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SIMPOSIO ESTUDO DE CASO: SEU _ POTENCIAL NA EDUCAGAO Marli E. D. A. André Da PUC do Rio de Janeiro Ha muitos anos 0 estudo de caso vem sendo uti lizado como forma de investigagio em disciplinas como a Sociologia, a antropologia, a histéria, a psicologia, © direito, a medicina, o servigo social, cada uma delas procurando desenvolver procedimentos que tornem @ abordagem adequada a seus respectivos propésitos, © estudo de caso na educagdo, entretanto, é algo mui 10 mais recente, Seu principal marco ¢ provavelmente uma com feréncia internacional realizada em dezembro de 1975, ‘em Cambridge, Inglaterra sob 0 tema: Métodos de Estu: do de Caso em Pesquisa e Avaliago Educacional, on- de foram levantadas © debatidas vérias questées rela cionadas 20 uso dessa abordagem no campo da educa ¢80. © documento final do encontro (Adelman et. a, 1976) sintetiza as principais conclusdes do grupo de articipantes da conferéncia os quais ressaltaram a nnecessidade de “elucidar melhor os pressupostos epis temolégicos e teéricos do estudo de caso na pesquisa educacional” e de refletir sobre as questées metodo: légicas a ele associadas (Simons, 1980). A prépria conceituago de estudo de caso, suas caracteristicas distintivas e a forma de desenvolver tal tipo de trabalho so aspectos que parecem néo ter sido ainda suficientemente discutidos entre os educa dores, 0 que tem originado uma série de incompreen- ses @ mistificages sobre o seu potencial efetivo na mar aqui alguns desses aspectos. Cad. Pesq., (49): 5154, maio 1984 Estudo de Caso: Definigfo A primeira questo ao tratar do tema estudo de caso, relaciona-se 8 sua definigéo: O que é estudo de caso? A posicgo tomada na Conferéncia de Cambridge (Adelman et. al., 1976), foi que o estudo de caso é um termo amplo, incluindo “uma familia de métodos de pesquisa cuja decisio comum 6 0 enfoque numa instancia” (p. 2). Partindo dessa’ mesma definiego, Nisbett e Watt (1978) sugerem que o estudo de caso seja entendido como “uma investigagdo sistemitica de uma instancia especifica”” (p. 6). Essa instancia, segun- do eles, pode ser um evento, uma pessoa, um grupo, ‘uma escola, uma institui¢go, um programia, etc. Reconhecendo que o cardter amplo da defini¢do pode levar a interpretagdes indevidas, os participantes da Conferéncia de Cambridge procuraram antecipar, no documento final do encontro, algumas das poss/- veis atribuicdes equivocas a estratégia. Em primeiro lugar, dizem eles, 0 estudo de caso nfo pode ser igua- lado a0s estudos de observacdo participante, pois isso excluiria 0 estudo de caso histérico, no menos interes- sante e relevante que 0s trabalhos de observacio. Em segundo lugar, enfatizam eles, estudos de caso no podem ser tomados simplesmente como esquemas pré-experimentais de pesquisa. Embora eles sirvam rmuitas vezes para indicar variéveis que so manipu- ladas e. controladas posteriormente em estudos expe- rimentais, essa no é sua unica fungdo. O conhecimen 51 ‘to gerado através do estudo de caso tem um valor tni- 0, préprio e singular. Em terceiro lugar, 0 documento esclarece que estudo de caso ndo é 0 nome de um pa- 2 metodolégice padronizado, isto 6, nBo é um méto: do especiico de pesquisa, mas uma forma particular de_estudo: As técnicas de coleta de dados utilizadas 1no™estudo de caso se identificam com as técnicas do trabalho de campo da sociologia e antropologia. Porém, ‘a metodologia do estudo de caso é eclética, incluindo, Via de regra, observacdo, entrevistas, fotografias, grava: 9603, documénios, anotacdes de campo e negociagses com os participantes do estudo. Caracteristicas fundamentais Os estudos de caso pretender retratar 0 idiosin- critic @ 0 particular como legttimos em si mesmos. Tal tipo de investigacéo toma como base 0 desenvolvi