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As provas contra Lula: 3 mil evidências, 13 casos e R$

80 milhões em propina
epoca.globo.com/politica/noticia/2017/05/provas-contra-lula-3-mil-evidencias-13-casos-e-r-80-milhoes-em-propina.html

No fim da tarde de uma segunda-feira recente, o ex-​presidente Luiz Inácio Lula da Silva
subiu ao palco de um evento organizado pelo PT em Brasília. Empunhou sua melhor arma:
o microfone. Aos profissionais da imprensa que cobriam o evento, um seminário para
discutir os rumos da economia brasileira, o ex-presidente dispensou uma ironia: “Essa
imprensa tão democrática, que me trata maravilhosamente bem e, por isso, eu os amo, de
coração”. Lula estava a fim de debochar. Não demorou para começar a troça sobre os
cinco processos criminais a que responde na Justiça. Disse que há três anos ouve
acusações sem o direito de se defender, como se não tivesse advogados. “Eu acho que
está chegando a hora de parar com o falatório e mostrar prova. Eu acho que está
chegando a hora em que a prova tem de aparecer em cima do papel”, disse, alterado. Lula
repetia, mais uma vez, sua tática diante dos casos em que é réu: sempre negar e nunca se
explicar. E prosseguiu: “Eu quero que eles mostrem R$ 1 numa conta minha fora desse
país ou indevida. Não precisa falar que me deu 100 milhão, 500 milhão, 800 milhão... Prove
um. Não estou pedindo dois. Um desvio de conduta quando eu era presidente ou depois da
Presidência”. Encerrou o discurso aplaudido, aos gritos de “Brasil urgente, Lula
presidente!”.

>> Confira o especial sobre Lava Jato

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A alma mais honesta do Brasil, como o ex-presidente já se definiu, sem vestígio de fina
ironia, talvez precise consultar seus advogados – ou seus processos. Há, sim, provas
abundantes contra Lula, espalhadas em investigações que correm em Brasília e em
Curitiba. Estão em processos no Supremo Tribunal Federal, em duas Varas da Justiça
Federal em Brasília e na 13ª Vara Federal em Curitiba, aos cuidados do juiz Sergio Moro.
Envolvem uma ampla e formidável gama de crimes: corrupção, lavagem de dinheiro,
organização criminosa, crime contra a Administração Pública, fraude em licitações, cartel,
tráfico de influência e obstrução da Justiça. O Ministério Público Federal, a Polícia Federal,
além de órgãos como a Receita e o Tribunal de Contas da União, com a ajuda prestimosa
de investigadores suíços e americanos, produziram, desde o começo da Lava Jato,
terabytes de evidências que implicam direta e indiretamente Lula no cometimento de
crimes graves. Não é fortuito que, mesmo antes da delação da Odebrecht, Lula já fosse réu
em cinco processos – três em Brasília e dois em Curitiba. Também não é fortuito que os
procuradores da força-tarefa da Lava Jato, após anos de investigação, acusem Lula de ser
o “comandante máximo” da propinocracia que definiu os mandatos presidenciais do
petista, desfalcando os cofres públicos em bilhões de reais e arruinando estatais, em
especial a Petrobras.

A estratégia de Lula é clara e simples. Transformar processos jurídicos em campanhas


políticas – e transformar procuradores, policiais e juízes em atores políticos desejosos de
abater o maior líder popular do país. Lula não discute as provas, os fatos ou as questões
jurídicas dos crimes que lhe são imputados. Discute narrativas e movimentos políticos.
Nesta quarta-feira, dia 10, quando estiver diante de Moro pela primeira vez, depondo no
processo em que é réu por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de receber propina
da OAS por meio do tríplex em Guarujá, Lula tentará converter um ato processual (um
depoimento) num ato político (um comício).

