, encontramos pessoa s que, n a época do
tos, por exemplo, podem servir de base a fato, deviam ter por volta de 15,16, 17 anos,
uma relembrança de um período que a e se lembravam dos soldados alemães com
pessoa viveu por ela mesma, ou de um capacetes pontudos (casqtlPS d pointe).
período vivido por tabela. Para a minha Ora, OS capacetes pontudos são tipicamente
geração na Europa este é o caso da Segun­ pntssianos, do tempo da Primeira Guerra
da Guerra Mundial. Mundial, e foram usados até 1916, 1917.
Locais muito longínquos, fora do espa­ Era portanto uma trarnferência caracteris­
ço-tempo da vida de uma pessoa, podem tica, a partir da memória dos pais, da ocu­
constituir lugar importante para a memória pação alemã da Alsácia e Lorena na Primei­
do grupo, e por corneguinte da própria ra Guerra, quando os soldados alemães
pessoa, seja por tabela, seja por pertenci­ eram apelidados de "capacetes pontudos",
menta a esse grupo. Aqui estou me referin­ para a Segunda Guerra. Uma trarnferência
do ao exemplo de certos europeus com por herança, por assim dizer.

origern nas colôlúas. A memória da Africa, Além dessas diversas projeções, que p0-
seja dos Camarões ou do Canga, pode dem ocorrer em relação 8 eventos, lugares
fazer parte da herança da fanulia com tania e personagern, há também o problema dos
fonça que se trarnforma praticamente em vestígios datados da memória, ou seja,
sentimento de pertencimento. Outro exem­ aquilo que fica gravado como data precisa
plo seria o da segunda geração dos pieds de um acontecimento. Em função da expe­
rwirs na França, que na verdade nem che­ riência de uma pessoa, de sua inscrição na
garam a nascer na Argélia, mas entre os vida pública, as datas da vida privada e da
MEMÓRIA EIDENlIDADESOCIAL 203

vida pública vão ser ora 3&similadas, ora bora haja datas oficiais relativas ao fim da
estritamente separadas, ora vão [altar no Primeira Guerra Mundial, dia 11 de no­
relato ou 0.1 biografia. Quando fizemos en­ vembro, e da Segunda Guerra, dia 8 de
trevistas com donas de casa da Nonnandia maio, na prática, quase que espontânea e
que pa&saram pela guerra, pela Ocupação, automaticamente, as populações só guar­
pela Libertação etc., as datas precisas que davam uma única data, o 11 de novembro.
pudemos identificar em seus relatos eram O 8 de maio era claramente identificado
as da vida Camiliar: nascimento dos filbos, como um Ceriado qualquer, como um do­
até mesmo datas muito precisas de nasci­ mingo, enquanto no 11 de novembro reali­
mento de todos os primos, todas as primas, zavam-se comemorações duplas, alusivas
todos os sobrinhos e sobriJlhas. Mas havia a ambas as guerras. As memórias indivi­
uma nítida imprecisão em relação às datas duais e a atuação das associações de ex­
públicas, ligadas à vida política. combatentes juntavam-se para atribuir à
No extremo oposto, só para marcar a Primeira Guerra u m peso maior para a
polaridade, se fizennos entrevistas com história da França do que a Segunda, atra­
personagens públicas, a vida Camiliar, a vés de uma memória mais traumática, li­
vida privada, vai quase que desaparecer do gada ao número de vítimas.
relato. Iremos nos deparar com a recons­ Outro Cator que atua nessa transferência
truçao política da biografia, e as datas pú­ do 8 de maio para o 11 de novembro é
blicas quase que se tomam datas privadas. simplesmente a real importãncia histórica
É claro que não podemos interpretar i&so das respectivas datas para detenninada re­
exclusivamente como uma espécie de 50- gião. Podemos ver que, por assim dizer, a
bre-construçao política da personagem. memória pode "ganhar" da Cionologia ofi­
Pode ocorrer de Cato que as coações da vida cial. Sabe-se que a França foi libertada por
pública, como por exemplo o tempo dispo­ etapas. Em conseqüência, a data da vivên­
nível, levem uma pe&sO a, a partir de um cia da Libertação e do fim da guerra não é
certo momento de sua vida, a reduzir-se a mesma para todos. O 8 de maio é uma
praticamente à personagem pública, à re­ data longúlqua, porque é muito posterior à
presentação dessa personagem. Não se de­ da Libertação de Paris. O grande momento
ve portanto considerar e&ses aspectos co­ de alegria popular não é 1945, não é O 8 de
mo indicadores de dissimulação ou Calsifi­ maio, e sim a segunda metade do ano de
cação do relato. O que importa é saber qual 1944. A rigor, pode-se dizer que, além da
é a ligação real disso com a construção da transferência entre datas oficiais, há tam­
personagem. bém o predomínio da memória sobre de­
Sobretudo em relação à datas públicas, temúnada cronologia política, ainda que
observam-se claros fenômenos de transCe­ esta última esteja mais fortemente investi­
rência queàs vezcssão até, por a&sim dizer, da pela retórica, até mesmo pela reconstru­
sancionados legalmente. No caso do fim ção historiográfica.
da guerra, analisamos as comemoraÇÕC5 na Depois desta curta introdução, que
França, isto é, usamos como indicadores mostra os diCerentes elementos da memó­
empíricos as práticas de comemoração, em ria, bem como os fenômenos de projeção
vez de nos apoiannos nas mem6rias indi­ e transCerência que podem ocorrer dentro
viduais. Observamos em que dias do ano e da organização da memória individual ou
de que maneira os habitantes de pequenas coletiva, já temos uma primeira caracteri­
aldeias comemoravam o fim da guerra. zação, aproximada, do fenômeno da me­
Ne&se caso também pudemos verificar, na mória.A memória éseletiva. Nem tudo fica
. maior parte das regiões francesas, que, em- gravado. Nem tudo fica registrado.
204 ESllJOOS I-llSTÓRlCOS-1992110

