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Latina, dos movirnentos populares libertadores, e revisar 0 papel que a criminologia oficial e a criminologia live cumprem em cada um deies, sempre atenta a denunciar, em qualquer caso, os poderes opressores ¢ 6 discurso ocultador. ‘O estudo eritico do direito penal em seus trés momentos (pro- dugio, interpretagio e aplicagio de normas), com 0 apoio da socio- logia € ua cincia politica, deverd ser objetive de primeira linha, entendendo-se o direito penal, evidentemente, como integrado a todo © sistema juridico, e articulado com a sitiagao de dependéncia ou colonizactio dos pafses periféricos em relacio aos centrais. Do mes- mo modo, analisard criticamente a dogmiética penal, que define 0 nomento da interpretago; o sistema penalégico ¢ de tratamento e suas alternativas, assistenciais ou nao; os valores € os esteredtipos, ‘08 portadores do controle, seus agentes ¢ destinatirios: © controle de e sobre a ciéncia. i Como tudo isso leva — ou nao leva, e isto € importante — & criminalizagiio de condutas, classes sociais, interesses ¢ individu- 08, a criminalizagao seré 0 objetivo central da teoria critica do con- trole social. Finalmente, ela nos devera permitir fazer, diante da velha criminologia da repressAo, uma criminologia da libertacdo. ‘© quadro abaixo esquentatiza as diversas tendéncias: a a Nivel episiemolégico | criminolégico | i politico ‘Criminologia 5 atinica’ Passagem Criminolégia osttivisme | sociogia a agao da repressao criminal (reeducagaio, ———— anno F ressovializagao) Politica criminal Orgarizacional Consteucionismo| Interacionismo Reag&o social WMaterialismo | Griminologia | Teoria critica | Criminologia Histérico e | critica do controle da liberagaio Teoria Critica Nova social (conscientizagao) criminologia Criminatogia radical @6 ‘ Acriminologia como controle social informal ou criminologia e sistemas de poder 1.A criminologia cldssica Uma das formas pelas quais 0 controle social informal opera pode scr encontrada no trabalho ideologizante das chamadas cién- ccias humanas e sociais — portanto, como jé dissemos, também na cristinalogia, interessante aqui € explicar esse papel legitimador em rela: cas diferentes formagées sociais e aos diversos graus de desenvol -vimento politico, as vezes complementando 0 papel do direita, a vezes substituindo-o, as vezes ocultando-o. O que nos motiva prin- cipalmente é explicar as relagdes entre a criminologia ¢ 0 poder na Améjica Latina no momento atual. Mas parece-nos imprescindivel jntroduzir antes 0 tema em seu nivel epistemol6gico e politico atra- vés da histéria, j4 que, de alguma maneira, isso refletiu-se em nosso continente, embora com matizes indubitavelmente particulares. Quando e por que surge, que conceito de Estado, que estilo de legitimagiio do poder e da autoridade representa a criminologia classica? ‘Mesmo uma répida olhada que procure captar a histéria da criminologia deve pertir da crise do pensamento helenistico-roms- no, isto é, da concepgaio da sociedade como fato natural ¢ da orde~ naco social como produto da necessidade de assegurar a justiga nas relagées sociais, mediante normas e a supervisio destas por parte da autoridade, Era o que estava na base da polis grega; aquela ‘entidade que, segundo Aristételes, era o desdobramento natural de um processo evolutivo (famitia, aldeia, polis), na qual o homem se realizava como ser humano, € cujas leis, normas ¢ autoridade introjetava como parte de sua natureza. O século V marcaa incape- cidade de autogoverno da polis grega ¢ 0 surgimento de um cosmo- or politisino ético e metafisico: os homens teriam duas cidadanias, uma jocal e outra universal Haveria uma ordem universal tanto no mundo natural como no humano, ¢ isso conduziria ao diteito natural, que seria “o que resulta naturaimente da natureza das coisas”. Da mesma maneita gue existia uma harmonia césmica, haveria sempre justiga univer- sai, embora ela nao sé evidenciasse sempre nos casos