You are on page 1of 11

A comunicação na era da técnica:

da arte de narrar à prática de informar

Dayana de Melo1

“Meu lema é: a linguagem e a vida são uma só coisa”.


(Guimarães Rosa)

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as estruturas técnico-linguageiras produzidas


pelos sujeitos midiáticos no processo de formatação da comunicação. Entendemos que
os veículos de comunicação de massa foram os principais responsáveis pelo declínio da
arte da narrativa na sociedade moderna. Com isso, as ações técnicas e racionais da mídia
passaram a interferir nas ações cotidianas dos sujeitos. Associando elementos
teológicos, metafísicos e positivistas, a mídia criou uma nova esfera de vida onde as
viajantes vozes do imaginário cotidiano passaram a ser estandardizadas pelos estáticos
recursos técnicos e padronizadas pelos ritos de exaltação às tábulas rasas.

Palavras-chave: Comunicação. Narração. Informação. Nova escrita.

1. Considerações iniciais

De uma sociedade da narração passamos para uma sociedade da informação, e


caminhamos a passos tortos e contínuos rumo a uma existência cada vez mais
midiatizada, onde as experiências são descartáveis e as sensibilidades regidas pelo
dinheiro e pela técnica.
A modernidade alterou as dimensões temporais, entorpeceu a capacidade de
pensar e sufocou as reminiscências dos indivíduos. A sociedade contemporânea é a
sociedade da mais valia dos objetos. Vivemos, pois, em uma cultura das rupturas e
fomos educados a não lembrar.
De certo, um dos traços humanos mais violentados por essas novas estruturas foi
o intelecto. Nossas cognições foram sufocadas pela fria lógica da técnica. E o mais

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas – PPGC/UFPB.
Bacharel em Comunicação Social – habilitação em jornalismo/UFPB. Bolsista Capes e pesquisadora do
Grupo de Pesquisa sobre Cotidiano e o Jornalismo (Grupecj/PPGC).

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 1


intrigante nisso é que até mesmo os estudiosos ocupados em entender esse novo cenário
se renderam às explicações lógicas da técnica pela técnica. Isso foi evidente nas
primeiras pesquisas sobre o Campo da Comunicação e parece ter ressurgido em
diversos estudos atuais, principalmente os referentes a cibercultura e as novas
tecnologias.
É aterrorizante pensar que de um estágio de múmias pragmáticas corremos o
risco de adentrar num estágio de robôs pragmáticos. O que nos inquieta com essa
perspectiva é entender como seremos capazes de analisar a violência da modernidade e
dos veículos de comunicação no imaginário social, se nós, pesquisadores da área,
perdermos a nossa capacidade de imaginar. E dizemos isso não no sentido das
observações infundadas, e sim seguindo a pista das contemplações embasadas pela
sensibilidade.
O ensaísta George Simmel nos mostrou que objetividade e subjetividade não se
anulam, e que nós só seremos capazes de apreender a sociedade moderna observando os
seus processos de diferenciação e unificação, quase sempre presentes na mesma
estrutura.
Existe sim uma nova ambiência social, mas nunca conseguiremos estudar essa
ambiência sem uma base sociológica e antropológica capaz de fundamentar sua
existência. É imprescindível que nós não esqueçamos que a sociedade atual tem um
alicerce histórico e uma origem que não nos dá o direito de tentar apreendê-la de forma
omissa, como se essa nova ambiência tivesse surgido do nada. Não dizemos que um
percurso mais aprofundado nos trará respostas exatas, mas dizemos que certamente nos
trará questionamentos mais inquietantes. E essa é a nossa proposta.
Seguindo um percurso indicado por Simmel buscaremos identificar como se
estruturou a sociedade atual, veremos em Benjamim os males que essa nova estrutura
causou a um dos mais valiosos tesouros da humanidade: a imaginação. Mostraremos a
visão de Pereira ao assinalar uma nova escrita jornalística como método de interpretação
dos fatos sociais. E, por fim, ousaremos afirmar que esse novo método embasado pelo
movimento das palavras serviria para melhorar não só a escrita do jornalista, mas todo o
texto midiático, inclusive o dos pesquisadores ocupados em interpretar a sociedade da
midiatização.

