You are on page 1of 318
Bruno Galileu Campanella Os Pensadorés Bruno Galileu Campandla “Nao se deve procurar se fora do céu existe lugar, wicuo ou tempo: por- que Unico € © lugar geral, nico a ex- Page imenso, que podemos livremente chamar de vacuo, onde existem inume raveis e infinitos globos, camo existe este, onde nés vivemos e vegelamos, Esse espago és chamamos. infinito, Parque nia existe razio, canverién- Ga, possibilidade, sentido ou natureza que deva limité-lo. Nele estio conti- dos infinitas mundos semelhantes a es- ae GIORDANO BRUNO: Sobre 0 Iniini- to. 0 Universo e 0s Mundos. “Q némero daqueles que, nas col- sas dificeis, raciocinam bem € muito menor da que aqueles que raciocinam mal. Se raciocinar sobre um problema dificil fosse a mesma coisa que carre- ‘Bat pesos, entio muitos cawalos carre- gariam mais sacos de tiga que um ca- valo $6, @ eu concordaria mesmo que a sate de muitos valesse mais que a pouces; mas raciocinar é coma corer, © no como camegar. Assim, um cavalo de comida sozinho coneri sempre mais do que cem cavalos fri- ses.” (GAULEU GALILEI: O Ensafador. “Na Cidade do Sol; havendo igual distribuicao de misteres, das ar- tes, dos empregos, das fadigas, cada iduo nao trabalha mais de quatro horas par dia, consagranda o restante ao estudo, & leitura, 8 discusses cien- tificas, a0 escrever, & conversacdo, 05 passeias, em suma, a toda sorte de exercicios agradavels € utels a0 corpo 2 mente.” CAMPANELLA; A Cidade do Sol. Os Pensadorés CIP-Brasil, Catalogagio-nna-Publicagtio ‘Climara Brasileira do Livro, SP Bruno, Giordano, 1548-1600, 39228 Sobre 9 infinito, 0 universo ¢ os mundos / Giordaao Bruno. O en- Saiador / Galilea Galile:. A cidade do sol / ‘Tommaso Campanella : tra- dugies de Helda Barraco, Nestor Deola ¢ Aristides Labo. — 3. ed, — ‘Sdo Paulo : Abril Cultural, 1983. (Os pensadores} Inclui vida e obra de Bruno, Galifeu © Campanella, Bibliografia, 1. Filosofia italiana 2. Filésofos modernos {, Galileu Galilei, 1564-1642. If. Campanella, Tommaso, 1568-1639. III. Tilo: Sobre 0 infinito, © eniverso ¢ os mundos, IV, Titulo: O ensaiador. W. Tul: A cidade do sol. VIL Série, CDD-195 830814 921.5 Indices para catilogn sistematico: Filosofia italiana 195 - Fildsofos italianos 195 Filosufos italianas ; Biografia 921.5 4. Italia - Filosotia 195 GIORDANO BRUNO SOBRE O INFINITO, O UNIVERSO EOS MUNDOS GALILEU GALILEI O ENSAIADOR TOMMASO CAMPANELLA A CIDADE DO SOL ‘Tradugdes de Helda Barraco, Nestor Deola ¢ Aristides Labo EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titutos origins: Texto de Giordana Brung: De 'lofirito, Universo e Mona ‘Texto de Galiten Galitet: 11 “Texte de Tommaso Campanal (© Copyright desta edicio, Abril 8. ‘Sto Paulo, 1973, — 2."edigae, 197 . Culraral, igo, 1983. ‘Traduglin publicads sob licens de D, Gloss Indubsrias Grificas §.A, (A Cudade do Sol Dircitos exclusives sobre as demas traduedcs deste volume, ‘Abril S.A. Cultural, Sio Paulo. usivos sobre “BRUNO — Vida ¢ Obra", “GALILEU — Vida © vida © Obra", Abril SA, Culloral, Sao Paulo, BRUNO VIDA E OBRA Consultoria; José Américo Motta Pessanha ORs foi caracterizade por profundas transforma- Ses ocorridas na vida € na vise de mundo do homem euro- peu, Os rizoniss Beagrificos alargaram-se com @ desenvolvimento da arte da navegagdo e as conseqiientes descobertas do caminho ma- ritimo para as Indias, do continente americano e do circuite para uma valta completa pelo ‘mundo. A classe social dos burgueses floresceu, a cidades dedicadas ao comércio intemacional enriqueceram e a economia curopéia deixcu de gravitar dentro das limitagées dos feu- dos medievais. A personalidade individual despertou @ os artistas en- contraram novos meios de expresso. Os pintores nao mais represen tavam as principais personagens de drama humano descarnadas @ in- seridas dentro de um mesmo pano de fundo dourado, como no estilo bizantino da Idade Média. Os grandes da época passaram a ser retra- tados com feigdes de homens de carne @ oss0 ¢ integrados em paisa gens naturais, chelas de montanhas, rios, arvores ¢ flores, A natureza, tevalorizada, era mostrada coma fonte de vida e beleza © n3o mais como © perigoso mundo material, acasido de pecado. Os misicos substitulam os sons monacérdios da canto-chio religioso pelas novas tonalidades do madrigal amoroso e cortesdo, prenunciando a polifo- nia barroca, Paralelamente, as regras da vida crist& estavam enfraque- cidas © @5 rigores da moral agostiniana ndo eram mais obedecidos com tanta severidade, A verdade @ que os homens estavam se relacio- nando dentro de novas coordenadas e a visin do mundo nao mais po- dia seguir a orientacdo teoctntrica, que prevalecera durante séculos na Idade Média. Como consegiéncia, engendraram-se transfornia- goes significativas no. pensamento cientifico e filasdfico, Maquiavel (1469-1527) funda uma nova ciéncia das assuntos politicos, desvincu- lando-a de preocupagées morais € religiosas. Erasma (1465/-1536), Thomas More (1478-1535) e outros humanistas renavam o estudo dos textos antigos e defendem o homem coma ser capaz de criar seu prd- prio projeto de vida. Montaigne (1533-1592) expressa o advento do individualisma do homem maderna e desenvolve uma atitude cética diante do mundo. © retome a Antiguidade faz ressurgir filosofias es- quecidas, quando nda condenadas, na Idade Média, como o estoicis- mo, © materialismo eo neoplatonismo, Uma nova orientaco é dada a0 estuclo de Aristételes, A religiaa soire abales profundos e cada vez mais se questiona a possibilidade de fundamenté-la racionalmente através da ostrutura val BRUNO: conceitual aristotélica, tal como a escoldstica havia feito. Surgem as fi- losofias mistico-religiosas de Agrippa von Nettesheim (1468-1535), Paracelsa (1493-1541) ¢ Jakob Bohme (1575-1624) © eclode a Refor ma de Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564). A revalorizacde do humano e da vida natural € presente inclul interesse pela natureza: a que antes era visto come mero local de ten- tagoes para uma alma que aspirasse a recompensas noutra mundo, torna-se objeto de conhecimento cientilico. Em conseqiéncia, desen- volvem-se tentativas de estude experimental dos fendmenos — esbo- caclas desde 0 século XII nas Universiclades de Paris ¢ Oxford. Esse po de investigacao @ que ganhani contornas definides com os traba- Ihos cientificos de Leomado da Vinci (1452-1519) e de outros pensa- dores, a prenunciar a ffsica de Galileu e Newton, desenvolvida no sé~ culo XVIII. Copérnico (1473-1543) formula a célebre teoria heliocén- trica, Tycho Brahe (1546-1601) faz observagées precisas sobre 9 mo- vimente dos astros e Kepler (1571-1630) prepara o caminho para a descoberta da lei da gravitagao universal de Newton. Todas essas transformagées nado se fizeram sem conflitos profun- dos, pois significavam de maneiras diversas, a derrocada de uma or- dem espiritual, social e econdmica, que ha séculos constitula o cere da vida européia. Os setores tradicionais ameacados reagiram © en- frentaram as inovacées, as vezes com violencia, levando 2 morte al- guns representantes da nova mentalidade. Foi 0 que aconteceu a uma das figuras mais representativas da Renascenca italiana: Giordano Bru- no. A heresia do livre pensamento Bruno nasceu em 1548, na pequena cidade de Nola, perto de Napoles, filo do militar joao Bruno e de Flautisa Savolino, Na pia ba- tismal recebeu o nome de Filipe, mudada depois para Giardano, quando vestiu © habito de clérigo no convento napolitano de Sio Do- mingos. Durante dez anos viveu a vida conventual até doutorar-se em teolagia em 1575. Nesse periodo estudou avidamente quase toda a filosofia grega ¢ medieval © a cabala judaica, deixando-se Impressio- far particularmente pelo ‘“onisciente Lulio” (1233-1315), @ “magnani- mo Copérnico” 2 o “divine Cusano” (1401-1464). Esses estudos aca+ baram por alastar Bruno da ortedoxia catélica e motivaram constan- tes censuras ¢ admoestades dos superiores. Afinal foi processado por heresia, mas salvou-se fugindo para Roma, Nao fica muito tempo nessa cidade. Abandona as vestes sacerdo- tais € peregrina pelo norte da Italia, ensinando astrenamia ¢ escreven- do uma pequena obra, hoje perdida, Sobre as Sinais dos Tempas. As autoridades eclesidsticas, ne entante, nado o tinham esquecide e, em 1579, € desterrada, passanda a viver na Suica e na Franca. Em Genebra, adere ao calvinismo, mas logo indispde-se com a intolerin- cia sectaria dos adeptos dessa corrente religiosa. E entao obrigado a deixar a cidade. Em Tolosa permanece durante dois anos ensinande na Universidade, onde se dedica sobretudo & arte combinatoria de Rai- mundo Lilio e a técnicas de memorizagéo. Em 1581 passa a viver em Paris, entre 0 6dio dos seguidores de Aristteles ¢ 9 entusiasme de al- VIDA E OBRA 1X guns colegas por sua inteligéncia brilhante @ extraordindria erudicao. Em 1582 publica As Sombras das Idéias, O Canto de Circe e Arquite- iura e Comentario da Arte de Lalio, todas versando sobre a mnemo- técnica ¢ a arte combinatoria de Raimundo Lali Em abril de 1583, a ameaca de guerra civil na Franga leva-c a abandanar o pals ¢ dirigir-se 4 Inglaterta, onde pubica Arte de Recor dar, Explicag.ia dos Trinta Selos e Sela dos Selas. Antes, parém, diri- ge uma carta as autoridades da Universidade de ©xford, em que soli- Cita liberdade para revelar publicamente o resultada de suas descober- tas filosdficas e a conseqtiente refutagao da filosofia dominante. aceito como professor, mas em pouco tempo entra em conflito com os doutores da universidade e, alguns meses depois, volta para Lon- dres. Na capital britinica, escreve e publica, no espaco de dois anos, varias obras: Cela das Cinzas, Sabre a Causa, @ Principio & 0 Uno, Despacho da Besta Triunfante, Cabala do Cavalo Pégaso, O Asno Ci- Iénico, Dos Herdicos Furores © Sobre o Infinite, @ Universo ¢ os Mun- dos. No outono de 1585 esta de novo na Franga e publica Arvore dos Fil6sofos, hoje perdida, dois didlogos exaltando pretensas descober- tas de seu campatriota Fabricio Mordente e dois livras sobre Aristéte- les, Um deles expoe e comenta a fisica aristotélica, opondo-se a ela. Sua oposi¢ao 45 doutrinas do fildsofo grego é reafirmada, ainda com mais vigor, nas Cento e Vinte Teses Antiperipatétivas sobre a Nature za ¢ 0 Mundo. Com isa irtita