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Fascismo: uma ideologia de esquerda originada do

marxismo
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José Rodrigues dos Santos 4 de julho de 2016

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José Rodrigues dos Santos


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04/07/2016
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O marxismo surgiu num contexto de


cientificismo. Newton tinha
descoberto as leis da física e Darwin as da seleção natural. Indo no encalço desses dois, e
também de Hegel, Marx e Engels anunciaram que haviam descoberto as leis da história.
Tal como as leis da física e da biologia, ambos concluíram que as leis da história eram
deterministas e independentes da vontade humana.

O socialismo científico era tão científico, na opinião de Marx e Engels, quanto a física de
Newton e a biologia de Darwin. E que leis eram essas? Eram as do determinismo histórico,
estudadas pela sua nova ciência, o socialismo científico (tão científico, na sua opinião,
quanto a física de Newton e a biologia de Darwin). A ideia era simples: ao feudalismo
sucede-se o capitalismo, cujas contradições levarão inevitavelmente os proletários à
revolução que conduzirá ao comunismo. Nesta visão a história é teleológica e
determinista. Não é preciso ninguém fazer nada, pois a revolução do proletariado é
inevitável.
Os anos passaram e não ocorreu nenhuma revolução, o que contradizia a teoria marxista.
Como explicar isto? Surgiram duas teses revisionistas. A primeira, do marxista alemão
Bernstein, foi a de que afinal o capitalismo não ia acabar, o operariado até estava a
melhorar o seu nível de vida e o socialismo podia perfeitamente adaptar-se ao capitalismo.
Esta corrente cresceu no SPD alemão e acabou na social-democracia como a conhecemos
hoje em dia.

A segunda tese teve origem no marxista francês Georges Sorel. Numa obra
tremendamente influente, Refléxions sur la violence , Sorel concluiu que a revolução não era
inevitável nem seria espontânea. Teria de ser provocada. Como? Usando uma elite para
guiar o proletariado e recorrendo à violência. Seria a violência que desencadearia a
revolução.

Foi o marxismo soreliano que conduziu ao bolchevismo e ao fascismo. Lênin leu Sorel e
apropriou-se dos conceitos revisionistas da elite, a famosa “vanguarda”, e do uso da
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violência. O mesmo Sorel foi lido com atenção em Itália, em particular pelos sindicalistas
revolucionários, marxistas que adotaram a greve e a violência como formas de
desencadear a revolução.

Foi o marxismo soreliano que conduziu ao bolchevismo e ao fascismo.

Em paralelo, um marxista austríaco, Otto Bauer, notou que no Império Austro-Húngaro os


operários húngaros mostravam sentimentos de solidariedade mais fortes para com os
burgueses húngaros do que para com os operários austríacos. Embora o marxismo fosse
uma corrente internacionalista, Bauer buscou legitimidade em algumas afirmações
nacionalistas de Marx e Engels para lançar uma nova ideia revisionista. Concluiu ele que o
comportamento dos operários húngaros mostrava que o sentimento de nação era mais
poderoso do que o sentimento de classe. O nacionalismo era revolucionário, argumentou,
pois galvanizaria o proletariado para a revolução.

Esta ideia entrou em Itália pela pena de um marxista italiano de origem alemã, Robert
Michels, e influenciou os sindicalistas revolucionários italianos. Estes, contudo,
enfrentaram a ortodoxia dos restantes marxistas, incluindo Benito Mussolini, o diretor do
órgão oficial do partido socialista italiano, o Avanti!

Acontece que em 1911 ocorreu um acontecimento que iria abalar as convicções ortodoxas
de Mussolini: a guerra ítalo-otomana pela Tripolitânia. Mussolini opôs-se a essa guerra,
mas ficou atônito com a reação do proletariado italiano, que exultava com as vitórias de
Itália. “Michels e os sindicalistas tinham razão!”, concluiu Mussolini. As pessoas estão
afinal mais dispostas a morrer pela sua pátria do que pela sua classe.

Quando a Grande Guerra começou, em 1914, ocorreu uma cisão no movimento socialista.
A Segunda Internacional tinha determinado que os operários dos diferentes países não
entrariam em guerra uns contra os outros, mas na hora da verdade os socialistas alemães,
franceses e britânicos apoiaram a guerra. Apenas os bolcheviques russos e os socialistas
italianos se opuseram.

