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I INTRODUGAO Chomsky é uma figura singular nfo apenas no pano- rama da lingiifstiea de nossos dias mas, talvez, em toda a histévia dessa disciplina. Sen primeizo livro, publicado em 1957, embora pequeno 6 relativamente despido de aspectos técnicos, revolteionou 0 estudo cientifico da linguagem. Hoje, contando Chomsky poneo mais de quarenta anos, ele fala com autoridade impar acerea de todos as asyectos da teoria da gramitica. Isso nfo quer dizer que os especialistas (nem mesmo a maioria deles) hajam acolhido a tearia da gramatica trans- formativa que Chomsky apresentou hé quinze anos passados, em san obra Syntactic Structures. Em verdade, os estudiosos nfo acolhoram as idgias de Chomsky. Existem hoje, espalha- dos pelo mundo, pelo menos tantas “escolas” de lingtiistica quantas existiam antes da “revolucio chomskyana”. Contudo, a linha “transformativa”, ou “chomskyana”, no € apenas uma entre varias outras escolas. Cerla ou errada, a teoria gramatical de Chomsky é inegavelmente a que mais influén cia exerce a que se destaca pelo seu dinamismo —e nio i estudioso atualizado que se possa dignar a ignorar as con. tribuigées tedricas trazidas pelo autor de Syntactic Structures Qualquer “escola” de lingiiistica, em realidade, tende a ser caracterizada, na atnalidace, em termos da relagio face a certas questdes especificas que mantém com a posigio ado- tada_por Chomsky. Sem embargo, nfo é a reputagéo que Chomsky granjeou entre os estudiosos de lingiifstiea que the confere um posto H entre os “‘mestres do pensamento moderno”. Afinal, a lingiis- tica tedrica ¢ uma disciplina esotérica, de que poucos ouvi- ram falar e que cra praticamente desconhecida até bem recenlemente. Se a matéria, hoje em dia, se vé reconhecida como um remo da ciéneia ~- que vale a pena estudar néo apenas pelos seus prdprios méritos como pelas contribuicées que pode dar para o estudo de outros temas — isso se deve, em grande parte, ao trabelha de Chomsky. Assevera-se que mais de mil professores e estudantes universitérios acom- panharama suas aulas (dadas na primavera de 1969, na Uni- yersidade de Oxford) acerea da filosofia da linguagem e espirito. Pouces haviam tide prévie contato com a Hingiiistica, mas todos, presumivelmente, estavam convencides — ou es- tavam preparados pata se convencer — de que valia a pena realizar um esforgo intelectual pata acompanhar os argu- mentos apresentados por Chomsky, muitas vezes bastante complicados. As aulas de Chomsky tiveram grande reper- cussao pela imprensa, que as divulgou por toda a nagio inglesa, Leltores que ainda no est4o familiarizadas com as tra- balhos de Chomsky podem perfeitamente, a esta altura, indagar das conexdes que subsistiriam entre uma érea de estudas tho especializada, como a gramitica transformativa, © outros campos de investigagio mais conhecides e de im- porténcia reconhecida — como a filosofia e a psicologia. Dessas conexdes trataremos, com algum pormenor, nos capitulos finais do presente livro. Nao obstante, é oportuno fazer um esboco da questio {4 neste momento. Sugere-se, com freqiiéncia, que o homem se distingue mais claramente dos outros animals nfo tanto pela faculdade de pensar ou pela inteligéneia (como se viria a supor 20 usar-se_o rdtulo zoolégico homo sapiens), como pela sua capacidade de valer-se da linguagem. Na realidade, os filé- solos e os psiedlogos debatem, ha tempo, a questéo de saber se 0 pensamento, no sentido préprio da palavra, poderia ser concebido fora do contexto de fala ou da eserita, Podendo ou nifo, é dbvio que a linguagem € de importincia vital em todos os aspectos da atividade humana, como & dbvio que, sem a linguagem, qualquer forma de comunicacio (excluidas, Bg talyez, algumas formas extremamente rudimentares) seria impossivel. Admitido que a lingnagem seja essencial para a vida humana como a conhecemos, é téo-somente natural indagar-sc que eontribuicto pode trazer 0 estud da linguagem para a compreensio da vida humana. Que & entretanto, Imguagem? A essa_pergunta poueas pessoas chegam a pensar em responder. Em certo sentido, sabemos tacos 0 que pretendemns significar ao dizer “lin- guagem”; e o uso da palavra na conversacio cotidiana depende de a interpretarmos todos, como interpretamos outras pala- vras por nds empregadas, de maneira idéntiea ou muito semelhante. H4, porém, uma diferenca entre esse tipo de conhecimento pratico e nao refletido acerca do que seia a Enguagem e a compreensio mais sistemitien ou mais pro- fonca que desejariamos chamer “cfentifica”. Tal como ve- remos nos capitulos seguintes, o objetivo da Lingiifstica ted- rien 6 0 de der resposta cientifien & indagacio “Que & a linguagem?” e. fazendo-o, proporeionar malerisl em que fildsofos e psicdlogos possam apoiar-se ao discutirem a sela- go que enlaga linguagem e pensamento. © sistema de gramética transformativa de Chomsky foi desenvalvido, coma verifiearemos, para propiciar precisa des- criggo matemética de alguns dos mais notéveis tragos da linguegem, De particular importincia a esse propésito & a capacidade que tém as erlangas de derivar regnlaridades estruturais de sua Kngua materna — as regras de gramatica dessa