novamente os doutores da Sorbanne & ¢ obrigado a deixar outra vez a Franca, procurands reftigio na Alema- nha. A Universidade de Wittenberg o acolhe em nome da liberdade de pensameno © Bruno ganha condi¢des para publicar outros escri- tas sobre Lilia © contra 05 aristatélicos. A atmosfera favordvel, contu- do, comega a mudar com a preponderdncia progressiva das calvinis- tas, que jd tinham criado problemas para cle em Genebra, Dirige-se entdo a Praga, onde permancce por pouco tempo e, em 1586, muda-se para Helmstadt, unde fica durante um ano ¢ meio, produzinds fecundamente, Ao contrdria das obras redigidas na Inglaterra, em italiano, em Helmstadt escreve em latim sobre divexsos assuntos: imagens, signos e idéias, mnemotécnica, magia e metatisi~ ¢a, O mais importante, contudo, sio trés grandes poemas latinos: Sa- bre o Triplice Minimo e a Triplice Medida, A Ménada, 0 Numero e a rare € Sabre © Imenso ¢ Inumerdvel ou Sobre o Universo e a5 Mun- 10s, &m junho de 1590, Giordano Bruno deixa Helmstadt e dirige-se- para Frankfurt-am-Main, onde permanece até a primavera do ano se- guinte, Nessa cidade recebe insistentes convites para retornar a Italia, por parte de um veneziano, chamado Jodo Mocenigo, que deseja co- phecer os segredos da mnemotécnica, Pela desejo de rever a terra na- tal ¢ de reintegrar-se no seio da Igreja, Bruno acaba por atender A soli citagéo. Em agosto de 1591, chega a cidade de Padua, onde reencon- tra um fiel discipulo, Bessler, a quem dita duas obras: Sobre as Forcas Atrativas em Geral ¢ Sobre os Sclos de Hermes ¢ de Ptolomeu, Em se- guida, muda-se para Veneza, hospeda-se na casa de Mocenigo ¢ co- mega a ensinardhe a arle de memerizar, 0 aluno, contuda, decepcia- na-se, pois esperava conseguir de mestre al; toque lhe permitisse alcancar a sabedoria defi x BRUNO. Bruno, porém, ndo percebeu o estado de espirito do aluna. Iria pagar caro pela desatencdo. Em maio de 1552, quando faz preparati- vos de viagem para Frankfurt, a fim de publicar As Sete Artes Liberais e Inventivas, € preso por Mocenigo na dgua-turtada de sua prépria ca- sa. © aluno exige uma declaragdo em que Bruno afirmasse ter-the transmitido apenas os segredos da mnematécnica, Nao conseguindo seu intento, Mocenigo entrega Bruno ao tribunal do Santo Oficio, jun- tamente com manuscritos nao publicados. Entre estes, encontravam- se duas obras, hoje perdidas: Sobre os Atributos de Deus e Pequeno Liveo de Conjuracées. Iniciaco o processe, em 3 de julho de 1592, Bruno declara estar arrependido de todos os errs que porventura tivesse cometido e pron- to para reorientar toda sua vida. Nesse ponto, o pracesso poderia ter- se encerrado com a absolvic¢ao, mas 0 papa nao o permitiu e fez com ue 0 processa passasse ao tribunal do Santo Officio em Roma. Em ja- neiro de 1593, Bruno ¢ entregue as autoridades romanas ¢ encarcera- do durante sete anos, ao fim dos quais 6 condenado & morte na fo- gueira, juntamente com suas obras consideradas heréticas, No dia 17 de fevereiro de 1600, Giordano Bruno é executade no Campos das Flores. Contra a ortodoxia escolastica Muito antes que isso acontecesse, Bruno ja sabia de seu destino, Nos proémios do Despacho da Besta Triunfante e Sobre 0 Infinite, o Universo © os Mundos declara-se perfeitamente consciente de que se. fia “odiado e censurado, perserguido e assassinado’’. Assim, apesar de n4o pader esperar éxito com seu estudo e trabalho, antes motives de desgosto que o aconselhavam a “calar-se antes que falar’, Bruno, som os olhas fixes na eternidace, tanto mais se esforga “por fender a corrente adversa de tio impetuoso”, quanto mais vé “aumentada a veeméncia da mesma por seu trajeto agitade, profundo e precipita- do”. Par isso, empenhou-se em luta encaricada contra a ignorancia, © preconceito, o dogma e a intolerincia, achando ser “digna de mer- cendrios ou escravos e contririo 4 dignidade humana sujeitar-se e sub- meter-se”, Bruno néo queria submeterse A aceitag’o passiva da artadoxia escalastica, que conheceu no convento dominicano de Napoles ¢ que constitula a cléncia oficial da sua época. Essa ortodoxia tinha si- do formulada, nos seus principios essenciais, pelos tedlogas © fildsa- fos da Idade Média. quando integraram num todo unitério as doutri- nas provenientes da revelacdo dos textos biblicos eo pensamento ra- cional aristotélico. O sistema teolégico-filaséfico resultante tinha como uma de suas pecas bisicas a astronomia de Ptolomeu e afirmava ser a Terra um ponto imdvel privilegiado, centro do movimento circular de todos os corpos colestes. A esea astronomia juntava-se a concepcdo de que, ex- cetuando-se 0 movimente circular unifarme, impresso por Deus aos corpos celestes, todos os demais movimentos sin imperteigtes, cons- tituindo transgressOcs ou reparagdes de transgressdes da ordem divina, VIDAEQBRA XI A visio do mundo contra a qual Bruno se insurgiu fol a de um universe de coisas fixas criadas par um Deus transcendente. & tal con Cepgao ele contrapas as descabertas astronémicas de Copérnico, que Contrariavam 0 préprio nticleo da concepgo medieval. Ao formular © sistema heliocentrico, Copérnico pds por terra a idéia hasica da as- tronamia de Ptolomey, atribuindo a Terra uma situagao secundaria. Bruno viu as implicagGes da teoria coperniciana € defendeu o astréno- mo polonés dos ataques dos doutores da Universidade de Oxtord, no liv Ceia das Cinzas. Contudo, ao mesmo tempo critica-o por ser “apenas um matematico”, que nao foi capaz de ver o verdadeiro sig- nificado de suas descobertas. Esse significado Bruno foi buscar em ou- tras fontes bem diferentes, construinda uma cosmologia cujos tragos principais s4o 0 patelsmo e o animismo. O universo vivo ¢ infinito ‘Giordano Bruno yé 0 Universo como um sistema em permanente transformagao, no qual, como jA afirmava Hericlito de Fieso, todas as coisas sdo € nSo sdo ao mesmo tempo. O mundo nao é, como pre- tendia 0 aristatelismo — filosofia que simboliza, segundo Bruno, tude que é morto © seco no universo —, uma estrutura hierarquizada na qual_o movimento (atualizacdo de uma poténcia) seria comandado, em altima instancia, pela estdtico (o ato puro do imével primeira mo- tor). Ao contrario, 0 Universo seria um todo no qual nada é imdvel, nem mesmo a Terra, como afirma a antiga rcligido dos egipcios e Co- pérnico viera confirmar cam seu heliocentrismo. © movimento de tadas as coisas, contudo, nao seria de natureza puramente mecdnica, como se o mundo fosse um jogo de particulas moveis, cujo deslocamento e cujos entrechoques resultariam de um movimento inicial comunicado por um ser superior. O movimento, para Bruno, seria da natureza dos seres vivos e todas as coisas possui- Fiam um principio animico, que as faz transformarem-se permanente- mente O principio animico, para Bruno, ndo se distingue da propria ma- WGria animada, A metafisica que cle propde constitui, assim, um rigo- roso monismo materialista. Nao existe, para ele, duas substancias (matéria e espirito) distintas, Tudo o que existe estaria reduzido a uma Unica essencia material provida de animacao espiritual, A matéria animada, por outro lado, carregaria dentro de sia prd- pria divindade ea doutrina formada por essa idéia constitui © panteis- ma de Giordano Bruno, A ortodoxia cristé, apoiada na metafisica aris- totélico-tomista, colocava Deus como primeira causa, motor imével ¢ perfeigéo absoluta, que seria vansendente, ou seja, com existéncia plena e separada de suas criaturas. Bruno, ao contrdrio, concebe Deus como imanente ao Universo © idéntico a Ele. Deus nao seria um ser que trvesse criada © Universo, mas seria 0 propria mundo. A hatureza investigada e xaltada pelos homens da Renascanca atinge, desse moda, 2 sta rmais completa valarizag3o: torna-se divina. Ao pantefsmo e ao animismo articulam-se outras teses do pensa- mento de Giordano Bruno. Para ele, 0 Universo nao é finite e limita- da, como pretendia a cuncepgao medieval, mas infinite e ilimitado, XI BRUNO Cronologia como afirmou Lucrécio (c. 98 a.C.-55 a.C.) no poema Da Natureza, repetindo a tese dos antiges atomistas gregos. A Terra nao seria o cen- tro privilegiado de Universo, come mostrou a astronomia de Copérni- co, © existiriam inumeraveis murlos habitados, como também se le em Lucrécio. © homem € visto per Bruno como um ser privilegiado que reflete em si a totalidade do Universo e é capaz, portante, de penctrar-lhe to- dos os segredas. A mente humana scria idéntica & mente divina que compoe o cere de todas as coisas. Exercer as faculdades de imagina- cdo e meméria (esta entendida no sentido amplo de recepticulo de to- da a vida espiritual), permitiria aa homem ascender a verdades ocul- tas do Universo. Fazer isso nao seria apenas uma tarefa de ordem cog- nitiva, mas sobretudo uma obrigacéo moral ¢ religiosa. Essas idéias ele as sintelizou numa metafisica estética, bem ao gosto da Renascenca italiana e proveniente de diversas fontes. Concei- tos fundamentais chegaram a Bruno a partir de Heniclito e dos mate- fialistas gregos. Outros elementos slo aqueles que o ligam ao neop! tonisme de Marcilio Ficing (1433-1499) e Pico della Mirand (1463-1494). A influéncia predominante, contudo, foi a da antiga rel giao egipcia do cult ao deus Toth, escriba dos deuses, inventar da es- crita @ patrono de todas as artes @ ciéncias. A Hermetica (do deus gre- go Hermes Trismegisto, identificado com Toth pelos neoplatbnicos) desempenhou papel fundamental no pensamento de Bruno, com a ampla difusio que teve na Renascenca. Quando inquirido sabre as causas do movimento da Terra, na Ceia das Cinzas, Bruno responde com uma citagdo quase literal de textos herméticos. Quanto 2 influéncia que Bruno exerceu nos fildsofos posteriores é inegdvel o parentesco que existe entre seu pensamento ¢ o panteis- mo de Espinosa (1632-1677). Por outro lado, ao transtormar os dto- mos do materialismo de Demécrito, Epicura e Lucrécio em ménadas animadas magicamente, Bruno prenunciou a monadologia de Leib: niz, Também o materialismo dinamico de Diderot (1713-1784) deve muito a ele. Para a histéria da ciéncia, Bruno contribuiu com uma no va viséo do universo, impregnada embora de elomentos animistas e poéticos. 1548 — Giordano Bruno naseo em Nala, pevto de Népoles 1550 — Sao publicades @ Tratade dos Lsctindatos de Calvino @ as Odes de Ronsard. 