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 2


2. Cotidiano, comunicação e a tragédia da cultura

A comunicação e a cultura pertencem ao cotidiano (PEREIRA, 2007). Estudar as


microestruturas da vida cotidiana é, destarte, perceber que existem signos subjetivos que
interferem nas ações do dia-a-dia, ou seja, apreender os processos cotidianos significa
penetrar nas “percepções” que os amarram - indo além do sentido kantiano2 dado a
expressão.
No seio de uma existência de repetições e rupturas articuladas por oxímoros que
regem a harmonia das sensibilidades opostas, não podemos delimitar a comunicação à
sinédoque discursivo-midiática e sua infame tentativa de midiatizar o que é mediação.
Destarte, observamos que junto à imprensa e os conseguintes veículos
midiáticos, surgiu um novo sistema econômico e ideológico, uma nova etapa de
experiências humanas que encenaram novas crenças e acenaram para um futuro regido
pela técnica.
De acordo com o sociólogo alemão George Simmel3, o progresso da técnica
levou a sociedade moderna para um estágio de crise cultural, o que dificultou o cultivo
dos indivíduos. Para este autor, a objetivação da vida diante das novas composições
técnicas da metrópole modificou a relação do homem com a sua subjetividade. Sendo
este contato entre objetividade e subjetividade a fonte essencial para a constituição do
que Simmel denomina por cultura:

O espantoso crescimento em extensão e intensidade da técnica


moderna, que não se restringe às esferas puramente materiais, prende-
nos em uma rede de meios e meios de meios que nos desvia dos fins
que julgamos específicos e definitivos, através de um número cada
vez maior de instâncias intermediárias (SIMMEL, 1992, p. 272).

2
Segundo Kant (1987), tempo e espaço são quadros a priori e fundamentais de sensibilidade, isto é, são
formas de percepção anteriores à experiência. Porém Simmel, mesmo herdeiro de muitos dos
fundamentos teóricos de Kant, vai além desse conceito de percepção a priori, problematizando o tempo e
a condição humana, e visualizando nas formas sociais e nas pulsações vitais um conflito capaz de
ultrapassar esses limites apriorísticos (FERREIRA, 2000).
3
George Simmel viveu de 1858 a 1918. Segundo Tedesco (2007, p. 57-58): “Simmel pensou e analisou
fenômenos estruturantes da modernidade como o dinheiro, a vida social, mental e cultural nas grandes
cidades, a mercantilização e a fetichização do corpo, do estético, da moda; problematizou a cultura
moderna por ser produtora de alienação do indivíduo e redução de seu potencial de individualidade; sua
sociologia é a da interação, da intersubjetividade, da relação sujeito e objeto, temas que são ainda
emblemáticos e problemáticos em vários campos das ciências sociais e humanas”.