Se não conseguir desviar a atenção, saindo pela tangente política, Lula terá imensa
dificuldade para lidar com as provas – sim, com elas. Nesses processos e em algumas
investigações ainda iniciais, todos robustecidos pela recente delação da Odebrecht,
existem, por baixo, cerca de 3 mil evidências contra Lula. Elas foram analisadas por
ÉPOCA. Algumas provas são fracas – palavrórios, diria Lula. Mas a vasta maioria
corrobora ou comprova os crimes imputados ao petista pelos procuradores. Dito de outro
modo: existe “prova em cima de papel” à beça. Há, como o leitor pode imaginar, toda sorte
de evidência: extratos bancários, documentos fiscais, comprovantes de pagamento no
Brasil e no exterior, contratos fajutos, notas fiscais frias, e-mails, trocas de mensagens,
planilhas, vídeos, fotos, registros de encontros clandestinos, depoimentos incriminadores
da maioria dos empresários que pagavam Lula. E isso até o momento. As investigações
prosseguem em variadas direções. Aguardem-se, apesar de alguns percalços, delações de
homens próximos a Lula, como Antonio Palocci e Léo Pinheiro, da OAS. Renato Duque, ex-
executivo da Petrobras, deu um depoimento na sexta-​feira, dia 5, em que afirma que Lula
demonstrava conhecer profundamente os esquemas do petrolão. Existem outras
colaborações decisivas em estágio inicial de negociação. Envolvem crimes no BNDES, na
Sete Brasil e nos fundos de pensão. Haja prova em cima de papel.

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Trata-se até agora de um conjunto probatório, como gostam de dizer os investigadores,
para lá de formidável. Individualmente e isoladas, as provas podem – apenas –
impressionar. Coletivamente, organizadas em função do que pretendem provar, são
destruidoras; em alguns casos, aparentemente irrefutáveis. Nesses, podem ser suficientes
para afastar qualquer dúvida razoável e, portanto, convencer juízes a condenar Lula por
crimes cometidos, sempre se respeitando o direito ao contraditório e à ampla defesa – e
ao direito a recorrer de possíveis condenações, como qualquer brasileiro. Não é possível
saber o desfecho de nenhum desses processos.

Ainda assim, os milhares de fatos presentes neles, na forma de provas judiciais, revelam
um Lula bem diferente daquele que encanta ao microfone. As provas jogam nova luz sobre
a trajetória de Lula desde que assumiu o Planalto. Assoma um político que conheceu três
momentos distintos. O primeiro momento deu-se como um presidente da República que
decidiu testar os limites do fisiologismo e clientelismo da política brasileira. A partir de
2003, e com mais força em 2004, Lula começou a agir para beneficiar, em atos sucessivos,
empreiteiras e grandes grupos empresariais, por meio de homens de confiança em
postos-​chave no governo. Era, naquele momento, um político cujas campanhas e base
aliada eram financiadas, comprovadamente, com dinheiro de propina desses mesmos
empresários – entre outros. Era um político que caíra nas graças do cartel de empreiteiras
que rapinava a Petrobras e comprava leis no Congresso.

O segundo momento sobreveio entre 2009 e 2010, conforme o tempo dele no poder se
aproximava do fim – e, com Dilma Rousseff como sucessora, todos, em tese,
continuariam a prosperar. Nesse ponto, assomou um político que, pelo que as provas e
depoimentos indicam, passaria a viver às custas das propinas geradas pelo cartel que
ajudara a criar. Entre 2009 e 2010, o cartel, em especial Odebrecht e OAS, passou a se
movimentar para assegurar que Lula e sua família tivessem uma vida confortável. Faziam
isso porque, como já explicaram, deviam propina ao ex-presidente e, não menos
importante, pela expectativa de que ele usasse sua influência junto a Dilma Rousseff para
manter o dinheiro do governo entrando nas empresas – como fez, de fato, em algumas
ocasiões.

Nesse período de final de mandato, houve uma série de operações fraudulentas e


clandestinas, comandadas pelo cartel, que resultaram na multiplicação do patrimônio de
Lula. Usaram-se laranjas e intrincadas transações financeiras para esconder a origem do
dinheiro dos novos bens do ex-presidente. Mas, hoje, esses estratagemas foram
descobertos, com fartura de provas, pelos investigadores. Da Odebrecht, Lula ganhou o
prédio para abrigar seu instituto, um apartamento em São Bernardo do Campo, onde mora
até hoje, e a reforma de um sítio em Atibaia que, todas as provas demonstram, pertence ao
petista, e não é somente “frequentado” por ele. Da OAS, ganhou o famoso tríplex em
Guarujá, assim como as reformas pedidas por ele – o apartamento só ficou pronto após a
Lava Jato, de modo que não houve tempo para que Lula e família se mudassem para lá. A
mesma OAS passou a bancar o armazenamento do acervo presidencial do petista. Todas
essas operações – todas – foram feitas clandestinamente, para ocultar o vínculo entre
Lula e as empreiteiras. Todas foram debitadas do caixa de propinas que Lula mantinha
junto às empreiteiras.