lingua — a partir da fala de seus pais e das pessoas que as rodeiam, fazendo uso dessas mesmas regularidades na construgio de expressbes orais nunca antes ouvidas. Sus- tentou Chomsky, em seus trabalhos mais recentes, que os prineipios gerais determinentes da forma das regres grama- tieais em Mnguas especificas, tais emo inglés, turco e chings, , em grau considerdvel, comuns a todas as linguas buwna- nas. Sustenton, a par disso, que os principios subjacentes 4. estrutara da lingua sip de tal modo especificos € tao alta- mente articulades que devem ser vistos como determinades Diologicamente, ou seja, como constitnindo parte do que denominamos “natureza humana” © como sende genetica- 3 mente transmitidos de pais a filhos. Se assim for ¢ se ocorrer também, como Chomsky assevera, que a gramftica trans- formativa seja a melhor teoria até agora elaborada para deserigio e explicagio sistematicas da estrutura da linguagem humana, torna-se claro que compreensio dessa gramética se faga essencial para todo fildsofo, psicdlogo ou biologista que desejo entender a capacidade de linguagem que © ho- mem tem. A importancia da obra de Chomsky, para campos do conbecimento diversos da linglijstiea decorre, portanto, ¢ principalmente, da reconhecida relevineia da linguagem em todas as drcas da atividade humana e da relacdo peculiar mente fntima que se diz existir entre a estrutura da lingnagem as propriedades ou capacidades inatas do espfrito. Nao & contudo, a linguagem 0 tnico tipo de “comportamento” eomplexo em que se empenham os seres humanos; @ existe pelo menos a possibilidade de que outras formas de ativi- dade tipicamente humana (inclusive, talvez, certos aspectos do que denominamos “eriagio artistica”) também se mos- trem suscetiveis de descticio segundo as linhas de sistemas matemiticos especialmente elaborados e andlogos ou até mesmo apoiados na gramética transformativa. Muitos estu- diosos que trabalham alualmente no campo das ciénoias sociais ¢ das humanidades acreditam que assim seia. Para eles, a formalizacio que Chomsky emprestou & teoria gra- matical serve de modelo e padrio. De que se deixou dito nos Gltimos pardégrafos decorre, ce maneira clara, que a influénoia de Chomsky vem sendo presentemente sentida em diferentes dreas do conhecimento. Até agora, entretanto, o setor mais profundamente afetado pela “revolugdo chomskyana” é 0 do estudo da lingnagem; e € de pesquisas atuais em torno da estratura gramatical do inglés e de outras Ingnas que Chomsky retira a maior parte de suas mais amplas concepgses filoséficas € psicolé- gicas. Tal a razdo por que, neste volume, daremos grande atengo aa substrata lingiifstico do pensamento de Chomsky. A atwal notoriedade @ popularidade de Chomsky nfo se deve apenas, nem principalmento. a seu trabalho no campo da lingiistica e A tepercussio desse trabalho sobre outros i“ ramos do conhecimento, Nos dltimos anos, ele se tornou conhecide come um dos mais insistentes e coerentes eriticos da politica norte-americana no Viena — um “berdi da Nova Esquerda”, que se arriscou & pristéo negando-se a pagar me- tade. de seus impostos e dando apoio ¢ estimulo a jovens que se recusavam a prestar servico militar no Vietna. Indubita- velmente, é a seus escritos de cardter polities e a sua atividade politica que Chomsky deve sua fama atual, espe- cialmente nos Estados Unidos da América. Pessoas em mime- ro relativamente pequeno tera lido os longos e académicos ensaios que ele publicon em Liberation, Ramparts e The New York Review of Books (agora tounides a outros traba- thos @ republicados sab o titulo American Power and the New Mandarins). Contudo, a muitos seré familiar o tema desses ensaios — sua condenaco do “imperialismo” norte- -amerieana e daqueles conselheires governamentais de gabi- nete que, arrogando-se ares de “especialistas” num campo em que nfo hd o que se possa chamar especializacio elen- tifica e onde consideragées de moralidade comum deveriam ter prevalecido, tormaram-se réus da culpa de iludir 0 povo norte-americano acerea do caréter da guerra no Vietnd, acerca do envelvimento em Cuba e de outras questdes. Embora este livro diga respeito principalmente ds con- eepebes de Chomsky em matéria de lingiifstica, deve, talvez, merecer referéncia enfatica a circunstancia de que sua teoria da linguazem ¢ sua filosofia politica nao estéo de modo algum desligadas uma da ontra, como poderia parecer & primeira vista. Como veremos no présimo capitulo, de ha muito Chomsky vera-s¢ apando pelo menos & mais extre- mada forma de psicologia behaviorista — 0 “bchaviorismo radical” asseverador de que toda erenca e todo eonhecimento humanos, bem come todos os “padrées” de pensamento e acko caracter‘sticos do kamem, podem ser explicados como “pabitos” incutidos por um proceso de “condicionamento”, sem diivida mais demorado e mais complexo em seus porme- nores, mas no qualitativamente diverse dos processos pelos quais. nos laboratérios de psicologia. os ratos “aprendem” conseguir comida comprimindo uma alavanea na gaiola em qua estio prescs. O ataque de Chomsky ao behaviorismo radical foi feito pela primeira vez em 1959, em longa e bem Pid

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