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 3


O ponto fundamental dos estudos de Simmel não se finca unicamente no sujeito,
tão pouco a sociedade, mas na interação entre esses dois pólos e nas formas desse
contato. Influenciado pela filosofia neokantiana, Simmel desenvolveu a denominada
sociologia das formas sociais, com isso ele distinguiu a forma do conteúdo dos objetos
no estudo das ciências humanas.
Na Alemanha do final do século IXX e início do século XX, contexto em que
Simmel nasceu e no qual a obra dele se insere, surgiram as grandes indústrias, o
capitalismo, e a ansiedade de teóricos ocupados em entender as novas maneiras de vida
regidas pela nova economia. No entanto, as inquietações de Simmel foram além das
teorias deterministas do materialismo e do historicismo alemão. Em a Filosofia do
dinheiro, Simmel tratou da materialidade do dinheiro estudando sua subjetividade
através de uma linha de compreensão psicológica e cultural. O autor observou as
dialéticas da modernidade seguindo uma sensibilidade científica aguçada por uma
objetividade transcendental, lendo heterogeneidades em homogeneidades e escrevendo
sobre repetições nas diferenciações. Para Simmel (1984, p. 664): “As relações que o
homem tem com o seu ambiente em geral têm um desenvolvimento que
progressivamente o distancia de quem lhe está próximo e o aproxima de quem lhe está
mais distante”.
O autor alemão estudou os fenômenos simbólicos de um mundo repleto de
signos e valores subjetivos reorganizados e objetivados pela técnica. Simmel pensou a
alienação da modernidade através de seu caráter subjetivo, da fetichização na relação
entre o homem e o objeto e sua ligação com as experiências culturais dos indivíduos.
Em suas análises, observamos que na modernidade o objeto se apodera do indivíduo e
dificulta seu cultivo, instrumentalizando o homem e distanciando a cultura das pessoas
da cultura das coisas.
Para Simmel, as experiências culturais dos indivíduos deveriam servir para
aperfeiçoá-los. Nos escritos deste teórico, embarcamos em uma excursão sobre a
estética moderna, isto é, sobre a vida do homem moderno. Simmel descreve a sociedade
capitalista com pinceladas de uma tristeza científica digna do contexto em que viveu,
porém suas palavras são quase poéticas, explicitando o domínio que sempre exerceu
sobre elas.

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 4


O teórico alemão se inquietou com as fronteiras e as transgressões, ou seja, com
os limites e transcendências das experiências de vida dos indivíduos. Como evidencia
Tedesco, em uma passagem sobre este magnífico ensaísta, observamos que:

Para Simmel, a intelectualização possui uma dupla função: ao mesmo


tempo que dá condições ao homem moderno a se adaptar às
transformações, proteger-se e criar consciência de, favorece também
o desenvolvimento da abstração no intercâmbio mercantil, relação
essa baseada no cálculo, na impessoalidade, na promoção da lógica
do dinheiro. (TEDESCO, 2007, p. 64).

Adentrando nesse labirinto de oposições entre técnica e intelectualização,


seguiremos as pistas de Simmel ao descrever o habitante da cidade moderna. Nas
palavras do autor (1971, p. 326), veremos que “o tipo metropolitano - que apresenta mil
modificações individuais - cria para si um órgão protetor contra perturbações profundas
com as quais as flutuações e descontinuidades do meio exterior o ameaçam".
Assim se enreda a estreia da técnica como protagonista da tragédia da vida
contemporânea, onde o tempo é o palco de uma existência finita, e nós, seres modernos,
o ser-no-mundo, coro inculto da tragédia do conflito entre as novas formas sociais e o
vitalismo.
E é neste contexto que mídia e sujeito travam diariamente uma batalha de
interesses e interações, onde - assim como o belo não se opõe ao feio, nem a verdade se
opõe à mentira - a harmonia não se opõe ao caos.

2. Das sensibilidades da fala às objetividades da técnica

A palavra narrar, do latim narrare, pode ser entendida etimologicamente como


“arrastar para frente”. A raiz etimológica de narrar provém ainda do latim narro,
derivado de gnarus (“o que sabe”, “o que conhece”) do verbo gnoscere, que significa
saber, conhecer.
A arte de narrar denota dar vida a histórias reais e/ou fictícias que nascem e se
alimentam no imaginário do narrador, mas ganham forma e respiram no imaginário de
quem as escuta. Se o contador de histórias envolve quando realça e preenche a sua fala
de cheiros, vozes, toques; o ouvinte deleita seu imaginário ao alcance da boca do
narrador e se envolve, sente, ouve, toca... Imaginário com imaginário, num cúmplice
gozo estético.

