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CADA LEITOR, UMA HISTÓRIA

Marizeth Faria dos Santos

1-AS DIMENSÕES DA LEITURA

As palavras voam muito mais longe.


(Bartolomeu Campos Queirós)

O ato de ler não se esgota na simples decifração de códigos, mas, ao contrário, inicia-se com esse
fenômeno e alcança múltiplas dimensões de significado. E diversos são os fatores que determinam tal
significação, já que é o sujeito-leitor, considerando a sua historicidade, o seu imaginário e as
circunstâncias de enunciação, quem irá significar o texto. Toda leitura apresenta-se como uma
estrutura possível, aberta às inúmeras possibilidades de atribuição de sentidos. Isso revela a
complexidade do ato de ler, distanciando-o das caracterizações reducionistas.

O processo de ler pressupõe o ato de compreender, que envolve diversos mecanismos cognitivos para
que se alcance a constituição do sentido do texto. Tais mecanismos utilizam-se da interação entre o
que Kleiman (2000) chama de conhecimento enciclopédico, conhecimento lingüístico e conhecimento
textual para que o leitor construa o significado que atribuirá ao texto. Sendo assim, verifica-se que o
ato de ler se apresenta como um ato social de interação entre leitor e autor, sob a influência de
“objetivos e necessidades socialmente determinados” (id.: 10).

Outros elementos que perpassam o ato de ler são as relações que se estabelecem entre o texto e os
interdiscursos, que podem situar-se entre o dito pelas entrelinhas e o não-dito despertado pelo olhar
do sujeito-leitor. Esses interdiscursos desvelam-se através do silêncio que tudo contém na relação
leitor/ autor / texto. Dessa forma, a leitura tomada como “esse ato íntimo, alquimia privilegiada e
misteriosa entre autor e leitor” (PENNAC,1993), desperta-nos para o valor desse silêncio no processo
de partilhamento oferecido pela leitura. A materialidade simbólica do silêncio é parte constitutiva
imprescindível do processo de significação dos textos.

Com base nas considerações anteriores, impõe-se como meta fundamental deste trabalho a busca de
um novo olhar sobre a leitura, em seus múltiplos aspectos, e sobre a prática da leitura na escola. A
presente pesquisa propõe-se a representar um projeto que reflete e redimensiona a prática do ensino
de leitura em Língua Portuguesa e nas diversas áreas do conhecimento, já que a preocupação com o
ensino da leitura e da escrita é um compromisso de todas as áreas. E mais que ensinar, o maior
objetivo de todo profissional da educação deve ser despertar o aluno para o prazer de ler e de buscar
gratuitamente o conhecimento, transformando a leitura num momento de fruição do ‘sabor' do texto,
pois só assim se estará ensinando o aluno a ‘pescar’, porque conforme afirma o provérbio chinês: “Se
deres um peixe a um homem, ele se alimentará por um dia, mas se o ensinares a pescar, ele se
alimentará sempre.”

É preciso recuperar esse prazer na escola. E, para que isso ocorra, faz-se necessário trazer para
dentro da escola as histórias de leitura de cada leitor, não no sentido de tomar mero conhecimento de
sua existência, mas sim no sentido de resgatá-las com seu valor imprescindível de ponto de partida
para todo o trabalho pedagógico que será desenvolvido daquele momento em diante, para o
VIR-A-SER.

Partindo da problemática explicitada anteriormente, a presente pesquisa traz em si uma proposta para
a realização de tal resgate, através da elaboração e aplicação de uma entrevista a um grupo de
professores e de estudantes, valendo esclarecer que não é o quantitativo o aspecto significativo
imperante nesta investigação, tendo em vista que o grupo entrevistado representa uma pequena
amostra de um universo extremamente mais amplo de seres leitores.