O problema é que nem todos os socialistas italianos estavam de acordo. Os sindicalistas


revolucionários queriam a entrada de Itália na guerra porque achavam que ela seria o forno
onde se forjaria o sentimento nacional dos italianos, cujo país era novo e buscava ainda a
sua identidade, e que seria o sentimento de nação que uniria o proletariado italiano e
desencadearia a revolução. Ou seja, a guerra derrubaria o capitalismo.

Mussolini começou mantendo a linha do partido e opôs-se à entrada de Itália na guerra,


mas rapidamente deu razão aos sindicalistas e defendeu que os socialistas italianos
deveriam seguir o exemplo dos socialistas alemães, franceses e britânicos e apoiar a
guerra. Esta mudança de posição valeu-lhe a expulsão do partido.

Os sindicalistas revolucionários italianos, incluindo Mussolini, foram para a guerra – uma


posição perfeitamente em linha com a de outros marxistas europeus, incluindo os do SPD
alemão. Quando o conflito terminou, os marxistas italianos pró-guerra regressaram para
casa mas foram antagonizados pelos marxistas italianos anti-guerra. Em conflito com
estes, os marxistas pró-guerra fundaram o movimento fascista, com reivindicações como
o salário mínimo, o horário laboral de oito horas, a participação dos trabalhadores na
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gestão das fábricas, a aposentadoria aos 55 anos e o confisco dos bens das
congregações religiosas. Será que só eu noto que estas reivindicações fascistas têm
origem marxista?

Os marxistas pró-guerra fundaram o movimento fascista, com reivindicações como o salário


mínimo, o horário laboral de oito horas, a participação dos trabalhadores na gestão das
fábricas, a aposentadoria aos 55 anos e o confisco dos bens das congregações religiosas.

O pensamento fascista foi evoluindo. Recorde-se que Marx e Engels consideravam que o
capitalismo era uma fase necessária e imprescindível da história humana e que sem
capitalismo nunca haveria comunismo. Os bolcheviques renegaram esta parte do
marxismo quando preconizaram que na Rússia era possível passar diretamente de uma
sociedade feudal para o comunismo, mas neste ponto os fascistas mantiveram-se
marxistas ortodoxos ao aceitar que o capitalismo teria de ser temporariamente cultivado
em Itália.

Noutros pontos os fascistas desviaram-se da ortodoxia marxista. Por exemplo,


aproximaram-se do revisionismo bolchevista quando abraçaram a ideia soreliana da
violência provocada por uma vanguarda e afastaram-se do marxismo e do bolchevismo
quando aderiram à ideia baueriana de que o sentimento de nação era para o proletariado
mais galvanizador do que o sentimento de classe. Isto levou-os a dizer que a luta de
classes não se aplicava a Itália porque esta era já uma nação proletária explorada pelas
nações capitalistas. A luta de classes apenas iria dividir a nação proletária, pelo que em vez
de conflitualidade deveria haver cooperação entre classes. O chamado corporativismo.

O pensamento fascista continuou a evoluir, sobretudo em consequência do Bienio Rosso,


levando os comunistas italianos a lançar uma campanha de ocupação selvagem de
fábricas e de propriedades rurais. Estes eventos levaram os fascistas a afastarem-se mais
do marxismo, pois entendiam que estas ações enfraqueciam a nação, que designavam de
“classe das classes”, ao ponto de começarem a proclamar-se anti-marxistas. Convém no
entanto recordar que Mussolini esclareceu que o fascismo objetava ao marxismo não por
este ser socialista, mas por ser anti-nacional.

Tudo isto está explicado, com muito mais pormenor, nas minhas sagas As Flores de Lótus
e O Pavilhão Púrpura, e curiosamente nada disto foi desmentido por ninguém. Os meus
críticos limitaram-se a constatar que os fascistas se descreviam como anti-marxistas – e
assim foi a partir de certo ponto. Mas isso nada me desmente porque nunca disse que os
fascistas, na sua fase já amadurecida, eram marxistas. O que eu disse, e repito, é que o
fascismo é um movimento de origem marxista.

Se acham que o fascismo não tem origens marxistas, aproveitem também para desmentir
por que o fascismo alemão se designava nacional-socialismo. Como acham que a palavra
socialismo foi parar ali? Por acaso?

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