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 5


Em um notável ensaio escrito na terceira década do século passado e intitulado
O Narrador, Walter Benjamim nos fala sobre a crise na arte de narrar histórias. No
decorrer de suas excursões teóricas, o autor destaca dois indicativos que de acordo com
ele culminaram na morte da narrativa, a saber: o surgimento do romance burguês e da
informação.
De acordo com Benjamin (1994, p. 198), os primeiros mestres na arte de narrar
podem ser divididos em dois grupos ou, mais precisamente, em dois estilos de vida: o
narrador viajante, aquele que vem de outros lugares (marinheiro comerciante); e o
narrador sedentário, aquele que conhece o lugar em que vive e as tradições desse lugar
(camponês). No entanto, o teórico relembra que foram os artífices que aperfeiçoaram a
narrativa, elevando-a a arte do homem que sabe dar conselhos, mas evita dar
explicações. Assim, o narrador relata suas próprias experiências e/ou as experiências
dos personagens das histórias que ele conta e as incorpora às experiências dos seus
ouvintes.

O senso prático é uma das características de muitos narradores natos


(...) Tudo isso esclarece a natureza da verdadeira narrativa. Ela tem
sempre em si, às vezes de forma latente uma dimensão utilitária. Essa
utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa
sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida - de
qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar conselhos.
Mas se "dar conselhos" parece hoje algo de antiquado, é porque as
experiências estão deixando de ser comunicáveis. (BENJAMIM,
1994, p.200).

Com o progresso da técnica e, por conseguinte, os traumas físicos e psicológicos


advindos desse novo estágio social, os sujeitos foram perdendo a capacidade de “trocar
experiências”, pior, foram perdendo a capacidade de descrever o gosto das experiências
e a sabedoria de intercambiar essas sensações.
Assim como observamos, foi o surgimento do romance moderno e da imprensa
os principais responsáveis pela crise da narrativa. Se o primeiro algoz, originário das
revoluções modernas e essencialmente ligado ao livro, não teve compromisso com as
narrativas faladas, segregando experiências e isolando os sujeitos; o surgimento de uma
nova forma de comunicação tecnicamente mediada, denominada informação, foi ainda
mais perversa, provocando uma crise no próprio romance burguês. Como afirma
Benjamin (1994, p.2002):

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 6


Por outro lado, verificamos que com a consolidação da burguesia –
da qual a imprensa, no alto capitalismo, é um dos instrumentos mais
importantes - destacou-se uma forma de comunicação que, por mais
antigas que fossem suas origens, nunca havia influenciado
decisivamente a forma épica. Agora ela exerce essa influência. Ela é
tão estranha à narrativa como o romance, mas é mais ameaçadora e,
de resto, provoca uma crise no próprio romance. Essa nova forma de
comunicação é a informação.

De certo, o surgimento da imprensa moderna foi tristemente responsável por


essa pobreza imaginária que assola o atual tempo da palavra.
Sendo a narrativa a arte artesanal da comunicação, a informação é a arte técnica.
Enquanto a primeira prioriza as circunstâncias do miraculoso, os sentidos apurados da
imaginação, o cheiro da fala; a segunda prioriza o contexto psicológico, as explicações,
a novidade.
A narrativa não é submissa ao tempo nem ao espaço, ela se desenvolve em
qualquer época, em qualquer lugar. No entanto, a informação só tem validade no ápice
do imediatismo. Em seu sentido etimológico informar significa “dar forma a”. Na
mídia, essas formas encontram contorno por meio de suportes, ferramentas e recursos
técnicos. Diferentemente da narração, na informação a forma é formatada, padronizada.
Isto é, o livre voejar da primeira é totalmente oposto às normas técnicas da segunda.