Apesar de o grupo entrevistado ser reduzido (composto por dez professores e dez estudantes), crê-se
na possibilidade de verificar que a “cada leitor, uma história” diferente é construída em seu percurso
de leituras e que as suas referências iniciais nesse percurso não precisam ser, necessariamente,
aquelas pertencentes ao cânone literário para que um indivíduo se torne um grande SER-leitor.
2- DIVERSIDADE DE LEITURA E DE LEITORES

(...) não há uma forma de


leitor mas uma variedade
de leitores e, além disso, o
próprio leitor muda
conforme as situações de
linguagem. (Eni P. Orlandi)

É preciso reconhecer a ocorrência de inúmeros modos de leitura e de interpretação e perceber que


essas possibilidades decorrem das variações surgidas na constituição histórica do sujeito-leitor. A
valorização dessa diversidade é que permite, principalmente na escola, a expansão dos sentidos no
ato de ler. Não há, portanto, um único leitor possível para um texto e, muito menos, homogeneidade
de leituras.

Entre os vários fatores que contribuem para tal amplitude do universo comunicacional leitor/ texto,
encontram-se os tipos de relações textuais, contextuais e intertextuais estabelecidas nesse processo
interativo, que convergem para o surgimento de diferentes níveis de leitura. Sendo assim, já que
entre um leitor e outro há sempre conhecimentos enciclopédicos, textuais e lingüísticos distintos, a
leitura torna-se plural, devido aos sentidos que tecerão o texto, enquanto tecido que se reconstrói a
cada leitura.

O homem é um ser complexo, constituído por muitos fatores: biológicos, sociais, culturais, políticos,
psicológicos, religiosos. Portanto, seus interesses de leitura são individuais, distintos e são
determinados por esses elementos que compõem a sua historicidade. Desde criança, na primeira fase
de sua aprendizagem, o indivíduo já lê a realidade através dos sentidos (tato, olfato, paladar, visão e
audição). Mais tarde, introduz-se no mundo da linguagem oral e, em seguida, no da escrita. Essa
comunicação ininterrupta com o mundo delineia a trajetória de leitura de cada ser. Com isso, pode-se
compreender por que, conforme demonstrou Soares (apud ABREU, 1995: 97), “o mesmo texto se
multiplica em infinitos textos, uma mesma leitura são muitas leituras”.

Segundo Freire (2001) e Vargas (1993), o ato de ler é um processo que vincula a linguagem à
realidade, o que faz com que tal processo ocorra de forma diferenciada, de acordo com as “lentes” que
o leitor utilize para ler essa realidade. Tais “lentes” revelam um outro aspecto de uma experiência de
leitura: a predisposição do leitor diante do texto, que aponta o despertar da vontade como passaporte
para o mundo da leitura, como revela Ítalo Calvino (apud VARGAS, 1993: 9):

Tenho certeza de que a leitura não é comparável a nenhum outro meio de aprendizagem e de
comunicação, porque ela tem um ritmo que é governado pela vontade do leitor; a leitura abre espaços de
interrogação, de meditação e de exame crítico, isto é, de liberdade; a leitura é uma correspondência não
só com o livro, mas também com o nosso mundo interior através do mundo que o livro nos abre.

Essa predisposição para uma determinada leitura, se bem investida, pode ampliar-se no sentido de
solidificar o prazer de ler e fomentar o desejo da busca constante de outras leituras. Neste sentido, e
já que a literatura apresenta-se como objeto fundamental numa pesquisa sobre histórias de leitura,
surgem os questionamentos: o que é literatura?; que textos podemos considerar como literários? Tais
inquietações são constantes entre profissionais, especialistas e leitores em geral e só encontram
repostas provisórias, restando a única certeza de que a visão sobre esse assunto modifica-se ao longo
do tempo. Portanto, compartilhando do pensamento de Lajolo (2001), conceituar literatura
corresponde a ser parcial em uma definição.

Ainda conforme Lajolo (2001: 9), “a literatura hoje ganhou cara nova” e os critérios utilizados para a
classificação de um texto em literário ou não-literário também tornaram-se mais diferenciados ao
longo do tempo. Tudo isso decorre do fato de que “a literatura pode ser entendida como uma situação
especial de uso da linguagem que, por meio de diferentes recursos, sugere o arbitrário da significação,
a fragilidade da aliança entre o ser e o nome e, no limite, a irredutibilidade e a permeabilidade de
cada ser” (id.: 35), possibilitando que o círculo de literatos se abra a novos nomes, mesmo que não
possuam “pedigree literário”.