Além de dar moradia a Lula, as empreiteiras passaram a bancar o ex-presidente e sua


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família, além de pessoas próximas. Havia, segundo as provas disponíveis, pagamentos de
propina da Odebrecht a um dos filhos do presidente, a um irmão dele, a um sobrinho e a
Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula e um dos assessores mais próximos de Lula.
Havia pagamentos em dinheiro vivo e, em alguns, casos, por meio de empresas – como a
de um filho e a de um sobrinho. Havia, ainda, os pagamentos à empresa de palestras de
Lula e ao próprio Instituto Lula. Na maioria dos casos, segundo as evidências, não se
tratava de doação ou contratação para palestras, embora essas tenham acontecido em
alguns casos. Trata-se de propina disfarçada de doação. Até que a Lava Jato mudasse
tudo, Lula e seus familiares receberam, de acordo com as evidências disponíveis e se
obedecendo a um cálculo conservador, cerca de R$ 82 milhões em vantagens indevidas –
bens ou pagamentos ilegais.

O terceiro momento de Lula, aquele que as provas revelam com mais nitidez, precipita-se
em março de 2014, quando irrompe a Lava Jato. O petista, que sabia o que fizera e intuía o
potencial da operação, preocupou-se. É esse Lula preocupado – quiçá desesperado – que
aparece nos processos de obstrução da Justiça. Que, segundo depoimentos e
documentos, tenta destruir provas. Tenta, em verdade, destruir a Lava Jato, para por ela
não ser destruído. Há semanas, dias antes do discurso de Lula em Brasília, a voz rouca de
Léo Pinheiro sacudira Curitiba. Diante do juiz Sergio Moro, Léo Pinheiro expunha segredos
guardados por anos. “Eu tive um encontro com o presidente, em junho... bom, isso tem
anotado na minha agenda, foram vários encontros.” Era 20 de abril e Léo falava de um
encontro mantido há quase três anos, em maio de 2014, quando a Lava Jato começava a
preocupar. “O presidente, textualmente, me fez a seguinte pergunta: ‘Léo’, e eu notei até
que ele estava um pouco irritado, ‘você fez algum pagamento a João Vaccari no exterior?’.
Eu disse: ‘Não, presidente, nunca fiz nenhum pagamento dessas contas que nós temos
com Vaccari no exterior’. ‘Como é que você está procedendo os pagamentos para o PT?’.
‘Através do João Vaccari. Estou pagando, estamos fazendo os pagamentos através de
orientação do Vaccari, caixa dois e doações diversas que nós fizemos a diretórios e tal’.
‘Você tem algum registro de algum encontro, de conta, de alguma coisa feita com o João
Vaccari com você? Se tiver, destrua. Ponto. Acho que quanto a isso não tem dúvida’.”

Lula, como Renato Duque confirmou em depoimento a Moro na sexta-feira, estava se


mexendo para descobrir quanto estava sob risco. No depoimento, Duque, que fora indicado
pelo PT e pelo próprio Lula à Diretoria de Serviços da Petrobras, destruiu o antigo chefe.
Disse, como Léo Pinheiro, que Lula “tinha o pleno conhecimento de tudo, tinha o comando”.
Referia-se ao petrolão. Nas últimas semanas, Duque e o ex-ministro Palocci disputavam
quem fecharia antes um acordo de delação premiada, em busca de pena menor. Ambos
pretendiam entregar informações sobre Lula, pois suas defesas detectaram que a Lava
Jato queria mais elementos para cravar que o então presidente não só sabia da existência,
como comandava o esquema de corrupção na Petrobras. Palocci recuou duas ou três
casas em sua negociação, após a libertação do ex-ministro José Dirceu. Duque aproveitou
para avançar. Disse que encontrou Lula pessoalmente três vezes. “Nessas três vezes ficou
claro, muito claro para mim, que ele tinha pleno conhecimento de tudo, tinha o comando”,
disse Duque. No último encontro, em 2014, segundo Duque, Lula perguntou se ele tinha
recebido dinheiro na Suíça da holandesa SBM, fornecedora da Petrobras. Duque diz que
negou. Lula, então, perguntou: “Olha, e das sondas? Tem alguma coisa?”. Lula se referia a
negócios da Sete Brasil, a estatal criada para turbinar o petrolão. Duque afirma que mentiu
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a Lula ao dizer que não tinha. Ouviu do então presidente, de saída do cargo: “Olha, presta
atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa, não pode ter, entendeu? Não pode ter
nada no teu nome, entendeu?”.