A memória é, em pa rte, herdada, não se própria representação, mas também para


refere apenas à vida física da pessoa. A ser percebida da maneira como quer ser
memória também sofre flutuações que são percebida pelos outros.
função do momento em que ela é articula­ Nessa construção da identidade - e aí
da, em que ela está sendo expressa. As recorro à titeratura da psicologia social, e,
preocupações do momento constituem um em parte, da psicanálise - há três elemen­
elemento de estruturação da memória. Isso tos essenciais. Há a unidade física, ou seja,
é verdade também em relação à memória o sentimento de ter fronteiras físicas, no
coletiva, ainda que esta seja bem mais caso do corpo da pessoa, ou fronteiras de
organizada. Todos sabem que até as datas pertencimento ao grupo, no caso de um
oficiais são fortemente estruturadas do coletivo; há a continuidade dentro do tem­
ponto de vista político. Quando se procura po, no sentido físico da palavra, mas tam­
enquadrar a memória nacional por meio de bém no sentido moral e psicológico; final­
datas oficialmente selecionadas para as mente, há o sentimento de coerência, ou
festas nacionais, há muitas vezes proble­ seja, de que os diferentes elementos que
mas de luta política. A memória organiza­ fonnam um indivíduo são efetivamente
díssima, que é a memória nacional, cons­ unificados. De
tal modo isso é importante
titui um objeto de disputa importante, e são que, se houver forte ruptura desse senti­
,comuns os conflitos para detenninar que mento de unidade ou de continuidade, po­
datas e que acontecimentos vão ser grava­ demos observar fenômenos patológicos.
dos na memória de um povo. Podemos portando dizer que a mem6ria é
Esse último elemento da memória - a um elemento constituinte do sentimento de
sua organização em função das preocupa­ identidade, tanto individual como coletiva,
ções pessoais e políticas do momento­ na medida em que ela é também um fator
mostra que a mem6ria é um fenômeno extremamente importante do sentimento de
construído. Quando falo em construção, continu idade e de coerencia de uma pessoa
em nível individual, quero dizer que os ou de um grupo em sua reconstrução de si.
modos de construção podem tanto ser Se assimilamos aqui a identidade social
conscientes como inconscientes. O que a à imagem de si, para si e para os outros, há

memória individual grava, recalca, exclui, um elemento dessas definições que neces-
relembra, é evidentemente o resultado de sariamente escapa ao indivíduo c, por ex­
um verdadeiro trabalho de org aniza ção. tensão, ao grupo, e este elemento, obvia­
Se podemos dizer que, em todos os mente, é o Outm. Ninguém pode construir
níveis, a memória é um fenômeno cons­ uma auto-imagem isenta de mudança, de
truído social e individualmente, quando se negociação, de transfonnação em função
trata da memória herdada, podemos tam­ dos outros. A construção da identidade é
bém dizer que há uma ligação fenomeno­ um fenômeno que se produz em referencia
lógica muito estreita entre a memória e o aos outros, em referência aos critérios de
sentimento de identidade. Aqui o senti­ aceitabilidade, de admissibilidade, de cre­
mento de identidade está sendo tomado no dibitidade, e que se faz por meio da nego­
seu sentido mais superficial, mas que DOS ciação direta com outros. Vale dizer que
basta no momento, que é o sentido da memória e identidade podem perfeitamen­
imagem de si, para si e pa. te sernegociadas, e não são fenômenos que
é, a imagem que uma pessoa adquire ao devam ser compreendidos como essências
longo da vida referente a ela própria, a de uma pessoa ou de um grupo.
imagem que ela constrói e apresenta aos Se é possível o confronto entre a memó­
outros e a si própria, para acreditar na sua ria individual e a' memória dos outros, isso
MEMÓRIA E IDErmDADE SOCIAL 205

mostra que a memória e a identidade são no mercado negro. Há uma multidão de


valores disputados em conllitos sociais e motivos, uma multidão de memórias e
intergrupais, e particulannente em confli­ lembranças que tomam difícil a valoriza­
tos que opõem grupos políticos diversos. ção em relação à sociedade em geral e que
Todo mundo sabe até que ponto a memória podem ser a origem de conflitos entre pes-
familiar pode ser fonte de confiitos entre soas que VlvenClaram o mesmo aconteca-
• • •

pessoas. Por exemplo, todos os que fize­ mento e que, a priori, por terem elelocntos
ram pesquisas de história oral sobre as constitutivos comuns em suas vidas, deve­
estruturas familiares nas classes populares, riam sentir-se como pertencentes ao mes­
como já fiz na Áustri;l, puderam verificar mo grupo de destino, à mesma memória.
o quanto um nascimento ilegítimo pode ser O caráter conllitivo se torna evidente na
um ponto importante quando se trata de memória de organizações constituídas, tais
resolver litígios ligados a heranças. Não se como as fa mílias políticas ou ideológicas.
trata apenas de herança no sentido mate­ Para ficar no caso francês, posso falar da
rial, mas também no sentido mOl1ll, ou seja, memória da Resistência. É sabido que a
do valor atribuído a detenninada filiação. Resistência francesa teve componentes
Sabemos que a memória, bem como o muito divelSiftcados: grupos comunistas,
sentimento de identidade nessa continui­ grupos gaullistas, grupos que haviam op­
dade herdada, constituem um ponto impor­ tado por uma resistência organizada dentro
tante na disputa pelos valores familiares, do país, e que aderiram mais ou menos
um ponto focal na vida das pessoas. rapidamente, ou mais ou menos lentamen­
Em nível mais organizado, vejamos o te, ao general De Gaulle. Por conseguinte,
que acontece em relação à memória de um nessa memória bá um certo número de
grupo. Tomemos como grupos não apenas objetivos, de conflitos, de litígios. Só para
partidos políticos ou sindicatos, mas tam­ saber quem detinha a verdadeira legitimi­
bém grupos um pouco mais i,úormais. Na dade de ter sido a vanguarda da Resistên­
França, tomarei o exemplo daqueles que, cia, bouve grandes disputas no jogo políti­
durante a Se&"nda Guerra Mundial, foram co francês depois de 1945 entre as duas
deportados. E totalmente trágico verificar famílias políticas e ideológicas que eram,
até que ponto a memória deles constitui um de um lado, o gauUismo, e do outro, o
cacife importante para serem reconbecidos comunismo. O objetivo era verem reco­
pelos outms, ou seja, serem valorizados nhecida a interpretação do passa do de cada
pelos outros, num momento, logo depois um e, logo, a sua memória específica. A
da guerra, em que nin/,'IIém elaboração desse tipo de memória implica
guém quer mais ouvir falar em sofrimento. um trabalho muito árduo, que toma tempo,
Além do problema da valorização em re­ e que consiste na valorização e hierarqui­
lação à sociedade em geral, na divelSidade zação das datas, das pelSOnagens e dos
das lembranças e das memórias revelam­ acontecimentos.
se também disputas e litígios entre os pro­ No instituto onde trabalho, o Institut
prios subgrupos de deportados. A deporta­ d'llistoire du Temps Présen� fIZemos pes­
ção foi vivenciada de modo diferente, con­ quisas sobre a lembrança da Resistência e
forme suas razões oficiais. Um motivo 00- pudemos verificar que, nos anos 50, a per­
mo a participaÇão na Resistência era mais centagem de resistentes que relatavam ter
fácil de valorizar depois da guerra do que, ouvido pessoalmente o apelo do general
por exemplo, ter sido preso numa blitz por De Gaulle, no 18 de junho de 1940, era
ser judeu. Ou ainda, ter sido deportado po r relativamente baixa. Mas se boje formos
condenação de delito penal, por ter atuado entrevistar antigos resistentes, teremos di-
206 FSruooS msroRlCOS-1992/10