Dessa forma, por que não rever o caráter seletivo do material literário a ser trabalhado na escola para
buscar atender à mencionada predisposição do aluno em relação a determinados textos deixados à
margem do reconhecido status de literatura? Entretanto, vale esclarecer que isso não constitui nem
deve constituir o desprezo ou abandono dos textos consagrados no universo literário, mas, ao
contrário, os primeiros apenas devem anteceder a leitura destes.

Essa preocupação com os interesses do leitor, que refletem a sua história de leitura, oferecerá
condições favoráveis ao aprimoramento de sua competência leitora e, o que é fundamental, tornará o
universo da leitura um espaço aberto ao prazer. Com isso, o surgimento de um verdadeiro leitor, e não
de um simples “ledor” (leitor que se detém na decodificação dos códigos lingüísticos, realizando uma
leitura linear e superficial do texto), conforme denominação atribuída por Silva (apud SANTOS,
19994: 38) , apresenta-se como uma possibilidade real e enormemente viável.

Percebe-se, diante das considerações anteriores, que, na relação dialógica e interacional do leitor com
o texto, situa-se um universo bastante diversificado, abrangendo desde a grande variedade de tipos de
discurso, de texto e, conseqüentemente, de leituras até os diferentes tipos de sujeito-leitor, que,
devido às suas diferenças, dão origem à polifonia textual, que alcança a pluralidade de sentidos.

3- A LEITURA NA ESCOLA

Uma criança não fica


muito tempo interessada
em aperfeiçoar o
instrumento com o qual é
atormentada; mas façais
com que esse instrumento
sirva a seus prazeres e ela
irá logo se aplicar, apesar
de vós. (Rousseau)

É notória a crise da leitura na escola e também fora dela. Diversas influências contribuem para
acentuar esse problema, sejam elas de caráter cultural, social, político ou econômico. Embora
reconhecendo a amplitude dos elementos geradores dessa questão, neste momento, haverá uma
tentativa de flagrar de que forma a escola vem contribuindo para tal crise, assim como, de que
maneira está refletindo sobre ela por meio de sua prática, e apontar algumas possíveis soluções para
reverter este quadro.

A escola precisa ser entendida como um lugar de experimentação de sentidos e não de


descontextualização da linguagem. Também é essencial que todo professor tenha consciência de que,
independentemente de sua área de atuação, ele é, antes de tudo, um professor de leitura e que cabe
a ele buscar sempre novas metodologias, cujo maior objetivo seja conduzir o aluno a seduzir-se pelas
palavras, pelo texto e pelo prazer que a leitura pode proporcionar, além de fazê-lo, inclusive, ter
consciência da leitura como fonte de conhecimento e informação capaz de levá-lo ao seu crescimento
enquanto ser, e, dessa forma, passar a sentir-se motivado a uma busca espontânea de mais e mais
leituras.

A leitura deveria ser introduzida na escola, não como uma tarefa árdua, mas sim no universo das
atividades diversificadas, criativas, enfim, mais vivas e praticadas nas diferentes áreas do
conhecimento, pois é esse caráter de obrigatoriedade uma das principais questões que podem levar
esse modo de ler, como revela Monteiro Lobato, a ser “capaz de vacinar a criança contra a leitura para
sempre” (apud VARGAS, 1993: 14). É fundamental que o professor e a escola como um todo
alimentem o entusiasmo que o aluno traz consigo quando chega à instituição escolar, ao invés de
procurar sempre pôr à prova a competência desse aluno através de cobranças castradoras.

A declaração do “é preciso ler”, muito comum no ambiente escolar, pode levar o aluno, através das
metodologias comumente utilizadas, a chegar ao vestibular, à graduação, à admissão em concursos,
mas pode não conduzir, conforme afirma Pennac, ao amor pelos livros. Com base nisso e considerando
alguns fatores fundamentais para o favorecimento da descoberta do gosto pela leitura desencadeado
pelo prazer de ler, faz-se necessário que seja respeitada a liberdade do leitor de usufruir dos “direitos
imprescritíveis do leitor”, enumerados por Daniel Pennac (1998):

1. O direito de não ler.

2. O direito de pular páginas.

3. O direito de não terminar um livro.

4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.