1551 — Reabertura do concilio de Trento. 1553 — Os franceses pilham Havana e tentam estabelecer-se no Brasil. Cal- vine reprime uma tentativa de revolta em Genebra. 1562 — Bruno muda-se pare Ndpotis. 1364 — Mone de Calvino. Nascimento de Galileu. 1565 — Fim junbo, Bruno veste 0 hatnto de clérigo. 1566 — Jean Bodin publica o Métode para o Facit Conhecimenta aka Hist fia, 1575 — Bruna toma-se dowtor em teolagia. Bibliografia VIDA EOBRA Xill 1578 — Bruna publica Sobre os Sinais dos Tompos, pequena obra que se perdeu. 1579. — Bruno vai para Tolosa, onde recebe a tituls de doutor em artes. 1582 — Bruna escreve ¢ publica As Sombras das Idéias, O Canto de Circe e Arquitetura e Comentario da Arte Combinatéria de Raimundo Lili. 1583 — Deixa Paris com destino as llhas Britdinicas. 1584 — Escreve e publica Ceia des Cinzas; Sobre a Causa, o Principio eo Uno; Sobre o Infinito, © Liniverso e os Mundos ¢ Despacho da Sesta Triun- fenie, 1585 — Publica Cabala du Cavalo Pégaso, © Asno Cilénico © Dos, Herdicos Furores. Regressa a Franca. 1586 (2) — Bruno deixa a franca, proocupado com eventuais perseyuicdes. Ghrém a cétedra em Wittenberg, 1591 — Bruno regressa alla 1392 — Eencarcorado pelo Santo Olicio, 1596 — Nascimento de Descartes. 1600 — Bruno é condenecto e executado, Moncoire, Rooows: Figuras e Indias da Renoscenga, Mestre Jou, Sio Paulo, 1967. Casters, Eensi: El Problema def Conocimienta en ia Filosofia y en la Ciencia Seen vol. 1, Fonde de Cultura Ecandmica, Buenos Aires, 2. edigdo, 1 Gireut, Giovanne Giordano Bruna e 1! Pensiero del Rinascimento, Florenca. 1920, ‘Cowsano, Awtowa: Il Pensiero di Giardano Bruna nel sua Svolgimanto Storico, Florenga, 140, Fraccas iruno, Fratelli Bocca, Milo, 1951, Micna, P. H.3 La Cosmalogic de Giordano Bruno, Hermann, Paris, 1962, Mekcan, Avs if Sommatia de! Processo di Giordana Bruno, Cidade do Vaticas no, 1946, Ross, Proto: Clavis Universalis, Millio, 1960. Trowo. E.: La Filosofia di Giordano Bruno, Roma, 1913, Nawtk. E.: Les Aspects de Dicer dans Ja Phifosophie de Giordano Brand, Paris, 19237, Train, E.« Nawre, Eu: il Problema della Materia in Giomlana Brno e Mnterpre= fazione di Felice Tocco, Bylichnis, Roma, 1927. Tocco, Fiuct: be Fontt mii Kecenti della Filosofia def Bama, Accademia Lin cel, Roma, 1892, GIORDANO BRUNO SOBRE O INFINITO, O UNIVERSO EOS MUNDOS Tradugau de Hella Barriwo © Nestor Deola (Ejiistila Preaaiuiar) Spel ia Teli ee beet) a * EPISTOLA PREAMBULAR PARA OILUSTRISSIMO SENHOR MICHEL DE CASTELNAU Senhor de Mawvissiére, Coneressauit e Joinville, Cavaleiro da Ordem do Rei Criscianissimo, Consethetro do seu Conselho privade, Capitdo de cinglienta homens de armas, ¢ Embalxador Junto a Serenivsima Rainka dé Ingleterra. Se eu, ilustrissimo Cavaleiro, mangjasse um arado, apascentasse wat rebanho, culti- vasse uma horta, remendass¢ uma veste, ninguém me daria atengiio, poucos me abserva rium, raras pessoas me censurariam © eu poderia facilmente agradar a todos. Mas, por ser eu delineador do campo da nutureza, por estar preocupado com o alimento da alma, intecessado pela cultura do espirito e dedicado & atividade do intelecto, eis que os visados me umeagant, Os observados me assaltam, 08 atingidos me mordem, os desmascarados me devoram, E no é x) um, nao so paucos, sin muitos, s2o quase todos, Se quiserdes saber por que isto acontece. digo-vos que o motive é que tudo me desagrada, detesto o vulga, a multidio ndo me contents. Somente uma coisa me fasgina: aquela em virtude da qual me sinto livre na sujeigio, contenta no sofrimento, rico na indigencia ¢ vivo na morte. Aquela em virtude da qual iio invejo os que S80 servos na liberdade, sofrem no. praxer. sio pobres nas riquezas e mortos em vida, porque trazem no proprio corpo 0s gr Thdes: que as prendem, no espirito o inferno que os oprime, na alma o erra que os debilita, fa mente o letargo que os mata, No hi, por isso, magnanimidade que os liberte nem longanimidade que os cleve, neni esplendor que os abrilhante. nem ciéncia que 0s avive, Dai suesde que alo arredo o pé do arduo caminho, como se estivesse cansado. Nem, por indoléncin, cruzo os bragos dante da obra que se me apresenta. Nem, qual desesperado, volto as cosas aa inimigo que se me apde. Nem, como desnorteado; desvio es athos do divino objeto. No entanto, sinto-me geralmente apontado como um sofisti, que mais se preccupa em parecer sutil do que em ser veridica. Um ambicioso. que mais Se esforga por suscitar nova ¢ falsa seita do que consolidar a antiga e verdadeira. Um Wapaceiro, que persegue avidamente 0 resplendor da gldria. prajetando as trovas das erros. Um espirito inquieto que subverts os edificios da boa disciplina, tornando-se maguitader de perversidades, Oxali, Senhor, os santos numes afastem para bem longe de mim todos aqucles que injustamente me edeiam. Que sempre me seja propicio o meu Deus. Oxald me sejui favoraveis todos os gavernantes do nosso mundo, Oxalit os astros 4 BRUNO me tratem tal como a semente o faz a0 campo ¢ o campo a semente. de forma que aparc~ 8 a0 mundo algum fruto itil e glorioso do meu trabalho, por despertar o espirite © abrir ‘9 sentimento dqueles que estae privados de luz, Pais, em verdade, cu no me entrego & fantasias, e, se erro, nio creio errar intencionalmente; falando e escrevendo, nao disputo pelo simples amor da vitéria em si mesma (porque eu considero inimigas de Deus, abje- tag sem motivo de honra todas as reputagdes e vitérias, quando nao fundamentadas na verdade), mas por amor da verdadeira sabcdoria ¢ por dedicagdo a verdadeira conteme plagdo eu me afadigo, me sacrifico, me atormento. Eis 6 que irao comprovar os argumen- tos demonstrativos, baseados em racincinios validos que procedem de um j informado por imagens no falsas, as quais, como verdadeiras embaixatrizes. despren- dem-se das coisas da natureza e se tornam presentes Aqueles que as procuram, patentes aqueles que as contemplam. claras para os que as assimilam. certas para todos aqueles que as comprcendem. Eis. pois, que agora vos apresento a minha especulagao acerca do infinito, do universo ¢ dos mundos inumeriven Argumento do Primeiro Didlogo Encontrareis, portanto. no primeira didlogo: Primeira, a inconstancia dos sentidos demonstra que ¢les niio siio prinefpio de certe- xa ¢ aio & determinam senao por certa comparagdo e conferéncia de um objeto sensivel com outro ¢ de uma sensago cam outra. Dai se infere que a verdade é relativa nos diver 80s sujeitos. Sequtdo, inicia-se a demonstrar a infinidade do univers, ¢ s@ apresenta o primeiro argumento, tirado do fato de ndo subsrem onde termina o mundo aqueles que por obra da fantasia querem Ihe fabricar muralhas. Fereviro, © seguinte argumento se depreende de fato de ser inconveniente afirmar que o mundg é finito e que existe em si mesmo, porque isto convém waicamente 20 ilimi- lado. A seguir, tira-se © terceiro argumento da inconveniéneia ¢ impossibitidade de ima- ginar o mundo como existinde em nenhum lugar. pois de qualquer modo se coneluiria dai pela sux inexisténeia, alendendo que Lodas as coisas, sejam clas corpéreas ou incor- ndrews, corpérea ow incorporeamente, significa lugar. Quarto, este argumente decorre de uma demonstragio ou questiio muito premente, que fazem os epicuristas: Depois, sv se aceilar que todo @ espace é finito e se alguém chegar corrende wos tiltt mos bordos ¢ dat iangar um volétil dado, achas que. arremessado com toda a forga, s¢ divigiré aonde foi atirado, voando ao Jonge, au te pureve gue alguma coise 0 poderd impeidir ou deter? Efetivamente, quer haja win obstéculo que o impeca de atingir 0 ponro eonde foi arremessaio, ai parando, quer prossiga a carrelra, 0 que é certo é que ndo partiu do extreme limite." Quinta, 4 delinigie de lugar, proposta por Aristételes, nao convém an primeira, maior ¢ mais comum dos lugares. Nem vale tomar a superficie prixima ¢ imediata 20 Lverteio. da Mararese 1.98 T2977. 79. (Nada TS) SOBRE 0 INFINITO 5 sonteido, ¢ outras leviandades que fazem do lugar uma coisa matematica e nio fisica. Admito que entre a superficie do continente e do conteddo, que nela se move, sempre & necessario que haja espago interposto. ao qual convém, antes de tudo, ser lugar. se qui- sermos tomar do espago apenas a sua superficie, & preciso que s¢ va procurar no infinito um lugar finito, Sexto, nao se pade fiigir ao vécwe sepondo © mundo finito, se 9 vacuo & aquilo em que nada existe, ‘Sétima, assim como o espago am que esti este mundo seria o vacuo se ai nao se encontrasse este mundo, assim também onde nao esta este mando se supde o vacuo. Por- tanto, fora do mundo este espaco nao é diferente daquele: logo, a aptidao que este possui aquele também possui. Por conseguinte, possui também o ato, porque nenhuma aptiddo @ elena sem ato e por isso tem eternamente o ato unido. ou melhor. ela propria é ato, dado que no eterno nao sao diferentes o ser ¢ 0 poder scr. Gitava, nenhum dos sentides nega o infinita, visto que néo 9 pademos negar, pelo fato de niio compreendermos © infinite com os sentidos; mas, como os sentidos siio compreendidos por ele ¢ a raz&o vem confirma-lo, somos obrigados a admiti-lo. Alias. se considerarmos mais atentamente, os préprios sentidos o poem infinito, porque sempre vemos Uma Coisd compreendida por cutra ¢ jamais percebemos. nem com os sentidos externos nem com os sentidos internos, uma coisa niio comprecndida por outra. ou algo parecido: Finalmente, peto que se passa d nossa vista, cada objeto parece limitar outro objeto: 2 ar limita as colines, os montes limitam 9 ar, e @ terra 0 mar, e, por sew turno, o mar ter- mina todas as terras; mas, na verdade, nada hd, pura aiém do lode, que ihe sirva de Uinaite. Efetivamente, por todo o lado, abre-se ds coises, em toda diregdo, um espago sem timites.