ficuldades em encontrar um que não tenha também em outros países esse fenômeno é
escutado o apelo do 18de junho.Sobcertos bem conhecido de todos.
aspectos, a memória gauUista conseguiu Por conseguinte, o trabalho de enqua­
transformar-se em memória nacional, ou, dramento da memória pode ser analisado
pelo menos, deixou certo número de datas em termos de investimento. Eu poderia
extremamente valorizadas. dizer que, em certo sentido, uma história
Outro fato que constitui uma espécie de social da história seria a análise desse tra­
amostra de acerto entre as diversas farrullas balho de enquadramento da memória. Tal
da Resistência é o personagem de Jean análise pode ser feita em organizações po­
Moulin. Nos anos 50, Jean Moulin aparece líticas, sindicais, na Igreja, enfim, em tudo
como um dos líderes da Resistência que aquilo que leva os grupos a solidificarem
pouca gente conheceu pessoalmente. De­ o social.
pois do traslado do seu corpo para o Pant­ Além do trabalho de enquadramento da

héon, e do seu reconhecimento como líder memória, há também o trabaUIO da pr6-
inconteste da Resistência interna, ou seja, pria mem6ria em si. Ou seja: cada vez que
como aquele que foi enviado por Londres uma memória está relativamente constituí­
e realizou a obra de unificação dos diversos da, ela efetua um trabalho de manutenção,
grupos da Resistência, ele passou a ser de coerência, de unidade, de continuidade,
conhecido pessoalmente por todos. da organização. Por exemplo, a partir do
Está claro portanto que a memória es­ momento em que o Partido Comunista
pecificamente política pode ser motivo de amarrou bem a sua história e a sua memó­
disputa entre várias organizações. Para ca­ ria, essa mesma memória passou a traba­
racterizar essa memória constituída, eu lhar por si SÓ, a influir na organização, nas
gostaria de introduzir o conceito de traba­ gerações futuras de quadros; os investi­
lho de enquadramento da mem6ria. Vale mentos do passado, por assim dizer, rende­
dizer: há um trabalho que é parcialmente ram juros. Esse fenômeno torna-se bem
realizado pelos historiadores. Temos histo­ claro em momentos em que, em função da
riadores orgânicos, num sentido tomado percepção por outras organizações, é pre­
emprestado de Gramsci, que são os histo­ ciso realizar o trabalho de rearrumação da
riadores do Partido Comunista, os historia­ memória do próprio grupo. Isso é óbvio no
dores do movimento gauUista, os historia­ caso do Partido Comunista. Cada vez que
dores socialistas, os sindicalistas etc., cuja ocorre uma reorganização interna, a cada
tarefa é precisamente enquadrar a memó­ reorientação ideológica importante, rees­
ria. Em relação à herança do século XIX, crevera-se a história do partido e a história
que considera a história como sendo em geral. Tais momentos não ocorrem à toa,
esséncia uma história nacional, podemos são objeto de investimentos extremamente
perguntar se a função do historiador não custosos em termos políticos e em termos
terá consistido, até certo ponto, nesse tra­ de coerência, de unidade, e portanto de
balho de enquadramento visando à forma­ identidade da organização. Como sabe­
ção de uma história nacional. Este fenôme­ mos, é nesses momentos que ocorrem as
no é mais claramente acentuado em países cisões e a criação, sobre um fundo hetero­
cuja unificação nacional se deu tardiamen­ gêneo de memória, ou de fidelidade à me­
te, e onde a ciência histórica tinha uma mória antiga, de novos agrupamentos.
tarefa de unificação e manutenção da uni­ Espero que esta rápida descrição da pro­
dade. Estou me referindo a certa corrente blemática da constituição e da construção
da historiografia alemã do século XIX, social da memória em diversos níveis mos­
marca da pelo nome de Traitschke, mas tre que há um preço a ser pago, em termos
MEMÓRIA E IDENIlDADE SOClAL 207

