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r ESCOM, ESTAID &SOCIEDADE Barbara Freitag Sexta edicto revista: Prof' José dos Santos Souza UESB/DFCH EDITORA MORES 1986 “ QUADRO TEORICO Estudar a educagiio no contexto da realidade brasileira re- cente, a partir de um enfoque socioldgico, exige um referencial teb- rico que pode ser encontrado em parte na sociologia e na economia da educacio. ‘Nao tentaremos aqui uma revisiio de todas as posigdes teéricas existentes; basta-nos, para justificar a posigo por nés adotada, recapitular os limites e as vantagens das teorias mais conhecidas. Quanto conceituactio de educago e sua situagio num contexto social, existe, em quase todos os autores, concordancia em dois Pontos: 1) a edueagio sempre expressa uma doutrina pedagégica, a qual implicita ou explicitamente se baseia em uma filosofia de vida, concepgfo de homem e sociedade; 2) numa realidade social concreta, o processo educacional se dé através de instituigdes especificas (familia, igreja, escola, comu- nidade) que se tornam porta-vozes de uma determinada doutrina pedagogica. Essa posigio foi primeiramente sistematizada por Emile Dur- kheim,' que nfo especifica os contedidos educacionais mas que parte do conceito do homem egoista que precisa ser moldado para a vida societéria. As novas geragbes apresentam uma flexibilidade 1, Veja DURKHEIM, Emile: Educagio e Soclologia, Melhoramentos, 8 ed., StoPavio, 1972. 16 Para assimilar, internalizar e, finalmente, reproduzir os valores, as normas e as experiéncias das geragdes mais velhas. O proceso educacional 6 mediatizado basicamente pela familia, mas também Por instituigdes do Estado como escolas, universidades. As gerac&es adultas suscitam na crianga, através dessas instituigdes, “certo ni- mero de estados fisicos, intelectuais e morais, reclamados pela soci dade politica no seu conjunto e pelo meio especial a que a crianga particularmente se destina”.? A filosofia de vida implicita nessa teoria educacional pressu- oe que a experiéncia das geragdes adultas é indispensével para a sobrevivéncia das gerages mais novas. A transmissio da experién- cia de uma geragto a outra se dé no interesse da continuidade de uma sociedade dada. Também transparece aqui a posigao do soci Jogo que se opde a qualquer forma de reducionismo. A educacio é um fato social. Portanto, se imp®e coercitivamente ao individuo que, Para 0 seu proprio bem, sofrera a ago educativa, integrando-se ¢ solidarizando-se com o sistema social em que vive. Os contetidos da educagio so independentes das vontades individuais; sio as nor- mas e os valores desenvolvidos por uma certa sociedade (ou grupo social) em determinado momento histérico, que adquirem certa generalidade e com isso uma natureza propria, tornando-se assim “coisas exteriores” aos individuos.> E no processo educacional que essas coisas, ao mesmo tempo que so impostas de fora ao individuo, sao por ele “internalizadas” € ‘com isso reproduzidas e perpetuadas na sociedade. O individuo que originalmente apresentava uma natureza egoista, depois de edu- cado, adquire uma segunda natureza, que o habilita a viver em sociedade dando prioridade as necessidades do todo, antes das necessidades pessoais. A educagao é para Durkheim 0 processo através do qual 0 egoismo pessoal & superado e transformado em altrufsmo, que beneficia a sociedade. Sem essa modificagaio subs- tancial da natureza do homem individual em ser social, a sociedade ndo seria possivel. A educacdo se torna assim um fator essencial € constitutivo da propria sociedade. 2. Ibid, p. 41 3, Para a conceituagao de “fato social” em Durkheim confira: DURKHEIM, E.: As Regras do Método Soctoligico, Editora Nacional, 6* ed., especialmente os Caps. le Il, S80 Paulo, 1971. 7 Talcott Parsons, absorvendo'em seu Social System‘ parte substancial das idéias de Durkheim, vé na educago (em sua termi- nologia apresentada como “‘socializagio”) 0 mecanismo bésico para 4 constituigao de sistemas sociais e de manutengo e perpetuacdo dos mesmos em forma de sociedades. Sem a socializagao 0 sistema social € incapaz de manter-se integrado, preservar sua ordem, seu equilibrio e conservar seus limites. ° Para que o sistema sobreviva, os novos individuos que nele ingressam precisam assimilar e internalizar os valores e as normas que regem o seu funcionamento. Parsons, ao contrério de Dur- Kheim, nao destaca tanto 0 aspecto coercitivo do sistema face ao individuo, mas ressalta a complementaridade dos mecanismos em atuacio a fim de satisfazer 0s requisitos do sistema social e do sistema de personalidade. Assim como o sistema tem necessidade de socializar seus membros integrantes, também o individuo tem neces- sidades que somente o sistema pode satisfazer. HA, portanto, no processo educativo uma troca de equivalen- tes em que tanto 0 individuo quanto a sociedade se beneficiam. A fim de maximizar as gratificagdes e minimizar as privagées 0 indi- viduo se sujeita a certas exigéncias impostas pelo sistema. Este con- cede ao individuo certas gratificagdes para amenizar as tendéncias disruptivas do individuo e garantir assim o equilibrio e a harmonia do todo. O equilibrio do sistema de personalidade, por sua vez, é Fequisito do equilibrio do proprio sistema social. A crianga, ne- cessitada de amor e carinho materno, aceita as normas e as proi- bigdes formuladas no interesse da ordem social. A propria satisfagio desses interesses do sistema, mediatizada pelos pais, vai sendo expe- rimentada como gratificagdo (reflexo condicionado) pela crianga. Reforgada pelo sistema com elogios, carinho, sorrisos, ela no per- cebe que as necessidades do sistema esto se tornando suas préprias necessidades. E assim que o individuo passa a atuar no sistema ‘como um elemento funcional do mesmo. ‘Como Durkheim, Parsons ndo fixa quais seriam os valores ¢ as normas especificas de cada sistema. Mas como Durkheim, Parsons deixa claro que valores genéricos como continuidade, conservagio, 4. PARSONS, Talcott: The Soctal System, The Free Press of Glencoe, Lon des, 1964 (1? ed. paperback). S. Tbid. Confira especialmente o Cap. VI.

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