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Hehcacan, Socreadl & Cnataras, 98, 1997, 105-120 gS SRR A Se ee eae} DA ANTROPOLOGIA DA ESCRITA A LITERACIA. Algumas reflexées sobre o Estudo Nacional da Literacia CER SE IR PERE SEE Rm Esie artigo fem, no essencial, dois objectivos em primeto lugar situar 0 t6pico da literacia no contexto do pensamento anti opolégico por referencia @ alguns estudos recentes sobre 0 assunio, atendendo as quesiées tebricas ¢ metodoligicas mats importantes que tais estudos iém colocado, em segundo lugar avaliai 9 contribute especifico do recente Estudo Nacional de Literacia Para o debate teérico e metodoldgico transdisciplinar sobie a literacia em Portugal O termo literacia - um neologismo derivado da palavea inglesa hteracy — tem-se imposto como um novo conceito que, de forma mais explicita, descreve as modalidades coneretas de uso da escrita, Jeitura e célculo por parte dos indi- viduos nas sociedades contemporineas Ler, esctever e calcular, sendo vesbos transitivos, implicam sempre ler, escrever ou calcular qualquer coisa» (Gee, TISCTE: Departamento de Aniropologia / Centro de Estudos de Antiopologia Social O autor cleseja exprimir 05 seus agradecimentos a Radi lturra © Eduardo Costa Dias pelos seus comentities primeira Versio deste artigo grUChodo SOCIEDADE & CULIURAS 1996-40); isto significa que tais praticas «do decorrem, nutnt vacuo soctal abs- facto mas inscreveni-se sempie em delerminados quadros sociais e culturais entolventes (Benavente et al, 1996: 112) Esta assergio pressupde considera- cdes de natureza tedrica e opgdes de natureza metodolégica que se podem ligar ao wajecto que medeia entre a antropologia da escrita de Jack Goody € as novas propostas de anélise da literacia surgidas nos anos 80 € 90 no seio da disciplina Acompanhando a forma como esta assercio € operacionalizada na pesquisa da qual resultou o Estudo Nacional de Literacia, procurar-se-A perce- ber a sua articulacéo com o objectivo genérico dos estudos sociolégicos sobre a literacia que, em sintese, consiste em investiga: em determinada populacio a distribuigio de -competéncias transversais» de escrita, leitura e céleulo em dominios particulates da vida quotidiana Tl Nas sociedades contemporaneas, os processos de descontextualizacéo e slobalizagao passaram a afectar de forma rotineira € continua a vida das pes- soas em proporgées nunca antes vistas (Giddens, 1994) £ claro que o proceso de transladar o mundo para centros (Latour, 1992) comecou hé virios séculos, pelo menos no caso europen, mas nunca como hoje a informagao descontex- tualizada acumulada péde circular em sedes de forma tio rapida ¢ acessivel; 2 progressiva mediatizac4o da experiéncia decorrente do piocesso de extensdo de redes de comunicacio 4 escala planetaria tem sérias implicacdes na forma como nos pensamos a nés préprios € ao mundo que nos rodeia Estes factos, ao coniribuitem para configurar uma perspectiva analitica sobre quadros de vida nas sociedades contemporaneas assente, entre outras, nas ideias de -refle- xividade institucional: ¢ de seguranca ontologica: (Giddens, 1994), contribuem também para a forma como podemos captat ¢ analisat os miltiplos sigailicados que 4 literacia pode assumir na vida dos individuos hoje em dia A incorpora- ¢do rotinetra de conbectmentes e informacdo (idem) em miiltiplos contextos das nossas vidas (doméstica, profissional, civica), a0 contribuir para reorganizar 2 reconstiuir esses mesmos contextos (em nome do -bem estar, da opedo pes- soab, da -eficiéncia., da racionalidade:, da funcionalidader, etc ), € responsavel qoute ‘ Cho SOCIEDADE !% CULTURAS pot mudancas rapidas, por vezes radicais, dos quadios de vida, implicando um esforco continuo de elaboracao reflexiva das experiéncias que se sucedem 20 longo da trajectoria biogrdfica Este processo de elaboracao ieflexiva, que orga- niza € confere sentido @ experiéncia individual, pode estar associado € pode gerat formas particulazes de relagio com a literacia, em contextos determinados {nas escolas, em casa, nos cafés, nos servicos piiblicos, por exemplo) ou com alguns dos seus produtos (como certos géneros litera:ios de consumo de mas- sas, impressos, avisos, cattas, etc) Vatios estudos etnogrificos tém mostrado como certas praticas de escrita € certos modos de apropriacZo de materiais esctitos podem ser vistos como aspectos altamente reveladores da forma como, nas sociedades contemporaneas, formas de experiéncia mediada, incluindo também a televisao, telefone e radio, constituem recursos importantes mobiliza~ dos no processo de construgao e afirmacao da identidade dos individuos e dos grupos (ct Gee, 1996: 90-121; Jackson & Moores, 1995:137-199; Gillespie 1995; Besnier 1995) i Na introducio 4 obra colectiva Literacy im Traditional Societies (Goody, 1968a), Jack Goody critica 0 facto de os estudos sobie a esctita tenderem ape~ nas a concentrar-se no desenvolvimento e evolucdo histérica dos sistemas de escrita (por exemplo, Disinger 1985), assim como por concederem mais aten- cio 2o contetide dos textos escritos do que as implicagdes dos actos comunica- tivos; por outro lado, chama a atengéo para o facto de a disciplina ter, até entio, desprezado ou minimizado, nas descrigdes etmogralicas, a presenca da escrita nos contextos estudados: social anthropologists have though of their discipline as being primarily concerned whith preliteraie’, ‘primitive’, or ‘tribal’ socteties and have gene- rally looked upon writing (where it exists) simply as an ‘intrusive’ element » (Goody, 1968 1D) Nao vamos deter-nos aqui na exposicio das ideias de Goody sobre a forma

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