mento de um conhecimento idiogréfico, isto é, que enfatiza a compreensio dos eventos particulares (casos). © “caso” & assim um “sistema delimitado", algo como uma instituigo, um curriculo, um grupo, uma pessoa, cada qual tratado.como uma entidade inica, singular. ‘Algumas das caracteristicas ou prinefpios gerais ‘que $50 frequentemente associadas 20 estudo de caso so os seguintes 1, Os estudos de caso buscam a descoberta. Mes- ‘mo que o investigador parta de alguns pressupostos que orientam a coleta inicial de dados, ele estaré constan- temente atento a elementos que podem emergir como importantes durante 0 estudo, aspectos no previstos, dimensbes no estabelecidas a priori. A compreensio do objeto se efetua a partir dos dados e em funcao deles. 2. Os estudos de caso enfatizam “a interpretardo em contexto”. € um pressuposto bésico desse tipo de estudo que uma apreensio mais completa do objeto 186 6 possivel se for levado em conta o contexto no qual ‘este se Insere. 3, Estudos de caso procuram representar os rentes ¢, as vezes, conflitantes pontos de vista presentes uma situagdo social. Neste tipo de estudoo pesquise- dor se prope a responder as multiplas e geralmente ‘conflitantes perspectivas envolvidas numa determinada situago. Ele o faz, principalmente, através da explici- tagGo dos princ’pias que orientam as suas representages e@ interpretagdes a através do relato das representacdes e interpretagdes dos informantes. 4, Os estudos de caso usam uma variedade de fon tes de nformacdo. Ao desenvolver o estudo de caso 0 pesquisador faz uso frequente da estratégia de trian- ‘ulagSo, recorrendo para isso a uma variedade de dados, coletedos em diferentes momentos, em situagdes varia- das e provenientes de diferentes informantes. Ele pode usar também a triangulagéo de métodos — checegem de um aspecto, questo ou problema, através do uso de diferentes métodos. E pode recorrer ainda a trian- gulag de investigadores — dois ou mais observadores focalizendo 0 mesmo objeto. Finalmente ele pode usar @ triangulagdo de teoria, isto é, analisar os dados & luz de diferentes pontos de vista tedricos. E ainda, 52 pode combinar os diferentes tipos de triangulaeo ‘no mesmo estudo. '5, Os estudos de caso revelam experiéncia viegria permitem generalizagées naturalisticas. pesquisador procura descrever a experiéncia que ele esté tendo no decorrer do estudo, de modo que, os leitores possam fazer suas “generalizagées naturalisticas”. Em lugar da pergunta "Esse caso 6 representativo do que?” 0 leitor val indagar “O que eu posso (ou néo posso) apl ‘car desse caso para a minha situagio?”. A generalizag3o naturalistica se desenvolve no ambito do individuo e em fungo de seu conhecimento experiencial. 6. Os estudos de caso procuram retratar_a realida de de forma completa e profunda. Esse tipo de estudo pretende revelar 2 multiplicidade de tes numa dada situacao, focalizando-s como um todo, mas sem deixar de enfatizar os detalhes, as circunstin- clas especificas que favorecem uma maior apreenséo desse todo. 7. 0s relatos de estudo de caso slo elaborados uma linguagem e numa forma mais acessivel do que 0s outros tipos de relatérios de pesquisa. A propria concepgo de estudo de caso implica que os dados podem ser apresentados numa veriedade de formas tais como colagens, dramatizagées, fotografias, apre- sentages orais, auditivas, visuals ou uma combinagSo delas. Os relatos escritos apresentam, geralmente, um estilo informal, narrativo, ilustrado por figuras de lin- quagem, citagdes, exemplos e descrigées. Em vista dessas vérias caracteristicas pode-se inda~ gar:.Em que o estudo de caso se dintingue de outros tipos de estudo? Acredito que sua caracter‘stica mais distintiva é énfase, na singularidade, no particuler. {sso Implica que o objeto de estudo soja