concretos™, Com 0 Estado moderno, surgem as formulagdes contra- tualisias: desde Hobbes, para quem do estado (de terror) da natu reza se chegaria & sociedade ou ordenagéo civil, outorgando-se 20 soberano 0 monopdlio da violencia; passando por Locke, que elabora as bases do pensamento liberal referido a um contrato que legitimaria 0 poder apenas na medida em que este servisse para regular ou supervisionar os direitos naturais, para cuja de- finigdo se formaria o pacto; € culminando com Rousseau, para quem o pacto social niio tem como objeto a defesa dos interes- ses individuais, mas a submiss2o A vontade geral, que seria algo mais que a soma dos interesses individuais. Cria-se assim 0 modelo sociolégico do consenso. Este consenso legitims o poder e legitima todas 2s manifesta- gGes de controle desse poder. Assim, no que diz respeito direta- mente ao-tema tratado, 0 cédigo penal-seré um monumento incontestado e incontestivel. Definidor supremo do bem ¢ do mal. &, historicamente, a criminologia dele derivada é, portanto, uma criminologia acritica e submissa. £ o perfodo que Weber chama de domninagao legal, no qual o direito e seu ritual cumprimento bastam, para iegitimar o poder. ‘Como apontaria posteriormente Durkheim, as normas penais (00 produto dessa consciéncia coletiva. Mas 0 criminoso nao 0 & por natureza, ¢ sim em relacdo consciéncia comum. A Gnica coisa que seria comum a todos 0s delitos é a teagao que eles determinam, que seria sempre, para todos, a mesma. A unidade do efeito revela- ria a unidade da causa. A pena, portanto, seria uma reacio passional 5 Helio Jaguaribe. Hacia la sociedad! no represiva. México, Fondo de Cultura Econémica, 1978, Entretanto, a comunidade de valores da polis ‘existia, como sempre, para o grupo dominante. E preciso nio esquecer gue ela convivia com a escraviddo, co exercida mediante um corpo constituide. Uma forma de vingar 0 aque é sagrado na consciéncia coletiva e que, por isso, deve exigira infligdio de uma dor. Tendo como fungo manter intacta a coesio social, mantém em toda a sua vitalidade a consciéncia comum’ Estamos, pois, em pieno apogeu da metafisica idealista. En- tetanto, como veremos, j4 durante 0 chamado perfedo de iluminismo aparecem alguns elementos do que sevd posteriormente opositivismo. Quem melhor representa liberalismo da fase industrial ¢ ‘madura da revolucao burguesa é John Stuart Mill. Ele rejeita a teo- rig do direito natural e do contrato social, mas aceita © conceito de direitos individuais no sentido de Locke ¢ nfo no de Rousseau, que é,como vimos, mais social. O poder encontraria sua legitimidade, enttio, na proteglo desses direitos individuais™ A cctiminologia da escola clissica, portanto, tem como marco de filosofia politica as idéias liberais do contratualismo © como mo- delo sociolégico o consenso. & o mesmo marco da criminologia liberal chamada “organizacional”, praticada principalmente nos EUA, Canada, que busca pragmaticamente melhorar o sistema de con- trole social (policia, tribunais, servigos de assisténcia social, etc.) © formular, enfim, 2 politica criminal através de pesquisas valorativas e propostas de reforma. 6 a criminologia do “gattopardismo”: mu- dar as coisas para que tudo fique como ests. Gragas a Marx, que toma o momento do surgimento da bur- guesia na sociedade feudal como modelo de desenvolvimento de classe e da consciéncia de classe, foi possivel entender a aparigio de ideologias concretas na hist6ria. B assim que se comeca a verificar que a escola clissica de ireito penal nio é pré-criminol6gica, mas 6 ela mesma uma crimi nologia administrativae legal, uma forma de controle social fundante da nova ordem estabelecida (para utilizar 0 conceito weberiano) pela via da dominacio legal™, Ela representou a ideologia de uma Emile Durkheim. La sociologia y las reglas det método socioléeico. Santiago do Chile, 1937 ® Jaguaribe, op. cit © Cf, Taylor, Walton ¢ Young, La nueva criminotogia, México, Amorrortu, Cf. também o capitulo I deste