No ano seguinte, Lula prosseguiu em sua tentativa desesperada de sabotar a Lava Jato.
Em maio de 2015, o então senador Delcídio do Amaral foi à sede do Instituto Lula, em São
Paulo. Àquela altura, líder do governo no Senado, Delcídio era um interlocutor frequente de
Lula sobre a situação precária do governo Dilma no Congresso, mas, principalmente, sobre
o avanço da Lava Jato em direção ao coração petista. Na conversa, Lula se disse
preocupado com a possibilidade de seu amigo, o pecuarista José Carlos Bumlai, ser
engolfado pela operação. Delcídio percebeu que fora convocado para discutir o assunto.
Avisou que Bumlai poderia ser preso devido às delações do lobista Fernando Baiano e do
ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Delcídio também tinha medo disso, pois recebera
propina junto com Cerveró. Então, contou a Lula que, quatro meses antes, recebera um
pedido de ajuda financeira de Bernardo, filho de Cerveró. Delcídio afirma que Lula
determinou que era preciso ajudar Bumlai.

Assim, Delcídio passou a trabalhar. Dias depois, encontrou-se com Maurício, filho de
Bumlai, e “transmitiu o recado e as preocupações de Lula”. Maurício topou a empreitada:
era preciso bancar as despesas com advogado e sustentar a família para “segurar” a
delação de Cerveró e, assim, tentar salvar o pai de Maurício. Nos meses seguintes,
Maurício Bumlai entregou R$ 250 mil em espécie a um assessor de Delcídio, em encontros
em São Paulo. O dinheiro era levado depois à família Cerveró. Quando, em setembro,
ÉPOCA publicou que Cerveró fechara um acordo de delação, Maurício interrompeu os
pagamentos. Em novembro de 2015, Delcídio foi preso, por ordem do Supremo, por tentar
obstruir a Lava Jato.

Por meio de nota, o Instituto Lula afirma que “não há nenhum” ato ilegal nas delações dos
executivos da Odebrecht e que as delações não são provas, mas “informações prestadas
por réus confessos que apenas podem dar origem a uma investigação. Por enquanto, o que
existe são depoimentos feitos aos procuradores, a acusação, divulgados de forma
espetacular”. Sobre a “conta Amigo”, a nota afirma ser “a mais absurda de todas as ilações
no depoimento de Marcelo Odebrecht”. “Se for verdadeiro o depoimento, Marcelo
Odebrecht teria feito, na verdade, um aprovisionamento em sua contabilidade para
eventuais e futuras transferências ou pagamentos. A ser verdadeira, trata-se, como está
claro, de uma decisão interna da empresa. Uma ‘conta’ meramente virtual, que nunca se
materializou em benefícios diretos ou indiretos para Lula.” Sobre a ajuda da Odebrecht a
Luís Cláudio, um dos filhos de Lula, o Instituto Lula afirma que “mesmo considerando real
o relato de delatores que precisam de provas, Emílio Odebrecht e Alexandrino Alencar
relatam que a ajuda para o filho de Lula iniciar um campeonato de futebol americano foi
voluntária e após diversas conversas e análises do projeto”. Sobre a mesada de R$ 5 mil
que a Odebrecht pagou por anos a Frei Chico, irmão do ex-presidente, a nota afirma que
“não só Lula não pediu, como não foi dito que Lula teria pedido”. Afirma que o principal
assessor de Lula, Paulo Okamotto, “negou ter recebido qualquer ‘mesada’ de Alexandrino
Alencar”. O Instituto diz que a Odebrecht não inventou Lula como palestrante e que “as
palestras eram lícitas e legítimas”.

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