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R. Fac. Educ, S60 Paulo, 15(1): 101-102, jan.jjun, 1989 RESENRA: ARTE, PRIVILEGIO E DISTINCAOQ, de José Carlos Durand. Séo Paulo, Perspectiva/EDUSP, 1989, 307 p. Fernando C. Prestes MOTTA* Conhecido sobretudo por scu trabalho sobre os arquitetos brasileiros ¢, mais recentemente, sobre 0 campo da moda, 0 socislogo José Carlos Durand publicou este ano um livro sobre as artes plésticas e a arquitetura no Brasil, co- brindo um perfodo que vai de meados do século passado até a primeira metade dos anos oitenta do nosso século. Explorando um campo pouco estudado entre nés, o autor vai desvendando a intrincada rede social que permeia a produgio e a circulagdo das obras de ar- te, catregadas de valor signo, para usar uma expressiio de Jean Baudrillard. Desde 0 infcio desfilam frente ao leitor monarcas, comerciantes, polfticos ¢ fa- zendeiros seguidos de “marchands”, antiquérios, decoradores, artistas nacio- nais e estrangeiros ¢, certamente, grandes familias, trajet6rias sociais comple- xas, industriais, criticos de arte. A primeira parte, dedicada ao Brasil Mondrquico, revela a complexidade de um império tropical, onde um imperador pobre, mesmo sendo um Braganga e um Habsburgo, € educado por uma aristocracia nfstica, no conseguindo jamais inspirar © consumo suntudrio das cortes européias. Mesmo assim, busca-se es- timular as artes e, no bom estilo patrimonial, as relagées sociais determinam quem estudaré na Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro e, por- tanto, quem iré beber nas fontes do academismo em Paris e, em alguns casos, na Itflia, © apogeu de Vitor Meireles ¢ Pedro Américo no Brasil € tratado com cui- dado; os grandes temas hist6ricos, inclufdas as batalhas, marcando toda uma produgio. O enriquecimento dos fazendeiros, seu enobrecimento e a vida na Corte criam entiio um mercado para os retratos, para as decoracées murais. Sur- gem entéo as primeiras galerias ¢ o ensino de desenho e pintura como campo Profissional. O fim do século assiste, j4 no perfodo republicano, & busca da formagio de artesfos e ao declinio das academias. ‘Todavia, a arquitetura vai se firmando como 4rea importante na Escola Nacional de Belas Artes, A burguesia paulista enriquecida com o café passa temporadas européias, e através de algumas rela- ¢6es no meio diplomético e artistico, penetra no mundo do modernismo pari- * Professor Adjunto do Departamento de Administrago Escolar e Bconomia da Educago da Faculdade de Educagio da Universidade de Sio Paulo, 102 FERNANDO C. PRESTES MOTTA, siense. Artes plisticas, miisica, moda, esportes de elite, so alguns dos ingre- dientes desse mundo de saldes, exposigGes, inovacio e, por vezes, exotismo que, em parte transplantado para o Brasil, € contemporaneo do surgimento dos patronos das artes ¢ de varios de nossos grandes artistas plésticos como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Experiéncia de certa forma mais dificil € a de nossos pintores “‘caipiras” numa Paris cosmopolita. Como um conjunto, entretanto, criam-se as bases para uma vanguarda tanto em Sao Paulo como no Rio de Janeiro, que, de origens sociais diversas, rompe com 0 academismo que recua para as mans6es € casas mais tra dicionais. A histéria posterior liga-se j4 aos grandes negécios da comunicagao de massa © da indiistria. Assis Chateubriand, o criador do nosso MASP, ¢ Ciccillo Mata- razzo, do MAM e das Bienais, desempenham, de certa forma, o papel de Dona Olfvia Guedes Penteado e de Freitas Valle, num novo tempo. Interessante ob- servar que Yolanda Penteado Matarazzo € sobrinha de Dona Olfvia. Ciccillo coordena as festividades do IV Centenério, chama Nicmeyer e Burle Max ¢ 0 Thirapuera é construfde. Nas artes pldsticas a celeuma ligada ao abstracionismo chega a ser ideologizada por alguns arquitetos ¢ artistas, de modo geral ligados a cofrentes ou agremiacées politicas. Dessa época € também o legado de Ar- mando Alvares Penteado, que nao parece ter tido o destino imaginado pelo me- cenas. Mecenato mais rico seria, no entanto, 0 do governo, que ao construit Brasilia celebra a arquitetura e a arte modema em geral. Todo isso prepara os tempos contemporineos, quando uma inddstria cultural firma-ge no pais. As classes dominantes expandem-se e os bens simbélicos sao disputados por um ndmero maior de pessoas. O acesso A informagiio sobre esses bens também torna-se mais facil para alguns setores da classe média. A varie- dade de bens simbélicos também infinitamente maior, bem como hierarquiza- da, A arte é assimilada pela educacio ¢ até pelo campo psicoterapéutico. A alta burguesia declina enquanto importadora e difusora de cultura, os artistas profis- sionalizam-se ¢ novas relagdes surgem no campo da produg&o ¢ da comerciali- zacdo na arquitetura e nas artes plasticas. Parati nos anos sessenta, o Grupo Santa Helena, Paris, Rockefeller, IV Cente- nério € I Bienal, s4o algumas das-pegas do jogo caleidoscépio que Durand vai revelando para quem viveu um pouco disto e para quem apenas imagina, diante de um mural, de um quadro ou de um belo projeto arquitetdnico, o vasto mundo social ali materializado. R. Fac. Educ., $60 Paulo, 15(1): 101-102, jan.jjun. 1989

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