* Portanto, pelo que vemos é necessario afirmar o infinito, porque nenhuma coisa nos ‘corre que nao seja terminada por outra, ¢ nfo temos experiéncia de nenhuma que seja terminada por si mesma, Nono, nao se pode negar 0 espaga infinito seniio com as palavras, como 0 fazem os obstinados, tendo considerado que o resto do espago onde nio hi mundo e que se chama véicuo, ou também se imagina como o nada, ndo se pode entender sem uma aptidiv para conter loutro mundo! niio menor do que este que ja contém, Décimo, assim como & bom que exista este mundo, é igualmente bom que exista cada um de infinitos outros. Décimo primeiro, a bondade deste mundo nao é comunicavel 2 ouro mundo que possa existir, assim come o meu ser nda & comunicivel ao ser deste ou daquele. Décimo segundo, nem a razio nem os sentidos consentem que, como se admite um dividuo infinito, sumamente simples ¢ concentrado, nao s¢ deva admitir um individu corpéreo ¢ explicito. Déeime terceira, este espago da mundo, que nos parece tho grande, nao parte nem % todo em relagao ao infinito, nao podendo ser sujeito de uma operagiio infinita, em fave da qual é um nio-ser tudo aguilo que a nossa insuficiéncia pode compreender. E se res- pande a eerta objepio, que nds nde postulamos o infinits em virtude da dignidade do © Luerexio: 2e Numurvea, 1, 998-1001, 1006-1007. (N. do Tp € BRUNO eypago, mas sim em virtude da dignidade das natureaas; pois a razdo que justifica a exis: téncia disto justifica também a de tudo aquilo que possa existir. cuja poténcia nia é atua- da pelo ser deste, como a poténcia do ser de Elpino nao ¢ atuada pelo ato do ser de Pracastério. Décime quarta, se a poténcia infinita ativa realiza o ser corpéree e dimensional, este deve nevessariamente ser infinito; doutro modo, altera-se essencialmente a natureza a dignidade de quem pode fazer ¢ de quem pode ser feito. Décimo quinto, este universo, tal como é vulgarmente concebido, niio se pode dizer que compreende a perfeigio de todas as coisas, sendo como eu compreendo a perleigao de todos os meus membros. ¢ cada globo tudo aquilo que esti nele. Em outras palayras, & rico todo aquele a quem nao faita nada dayuilo gue tem. Décime sexto, de quaiquer modo, 6 eficiente infinito seria deficiente scm a cfcito, ¢ no podemos entender que tal efcito seja apenas ele proprio. Acresce que por isto, sc assim for ou se é, nada se tira daquilo que deve existir no que é verdadeiramente efeito, onde os tedlogos chamam de agao ad exira (para fora) e transitdria, distinta da agie ima- mente; porque, assim, € conveniente que scjam infinitas tanto una como a outra. Décimo sétimo, afirmando, segundo 0 nosso ponto de vista, que o mundo é ilimita- do, consegue-se a paz clo intelectos mas, dofendendo a posigao contriria, surgem sempre imumeraveis dificuldades ¢ inconvenientes, Além disso, faz-se a réplica ao que foi apre- sentado no segundo ¢ no terceiro itens [deste didlogol. Décima oitave, se o mundo é esferioo, tera forma ¢ limite. ¢ o limite que esti pat além deste ser que possui forma e limite (ainda que agrade a alguém chami-lo de nada) também possuira forma, de sorte que o seu cdncavo esteja junto ao convex deste mundo, porque, onde comega aquele rade pelo menos ali existe uma concavidade indis Cinta da superficie convexa deste mundo. Décima nono, acrescenta-se alguma coisa ac que ja foi dito no segundo. Vigdsimo, faz se uma replica ao que foi discutido na décimo. Na segunda parte deste didlogo, 0 que ficou demonstrado quanto 4 poténcia passiva do univers se demonstra também para a poténcia ativa do eficiente, com varias razdes a mais; a primeira delas conctui-se do fato de a divina poténcia néo dever ficar ocinsas tanto mils ponde o efeite fora da propria substincia (se $ que se admite existir alguma goisa fora desta); ¢ do fato de néo ser menos ociosa ¢ invejasa produzindo efeito finito, do que nao produzinde nada. A segunda razio se tira da pratica, pois no caso contrario se suprime a razao da bondade ¢ da grandeza divinas, E desta nossa proposigde nao deri- va inconveniente algum contra qualquer lei ow ensinamento da teologia. A terceira muito semelhante 4 décima sepunda da primeira parte. ese torna a apresentar a diferenga entre © todo infinito e © totalmente infinite. A guarta mostra que, niio s8 por no querer, mas também por ado poder, a onipoténcia & censurada por ter feito @ mundo finito € por Serum agente infinite em relagao a um sujeito finite. Aquinta induz que se [o agente infinito] nao faz © mundo infinito, nao pode absolutamente fazé-lo; &, se ndo tem poder para o fazer infinito, ndo pode ter vigor para © censervar no infinita, ¢ que, se é finite segundo uma razao, ver a ser finite segundo todas as razSes, pois nele cada modo ¢ coisa, ¢ toda coisa ¢ modo so uma ¢ a mesma coisa. A sexta é convertivel na décima da primeira parte. E se aduz a causa pela qual os tedlogos defendem o contrario, nao sem uma razdo plausivel, e se fala da amizade entre eates doutas eax deutos fildsafox, A Séllma razi0 propée o argumento que distingue 2 potancia ativa das diversas aydes ¢ resolyc (ais diffculdades. Demonstra-se, além disso, a poléucia imwnsiva ¢ exten- SOBRE 0 INFINITO 7 sivamente infinita com uma profundidade jamais atingida pela Comunidade dos teblogos, Pela oftava prova'se que o movimento dos mundos infinitos no é originade por motor extrinseco, mas pela prépria alma deles, © como, apesar de tudo isto, existe um motor infinito, ‘A ntona razio demonstra camo 0 movimento intensivamente infinito se verifica em sada um dos mundos. Ao que se deve acrescentar que do fato de wm mével se mover ¢ ser movide, simultancamente, resulta que pode ser visto em cada panta do cireulo que faz em tomo do proprio centro. Mas teremos outras oportunidndes para responder a esta objegao, quando far licito apresentar a doutrina mais conhecida. Argumento do Segundo Didlogo © segundo dillogo segue as mesmas conclustes. Em primetro lugar. apresenta qua: tro razdes. a primeira das quais se basein no fato de todos os atributos da divindade serem como cada um. A segunda provém do fato de que-a nossa imaginagao nao deve poder se estender mais do que a agio divina, A tereeira, da absoluta identidade entre o intelecto ea ago divina, que aio entende o infinito menos do que o finito. A quarta Prova que, se a qualidade corpirea, isto a qualidade que nos & sensfvel, tem poténeia infinjta ative, o que niio acontecera com a que existe em toda a poténcia ativa e passiva absoluta? Segundo, demonstra-se que uma coisa corpérea nao pode ser limitada por uma ‘coisa incorpirea, may pelo vécuo ou pelo pleno. E. de qualquer moda, fora do mundo existe © espace, que, afinal, nao & mais do que a matéria ¢ a propria poténcia passiva, onde a niio invejosa ¢ nao ocivsa poténeia ativa deve se transformar em ato, Também se semonstra a inconsisténcia do argumento de Aristételes aceroa da impossibilidude de coexistincia das dimensdes, Fereeiro, ensina-se a diferenga que existe entre o mundo ¢ o universo, pois quem diz a universo infinite ¢ uno faz necessariamente distingaio entre estes dois nomes. Quarto, apresentam-se as razdes comtririas, pelas quais s¢ julga o universe finito, Aqui Elpino menciona todas as sentencas de Arisniteles © Fildteo as vai examinando. Algumas sio tiraday da natureza dos corpos simples, outras da naturezn dos corpos compostos. Demonsira-se ainda a inconsisténcia de seis argumentos inferidos da defini. sho dos movimentos, que nao podem ser perpétucs, ¢ de outras propasigGes semaethuntes, que nao apresentam fundamentw algum, coma se verifica pelos nossos raciocinios, Estes fardo ver mais naturalmente a racio das diferengas © tema do movimento, ¢, quanto o permite i oeasiiie © © lugar. mosteam o conhecimenta mais real acerea do impuls grave ¢ leve. Parque por exion racioeinios demonstramos como 0 evrpo infinito no & grave nem leve © como 0 corpo finito pode ow nic softer {ais alteragdes, E dai ve torna finda mais evidente 2 inconsistineia dos argumentoy de Aristoteles yuey pura atacar as posigdes dagueles que consideram @ mundo infinito, pressupde o meio e.# cireunferéncia, Pretendende que a terra ocupe o centro no finito ov no infinko, Em conclusio. nao existe argumenta prande au pequeno. que tenha indurido esse fildsofe a destruir a infinidade do mundo, tanto no primeiro livre Do Céw e Mundo, como no tereeiro Ba Auscultado Fisica, averea do qual no se discorre mais do que o suficiente & BRUNO Argumento do Terceiro Didlogo No teroeiro didlogo negn-se, em primeiro lugar, aquela fantasia tola sobre a forma, as esferas ¢ os diversas clus, ¢ se aflrma ser dnicu © céu, que é um espaco geral que abar- ca 0s infinitos mundos, se bem que ndo neguemos serem muitos, antes, infinitos os céus, tomando esta palavra em outra acepgao. Pois, como esta terra possui o scu ctu, que & a stia fegidio, na qual se move ¢ a qual percoree, assim cada uma de todas as outras inume- riveis terras. A seguir declara-se como foi que se imaginaram tais e tantos méveis defe: rentes, formados de tal modo que apresentem duas superficies externas ¢ uma cavidade interna. E outras receitas ¢ medicamentos que provocam nauseas-¢ horror aos proprios que 63 ordenam © cxccutam, ¢ aos miseros que os ingerem, Segundo, adverte-se que o movimento geral ¢ 0 dos assim chamadas excéntricns © de quantos se possam referir a tal firmamento sso todos fantitsticos. Que. realmente. depcndem de um movimento que a terra faz com o seu ceatro, pela ecliptica, € outras quatro eapécies de movimento que executa em torno do centro da propris massa. Donde se conclui que o movimento proprio de cada estrela se toma da diferenga que, subjetiva- mente, sé pride verificar nela, como mével que se move per si proprio no campo do espa- 0, Esta consideragdo nos faz compreender que todas as argumentagses acerca clo movel e do movirnento infinito so vis e fundadas sobre a ignoriincia a respeito do movimento deste nosso globo, Terceiro, afirma-se que nio existe estrela que nao se mova como esta ¢ #3 outras que, por nas serem vizinhas, nos fazem conhecer sensivelmente as diferengas loeais dos seus movimentos, Mas que & diferente o modo de s¢ moverem os séis, que sia corpos onde predomina o fogo, da modo de se movereny as terras, onde a gaa predomina, E finalmente s¢ demonstra de onde provém a luz difundida pelas estrelas, das quais algu- mas brilham por si préprias ¢ outras por influéncia alheia. Quarto, mostra-se de que mancira os corpos extremamente distantes do Sel podem igualmense, como aqueles que estio mais proximos, participar do calor, refutando-se a sentenga atribulda a Epicuro, segundo a qual pretende que um sol seja bastante para 0 universo infinito. Apresenta-se¢ a verdadcira diferenga entre os astros que cintilam e 08 que nao