6. O direito ao bovarismo

(doença textualmente transmissível)

7. O direito de ler em qualquer lugar.

8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.

9. O direito de ler em voz alta.

10. O direito de calar.

É necessário, inclusive, dessacralizar o livro, mostrando uma visão mais próxima e real do que
representa o livro para aqueles que gostam de ler, para que o aluno não o trate como um objeto
todo-poderoso e inacessível, que exige um cuidado e respeito tão excessivos a ponto de provocar um
distanciamento entre os dois. A dessacralização do livro é, portanto, um pressuposto essencial para o
leitor adentrar o texto, descortinar o imaginário e tornar-se receptivo a inúmeras narrativas possíveis.

Não basta ao aluno querer ler, ou seja, haver sido despertado para o prazer de ler. É preciso que ele
tenha acesso ao livro e, visto que a maioria dos livros possuem preços elevados no mercado, não
atingindo o nível de consumo das classes populares, a biblioteca escolar impõe-se como uma
necessidade fundamental para atender uma dada comunidade, não só em relação à carência referida,
mas também no que diz respeito à importância de sua participação dinâmica, em parceria com os
demais profissionais da escola, no processo de estímulo à leitura.

É importante romper com a artificialidade que se institui na sala de aula e tornar o aluno um ser
verdadeiramente ativo no processo de aquisição da leitura como uma aprendizagem prazerosa. Essas
são algumas possibilidades de ações experimentadas com sucesso e que resignificam o ensino de
leitura na escola.

4- METODOLOGIA DA PESQUISA

Uma das grandes alegrias


do ‘pedagogo’ é - toda
leitura sendo autorizada -
a de ver um aluno bater
sozinho à porta da fábrica
Best-seller para subir e
respirar na casa do amigo
Balzac. (Daniel Pennac)

4.1- Investigação sobre histórias de leitura

O desafio de conduzir o aluno à (re)descoberta do prazer de ler e de levá-lo a buscar


espontaneamente o conhecimento, despertando-o, assim, para o gosto pela leitura impulsionou a
reflexão deste trabalho e fomentou o desejo de investigação acerca de diferentes histórias de leitura
com o intuito de verificar que a historicidade do leitor representa um fator determinante para o
sucesso da realização desse desafio. Além disso, faz-se necessário notar o quanto essa historicidade
influi na existência de diferentes modos de leitura e de interpretação, o que repercute numa
pluralidade de preferências leitoras.

Foi elaborado um questionário (cf. ANEXO) para ser aplicado em entrevistas a dois grupos de leitores,
sendo o primeiro composto por dez professores e, o segundo, por dez estudantes, incluídos numa faixa
etária que variou, no caso dos professores, de 25 a 50 anos de idade e, no caso dos estudantes, de 15
a 25 anos de idade. O público a ser entrevistado foi assim definido por reunir em si estágios distintos
de trajetórias e níveis de leitura, assim como por apresentar pontos de vista variados a respeito da
temática em questão, conforme as experiências que já obtiveram e o seu próprio grau de maturidade.

Vale ressaltar que os professores entrevistados atuam nas diversas áreas do conhecimento e que, do
conjunto de estudantes, uma metade está cursando o ensino médio e uma outra metade está
cursando o primeiro semestre do ensino superior. Dessa forma, pode-se observar que todos os
participantes da investigação possuem um longo percurso de leituras para relatar e, com isso, resgatar
em sua memória a construção da sua historicidade de leitor dentro e fora da escola.
O questionário prevê respostas discursivas e foi aplicado na presença da entrevistadora, possibilitando
um diálogo bastante descontraído e significativo a respeito do assunto. Certas declarações dos
entrevistados expressaram o seu envolvimento com a leitura e a sua emoção, ou seja, o prazer de ler
e de haver vivenciado todo o seu percurso de leitor exatamente como ele se desenvolveu.