4. Reencantar-se é preciso

A modernidade fragmentou valores culturais e afastou do homem a capacidade


de realizar sinergias e sinestesias, sobrepondo os meios aos fins e a técnica às
sensibilidades individuais e coletivas.
A crítica que se faz à sociedade moderna é que a razão tão propagada pelos
iluministas ao invés de ser libertadora tornou-se vigilante, dando ao livre-arbítrio
características constrangedoras, e à técnica um perfil burocrata, ou seja, estrutural,
sistêmico, ligado à circulação de informação e a ação instrumental.
Enquanto na sociedade tradicional a solidariedade era o vínculo de união entre o
sujeito e o seu grupo, na sociedade moderna esse vínculo deu lugar a liberdade pessoal e
a carência afetiva advinda dessa liberdade.

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 7


Diante dos conflitos da modernidade, Max Weber (2004) anunciou um estágio
de “desencantamento do mundo”. No entanto, Maffesoli (1998) propagou uma segunda
fase da sociedade capitalista moderna, um período de retorno ao arcadismo, definido por
ele como um “reencantamento do mundo”. De acordo com Maffesoli, o homem voltou a
ser sujeito, a se agrupar e a enfrentar de forma cada vez mais explícita os discursos
vendidos pela mídia.
E se a sociedade moderna se reencantou, por que a escrita não seguiu essa pista?
É justamente isso que propõe Pereira no ensaio denominado A nova escrita
jornalística como leitura do cotidiano. O pesquisador, banhado pelos sopros
contemplativos da Nova História, da Antropologia e da Sociologia do Cotidiano, propõe
uma nova escrita jornalística como método de interpretação dos fatos sociais.
Ressaltamos que o jornalista não é um simples repassador de conteúdos (pelo
menos não deveria ser), e sim um mediador do debate social. Ou seja, não cabe a ele
objetivar a verdade - já que esta é uma categoria filosófica -, mas apresentar os fatos da
realidade para que os sujeitos interpretem esses fatos de acordo as experiências de vida
deles. Seguindo o enredo proposto por Pereira (2008, p. 30), entenderemos que:

Ao anunciar, o jornalismo reduz a sua capacidade narrativa – esta da


ordem da enunciação – e trabalha com um discurso técnico-narrativo
impregnado de restrições às linguagens. Dessa forma, a técnica
jornalística, calcada no falso pragmatismo da língua, não consegue
ultrapassar os limites impostos por modelos empresariais de vender
informação codificada nos manuais de redação.

Ratificamos a afirmação de que o jornalismo é o principal discurso da sociedade


contemporânea. Porém, contraditoriamente, ele não sabe contar histórias, isto é,
desaprendeu a narrar. Sendo esta uma das principais crises do jornalismo na atualidade
(PEREIRA, 2008).
Ao propor uma nova escrita como método, Pereira disserta sobre as falhas da
escrita jornalística na atualidade. Destacamos as seguintes observações: 1) uso de
técnicas informacionais padronizadas, envelhecidas e empobrecidas; 2) enunciados fora
do contexto, o que violenta o imaginário dos interlocutores, pois negligencia o todo pela
parte e vice-versa; 3) a espetacularização de figuras emblemáticas; 4) a despreocupação
com o a unidade de tempo, lugar e espaço; 5) o descuidado com a alteridade dos
sujeitos. Diante dessas falhas, Pereira propõe que:

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 8


A escrita jornalística como método deve aproximar possibilidades de
extensões do conceito à palavra, da palavra ao conceito, da memória
ao imaginário vice-versa. Isto quer dizer: a escrita jornalística não
deve subjugar as realidades sociais à descrição de seus índices (...) É
imprescindível verificar os tempos da palavra, do conceito e do
imaginário. Para a construção de uma nova escrita jornalística,
devemos levar em consideração três níveis simbólicos da linguagem
(em se tratando de um contrato linguageiro): 1) o tempo da palavra;
2) as formas do conceito; 3) as dialogias do imaginário. (PEREIRA,
2008, p. 32-33).