cintilam. Quinro, examina-se a afirmagio de Nicolau de Cosa x respeito da ma possibilidade de os mundos serem habitados ¢ a respeito da razio da luz. Sexto, embora existam corpos por si luminosos ¢ quentes, nem por isso o sol brilha para o sol, nem a terra brilha para a terra, nem a agua para @ propria dgua, mas a luz provém sempre do astro oposto, coma vemos sensivelmente todo o mar resplandecente, ‘quando nos encontramos em lugares elevados, como nos montes, E extando nds no mar ‘ou no prdprio campo, nao os vemos resplandecer sendo quando, a poucs distancia, a luz do sol ou da lua se Thes opde, ‘Sétimo, discorre-se averea da inconsisténcia das quinta-cisencias. E 50 declara que todos 0s corpos sensiveis nio sie diferentes ¢ ni sdo constituidos por outros proximos ¢ primeiras principios que nao sejam estes; ¢ que ndo se movem de outro modo, tanto em. fnkia reta quanto em circulo, Tudo sera teatado com razdex mais aeomodadas:0 senso comym, enquanto Fracastorio se acomoda a capacidade intelectual de Birquio, Torna-se também evidente que ado existe aqui acidente que niio se pressuponha la, como nao hi ue da SOBRE O INFINITO * coisa que fi se Veja dagui, a qual, se bem considerarmos, no se veja aqui, de la. Conseqtientemente, a bela ordem e hierarquia da natureza é um sonho ingénuo eum gra- cojo de velhas deerépitas. ‘Ditava. prova-se que, embora seja verdadeira a distingfio dos elementos, nao existe de modo algum essa ordem sensivel ¢ inteligivel dos elementos, como vulgarmente sc supe. E, segundo o proprio Aristételes, os quatro elementos so na mesma proporgio partes ou membros deste globo, se niio quixermos assegurar que a digua excede os outros, De onde, com justeza, os astros sio chamados ora de agua, ora de fogo. tanto pelos verdadeiros fildsofos naturalistas como pelos divinos profias ¢ poetas, que nde contam Abulas nem falam por metiforas. deixando aos pretensos fildsofos essas fabulas ¢ pueri- lidades. Assim se compreende serem 0s mundos estes corpos heterogéneos, estes animais, estes grandes globos, em que a terra nao é mais grave do que os outros elementos ¢ em que todas as particulas se movem, mudando de lugar ¢ disposigada, do mesmo modo que © sangue outros humores, espiritos ¢ particulas que em nds e noutros pequenos animais fluem. refluem, influem ¢ efluem. A este propisite se evora uma comparagio pela qual se verifica que a terra, pelo impulso para o centro da sua massa, nfo se torna mais pesa- da do que outro corpo simples que concorra para esta composi¢ao, E que a terra, por si, ndo é grave, nem sobe nem deses, Que a agua é que produz unilio, a densidade, a cspes- sura e a gravidade. None, da inconsisténcia da famosa ordcm dos elementos se infere a razio dos cor- pos sensiveis composts, 0 quais, como Cantos animais ¢ mundos, existem no espagoss campo que é 0 ar, 0 céu, 0 vicuo, Aqui se encontram todos os mundos que ndo con- tém menos animais ¢ habitantes do que este mundo possa conter, atendendo que niio pos suem menor eficiéncia nem outre naturees. Décimo, depois que sé viu como costumam disputar os pertinazmente facciosos e ignorantes, de intengao perversa, torna-se bem manifesto par que modo, na maior parte das vezes, costumam conciuir as disputas: Conquanto alguns sejam tio circunspectos que, sem se alterar em nada, com um sorrisinho de excérnio, uma risota, certa malicia afetadaments modesia, naquilo que nao querem provar com razées que nem eles proprios seriam capazes de compreender. pretendem, com estes artificias de desdenhos corteses, nao s6 encobrir-a propria ignorancia, que se torna evidente em todas as suas manifesta. ges. mas também langi-la sobre 0 seu antagonista. Porque eles nio vem disputar para encontrar ow procurar a verdade, mas para conquistar uma vitdrla, ¢ parecerem mais s4- bios ¢ incunsaiveis defensores da opinilo contraria. E, assim, (ais pessoas deve ser evi- ladas por quem nao tiver uma boa couraga de paciéncia, Argumento do Quarto Didlogo No diiilogo seguinte, primeira, repeto-se 0 que outras vezes foi dito, como so infini 10803 mundos, como cada um deles se move ¢ come & Formado, Segunde, do mesmo modo como se refuraram, no segundo diflogd, 04 urgumentos gue opinam contra a massa infinita ou grandcza do universo, depois que no primeiro, com muitas razdes, determinau se o ilimicado efeito do imenso Vigor poténcia. no pre sente, depois de ter-se afirmado no teresiro didlogo, a multiddo infinita de mundos, destroem-s¢ as muitas razGes de Aristételes contra aquela, se bem que a palavra mando tenha significados diferentes em Aristdtcles, Demécrito, Epicuro c outros, 10 BRUNO: Quanto 20 movimento natural ¢ violento, ¢ respectives argumentos apresentados por ele, entende Aristiteles que uma terra deveria sc mover para a outra. Ao rebater ess argumentacao, primeiro enunciam-se fundamentos de nao pouca importancia para des- cobrir os verdadeiros principios da filosofia natural: segundo, deciara-se que, embora a superficie de uma terra fosse contigua 4 outra, no aconteceria que as partes de uma se pdesser mover parn a outra, entendenda se aqui as partes heterngéneas ou desseme: Thantes. nao os dtornos ¢ os corpos simples. De onde se aprende a cxaminar melhor natureza do grave e do leve. Terceire, por que motive estes grandes carpos tém sida colocados a tanta distincia pela natureza, e nia esto mais proximos uns dos outros, de mancira que se pudesse pas- sar de um para o outro, F, por fim, quem observar profundamente vera a razdo por que nao devern existit mundos na circunferéncia do éter, ou proximos do vicuo, onde no existem poténcia, eficiéncia ¢ ato, porque de um lado eles nio poderiam receber vida © luz. Quarre, como a distancia local pode mudar ou nao a natureza do corpo. E por que acontece que uma pedra, colocada eqiidistante de duas terras. ou permaneceri imovel, ou determinar mover-se pata uma de preferéncia & outra, ‘Quineo, quanto se engana Aristétekes naquilo que entende por impulso de gravidade ou leveza de um corpo ¢m relagio a outro, embara distantes. E donde procede 0 descjo de as coisas quererem se conservar no estado presente, apesar de igndbil, deseiy este que S causa de fuga ¢ de perseguigiio, Serto, que 0 movimento retilineo nao convém A terra ou a outros corpos principais. nem hes pode ser natural, mas 0 € das partes destes corpos que para eles se mover dos varios ¢ diferentes locais de espaco. sempre que nao estejam muito afastados, ‘Séimo, os cometas permitem provar nao ser verdade que o grave, conquanto longinguo, tenha impulso ow movimento para o seu continente, Tal suposigao decorre nao dos verdadeiros principios fisicos mas das hipdteses filoséficas de Aristéveles, que forma ¢ estrutura as cometas com partes que si vapores € cxalagdes da terra, Dilavo, 2 propasito de um outro argumento, demonstra-se como os corpos simples, que so da mesma espécie nos outros mundos inumeriveis, se movem da mesma mane ra. E como a diversidade do nimero implica a diversidade de lugares, ¢ cada parte possui © seu centro e se relaciona com 0 meio comum do todo, mas este meio nao deve ser pro- curado no universo. Nono, se estabelece que 4 corpo © Suis partes nZio Lim uma posigtio deterininada em cima ou embaixo, a nio ser enquanto a discussiio se desenvolve aqui ou acol Décimo, como o movimento ¢ infinito c como o mével tende para o infinito.¢ para inumerdyeis composigdes. E nem por isso deriva dai uma gravidade au leveza com velo- cidade infinita. Que o movimento das partes proximas nie pode ser infinito, enquanto clas conservam © proprio ser, Que o impulse das partes para o seu continente nao pode ‘existir sendo dentro da regido deste, Argumento do Quinto Didlogo No principio do quinto didlogo se apresenta uma personagem dotada de inteligéncia mais feliz que. embora nutrida pela doutrina contraria, por ter capacidade de julgar sobre 9 que viu e ouviu, pode distinguir as diferengns entre uma e outra, ¢ facilmente reeonhece SOBRE O INFINITO " © crro s se cornige. Aponta-se quem sao os que admiram Aristoteles como um milagre da halureza. porquanto aqueles que 0 exaltam compreendem-ng muito mal ¢ so pouco inte- ligentes. Por isso devemos ter u6 de tais individuos e fugir de suas discusses, porque, com eles, s6 temos a perder [nosso esforgo ¢ nosse tempol. Aqui Albertino, novo interlocutor, apresenta doze atgumentos em que se encerra toda a coaviegao contraria a pluralidade ¢ multidio dos mundos. Q primeiro parte da idéia de que fora do mundo mao ha lugar, nem tempo, nem vicu, nem corpo simples nem composto. O segundo. da unidade do motor. O terceira, dos lugares dos corpes mé- veis, O quarto, da distancia dos horizentes ao centro. O quinto, da contigiidade de mais mundos orbiculares, © sexto, dos espagos triangulares que [tais mundos} causam com seu contato. O sétimo, do infinito em ato, que ndo existe, ¢ de nm determinada nimero que mio € mais ldgico do que o outro, Desta razao nds pademor nio 4 legitimamente, mas com grande vantagem, inferir que o niimere ndo deve ser limitado, mas infinito, O vitave, da timitagao das coises naturais, ¢ da poténcia passiva das coisas, que nao sorresponde 4 eficdcia divina ¢ A potincia ativa, Mas agui se deve considerar que ¢ sobremaneira inconveniente que o primeiro c altissimo sefa semethante a um que tem capacidade de tocar harpa mas nao toca, por defeito da harpa; ou seja. um que pode fazer mas no faz. pois aquilo que pode fazer nao pode set feito por ele. Isto encerra uma contradi¢do mais que evidente, a qual nia pode ser desconhecida, exceto pelos que nilo conhecem nada. © nono, da bondade civil, que consiste na conversagio, O décime pre- tende provar que, pela contigiidade de um mundo com o outro, 0 movimento de um im- pede o movimento do outro. O décinze primeiro, se este mundo & completo e perfeito. nao ha necessidade que se the junte outro, ou se the jumem outros, Estes silo os motivos ¢ as dividas, cuja solucdo encerra tanta doutrina, que bastam para descobrir os intimos ¢ radicais crros da filosofia vulgar, bem como a importincia € @ oportunidude da nossa. Eis aqui 2 razio por que nfo devemos temer que coisa alguma diflua. que nenhum elemento particular se disperse ou caia em verdadeira inani- ¢80, ou se espalhe no vacuo, que o desmembre no aniquilamento. Eis a azo do