de investimento e de risco, na hora da como a análise das comemorações, dos


mudança e da rearrumação da memória, e lugares, mas também a análise dos discur­
evidencie também a ligação desta com sos, de textos, de entrevistas e de histórias
aquilo que a sociologia chama de identida­ individuais. É com esta questão que con­
des coletivas. Por identidades coletivas, cluo minha exposição.
estou aludindo a todos os investimentos
que u m grupo deve fazer ao longo do tem­
po, todo o trabalho necessário para dar a
cada membro do grupo - quer se trate de lntervençóes no debate
falDl1ia ou de nação - o sentimento de
unidade, de continuidade e de coerência. - Sobre a cr(tica à história oral como
Gostaria de enfati12r que, quando a me­ método apoiado na memória, capaz de
mória e a identidade estão suficientemente produzir represen/açães e não reconstitui­
constituídas, suficientemente instituídas, ções do rea I:
suficientemente amarradas, os questiona­
mentos vindos de grupos externos à orga­ Se a memória é socialmente construída,
nização, os problemas colocados pelos ou­ é óbvio que toda documentação também o
tros, não chegam a provocar a necessidade é. Para uúm não há diferença fundamental
de se proceder a rea rrumações, nem no entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da
nível da identidade coletiva, nem no nível fonte, tal como todo historiador aprende a
da identidade individual. Quando a memó­ fazer, deve, a meu ver, ser aplicada a fontes
ria e a identidade trabalham por si sós, isso de tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista,
corresponde àquilo que eu chamaria de a fonte oral é exatamente comparável à
conjunturas ou períodos calmos, em que fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser
diuúnui a preocupação com a memória e a tomada tal e qual ela se apresenta.
identidade. Se compararmos, por exemplo, O trabalho do historiador faz-se sempre
países de antiga tradição nacional, países a partir de alguma fonte. É evidente que a
que são Estados nacionais há muitos sécu­ construção que fazemos do passado, inclu­
los, com Estados nacionais recentes, vere­ sive a construção mais positivista,é sempre
mos que a preocupação com a identidade tributária da intermediação do documento.
e a memória toma feições bem diferentes Na medida em que essa intermediação é
nos dois casos. Poderíamos tomar como i nescapável, todo o trabalho do historiador
objeto de análise a correlação, em períodos já se apóia numa primeira reconstrução.
de longa duração, entre a rearrumação das Penso que não podemos mais permanecer,
relações entre países em momentos de cri­ do ponto de vista epistemológico, presos a
se ou de guerra, e a crise da memória e do uma ingenuidade positivista primária. Nâo
sentimento de identidade coletiva que fre­ acredito que hoje em dia haja muita gente
qüentemente precede, acompanha ou su­ que defenda essa posição.
cede esses momentos. Agora, é óbvio que a coleta de repre­
Seguindo esta uúnha hipótese, podería­ sentações por meio da história oral, que é
mos propor aqui um ponto para discussâo: também história de vida, tornou-se clara­
por que será que atualmente assistimos a mente um instrumento privilegiado para
um interesse renovado, nas ciências huma­ abrir novos campos de pesquisa. Por
nas e na história, pelo problema da forte exemplo, hoje podemos ahordar o proble­
ligação entre memória e identidade? Esse ma da memória de modo muito diferente
interesse é patente em muitas publicações, de como se fazia dez anos atrás. Temos
que utili= métodos muito diferentes,tais novos instrumentos metodológicos, mas
208 ESlVOOS HISTÓRlCOS-1992110

sobretudo, temos novos campos. A rigor, rentemente lão opostos apresentam uma
sem assumir O ponto de vista do positivis­ continuidade. Vejo também uma relação
mo ingênuo, podemos considenu que a particularmente estreita entre a história e
própria história das representações seria a certos subcampos da sociologia.
história da reconstrução cronológica deste Algo que quero voltar a sublinhar é o
ou daquele período. O que se tem feito problema da subjetividade e das fontes.
recentemente, como por exemplo a histó­ Em primeiro lugar, até as mais subjetivas
ria da auto-apresentação das elites de um das fontes, tais como uma história de vida
país, e também a história da cultura popu­ individual, podem sofrer uma crítica, por
lar, ou da autopercepção popular, é, a meu cnmnoclIto de informações obtidas a par­
ver, uma história perfeitamente legítima. tir de fontes diferentes. Mas acredito que,
Por outro lado, .. multiplicação dos ob­ ao fazê-lo, e vou dar um exemplo, chega­
jetos que podem interessar à história, pro­ mos rapidamente a esgotar a capacidade de

duzida pela história oral, implica indireta­ trabalho dos pesquisadores. E preciso re-
mente aquilo que eu chamaria de uma sen­ conhecer isso honestamente.
sibilidade epistemológica específica, agu­ Na pesquisa sobre histórias de vida de
çada. Por isso mesmo acredito que a mulheres deportadas, de onde foi extraído •

história oral nos obriga a levar ainda mais o meu artigo crLe témoignage", a primeira
a sério a crítica das fontes. E na medida em história de vida que recolhemos, com du­
que, através da história oral, a crítica das ração de aproximadamente dez horas, foi
fontes toma-se imperiosa e aumenta a exi­ controlada sob todos os aspectos. Éramos
gência técnica e metodológica, acredito quatro pesquisadores para uma só história
que somos levados a perder, além da inge­ de vida, e começamos um controle muito
nuidade positivista, a ambição e as condi­ cerrado de todas as informações. Primeiro,
ções de possibilidade de uma história vista controlamos a data de nascimento da mu­
como ciência de síntese para todas as ou­ lher, mediante consulta ao registro civil.
tras ciências humanas e sociais. Há uma Depois, controlamos as escrituras do apar­
perspectiva que considera a história como tamC/lto de sua família em Viena, a data do
sendo a reconstrução, para um período de­ comhoio que a levou para o campo de
terminado, de todos os materiais que as extermínio, a data da operação que sofreu
outras ciências nos fornecem. Mas na me­ em Auschwitz. Achamos isso tudo. Para

dida em que os objetos da história se diver­ uma só entrevista, uma só história de vida,
sificam, se multiplicam, eu pessoalmente quatro pessoas trabalharam durante dois
vejo, nessa pluralização, uma grande difi­ anos. Fica evidente que se você fIZer um
culdade em manter a ambição da história projeto implicando uma centena de histó­
como ciência de síntese. Pemo que, pela rias de vida, até mesmo umas trinta, irá
força das coisas, a história virá a ser uma logo esgotar a possibilidade de trabalho da
disciplina particularizada - sem se tomar equipe. Se pretendermos controlar todos
parcial, pois é isso que se crítica hoje na OS dados, será muito difícil realizar isso na
história oral, a sua alegada parcialidade. prática.
Acho que é este o destino da história, tal­ Acho que o que devemos fazer é levan­
vez. Nisso vejo uma continuidade entre a tar meios de controlar as distorções ou a
história social quantificada e a história geslão da memória. Quanto menos uma
oral. Acredito que esses dois campos apa- história de vida for pré<onstruída, mais