Além disso, foram consideradas, durante a análise das respostas de cada questão, passagens de uma
entrevista realizada pela revista Manchete à autora e apaixonada leitora Cecília Meireles, em 1953, já
que elas corresponderam a um rico depoimento sobre o seu percurso de leitora, reunindo dados
importantes de sua história de leituras.

É importante reiterar o fato de a pesquisa não se fixar em dados estatísticos, visto que, mesmo
representando um universo pequeno e de caráter amostral, torna possível buscar evidências de que
cada leitor possui a sua história de leituras e que uma experiência leitora sem preconceitos parece ser
o percurso mais indicado para a formação de leitores vorazes e apaixonados e verificar que, mesmo os
leitores que iniciaram sua trajetória por gibis, romances de banca, best-sellers ou quaisquer outros
textos, muitas vezes discriminados pela escola ou pela crítica literária, também podem chegar aos
clássicos com a mesma ou superior intensidade de leitura, prazer e desejo daqueles que os liam desde
cedo.

Cada leitor possui o seu tempo interior, o seu tempo de descoberta, o seu tempo para avançar. Todas
as leituras representam acréscimos ao conhecimento enciclopédico, lingüístico e textual do indivíduo
e, já que a leitura é um ato de criação permanente e pressupõe uma relação de correspondência entre
o mundo interior, o mundo do texto e o mundo exterior aos dois universos, torna-se urgente respeitar
e valorizar os diferentes caminhos seguidos para alcançar-se a subida de mais um degrau no
constante e espontâneo processo de superação de si mesmo enquanto leitor e ser humano.

As declarações obtidas, juntamente com a análise global das entrevistas, ratificaram a afirmação de
que um indivíduo, mesmo por percursos distintos de leituras e mesmo que esses percursos não
incluam apenas textos literários consagrados, pode descobrir o prazer de ler e tornar-se um ávido
leitor.

5- O PRAZER DE LER

A toda leitura preside,


mesmo que seja inibido, o
prazer de ler; e, por sua
natureza mesma - essa
fruição de alquimista -, o
prazer de ler não teme
imagem, mesmo televisual
e mesmo sob a forma de
avalanches cotidianas.

Se, entretanto, o prazer


de ler ficou perdido(...) ele
não se perdeu assim tão
completamente.

Desgarrou-se, apenas.
(Daniel Pennac)

Nada mais agradável do que viver o arrebatamento diante de cada texto, de cada mergulho nos jogos
de linguagem de um texto. Isso ocorre num grau de euforia e excitação tais, que o leitor vê-se com
pressa para ler, para desvelar os significados e encantar-se com o fascínio das palavras e dos sentidos
que emanam do texto, sem preocupar-se com qualquer perda verbal, pois à leitura de prazer não cabe
essa preocupação isolada.

No entanto, as imposições de certas leituras na escola, assim como as cobranças destas sob a forma
de provas ou trabalhos preocupados com a sistematização classificatória dos resultados esperados das
leituras, contribuem para a não descoberta ou para a perda/destruição do prazer de ler. Nesse sentido,
o livro passa a ser um fardo. Por esse motivo, segundo Pennac (1993:13), “o verbo ler não suporta o
imperativo. Aversão que partilha com outros: o verbo ‘amar’... o verbo ‘sonhar’...”.
Além dos entraves ao prazer de ler já mencionados, alguns outros de significativa influência são: o
dogmático “é preciso ler”, que não deixa de ser uma necessidade verdadeira se descoberta pelo
próprio leitor em sua relação de prazer com o texto, e não, tiranicamente repetida pela escola para
que isso conduza o aluno a ler; o medo que o aluno tem de não compreender uma determinada
leitura exigida e, assim, não corresponder às expectativas do professor ou de arriscar a sua
compreensão e expor-se ao ‘erro’ diante dos colegas; a duração de uma dada leitura, pois, se o aluno
ainda não (re)descobriu o prazer de ler e a felicidade de ser leitor ou aquele livro não representa uma
de suas preferências leitoras, será instaurada a idéia de que o livro é uma ameaça de eternidade.