exansinado— ‘como Gnico, uma represéntagio singular da realidade, realidade esta, multidimensional e historicamente si- tuada. esse modo, a questo sobre o “caso” ser ou ndo “tipico”, isto. €, empiricamente representativo de ume populagdo determinada tornase completamente ina- dequada, jé que cada “caso” 6 tratado como Unico, singular. Como se coloca entéo o problema da gene- ralizagéa. neste tipo de ivestigacéo? A generalizagéo aqui é tratada como um processo subjetivo e no como tum ato de inferéncia légica (ou estat(stica). O reconhe- cimento de semelhancas ou de aspectos tipicos ocorre ino dominio do individuo. E o que Stake (1978) chama de “generalizagéo naturalfstica”. Na_medide em que © sujeito (0 leitor) percebe 2 equivaléncia desté caso particular com outros casos ou situagées por ele viven- ciadas anteriormente, ele estabelece as bases da gene- ralizagSo naturalistica. Para isso, ele usa pi mente um tipo de conhecimento que Poanyi chama de conhecimento técito que sio aquelas sensagdes, intuiges, percepedes que no podem ser expressas ‘erh palavras. O_estudo de caso supde que o leitor vi usar esse conhecimento técito para fazer as génerallz ‘odes e para desenvolver novas idéias, novos significados, ‘novas compreenses. (0 estudo de caso valoriza 0 conhecimento expe- rencial e enfatiza © papel importante do leitor na gera- Cad. Pesq. (49) maio 1984 fo desse conhecimento. € 0 leitor que deve perguntar 2 si mesmo: O que existe neste estudo que eu posso aplicar & minha situagio? & a0 fazer as associagées & issociagBes, 0 leitor vai construindo 2s suat préprias interpretagSes, vai desenvolvendo 0 seu proceso de compreensio dat coisas, da realidade, do mundo. .£ essencial entdo_que 0 retrato, vivo e completo produ- ido pelo estudo de caso apresente todos os elementos, necessirios para que © leitor possa fazer af suas Inter- pretagSes, reiterando ou nfo, as fepresentagdes do. au- tor. 0 relato do easo deve deixar muito claro a distin- elo ome descri¢éo & taco, evidéncias prims vias s, afirmagées. gerais © depoimentos, ‘Alguns Dilemas da Prética do Estudo de Caso Na prépria concsituacdo de estudo de caso — exame aprofundado e sistemético de uma instancia — esté implicita a necessidade de um contato estreito prolongado do pesquisador com a situaréo ou objeto esquisado. Podemos entéo levantar a sequinte ques: tao: como é possivel dentro das condiodes de traba- tho do pesauisador brasileiro — que em geral desen- volve suas atividades de pesquisa em paralelo a uma série de outras atividades — administrativas, docentes, cculturais — realizar um tipo de estudo que requer per manéneia longa e concentrada no campo ¢ uma inten- $2 imersi0 nos dados? Como conciliar as exigéncias da prdtica da pesquisa com as demandas da atvidede profissional didria? Estamos cortamente diante de tum dilema. Deste dilema, entretanto, partilham mu 10s pesquisadores, até mesmo os de contextos cul turais bem desenvolvidos como a Gra Bretanha de que nos fala Robert Walker, num interessante artigo sobre a teoria, a ética e os procedimentos do estudo de cas0 em educario (Walker, 1980). Discutindo for- mas alternativas de resolver o' Impasse, Walker sugere que © pesquisador educacional desenvolva o trabalho rum perfodo condensado de tempo mas empreenda uma intensa negociago com os sujeitos do estudo & com os responsiveis pelo financiamento do estudo de modo a poder revelar as diferentes e talvez diver- gentes concepedes sobre 0 fendmeno estudado. A visio do autor é que 0 estudo de caso deve ser um retrato vivo da realidade educacional em suas milti- plas dimensées e complexidede prépria. O pesquisador tem assim uma certa obrigacdo de apresentar as inter- pretagGes diferentes que diferentes individuos ou grupos desenvolvem sobre uma mesma situacdo e deve fazé- lo de