•Em co-autoria com Nalhalic Hci.nich, publicado emÂclu tk la R«1serdte _ ScieJtCuSociaks, 62163:3-29,jui� 1986.
Ver liDda. de M .PoIlak. ali ""'sma revista, p.�!53. "La gestioo de l'iadicibJc".
MEMÓRIA E IDENTIDADE SOCIAL 209

isso funcionará. Numa história de vida outra mulher que não a en\revistada. Só
muito comprida, há certas coisas que são quando uma entrevistada nos contou o fato
completamente solidificadas. Na minha em relação a outra mulher que já Unhamos
experiência de trabalho, as coisas mais so­ entrevistado foi que pudemos tratar do as­
lidificadas, assim como as coisas mais flui­ sunto. Essa outra mulher tinha tido real­
das - ou seja, as que se transfonnam de mente uma criança no campo de extermf­
uma sessão de entrevista para outra - são nio, e pudemos retomar então a sua própria
as mais problemáticas. Paradoxalmente, experiência. O que ficou claro foi que es'"
são ao mesmo tempo indicadoras de "ver­ fato tinha sido solidamente registrado ca­
dade" e de "falsidade", no sentido positi­ mo acontecimento coletivo, mas não indi·
vista do tenoo. Aaedito que as partes mais vidual. Não podia aparecer como aconte­
construídas dizem respeito àquilo que é CinlelltO individual por ser trágico demais,
mais verdadeiro para uma pessoa, mas ao traumatizante demais. Mas aparecia em
mesmo tempo apontam para aquilo que é todas as entrevistas com muita força. Nas
mais falso, sobretudo quando a construção histórias de vida publicadas logo depois da
de detenoinada imagem não tem ligação, guerra, aparecia talvez por ser mais ime­
ou está em franca ruptura com o passado diatamente dizível do que depois de 1949.
real. O que mais nos deve interessar, numa No OISO de n ossas entrevistas, pudemos
entrevista, são as partes mais sólidas e as mostrar que o ato de relatar o evento pes­
menos sólidas. Eu diria que no mais sólido soal, atribuindo-o a outra pessoa, não aten­
e no menos sólido se encontra o que é mais dia a 'uma eventual vontade de falsear a
fácil de identi ficar como sendo verdadeiro, infonoação, mas era simplesmente uma
bem como aquilo que levanta problemas transposição necessária, que permitia
de interpretação. transmitir uma experiência extremamente
Vou dar um exemplo. Entre os fatos dolorosa. Por conseguinte, acredito que
mais traumativmtes dos campos de exter­ entre o ufalso" e o uverdadeiro", entre aqui·
múllo, havia alguns que apareceram nos lo que o relato tem de mais solidificado e
primeiros relatos publicados imediata­ de mais variável, podemos encontrar aqui­
mente depois da guerra. Ora, tais fatos lo que é mais importante para a pessoa.
desapareceram dos relatos publicados en­ Voltando ao primeiro assunto, acredito
tre 1949 e 1980, para só reaparecer agora, que a história ta 1 como a pesquisamos pode
em dois relatos publicados recentemente. ser extremamente rica como produtora de
Esses fatos dizem respeito ao nascimento novos temas, de novos objetos e de novas
de filhos de mulheres deportadas. Nos interpretações. A história está se transfor­
campos de exte nnínio, quando uma depor­ mando em histórias, histórias parciais e
tada estava grávida, a comunidade das mu­ plurais, até mesmo sob o aspecto da crono­
lheres a escondia para que Dão fosse morta. logia. A esse respeito, gostaria de contar
Como não poderia ter no trabalho o mesmo um caso. Numa palestra sobre história oral
rendimento das demais, a grávida seria no llITP, ministrada por um pesquisador
morta logo que fosse descoberta. Então alemão, este relatou uma pesquisa realiza·
havia esse problema agudo.da realidade da na Alemanha, na qual tinha verificado
biológica da mulher, da alegria do nasci­ que as datas importantes da história alemã,
mento, coincidindo totalmente, naquele da história oral do Zé Povinho, não eram
universo, com a irevitabWdade da morte, 1933, nem 1938-39, início da guerra, nem
.

tanto do recém-nascido como da mãe. 1945. Eram 1935 e 1948.


Esse tema apareceu nas histórias de vi­ A interpretação era que, nas histórias
da que recolhemos, mas sempre ligado a individuais do povo alemão, cortes políti-
210 ESWDOS IDSTÓRlCOS - 1992/10

cos tais como a tomada do poder pelo 3"­ - Sobre a tendência da hist6ria oral a
Reich haviam sido recalcados, ou então valorizar o subjetivo por oposil;ão ao ob­
não tinham sido vividos como tão marcan­ jetivo:
tes. Mas as duas datas lembradas eram
datas marcantes po rque correspondiam a Posso dizer que, de fato, há esse movi­
uma clara melhoria econômica. Para mui­ mento, bastante primário. Vi isso nas con­
tas famJIias alemãs, 1935 era a primeira ferências internacionais sobre história oral.
vez que se assistia à estabilização do em­ O historiador estava se restringindo aos
prego e da renda familiar, assim como arquivos, e, de repente, está se confrontan­
1948 era o ano da reforma monetária. Por­ do com a realidade concreta. Numa atitude
tanto, o acontecimento marcante não era a quase militante, quer dar a palavra àqueles
criação da República Federal Alemã em que jamais a tiveram, daí essa vontade de
1949, não era o fim da guerra em 1945, mas reabilitar o subjetivo frente ao objetivo.
era 1948, data da reforma monetária. De Cria-se assim uma oposição entre história
repente, de um dia para outro, o mercado oral e história social quantificada, enquan­
negro foi substituído por um mercado mais to eu, por mim, não vejo oposição, e sim
acessível, houve um começo de estabiliza­ continuidade potencial.
ção econômica, e isto se fixou na cronolo­ Acho que hoje a questão objetivo versus
gia vivenciada. Agora, como podemos dis­ subjetivo está um pouco ultrapassada. Em
tinguir uma clo/lOlogia "verdadeira" de certos artigos de Bertaux, e sobretudo de
uma Clonologia "falsa"? Acredito que a Régine Robin, a questão foi transportada
única coisa que se pode dizer é que existem para outro nível. O debate entre subjetivi­
cronologias plurais, em função do seu mo­ dade e objetividade transformou-se num
do de construção, no sentido do enquadra­ debate opondo a escrita literária à escrita
mento da memória, e também em função cientificista. Haveria de um lado o vazio, o
de uma vivência diferenciada das realida­ seco, o enfadonho, que seria o discurso
des. científico, ainda por cima reducionista e,
O mais engraçado dessa história foi que diz Régine Robin, fechado à pluralidade do
na discussão que se seguiu um historiador real, enquanto a história oral seria uma das
francês disse: "É um absurdo, é inadmissí­ possibilidades de reintroduzir nas ciências
vel, não se pode ignorar as realidades, não humanas, depois do período estruturalista,
se pode dizer que 1948 é mais importante uma escrita não apenas subjetiva, mas so­
que 1945'" Só que o historiador alemão bretudo literária. Régine Robin toma como
não tinha dito nada disso, disse apenas que paradigma daquilo que deveríamos fazer o
as cronologias flXadas são plurais e dife­ roma nce clássico do século XIX e do início
renciadas. Para o historiador francêS isso do século xx, portanto, o próprio romance
era inadmissível. Mas quando se passou a polifônico, do tipo Prous� Musil, James
falar da França, e do 8 de maio de 1945, e Joyce. Dizela que a pluralidade do ro mance
de 1944, cuja importância relativa depen­ é em realidade o critério do verdadeiro no
dia da vivência, Dt$SC caso ele não se co­ discurso sobre o social. Ou seja: o discurso
locou problema al,gum! Ele aí admitia mui­ científico, com o seu fechamento e sua
to bem essa polifonia das datas fixadas. tendência reducionista, é um discurso que
Esta é apenas uina historinha, mas que restringe a rea lidade, e por conseguinte não
mostra bem, a meu ver, que a única saída é verdadeiro, já que não leva em conta O
é admitir a pluralidade da história, das plurnl- aqui se trata mais do plural do que
realidades, e, logo, das cronologias histo­ do subjetivo, o subjetivo não é mais o pro­
ricamente admissíveis. blema para Régine Robin. A história de vida
MEMOilIA B IDENTIDADE SOCIAL 211