A gratuidade do ato de ler parece não fazer parte dos programas das escolas. A ler, tomando-se este
como simples processo de decodificação, aprende-se na escola, mas e a gostar de ler? Esse gostar
parece ser tratado como algo acidental quando deveria ser prioritário.

É verdadeiro que não se lê todos os textos com a mesma intensidade de leitura. Nem todos os textos
são capazes de despertar, de forma homogênea, o amplo universo de leitores para o prazer. Surgem,
portanto, as preferências leitoras que, independentemente de sua diversidade, são capazes de
conduzir cada leitor, embora por caminhos distintos, à descoberta do prazer de ler.

Mesmo que se pensasse em relacionar os textos que mais chegaram a dar prazer a alguém para
formar um corpus textual, este seria indefinidamente acrescentado a cada instante por novos e novos
textos, pois não há como estereotipar o prazer do texto. O prazer é individual, já que expressa o
sujeito histórico do leitor, e essa historicidade confere ao leitor a liberdade de chegar ao prazer por
trajetórias distintas, tendo em vista que o prazer não oferece nenhum risco de imposição ou repressão
e, além disso, de acordo com Barthes, ele não é seguro, pois não se pode garantir nem mesmo que
um determinado texto agradará mais de uma vez ao mesmo leitor.

6- CONCLUSÕES

Desde a idealização desta pesquisa e durante o seu desenvolvimento, a proposta de trabalho consistia
em realizar um estudo sobre as histórias individuais de leitura e verificar a sua importância para
resgatar o prazer de ler na escola, de forma a alcançar a sua extensão também para fora dela,
atingindo amplamente a vida cotidiana do indivíduo. Nesse sentido, a leitura passaria a ser
espontânea e imprescindível ao próprio existir de cada aluno, isto é, de cada ser humano.

Os resultados da pesquisa serviram para verificar se realmente a teoria proposta desde o início
possuía fundamento e caráter verdadeiro numa prática concreta, através de dados reais obtidos por
uma investigação sobre as histórias de leitura de um grupo de professores e outro de alunos, em que
ambos demonstraram um grande gosto pela leitura, praticando-a hoje, conforme declararam,
impulsionados pelo prazer que, segundo eles, as leituras lhes proporcionam. Os dados oferecidos por
esse levantamento representam uma amostra extremamente significativa para que se possa crer no
enorme valor das histórias de leitura de cada ser na construção de seu percurso de SER-LEITOR.

O valor das histórias de leitura, conforme mencionado anteriormente, sugere que o questionário
organizado para a realização das entrevistas (cf. ANEXO) ou mesmo qualquer outra forma de
investigação a respeito disso seja o ponto de partida para o planejamento de todas as atividades a
serem desenvolvidas com um grupo de alunos a cada início de ano letivo, pois assim será possível
que, como sugere Orlandi (apud CASSANO, 2000: 119), “modifiquem-se as condições de produção de
leitura do aluno(...), propiciando-lhe que construa sua história de leituras, estabelecendo as relações
intertextuais e resgatando a história dos sentidos do texto”.

Ainda a partir dos resultados das entrevistas, evidenciou-se que “permanecem no leitor, incorporadas
como vivência, marcas da história de leitura de cada um” (LAJOLO, 2001: 45) e que essas marcas
possuem uma importância tal que, se devidamente valorizadas e exploradas pela escola, podem
conduzir a uma relação mais íntima e prazerosa com as leituras, fundando, entre o indivíduo e o ato
de ler, um elo afetivo e cognitivo que se estenderá, num processo crescente, por todas as fases de sua
vida, inclusive quando já se encontrar afastado do ambiente escolar.

Dessa forma, verifica-se a necessidade de a escola, ao participar da formação do leitor, considerar


todas as leituras possíveis e significativas como elementos propulsores do crescimento do aluno
enquanto ser humano e ser-leitor.