livro 6 nova sociedade que pretendia livrar-se do poder absoluto feudal ow monirquico e estabelecer, na nova racionalidade de um libérrimo intercambio de mercadorias, o reino do direito privado, isto ¢, da vontade das partes, também no direito penal, da mesure muaneira que acontecia no mundo da economia. Sua finalidade era garantir que houvesse um minimo de intervengao estatal. O importante era proteger 0s individuos do poder do Estado, controlar a0 méximo esse poder, privatizando ao maximo as relagdes jurfdicas. O direito ‘constitui “as regras do jogo da paz burguesa”, nas palavras de Amaud, A fungao politica dessa criminologia pode ser resumida nos seguintes passos, mais amplamente descritos por Pavatini: contrato social => monopélio da violéncia nas maos do Principe (definidor ex- clusivo do permitido e do proibido, e portanto dos valores bésicos, supostamente consensuais, do sistema); => principio de legalidade (na realidade, selecdo classista dos ilegalismos); => ieretroatividade da lei (para a seguranga do mercado); => codificagéo sistémica para evitar contradigGes na lei; => interpretagao disciplinada da lei (com 0s mesmos fins); => presuncio de igualdade entre as partes da relagaio jurfdica (nao coincidente com asocial conereto)*, O direito penal burgués foi, portanto, uma plataforma juridico- politica que asseguraria a previsibilidade necesséria para livre desen volvimento do mercado, interesse central da classe em ascensio, que antes estava em posi¢Zo subordinada e que deveria garantir agora seu direito a0 poder em face dos resfcluos ideolégicos do sisterna feudal”, Por isso era mais propriamente um projeto para um Estado ideal. Em % Cf. Massimo Pavarini, Control social y dominacién. Teortas crimi- noldgicas burguesas y proyecto hegemdnico. México, Siglo XX1, 1983. ‘Taylor, Walton © Young, La nueva criminologta, op. cit. * Sua posiglio de classe era mais propriamente subordinada que domina- a, pois, como bem diz Bottomore, “a burguesia era uma terceira classe na sociedade feudal, nfo a classe diretamente explorada, estava diretamente associada a um novo modo de producio baseado em uma nova tecnologia” (LB. Bottomore, La sociologla como critica social, Batcelona, Peninsula, 1976). Como disse Marx: “o moinko manual determina uma sociedade com © senhor feuds, o moinho a vapor uma sociedade com 0 capitalismo indus- trial”. © problema hoje € que, embora a burguesia produza seus préprios 70 ori era simples identificar 0 delingtiente como inimi podia Samar excrete iidustrtaFde Feserva,'a cujos membros se inci: fara aceitar sua condi de nao prupsietéios disciplinando oe para o trabalho assalariado, primeiro nas chamadas “cases de corregio ede trabalho” , em seguida, nas penitencirias ‘Com o passat do tempo. uma vez. consolidado 0 poder nova classe dominante, aquetes principios garantidores servini- fam mais 4 defesa do que logo foi a dnica classe dominada (a classe nao proprietéria) 2. A eximinologia positivista : ‘Surge, entio, a ctiminologia positivista, que procuraria novos caminhos para legitimar o poder. Por irs dela esté também o modelo do consenso,.embora positivismo recuse expressamente qualquer enguacramento socio- politico, Sua insisténcia numa suposta neutralidade niio pode enganer, porque, apesar de, como filosofia, centralizar toda a autoridade © todo poder na ciéncia, o positvismo come eriminologia no ques- tionou a ordem dada, saiu, e6digo na mao, aperseguiro que desde entio passou a se chamar de delingientes natos, loucos morals personalidades criminosas, desagregados sociais, inadaptados, ete {as definigGes sao tao variadas quanto as proprias variantes do positi- vismo criminolégico), fazendo assim tio pouca ciéncia quanto a {que criticava nos crimindlogos anteriores a essa escola. Considerando anormais ou desviados os assinalados por uma decisio politica (@ Lei), contradizia os postulados de sua pretensao cientffica, wry 8 ee ee a ae n

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