revezar- se das mutagdes do todo, pelas quais néo hd mal de que nao se consiga sair, nem bem no qual no se incorra, enquanto pelo espago infinito, devido & perpétua mutagiio, toda a substiineia permancce una ¢ sem alteragocs. Se estivermos atentos a essa contempla go, nenhum acidente estranho nos afastara por dor ou temor, nem nenhums fortuna nos distrairé por prazer ou esperanga, pelo que conseguiremos a verdadeira via pars a verdadeira moralidade, seremos magnanimos, desprezando aquilo que $6 pensamentos infantis apreciam. Certamente nos tornaremos maiores do que aqueles que 0 vulgo cego adora, porque seremos os sinceros contempladores da histévia da natureza, que esta excrita em nds mesmas, e metédicos executores das leis divinas, que estio esculpidas no centro do nosso coragdo. Saberemos que niio € diferente voar daqui para o céu ou do céu para cé, no € diferente subir daqui para ta ou de 14 para cd, nem é diferente descer de um para o outro limite. Nés nao somos mais circunferenciais em relagio a eles do que eles em relagiio a nds. Eles no estio mais no centro em relago a nés do que nés em relagdo a eles, nem de autre modi pisamos a estrela, ¢ estamos mais compreendidos pelo céu do que eles esto. Eis-nos, portanto, isentos de inveja. cis-nos livres da Ansie fitil ¢ do estulto cuidada ce almejar, como se estivesse muito distante, aquele ber que possuimos junto ¢ a valta de nds, Fis-nos mais livres do grande rescio de que eles eniam em cima de nds, do que Ssperangados de cairmos sobre cles, porque o mesmo ar infinito que sustenta este gloat sustenta aqueles também; assim, este animal se movimenta livremente pelo scu espago ¢ 12 BRUNO ocupa 2 Sua regitio, como cada um dos autros ocupa a dele. Oh! Quantas coisas mais no nos sera permitide meditar ¢ compreender, uma vex que tivermos considerado ¢ compreendido tudo isto! Dai, por meio desta ciéncia, obteremos certamente o bem gue, pels outras, em vaio se procura, Esta & aquela filosofia que desperta os sentidas, satisfaz a0 espirito, enaltece a inteli- gtucia ¢ reconduz © homem a verdadeira Felicidade que ele pode ter como homem, e que é relativa a sua natureza, porque o liberia da constante preccupagio com os prazeres ¢ do cego sentimento das dores, fazendo-o desfrutar a existéncia no presente, e temer menos ao esperar 0 futuro. Porque a providéncia, ou de faio ou por acaso, dispde das Vicissitudes do nosso ser particular o naa quer nem permite que saibamos de um mais de que ignorames do outro, tornando-nos duvidosos ¢ perplexos a primeira vista ¢ a0 pri- meire contato. Mas enquanto consideramos mais profundamente o ser ¢ a substincia daquilo em que somos imutiveis, ficaremos cientes de que nao existe a morte, niio sé para nd como também para qualquer substiineia, enquanto nada diminui substancial- mente, mas tudo, deslizando pelo espago infinito, muda de aparéncia, E porque estamos todos sujeitos 2 um étimo eficiente, ndo devemos erer, julgar © esperar outra coisa senio que, como tudo ver do bom, assim tudo é bom, pelo bom para o bom: do bem, pelo bem ¢ para o bem, O contrario disto aparese unicamente aqucle que #6 percebe o estado presente, como a beleza de um edificio néo se manifesta ao que olha apenas uma parte minima dele, como uma pedra, um pedago de cimento, uma meia parede, mas principal. mente a0 que pode ver o conjunto e que tem capacidade para fazer comparagdes entre as partes. Nao temamos que tudo o que esti acumulado neste mundo, pela veeméncia de qualquer espirito crrante, ou pelo desprezo de qualquer Jupiter fulminador, se disperse fora deste timulo ow copula de ctu, ou se sacuda ¢ s¢ esparrame como um pd para fora deste manto estrelado, ¢ que a natureza das coisas possa vir a ser destruida na sua subs- tincia, da mesma maneira como se desfax 0 ar que percehemos estar encerrado na voncavidade de uma bolha, Porque conhecemos um mundo cm que uma coisa sucede sempre a outra coisa, sem que exista uma forga Gltima, profunda, pela qual, como da mio do artifice, irreparavelmente se converta em nada, Niio existem fins, termos, mar- gens, muralhas que nos defraudem ¢ roubem a infinita abundancia das coisas. Dai ser fecunda a (erra eo seu mar; dai ser perpétua a chama do Sol, subministrando sterna- mente alimento aos fogos varazes e humores aos mares empabrecidos, porque do infinito sempre renasce nova abundlincia de matéria, De mancira que Demécrito © Epicuro compreenderam melhor, ao pretenderem que tudo se renova ¢ se recompe infinitamente, do que aqueles que se esforgam por salvar a eterna constancia do universo, a fim de que ‘© mesmo niimero suceda sempre ao mesmo nimerc ¢ as mesmas partes da matéria sem- pre se transformem nas mesmas partes, Providencial agora, senhores astrOlogos, com a ajuda dos lisicos vossos imitadores, para que vossos circulos descrevam as fantasiadas nove esferas moveis, nay quais enoar cerais @ vosso cérebro, de maneira que me pareceis como tantas papagaios engaioladas, enquanto vos vejo saltitar para ca ¢ para li, cabriolando ¢ dando voltas enire aqueles cir- culos. Sabemos que um Uio grande imperador nao possui trono to mesquinho, to mise- 16 sdlio, (Go angusto tribunal, uma corte tio pouco numerosa, um simulacro tio pequeno ¢ insignificante, que possa ser dado luz por um fantasma, destruide por um sonho, restabelécido por uma mania, disperso por uma quimera, diminuido por uma desventura, arrebatado por um engano, restituide por um pensamento; que com um sopro se encha © com um sorvo se esvazie, Mas & um retrato grandioso, admiravel imagem, excelsa figu Fa, altissimo vestigio, representante infinite do infinito representado e espetéculo conve- SOBRE O INFINITO nicnte a excelencia ¢ eminéncia de quem nio pode ser percebido, nem abareado, nem apreendido, Assim se enaltece a exceléncia de Deus, se manifesta a grandeza de seu impéria, Ele nao é glorificado em um s6, maz em inumerdveis sis: no numa terra, num mundo, mas num inilhio, quero dizer, em infinitos. De sarte que no é va esta Faculdade do intelecie, que sempre quer ¢ pode juntar espaga a espago, massa a massa, unidade 2 unidads. nimero a nimero, por meio da eiéneia que nos liberts das cadeias le um angus- ssimo império, para nos promover a liberdade de unt império augustissimo, que nos arranca da pressuposta pobreza ¢ estreiteza para nos dar as inumerat riguezas de tanto espago. de téo digno campo, de tantos mundos cultas, evitando que 0 clreulo do horizonte, falso a vista na terra ¢ imaginado pela fantasia no éter espagoso, encarcere o nosso espirito sob a guarda dé um Plutio ¢ mercé de um Jupiter. Scjamos livres da tutela de um tao rico possessor e. go mesmo tempo, tho parco, sérdido ¢ avaro doador,¢ de sustento de tio focunda ¢ generosa mas depois to mesqui nhe © misera natureza. Muitos outros sio os dignos ¢ honrados frutos que se recolhem destas drvores, ou- {ras as messes preciosas e desejiiveis que se podem colher desta semente espalhada, Mas: ara no ineitar mais a cega inveja dos nossos adversiirios, no vamos relembrar aqui todos esses frutos, desejando. no entanto. que os compreendam peks sew proprio juizo aqueles que podem compreender ¢ julgar, Por si mesmas poderio construir facitmente, sobre estes alicerces. 0 edificio inteito da nossa filosofia. cujos membros reduziremos 3 ‘Go almejada perfeicao. se assim agradar a quem nos governs ¢ move ¢ se nao for inter. rompida a empresa iniciada. a fim de que tudo o que est’ semeado nas didlogos Acerca da Causa, do Principio ¢ da Unidade para alguns germine, para outros eresea. para ou- tros amadurega. € gragas a uma abundante colheita enriquesa a outros e os satisfaga tanto quanto possivel. E. depois de havermos limpado 0 campo, extirpiando the todas as Pragas, © joio © demais ervas daninhas, poderemos abastecer o celeiro de estudiosas inteligéncias com o melhor trigo que possa produzir o terreno da nossa cultura. Entretanto, embora eu tenha a certeza de que no ha necessidade de o recomendar a vs, aiio deixarei, contudo, por fazer parte da minha obrigagio, de procurar que vos seja verdadeiramente recomendado aquele que ndo tendes mantido entre vossos familia. res como um homem dé quem tendes necessidade, mas camo uma pessoa que tem noces sidade de vés, por tantas ¢ tais razdes que bem conheceis, Considerando que. por terdes Junto de vés tantox que vos ser¥em, nio-sois diferente dos plebeus, tesourciros © mera dores, max por teres alguém digno de ser, de alguma forma, engrandacido. defendido ‘ajudado, sois, como sempre 0 demonstrastes e fostes, semelhante aos principes magnani mos, herdis ¢ deuses. que cricram pessoas como vds para x defesa dos seus amigos. E agora tomo a liberdade de vos lembrar o que sei que niio é necessério recordar wos: que. final. niio podeis ser tio estimada pelo mundo ¢ recompensado por Deus. por serdes Amado ¢ respeitado pelos principes da terra, por maiores que sejam. quanto o sercis por amar, defender ¢ conservar um daqueles, Porque nflo hi coisa que ¥os possam fazer aqueles que vos sio superiores pela fortuna, muitos dox quais excedeis em virtude. que Venha a durar mais do que as vossas paredes ¢ tapegarias, Mas vés podeis fazer a outrem coisa que merega ser escrita no livro da etemidade, tanto naquele que se vé na terra como haquele que nds pensamos existir no céu; atendende que, quanto reeebcis dos outros & lestemunho da virtude deles. a0 passo que a muito que fazeis a outtem & sinal ¢ expresso indicio de vossa virtude. Adeus. ee toe - = — Portaato, da mesma forma que este espago pade. tem podido ser perfeite ec & necessariamente pertcita pela continéncia deste corpo universal, como voce afirma, assim Limbém pode ¢ tem podido ser perfeito todo 0 outro espago. Eupino — Concordo, eentia? Pode existir, pode estar; logo, existe? Logo esti? Fitotro — Se voce quiser admiti-le francamente, kvé-lo-ci a afirmar que pode exis que deve existir e que existe, Porque, assim como seria um mal que este espago nao fosse pleno. isto & que este mundo nao existisse; nilo o seria menos, em virtude de sua igualda- de, que todo 6 espago nao fasse pleno: e, por conseqiigneia,.o universo serf de dimensio infinita ¢ os mundos sero inumeraveis, ELpmio — Qual & a causa por que devem ‘ser muitos, ¢ nijo um 56? Fitoreo — Por que, se € um mal que cate