Pensar o diálogo entre a comunicação e os outros campos de saber não significa


desprezar a autonomia dos estudos comunicacionais enquanto ciência. Acreditamos que
se a Comunicação Social tem como objeto de estudo as relações de comunicação
midiatizadas; o jornalismo, mais especificamente, tem como objeto a informação. E
ambos estão intrínsecos na sociedade.
Portanto, apreender a comunicação e a informação significa interpretá-las em
meio às pluralidades cotidianas, pois, como postula Pereira (2008, p.36) “Os leitores de
jornalismo impresso, os telespectadores dos telejornais, os ouvintes do radiojornalismo
contemporâneo do século XXI exigem que a nova escrita jornalística tenha movimento,
clareza, profundidade”, e, por fim, o autor aponta o que contemplamos como o que
deveria ser a mais nobre característica da escrita dos comunicadores e comunicólogos:
“(..) relação direta com o „corpo-sócio-semiótico‟ dos indivíduos e a digressão enquanto
categoria da pós-modernidade”.

6. Considerações Finais

Walter Benjamin, ao citar Baudelaire, dizia que “No capitalismo ocidental, a


cidade se transforma mais rapidamente que o coração de um homem”. E foi nesse
percurso de metamorfoses que as nossas falas se perderam, porém reavivá-las se tornou
primordial para que continuemos nossa saga pelo entorpecente e sedutor lócus das
palavras.
As letras empobreceram, mas ainda existem. Elas esmolam por nosso afeto e só
nós, sujeitos reencantados, poderemos reencantá-las. É preciso sairmos do estágio de
deslumbramento pelas sensibilidades reincorporadas e adentrarmos num estágio de
utilização dessas sensibilidades. É fato que a comunicação cotidiana está mais avançada

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 9


nesse percurso do que os comunicadores e pesquisadores midiáticos, mas ainda há
tempo de alcançar o senso comum, principalmente reaprendendo a questionar - não só
as estruturas sociais, mas as nossas próprias estruturas psicológicas e culturais.
Nós, que nos decretamos os senhores das palavras, fomos os primeiros a nos
perder no labirinto da modernidade e pateticamente seremos os últimos a encontrar o
caminho, isso se nos desapegarmos do conformismo que nos imbuiu e buscarmos a
saída para o reencontro com o mundo dos grandes enredos.
Tomando mais uma vez as palavras de Benjamin por empréstimo (1971, p. 84),
finalizaremos esse texto enunciando que “o progresso é um anjo que procede no futuro
com o olhar atônito voltado para trás a contemplar acúmulos de ruínas”, mas cabe a nós,
homens e mulheres modernos, transformar essas ruínas em doces e inquietantes refúgios
do ser.

Referências

BENJAMIN, Walter. Immagini di città. Torino: Einaudi, 1971.

______, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1989.

______, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense,
1994.

FERREIRA, Jonatas. Da vida ao tempo: Simmel e a construção da subjetividade no mundo


moderno. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, nº. 44, outubro, 2000.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1987.

MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.

______, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 2
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

PEREIRA, Wellington. A comunicação e a cultura no cotidiano. In: Revista Famecos. Porto


Alegre, nº. 32, abril, 2007.

______, Wellington (org.). Formas do cotidiano. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB,


2007.

______, Wellington. A nova escrita jornalística como leitura do cotidiano. In: Culturas
Midiáticas. João Pessoa, nº. 1, julho - dezembro, 2008.

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 10


SIMMEL, George. The conflict in modern age and other essays. Nova York, Teachers
College Press, Columbia University, 1968.

__________, George. On individuality and social forms. Selected writings. Edited by Donald
N. Levine. Chicago/Londres, The Univerisity of Chicago Press, 1971.

SIMMEL, George. 1982. I problemi della filosofia della storia. Milano: Marietti, 1982.

__________, George. Filosofia del denaro. Torino: Utet, 1984.

__________, George. Philosophie de la modernité. Paris, Payot, 1992.

TEDESCO, João Carlos. Georg Simmel e as ambigüidades da modernidade. In: Revista


Ciências Sociais Unisinos. Porto Alegre, nº. 43, janeiro – abril, 2007.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.

Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 11

You might also like