É preciso esclarecer que de maneira alguma devemos abrir mão de viabilizar o acesso à leitura dos
textos consagrados e legitimados em nossa literatura. O que não se pode deixar é de perceber a
necessidade de trazer-se para dentro da escola, de forma efetiva e viva, as histórias de leitura que
cada aluno traz consigo. A valorização dessas histórias individuais, ao contrário de parecer estagnar o
aluno numa condição de leitor menor, servirá para impulsioná-lo a uma busca espontânea em direção
ao seu crescimento, conforme mencionado no parágrafo anterior.

Diante de tais observações, quanto à presença das histórias de leitura na sala de aula, é válido
repensar as práticas de ensino de leitura que ainda se apresentam de forma impositora e, portanto,
castradora do prazer de ler na escola, para que se possam implementar metodologias que considerem
o aluno o verdadeiro sujeito de sua história.

Indubitavelmente, esta pesquisa representa mais uma busca de saída para a crise flagrante na
formação do leitor, principalmente, através da participação da escola nesse processo, já que esta
participação é extremamente determinante e significativa no percurso do leitor.

Faz-se necessário saber que essa busca não se encerra com este desfecho, visto que nenhum estudo é
definitivo e completo em si mesmo, e esse, mais ainda, pretende-se iniciar concretamente a partir de
encerrada a última palavra aqui escrita, para que comecem a ser escritas, pelas experiências do leitor,
as novas páginas que existem simbolicamente em branco a seguir.

Talvez desta forma haja a ampliação das idéias suscitadas, para que se consiga trilhar novos caminhos
em busca da resignificação do ensino de leitura. Espera-se que a materialidade teórico-reflexiva
construída até aqui reverta-se em uma prática redimensionada e que as atividades de leitura na
escola não sejam limitadas nem limitadoras. Esses são compromissos de todos os profissionais da
educação.

7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Márcia. Leituras no Brasil: antologia comemorativa pelo 10º Cole. Campinas: Mercado de
Letras, 1995.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1973.

CASSANO, Maria da Graça. A historicidade do leitor na construção de uma autoria em leitura escolar.
Niterói: UFF, 2000. (Dissertação de Mestrado)

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 41. ed. São Paulo:
Cortez, 2001.

GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2001.

KLEIMAN, Angela. Texto & leitor - aspectos cognitivos da leitura. 7. ed. São Paulo: Pontes, 2000.

LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores & leitura. São Paulo: Moderna, 2001.

MEIRELES, Cecília. [A palavra de Cecília]. Jornal do MEC. Brasília, set. 2001. p.15.

NEVES, Iara Conceição Bitencourt et alli. Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. 3. ed. Porto
Alegre: UFRGS, 2000.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 3.ed. São Paulo: Pontes,
2001.

------ (org.). A leitura e os leitores. São Paulo: Pontes, 1998.

PENNAC, Daniel. Como um romance. 4. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

SANTOS, Leonor Werneck dos. Os paradidáticos e o ensino de leitura no 1º grau. Rio de Janeiro: UFRJ,
1994. (Dissertação de Mestrado)

SERRA, Elizabeth D’Angelo (org.). 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras. São
Paulo: Mercado das Letras: ALB, 1998. (Coleção Leituras no Brasil)

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura & realidade brasileira. 4. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1988.

------. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 6. ed. São Paulo:
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------. Os (des)caminhos da escola: traumatismos educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1992b.

VARGAS, Suzana. Leitura: uma aprendizagem de prazer. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993.

8- ANEXO

Questionário da entrevista realizada com professores e estudantes

Idade do entrevistado: _____________

1. Que histórias você gostava de ler na sua infância? Por que elas representavam um atrativo para
você?

2. Existe alguma história que mais marcou você, a ponto de desejar, a partir dela, mais e mais
leituras? Qual?

3. De que forma a leitura foi introduzida em sua vida? Através de quem? Em que ambiência?

4. O que você acredita que foi fundamental para despertá-lo(la) para o prazer de ler?

5. Comente o que foi importante, em sua opinião, no seu percurso de leitor.

6. Atualmente, quais são as suas preferências de leitura? (Mencione alguns títulos.)

7. Você abandonou as suas preferências anteriores (considerar desde as suas primeiras leituras)?
O que você acredita haver influenciado nisso?

8. Espaço livre.

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