mundo niio exista ou que este pleno no se encontre, este mal é relativo a este espago ou a outro espayo igual a este? ELPINo — Eu afirmo que & um mal reliitivo aquito que esta neste espago. que poderin diferentemente ser encontrado num outro espago igual a cate, FILoreo — Se vor? observa bem, isto nos leva a um Gnico porto: porque a bondade deste ser earpireo que existe neste espago, ou que poderia existir nam outro igual a este. ¢ proporcional ¢ rclativa a bondade propria é 4 perfeigdo que podem existir em tal ¢ tanto expago, quanto é este, ou outro igual a este, endo Aquelas que podem existir em inimeros fieuo se pos mente, porém niio tem a cora- SOBRE O INFINITO 8 ‘Outros espagos, somelhantes a este, Tanto muis que. se b4 radio para que exista um bem finite, um perfeito terminado, ha também razdo para que exista um bem infinito, porque, one o bem finito existe por conveniéneia ¢ razio, a infinita existe por absoluta necessidade. Etpixo — 0 bem infinite certamente existe, mas é ineorpSreo, Fores — Quanto ao infinito corpbrew estamas de acorda. Mas o que impede que © bem seja admitido como ente infinito? Que se opde.a que-o infinito, implicit nu simplis simo e nico principio, nio venha explicado neste seu simulaero infinite e nao termina: do, eapaz de conter indmeros mundos. em vez de ser explicado em limites tao estreitos, de forma a parecer vitupéria @ no pensar que este corpo, que 88 nos apresenta vaste gfandioso, em relagiio & presenga divina nao seja seniio um panto, un nada? Etpivo — Como a grandeza de Deus nio consisic de modo algum na dimensio corporal (ressalvo que o mundo mio Ihe acrescenta coisa algama), axsim nio davemos pensar que a grandeza do seu simulacro eonsista na maior ov menor grandeza de suas dimensties, Fitetro — Voces falam muita bem, mas ndo respandem an ponto essencial da questiio; Pomjue eu nda pracuro o espaga infinito, ¢,com efeito, a natureza nie possui espuco inf nito, pela dignidade da dimensao ou da grandeza cosporea, mas pela dignidade das natu- Teas v espécies carpéreas, visto que a exceléncla infinita se apresenta incompara velmente melhor em individuos inumeraveis que naqueles que io numerdveis ¢ finitos. E Necessirio. porém. que para uma forma divina inacessivel haja um simulacro infinito, no qual, como membros infinitos s¢ encontrem mundis inumeraveis coma cio os outros. Assim. por causa dos intimeros graus de perfeigdia, que devem explicar a exceléncia divi. aa — incorporea através dum modo corpireo, devern existir indimeros individuos, que sido estes grandes animais (um dos quais é esta terra, mie generosa que nos gerou, nox alimenta ¢ no nos receherd de volta) ¢ para os conter faz-s¢ necessario um espace infini. to, Evidentemente, € bom que cxistam, como podem existir, indmeros mundos seme- Ibantes u este. como tem podide ¢ pode exislir & bom que este exista, Exriva — Podemos dizer que este mundo finito, com estes astros finitos, compreende a perfvigdo de todas as coisas, FicoTro — Podem dizé-lo. porém nie podem prova lo; porque o mundo que existe neste espago finite possui a perfeigae de todas as coisas finitas que existem neste espago, max do aquela das infinitas coisas que podem existir em outros inumeraveis espagos. “RACASTORIO — Por favor, puremos ¢ nao faganxas como as sofistas, que discutem para veneer, © depois, enquamo xdmiram. a palma da vitiria, impedem a eles mesmoas ¢ 10 outros de compreenderem a verdade, Agora eu acredito que nao exista pessoa tie pérfida € teimosa que, a respoito da questiio do espago que pode infiditamenie compreenler ¢ a respeito da questio da bondade individual e numeral dos mundos infinitos que podem ser compreendidos to bem quanto este par nés conhecida, insist em negar deslealmente que todos eles possuem conveniente razio para existir. Pois o espace infinito possul apt- dao infinita, © nesta infinite aptidiio se touva o infinite ato de existéncia: pele que o efi- Giente infinite ndo pode ser considerado deficiente, e a aptidao nao ¢ va, Contente-se, pois, Elpino, em escutar outros urgumentos, se mais alguns ecorrem a Filéteo, ELrino — Vejo muito claramente, para dizer 9 verciade, que considerar o mundo ilimita do, como voeés sonsideram o universo, niio traz consigo inconveniente ulgum, € até nos liberta de iniimeras angistias que nox envolvem se alirmamos o contriirio. Reconhego especificamente que muitas vezes. com 05 peripatétions, é necessirio dizer eoias que, do hose ponto de vista, no 1m fundamento algum: como, depois de ter negado o vacuo, tanto fora como dentro do universo, querer também responder & pergunta relativa ao 20 BRUNO lugar onde se encomtra este universo; ¢ afirmar que cle esteja nas suas partes, por medo de afirmar que nae exista em lugar algum; como na afirmagae “nullibi, nusquam”. Mas nao se pode evitar de considerar que desta forma é necessario dizer que as partes se encontram em algum lugar, ¢ 9 universo no se encontra em lugar algum nem em espago algum; e isto, é bvi0, nao pode ter fundamento algum, mas significa expressamente uma fuga pertinaz para ndo confessar a verdade, admitinds o mundo e © universo infinitos, ou ‘© espago infinito; ¢ ambas as posigdes Ievam quem as sustenta a uma dupla confusia. Alirmo, entdo. qué se 9 toda & um corpo, € corpo esférico, conseqiientemente figurado.¢ limitado, & necessario que seja limitado crn espago infinite; no qual, se quisermos afirmar que existe o mada, & nevessiirio conceder que cxiste 0 verdadeiro vacua; ¢ se de fat existe © vacuo, deve ser capaz de conter outras mundos, assim como cyta parte que vemos é eapaz de conler este munda; se no existe © vacuo, deve existir o pleno ¢, por conse qdéncia, © universe infinito. E ado menos estulta é a conclusdio de que o mundo esteja “alicubi”, afirmando que além dele esta o nada, ¢ que ele existe nas suas partes. coma se alguém dissesse que Elpino esti “aliewbi", porque sua mio esti contida no seu brage, 0 olho na sua face, © pé na sua perna, a cabega no seu tronoo. Mas para conoluir e para no me comportar como um safista baseando-me sobre uma dificuldade aparente, ¢ para nao gastar tempo inutilmente, vou afirmar aquilo que nao me é possivel negar: no espago infinito ou poderiam cxistir infinitos mundos semelhantes a este, ow este universa poderia estender sua capacidade de compreeasio a muitos corpos. como estes. denominados astros:/e alk disso afinno que (sdum estes mundos-scniclhantes‘ou diferenies)-n-exls téncia nao se justificaria mais num que no outros porque # existéncia duquele nao tem menos razdo que a deste, ¢ também ndo a tem menor por ser de muitos gue o ser de cuda um eg existéncia de infinitos que a de muitos, Entio, como seriam um mal 4 extin G40 ¢ 6 nio-ser deste mundo, assim no seria bom 9 nao ser de inimeros outros. ERACASTORIO — Vocés sdo bem explicitos ¢ demonstram que comprecndem bem os racioeinias ¢ que nao sao sofistas. porque aceitam aquilo que nao é possivel negar. ELPINO — Eu gostaria, no entanto, de ouvir o que se pode acrescentar ao raciocinio rela tivo a0 principio ¢ causa eficiente eterna: se Ihe ¢ conveniente este efeita infinito, ¢ se ofetivamente este efeito existe. LOTLO — E exatamente isso que eu devia acrescentar. Porque. depois de ter afirmado que o universe deve ser infinito pela capacidade ¢ aptiddo do espago infinito ¢ pela possi- bilidade ¢ conveniéncia da existéncia de intimeros mundos como este, resta agora prové- Jo pelns circunstiincias do eficiente que o deve ter produzido assim ou, para dizer melhor, deve produzi-lo sempre assim, © pelas condigGes do nosso modo de entender, Podemos mais fucilmente argumentar que © espago infinite é semelhunte a este que estamos vendo, em vez de argumentar que é tal qual nado a vemos, nem por exemplo. nem por compara- iio, nem por proporgao, nem mesmo por qualquer imaginagaio que ao fim nao se destrui a si mesma, Agora, para comegar: por que queremos ou podemos pensar que a eficdeia divina seja ociosa? Por que pretendemos afirmar que a divina bondade, que pode se comunicar 4s coisas infinitas ¢ difundir-se infinitamente, prefira scr escassa ¢ limitar-se aur nada, admitinds que teda coisa finita é um nada em relagio ao infinito? Por que pretender que o centro da divindade, que pode infinitamente amplificar-se numa esfera infinita (se assim podemos dizer), prefira permanecer estéril, como um avarc, em ver. de ser comunicative, como um pai fecunde, graciosa e belo? Prefira comunicar-se de forma diminuts ou, para melhor dizer. nio se comunicar, em vez de fazélo segundo a razio de sua gloriosa poténcia ¢ de seu ser? Por que frustrar a capacidade infinita, defraudar a possibilidade de mundos infinitos que podem existir, prejudicar a exceléncia da divina imagem que deveria antes resplandecer num espelho ilimitado, segundo seu modo de ser infinito ¢ imenso? Por que deveriamos afirmar algo que, uma vez admitide, waz consigo tantos inconvenientes, ¢ que. sem favorever. de forma alguma, leis, religides. f on mora- Tidade. destri tantos principias de filosofia? Como voc? quer que Deus scja limitado quanto & poténcia, a operagiie e go eftito (que nele sio.a mesma coisa). eque seja terma da convexidade de uma esfera em vez de. como podemos afirmar, ser termo ilimitado de coisa ilimituda? Tero, digo, sem limites, por ser a infinitudé de um diferente da infini- tude do outro: porque Deus ¢ todo o infinito implicita e totalmente, enquanto 0 universe est todo em tudo (se de alguma forma se pode chamar de totalidede aquilo onde ndo existe parte nem fim) explicitamente ¢ nfo totalmente. Portanto, um existe como terme. 