individual diretamente relatada, que a pri­ timação. Acho que é muito mais interes­
meira geração de bÍSloriadores coloca em sante estudar as condições de possibilidade
termos de oposição, é recusada por ela, dessas oposições do que levá-las a sério em
porque ela acha que a história individual si mesmas. A rigor, quaodo aparece esse
expressa , de fato, o pré-ainstruído socia� tipo de discussão, não se deve dar impor­
em vez da verdade, enquanto a construção tância, a não ser, é claro, que se queira
romanesca seria o modo privilegiado da utilizar um desses pólos numa tática desti­
escrita, capaz de restituir a verdade social nada a marcar fortemente uma posição.
em todas as suas alternativas e toda a sua •

pluralidade. - Sobre o inicio dJl utilização dJl história


É claro que quando confrontamos a pro­ oraL na pesquisa histórica:
dução atual sobre história de vida com Mu­
sil, Proust e James Joyce, o argumento é Um fato que acho importante é que, na
extremamente válido. Mas quando pega­ Europa, a primeira geração dos pesquisa­
mos tudo aquilo que foi escrito no campo dores que trabalharam com história oral,
roma nesco, como por exemplo OS livrlnbos como Bertaux na França e Rieder na Ale­
que se compram nas estações de trem ou de manha, entre outros, veio da sociologia
ônibus, compostos com a técnica romanes­ demográfica e da análise quantitativa da
ca de condensação de várias possibilidades mudança social. Foi portanto a impossibi­
em uma ou duas personagens que têm um lidade da explicação por meio da observa­
caso de amor que geralmente chega às raias ção de longas séries que levou a isso. Os
do inverossímil, verificamos que a falta de pontos de ruptura nas tendências de séries
domínio da técnica romanesca produz tanto relativamente homogêneas permaneciam
de não-verdadeiro, de não-plural, quanto o inexplicáveis, e foi esse o ponto de partida
faria a falta de domínio técnico no campo do interesse daquele pessoal em relação às
das ciências sociais. Digo portanto que se histórias de vida. Penso que a história de
nos proporcionamos os meios e as condi­ vida apareceu como um instrumento privi­
ções para construir cientificamente, com legiado para avaliar os momentos de mu­
todas as técnicas das quais dispomos hoje dança, os momentos de transformação.
em dia, temos condições de produzir um
discurso realmente sensível à pluralidade - Sobre a sensibilidade 110 trabaUao de
das realidades. Temos uma possibilidade, história oraL:
não de objetividade, mas de objetivação,
que leva em conta a pluralidade das reali­ Acho que este é um aspecto extrema­
dades e dos atos. Acredito que um discurso mente interessante, mas que não podere­
científico desse tipo é períeitamente possí­ mos resolver aqui. Seria importante obser­
vel, nem que seja como projeto. var a maneira de trabalhar dos historiado­
Não aceito portanto essa oposiçao, que res, quer eles trabalhem com escritos bio­
não é mais entre subjetivo e objetivo, mas gráficos ou com relatos, ou seja, seria
entre técnica romanesca - vista como res­ importante estudar não com o que eles
tituição verdadeira do social - e escrita trabalham, mas como eles trabalham.
cientítica -vista como reducionista. Aliás, Quando a gente conversa sobre a "co:li­
acredito que as oposições binárias, das nha" do trabalho com os colegas, é possí­
quais as discussões intelectuais fazem vel observar coisas mujto
grande uso - subjetiv% bjetivo, racio­ Um exemplo é a pa�sagem do d'lCl1l00ilto,
nal!uracional, científico/religioso -só ser­ que a gente pode pegar, pode sentir nó mão
vem para fins de acusação ou de autolegi- a qualidade do papel, para a ficha iOÍcmfil-
212 ES1UDOS IIISTÓRIros - 199>/1 0