tal forma que possibilite uma variedade de inter- pretacdes da situagio. Outra exigéncia seria a explici- tagio dos _métodos e procedimentos utilizados pelo pesquisador, de todo que, se 0s préprios informantes uisessem continuar 0 estudo eles saberiam que ca ‘tho seguir. O processo de investigaeio deve envolver ainda, segundo Walker, ume constante negociagéo en- tre 0 pesquisador e os informantes sobre aquilo que & relatado. As negociacbes neste caso dizem respeito a acuidade @ relevéncia daquilo que 6 selecionado para apresentagSo assim como 0 conteddo das informacdes, isto €, 0 que pode ou néo pode e o que deve ou nio Estudo de caso: seu potencial na educapSo deve ser tornado pabli E evidente que um trabalho de campo condensa- do vai $6 agravar as criticas goralmente feitas a0 estu- do de caso, principalmente sobre a validade e fidedig- riidade dos ‘dados. Pode-se contudo responder a essas criticas, lembrando que, nesse tipo de pesquisa os conceitos de validade e fidedignidade no devem ser vistos do mesmo modo no paradigma cientifico-con- vencional. © conceito usual de fidedignidade envolve © confronto ou a relacdo entre os eventos @ a sua re presentaglo, de modo que diferentes pesquisadores ppossam chegar 3s mesmas representagées dos mesmos eventos. No estudo de caso esse problema se coloce de maneira bem diferente jd que © proposto é apresen- tar a informacéo de forme que dé margem 2 milti plas InterpretagGes. No se parte do pressuposto de ‘que 2s representagSes do pesquisador sejam a unica forma de apreender a realidade, mas assume-se que 05 leitores véo desenvolver as suas proprias represen- tages e que estas $50 tio significativas quanto as do pesquisador. O problema da validade se torna realmente grave se no 6 possfvel permanecer tempo longo no camp quando © pesquisaro teria oportunidade de_corrigir falsas InterpretagSes ou esclarecer interpretagdes duvi dosas. Judith Dawson (1982) discute especificamente @ questéo da validade na pesquisa qualitativa e sugere uma série de procedimentos para aumentar @ probabi- Tidade de que os dados relatados sejam vélidos. Entre ‘outras ela sugere que todo o trabalho de pesquisa desenvolvido por um grupo de pesauisadores. Além disso ela recomenda o emprego de diferentes métodos de investigagdo, de uma variedade de informantes © de uma diversidade de contextos e a subsequente trien- ‘gulago das informag6es obtidas. Sugere também a dafinico progressiva do foco principal do estudo e ou- tras estratégias cuja discussio exaustiva extrapolaria 0 mbito deste trabalho. licagBes do estudo de caso num p riodo concentrado de tempo no campo é que 0 pes quisador provavelmente utilizaré muito. mais a entrev ta do que 6 usual nos estudos de observacéo parti te. Porque o pesquisador se propde a retratar a si cio pesquisada em suas miltiplas dimensées, ele v. buscar nos informantes a variedade de significados ‘que eles atribuem a essa situagdo. Para realmente obter (0s dados necessérios ele teré sem divida que garantir aos informantes 0 sigilo das informagées e provavel mente 0 controle sobre 0 conteido e a publicaréo dos dados. Isso significa que se por um lado o sigilo garante a obtenggo dos dados que podem orientar mais precisamente a pesquisa e aumentar a validade das interpretagées, por outro lado a possibilidade de ‘controle das informagées pelos informantes pode fa: zer com que aspectos cruciais da situagio sejam parcial ou até mesmo integralmente eliminados do estudo. Evidentemente aqui esté uma questo ética bastante delicada e muito dificil de resolver. Para concluir eu gostaria de levantar a seguinte questo: Em que medida & 0 conhecimento gerado pe- lo estudo de caso diferente do conhecimento gerado por outros tipos de pesquisa? Jn 53

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