9 outro como terminado, nao pela difereaga entre finito ¢ infinito, mas porque um & inf nito € 0 Outro pende para a finitude pela raz io de existir completa ¢ totalmente em tudo aquilo que, apesar de sex todo infinito, nae é, porém, totalmente infinito. pois isso repug. naa infinitude dimensional. Evrino — Eu gostaria de entender melhor tudo isso, Entio, fagam-me o favor de se explicarem mais a respeito daquilo que alirmam existir todo, ¢ tataimente em tudo, ¢ todo, em toda o infinite © totalmente infinite. Forro — Eu considero 0 univers “todo infinito” porque no possui limite, nem termo, nem superficie; digo no ser © universe “totalmente infinite” porque cada parte que dele possamos pegar é finita, e cada um dos intimeros mundas que contém é finito. igo que Deus é “todo infinito” porque exelui de si qualquer termo, ¢ cada um dos seus atributos & uno ¢ infinito; ¢ digo que Deus é “totalmente infinito”, porque esta inteira- mente em todo o mundo, ¢ em cada uma de suas partes, infinita c totalmente: ao contd tio da infinitude do universo que reside totalmente no todo © nao nas partes (se nas & per- mitido chamé-las “partes”. referindo-nos ao infinito que nele podemos compreender), Expino — Entendo. Continue suas explicagdes. FILOTEO — Logo, por todas as razdes segundo as quais se afirma ser conveniente, justo © necessiirio este mundo, considerado como finito, assim também devem ser conside rados convenientes ¢ justos todos os Outras inumerdveis mundos, aos quais, pelo mesmo raciocinio, a onipaténcia concede a existéncia: ¢ sem os quais ela mesma — por nao que- er ou por nio poder — viria a ser acusada de deixar um vacuo ou, se voce nia o quer chamar de vicuo, um espago infinite; pelo que ndo somente seria subtraida a infinita per- feigio uo cnte, mas também a infinita majestade atual ao eficiente, mas coisas feitas se so feitas, ou dependentes se sao eternas. Que motivo nos levaria a acreditar que o agen: te, podendo fazer um bom infinito, 0 faga finito? E se o faz finito, por que devemas acre- ditar que possa fazé-to infinito, sendo nele a mesma coisa 0 poder ¢ 0 fazer? Porque, se € imutivel, ndo hd contingéncia nem na operagao, nem na eficdeia. mas de uma determi- nada e certa eficdcia depende imutavelmente determinado ¢ certo efeito; dai no poder ser outra coisa sendo aquilo que & nem poder ser aquilo que nao &; nem pode ser sendo aquilo que pode: niio pode querer outra coisa seni aquilo quc quer: e necessariamente ndo pode fazer outra coisa senio aquilo que faz; porquanto, possuir a poténcia distinta do ato & proprio somente das coisas mutaveis, FracastoRio — Certamente nfo € sujeito de possibilidade ov poténcia ayuily que nunca existiu, niio existe ¢ nunca existira: €, na vercade, s¢ © primeiro eficionte ndo pode querer nada mais além daquilo que quer, (ambém nio pode realizar nada além daquilo que faz. E nao vejo como alguns podem entender o que afirmam sobre a poténcia ativa infinita, A qual nao corresponds poténcia passiva infinita, pretendende que faga apenas um finito aquele que. no infinite ¢ imenso, pode fazer inumeraveis, sendo sua agio 2 BRUNO necessiria. porque procede de tal vontade que. por ser imutabilissima, antes, a propria imutabilidade, ¢ ainda a propria necessidade: logo, sdu a mesma evs Literdade, vont de. necesnidade, ¢ ainda o fazer, o querer. a poder ¢€ o ser Fioreo — Vooés cancordam esto cerlos. E necessdrio. portinta, afirmar de duas ima: ou que 0 eficiente, podendo depender dele 0 efeito infinito, seja reconhecido como causa e principio de um imenso universe que contém inumecdveis mundas, € disto nio procede inconveniente algum, antes pelo contraria, tude ¢ convenientc. quer segundo a cigncia. quer segundo as leis © a ft: ou que. dependendo dele un universe finite, com estes mundos (que sia os astros) de nimero leterminade, seja atribuido a uma potén- cia ativa finita ¢ deverminada, como é finito ¢ determinado © ao; porgue tal é a vontade etal da paténcia. qual éo ato, Fracas tokio — Bu completo, formulando um par de silogismos da seguinte mancira: 9 primeica oficiente. se quisosse fazer coisa diferente daquilo que quer fazer. poderia fazer visa diferente daquilo que faz; mas ndio pode querer fazer outra coisa sendie aquilo que quer fazer; logo. nao pode fucer seniiy 0 que faz, Portanto, aquele que diz efeito fini to afirma a operagao e a poténcia finitas. E mais (o que vem a dar no mesmo): 0 primeira cficiente ndo pode fazer sendo aquilo que quer fazer: ndo quer fazer nada além daquilo que faz: logo. ndo pode fazer nada além daquilo que faz. Por conseguinte, aquele que nega © efeito infinite nega a poténcia infinita, FiloTeo — Estes silogismes. se nao sao simples, so demonstrativos. Mesmo assim, louvo aqueles dignos toblogos que nav os admitem; porque, considerando justamente, sabem que os povos rudes ¢ ignorantes chegam, com esta necessidade, a nfo poder con ceber como possa existir a elsicao, a dignidade ¢ os merecimemtos de justiga; assim que, confiados ou desesperados. par determinada fatatidade, sio necessariamente grandes celerados. Como as veaes cortos cormuptores de leis, I ¢ retiglilo, querendo parceer sit bios, corromperam. tantos povos, tormando-os mais barbaros ¢ criminosos que cram, desprezndores do bem-fazer ¢ peritos em qualquer vicio ou malandragem, por causa das conclusSes que tiram de tais premissas. Por isso, a afirmagio contraria nio & parn os s4- bios tao cscandalosa ¢ detratora da grandeza ¢ exceléncia divinas quanto a verdade é per- nicioss & conversagdo erudita ¢ contraria & finalidade das leis, nao por ser verdade. mas por ser mal compreendida, tanto por aqueles que maliciosamente a mangjam quanto por agueles que siio incapazes de comprecndé-la, sem prejuizo dos costumes. FRACASTORIO — & verdade, Jamuis se encontrow fildsofo, sibio ou homem ce bem que. sob pretexty algum, pretendesse tirar de tal proposigao a necessidade dos efeitos hum: nos € destruir o livre arbitrio. Como, entre outros, Platao ¢ Aristoteles, pelo fate de adm Hirem a necessidade © a imutabilidade em Deus, ado tiram a libordacie moral ¢ 4 nossa faculdade de escolha; porque sabem e podem compreender muito bem, como sio compa tivcis esta necessidade ¢ esta liberdade, Todavia, alguns dos verdadeiros padres ¢ pasto- res de poves evitam esta conclusio ¢ alguma outra semelhante para, talver, niio favore- cer 0s facinoras ¢ sedutoros, inimigas da civilicagie ¢ progress geral, a tirarem perigosas conclusdes, abusando da simplicidade ¢ ignorancia daqueles que dificilmente podem compreender a verdade ¢ imediatamente sa0 levades ao mal. E facilmente nos permitirfio usar as verdadeiras proposigdes, das quais nfo queremos inferir sendo a ver- dade da natureza e da exceléncia de seu autor; ¢ que no apresentamos ao vulgo, mas somente aos sdbios que podem chegar & compreensdo dos nossos discursos. Deste princi- pio infere st que os tedlogos, tu siibles quanto religiosos, nunca prejudicaram a liber- dade dos fikisofos; ¢ os verdadeiros, esclarecidos ¢ polidas fildsofos sempre favoreceram as religides: porquanto, tanto uns como vutros sabem que a [ & necessiria parn a forma, SOBRE @ INFINITO. 2a a0 dos povos primitivos, que devem ser governados, ¢ a demonstragiio é necessiiria aos sontemplativos que sabem governar a si mesnios e aos outros. ELpIno Ja se falou bastante sobre este argumento, Voltemos agora ao tema. Fiore — Para chegarmos di vonclusio descjada, eu afirme que, s¢ no primeiro efi- siente exisie poténcia infinita, cxiste também operagdo. da qual depende o universo de grundeza infiniia e mundos numericamente infinitos, E1pino — Aquilo que vact firma contém enorme poder de persuasao, senda a verda- de. Todavia o que me parece agora muito verossimil, eu o eonsiderarei como verdadeiro, Se vooé puder me eselarecer um importantissima argumente segundo o qual Aristételcs foi obrigado a negar a divins poténcia infinita intensivamente, apesar de concedé-la extensivamente. A raziio de sua negacdo era que, sendo-em Deus poténcia e ato a mesma ‘coisa, padendo assim: mover infinilamente, moveria infinitamente com vigor infinito: se isto fosse verdade. o céu seria movido num instante: porque, se 0 motor mais potent: move mais velazmente, o potentissimo move velocissimamente, ¢ o intfinitamente potente move instantaneamente. A razdo da afirmagao era que Deus. eterna ¢ regalarmente, move o primeiro mivel, segundo a razio ¢ a medida que o move. Voee vé, entiio por que razio the atribui a infinitude extensiva ¢ intensiva, mas nao infinitude absoluta. Quero: concluir dai que, assim como sua infimita poténcia motriz & contraida no ato do movi mento, segundo velocidade finita, assim a mesma poténcia de produzir 0 imenw © os inumeraveis € limitada por sua vontade ao finito e aos numeraveis. Quase 6 mesmo pre- tendem alguns tediogos que, além de concederem 1 infinitude extensiva, cam a qual sucessivamente perpetua o movimento do universa, requerem também a infinitude inten- siva, com a qual pede fazer intmeros mundos, movimentar inameros mundos, movendo simultaneamonte cuda um deles ¢ cles todes num instante; todavia, assim impos com sua vontade a quantidade da multidio de indimeros mundos, como a qualidade do. movi- mento intonsissimo, De onde, como este movimento, que cmbora proceda de proténcia infinita, & considerado finito, assim também o mdmero dos corpes mundanos poderi facilmente ser conechide como determinado, FitoTeo — Na verdade, o arguments tem mais persuasio e aparéncia que qualquer OUIFO poss ler ¢ sobre cle jé s¢ falou o suficiente, afirmando que « ventade divinu & regu: ladors, modificadora ¢ determinante da divina poténcia, De onde surgem inamercs inconvenientes, 20 menos segundo a filosafia, Deixo de Indo os principios teolbgicos, que, no entanto, nao admitizao que a diving poténela seja mais que a divina vonuade ow bondade, ¢, em geral. que uni aiributo apresente maior razio que outro para convir a divindade, Etpivo — Por que entio se exprescam deusa mansira, se nao entendem assim? Fito'reo — Por falta de termos ¢ resolugdes eficazes, ELPING — Rntio voce, possuidor de principios particulares, segundo os quais afirra um, isto & que a poténcia divina é infinita intensiva e extensivamente, que o ato no ¢ distinto da poténcia ¢ por isso 0 universo é infinito c ox mundos inumeraveis: ¢ nie nega 9 outro, que do fato cada um dos astros ou orbes, como Ihe apraz dizer, ¢ movide no. tempo € ndo no instante: demanstre com que termos e com que resolugdes voc’ consegue salvar a sua convicedo. ou destruir a dos outros que, em conclusio, julgam 0 contrario dnguilo que voed julza, FILoTEO — Para a solugio daquilo que procura, voce deve primeira considerar que, sendo © universo infinito ¢ imével, ndo ¢ necessario procurar o motor dele. Segundo, se infinitos sic os mundos contides nele, tais como as terras, os fogos e outras especies de corpos chantados astros, todos se mevem pelo principio interno, que é a propria alma,

You might also like