mada, que dói na vista e que só nos pennite zar os dados com outras fontes, as próprias
apertar um botão. Há historiadores que são fontes são bastante duvidosas, só se dispõe
fãs dos arquivos, que sentem a necessidade de jornais, que são considerados fontes de
de segurar o papel velho, e que falam disso, terceira ou quarta categoria. Aíjunta-se um
do mesmo JJVVjo que eu posso falar, depois monte de obstáculos, de inconvenientes.
da entrevista, do cafeDoho servido por
aquela velha senhora que quase me cha­ - Sobre a suposta superioridade da fonte
mou de ftlho. . Acho que há uma sensibili­
.
escrita:
dade no trabalho científico, e cada vez que
ocorre uma mudança no trabalho, ela se
Na França tivemos exemplos disso, em
traduz quase que fisicamente na sensibili­
relação a assinaturas de manifestos. Quan­
dade das manipulações. Seria muito inte­
do o historiador. positivista, que acredita
ressante refazer uma história das ciências
naquilo que está escrito, nas assinaturas
questionando a importância dessa sensibi­
que constam no manifesto, ouvir as pes­
lidade no contato com os materiais sobre
soas que supostamente assinaram, ele vai
os quais a gente trabalha, em relação àquilo
levarum susto com o susto dessas pessoas.
que a gente pesquisa e sobre o que a gente
Isto porque, freqüentemente, as pessoas
escreve.
que organizam os abaixo-assinados não
têm tempo de telefonar para todo mundo,
- Sobre a Iimitaçãc da história oral ao
contam com a concordância de um cida­
tempo presente:
dão, colocam seu nome e depois esquecem
de avisá-lo. Este é um caso em que a fonte
A história oral pennite fazer uma histó­
escrita não possui validade superior à da
ria do tempo presente, e essa hisJ6ria é
fonte oral.
muito contestada. Há vários tipos de hos­
tilidades. Por exemplo, há uma oposição
entre fontes clássicas, legítimas, e fontes - Sobre o depoimento pré-construúfo, co­
que estão adquirindo nova legitimidade. mum entre os polltieos:
Na França há também a "dIgnidade" do
período. A história medieval, por exemplo, A esse respeito, posso falar a partir das
é o máximo, é o que existe de mais fino. É entrevistas que fiz com as deportadas. En­
claro que quando você está acostumado a tre elas, havia militantes deportadas por
trabalhar com a Idade Média, vai ser difícil razões políticas, por ações na Resistência,
se recic1ar em entrevistas I Mas há também mas havia também algumas que tinham
um problema de legitimidade, até mesmo sido deportadas quase que por acaso, por­
em relação à história contemporânea. A que tinham escondido uma mala, algo as­
história do período seguinte à Primeira sim, ou seja, por um ato não-político. l0-
Guerra Mundial é vista como bem menos go, haveria uma oposição entre o discurso
"digna" do que a história de períodos mais destas últimas e o das outras, um discurso
antigos. Por tradição, a corporação dos relativamente construído, de mulheres que
historiadores já não vê com muito bons depois da Libertação tiveram funções po­
olhos O campo da história do tempo pre­ líticas, foram deputadas à Assembléia Na­
sente, e a história oral, então, é o nee plus cional na França. Se quisermos fazer a
ultra da novidade. análise desses relatos, será necessário in­
O problema da história contemporânea troduzirmos outros elementos que não o
é que geralmente os arquivos ainda não conteúdo, elementos que dizem respeito ao
foram abertos, não há possibilidade de cru- estilo.
MEMÓIlIA E IDENllDADE SOClAL 213

o primeiro critério, ao meu ver, é reco­ se de profISsionais liberais, e não de mulhe­


nhecer que contar a própria vida nada tem res ligadas à vida política, à vida pl1blica.
de natural. Se você não estiver numa situa­ O estilo factual, por fim, conespondia a
ção social de justificação ou de cons1rução um grau educacional baixfssimo, a pouca
de você próprio, como é o caso de um experiência, tanto profissional como políti­
artista ou de um político, é estranho. Uma ca, e era portanto, podemos dizer, o estilo
pessoa a quem nunca ninguém perguntou das mulheres r
....tOS enquadradas, menos
quem ela é, de repente ser solicitada a es1ruturadas, situadas do lado inferior da
relatar como foi a sua vida, tem muita escala social. Para DÓS, o fael".l correspon­
dificuldade para entender esse súbito inte­ dia a um relato completa ...,nte desordena­
resse. H é difícil fare-Ia falar, quanto mais do. Ou seja: pulava do filho caçula para a
falar de si. Em nossa pesquisa, tivemos deportação, pulava do deputado comunista
assim interesse em analisar o estilo e o que ontem disse "ma besteira panl a notícia
emprego dos pronome.; pessoa is utilizados lida no jornal em 1930, e a gente não sabia
para falarde si própria. Thlvezseja interes­ mais onde estava, era uma mistura de te­
sante eu contar isso em detalhes. mas, não havia ordem aparente. Insisto que
Entre as falas de deportadas, encontra­ estou dando aqui urna caracterização extre­
mos três tipos de estilo: estilo ciOnológico, ma, pois todos OS relatos longos são cons­
estilo temático, e o que chamamos de estilo tituídos por uma mistura de estilos, embora
factual. 1bdo relato mistura esses três esti­
haja um predomínio em cada caso.
los, vejam bem. Mas descobrimos que o
A segunda coisa que observamos foi a
predomínio do estilo cronológico estava
importAncia do pronome pes.<oal que as
correlacionado com a característica de um
pessoas "sam para falar de si. Em (rancis,
grau mínimo de escolarização. Isto é, pen­
e em alemão, é poss ível falar de si em
sar em si próprio em termos de duração, de
termos de "eu", em teOJ1fiC' de Utu" ou uvo_
continuidade, e situar-se em termos de iní­
cê", em termos de "ele" ou "ela". Pode...se
cio e fim, não era simplesmente natural.
falar também de si 'IsaooO termos coletivos,
Percebemos também que o relato que se­
tais como "n6s, �'vocês", "eles", mas o mais
guia uma CJonologia era fortemente corre­
importante JV>.SSe asa é O on, O Use" impes­
lacionado com a presença de uma sociali­
soal ou U a gente". Para entender bem essa
zação política.
questão, tivemos o cuidado de voltar a Ben­
O segundo estilo, o temático - mas seria
veniste e sua análise dos pronomes pes­
necessário verificar isso em outras pesqui­
soais. Em nossos relatos, verifiCllmos que o
sas - é quando alguém se liga pouco na
cronologia, diz, por exemplo, que a infância "eu" era preponderante para falar de si. O
não teve importAncia, mas depois fala no " nós", por sua vez, não era assim tão usado
tempo de escola, não em termos de uma para falar dos grupos aos quais as mulheres
seqüência escolar, mas para lembrar que o pertenciam. Para o "nós", encontraDV)S
importante era a matemática. E depois es'a duas significações opostas. Tratava-se OU
pessoa vai falar sobre sua profissão, não em do predomínio, no relato da vida, do "DÓS"
termos de "fiz o "'eu doutoramento em tal familiar e doméstico - é o caso das pessMs
época, tornei-me cbefe de serviço em tal sem experiência profissional -, ou então do
época", mas sobre a medicina em geral, ou que eu c hamatia de "nós" fanúliar-político.
sobre o funciona".,nto do hospital etc. Esse Pois o disrnJSO político, incluindo a sua
caso correspondia a um grau elevadíssimo dimensão cívica, es� fortemente ligado à
de escolarização, a uma experiência profis­ retórica doméstica e familiar. Pelo menos,
sional de médica, de jurista, enfim, tratava- foi o que achamos.
214 ES1UDOS mSTÓRICOS - 1992/10

Em compensação, encontramos tam­ nosso texto e, de fato, observamos que os


bém duas significações para o uso de on, a relatos cronológicos, principalmente polí­
impotência e o distanciamento. No primei­ ticos, usavam obviamente "eu" e Hn6s",
ro caso, trata-re de um coletivo ao qual se logo, expressavam a segurança do eu e da
pertence, mas que não tem, ou perdeu, o identidade, com a experiência do domínio
donúnio da situação. A significação do da realidade. Em compensação, as pessoas
distanciamento só pode ser identificada em que estavam situadas embaixo na escala
el
função do contexto, e foi muito observada social usavam muito "eu", mas também a
entre profIssionais liberais. Por exemplo, gente", o que assinala a presença do desti­
as médicas e as advogadas tendiam forte­ no incontrolável. O plural era qllase sem­
mente, quando falavam do grupo de médi­ pre (Ia gente". O "nós" designava exclusi­
cas do campo de concentração, a usar on, vamente a fanu1ia doméstica no sentido
e não "nós" - os políticos, quando se refe­ estrito, isto é, as crianças etc.
rem ao seu grupo de Resistência, sempre Com essa análise do estilo e dos prono­
dizem "nós". mes pessoais colocados em relação com
No caso de "você", observamos tam­ situações e acontecimentos, a história de
bém esse sentido de distanciamento. Havia vida - esta é a minha hipótese - ganha um
o caso de uma deportada que dizia "Mas o indicador muito fIdedigno do grau de do­
que é que você está fazendo aqui ao meu mínio da realidade. O predomínio de de­
lado?", e em realidade era dela mesma que terminados pronomes pessoais no conjun­
estava falando. Oaro que era uma coisa to de um relato de vida seria uma medida,
patológica, e quando a despersonalização ou um indicador, do grau de segurança
vai longe demais, esse "você" patológico interna da pessoa.
pode degringolar no uso de "ela" em lugar Observamos, e isso é muito interessan­
de "eu". A perda excessiva do controle de te, que no momento da cbegada a um uni­
si pode mesmo desembocar na patologia. verso totalitário, ao campo de concentra­
Acontece a mesma coisa para o plural, ção, havia pessoas que saíam do comboio,
numa função de distanciamento e de impo­ perdiam a sua família durante a seleção,
tência. Por exemplo: "Nós estávamos todos não tinham mais ninguém, e caíam imedia­
amontoados no vagão, feito animais, nós tamente do "eu" para "a gente", Só fala­
estávamos todos na mesma situação, e de vam "a gente". Enquanto isso, as militantes
repente tem uns que enlouquecem, que não políticas, mesmo quando não tinbam nin­
agüentam mais, não podem deixar de gritar guém no trem, conservavam uma ligação
e chorar porque estão com fome", e então, imaginária comoulras pessoas, ou com um
de repente, o relato se refere a essas pessoas ideal que as podia manter afastadas daque­
como sendo "eles". Quando as pessoas per­ la realidade, e logo usavam o "nós" das
dem o controle da situação e se tornam seres deportadas. Era portanto algo extrema­
inumanos, entra a terceira pessoa, marcan­ mente forte.
do um maior distanciamento e dessolidari­ Ainda não publicamos isso, mas acho
zação em relação a uma sub-unidade do que, se trabalhamos com esses textos, é
mesmo grupo. preciso integrar a análise do estilo e a
Quando encontramos essas signifIca­ análise de certos indicadores como o uso
ções, que são aliás bem mais numerosas do dos pronomes pessoais. Há um monte de
que as de Benveniste, as aplicamos ao coisas que se pode extrair daí.

Na cbegada do comboio, bavi.a lima imediata seleção que separava 06 grupos e dirigia parte dos rea!:m-chegad06 paR
a dmaR de sú. oum para os barracões etc., a parnrde critérios jamais escla�cidos (N.d.T.).
MEMÓRIA E IDENTIDADE SOCIAL 215

- Sobre a iconografia conservadn por de­ pesquisamos o valor relativo da farda em


termilUldns grupos e sua inJerpretOfão dns determina das épocas. Será algo espontâ­
unagens:

neo? Integramos esses aspedos aos traba­


lhos sobre comemoração e sobre os lugares
Tenho a impressão de que há como que da memória. Mas no sentido da questâo
uma memória visual que é reconstruída. que me foi col()('J!da, talvez enrontremos
Mas em tennos de pesquisa, não temos algumas pistas na di reção da história social
nada a esse respeito. Só posso me referir da arte. O que seria interessante, seria o
aos trabalbos de Nora sobre a integração estudo das mudanças e da significação des­
dos lugares da memória e sobre os simbo­ sas imagens. É um assunto muito impor­
los e as imagens que se fonuam a partir dos tante. A única roisa nessa direção talvez
monumentos. Temos também trabalhos sejam os trabalhos de Choutanl, que en­
sobre comemorações, sobre a montagem controu, em cerimônias que se referem a
das comemorações e as mudanças que vão fatos históricos do século XX, no sul da
ocorrendo nelas. Estudamos, por exemplo, França, a presença de elementos ligados às
qual seria a razão pela qual, na França, em guerras de religião do século XVI, que
detenninadas ép()('J!s, os ex-combatentes parecem ter sido projetados no imaginário
usam pouco unifonne ao desfilar. Isto é, dessa montagem.

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