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Johan Huizinga - Nas Sombras Do Amanhã - Diagnóstico Da Enfermidade Espiritual Do Nosso Tempo PDF
Johan Huizinga - Nas Sombras Do Amanhã - Diagnóstico Da Enfermidade Espiritual Do Nosso Tempo PDF
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PAOFU80R DA UNIVERSIDADE DE L D&N
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DIAONÓSTICO DA ENFERMIDADE
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TRADUÇXO DE
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estiveram tão claramente cônscios do imperiosó
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dever de cooperar na tarefa de preservação e
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aperfeiçoamento do bem-estar do mundo e da
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civilização humana. Em tempo algum o trabalho
foi mais venerado. Jamais. o homem se atirou .
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nlo perdeu a esperança.
Se queremos, pois, salvar esta civilização, se
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decadência já avançou.
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É ainda muito recente a generalização das
apreensões dum destino ameaçador e dum dete·
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evitar, pelo menos na idéia dos seus adversários,
'enquanto os seus advogados prometiam, não a
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destruição, mas sim a salvação. O fin-de-siecle
: com a sua atmosfera de decadência dos anos de
noventa, mal se fizera sentir fora da esfera lite
rária em moda. Com o assassinato de McKinley
o anarquismo activo parecia ter atingido a meta.
O socialismo parecia tomar o vulto dum movi-
I . mento de reforma. Apesar da guerra Boer e da
guerra russo-nipónica, a primeira conferência da
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paz_ podia ainda ser considerada como arauto
duma nova era de ordem internacional. A nota
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l olhar para descobrir o virar da inaré. Tôdas as
atenções estavam nesse momento absorvidas
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pess1m1smo.
Hoje, porém, a certeza de que vivemos no
meio duma violenta crise da civilização, amea
çando completo fracasso, difundiu-se por tôda a
parte. O livro de Oswald Spengler, Untergang
des Ahelldlandes (15: foi o sinal de alarme para
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(1) Edição inglesa: T/Je Decline oj the West, Londres,
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1 . George Allen � U nwin, Ltd.
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tôdas as coisas. O resultado foi nem sequer se
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sistemática da consciência de crise nos tempos-
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essencialmente de natureza religiosa. Na medida •
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I mundo, quer se tratasse dos perversos em geral, .
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dos jesuítas ou dos pedreiros-livres; a escolha
dependia da mentalidade particular de cada época.
Em círculos extensos, o reaparecimento de nor-·
mas de juízo tôscas e vulgaríssimas fêz reviver
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conforma com uma espécie de sentença maligna.
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Contudo, a esperança de melhor porvir e a
desaprovação do presente nem sempre tomam
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dizer, sempre à mão, ao alcance de todos. Reco· -
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nhecer o êrro da nossa conduta, subjugar uma
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entre os homens. Foi também assim que Erasmo
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a viu. Com a redescoberta dos antigos, fràn uea.
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ra-se o caminho às fontes puras da fé. Já nada
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havia que retardasse a aquisição dum grau de
perfeição terrena, dentro dos limites permitidos
pela ordem das coisas. Concórdia, humanidade e
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civilização surgiriam imediatamente do recém
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-conquistado poder de observação. À idade da
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Razão e de Rousseau o bem-estar do mundo
parecia basear-se igualmente na penetração íntima
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e na· obediência aos seus ditames. Para a pri •
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vem a ser imbuído de todo o s i nificado que o
socialismo lhe havia de dar. volução como
conceito ideal, preserva sempre oeoneúdo pri
mário do pensamento original- aperfeiçoamento
súbito e duradoiro.
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Reforma e os moralistas dos tempos romanos,
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Rousseau, Maomé, e até mesmo os profetas de •
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êsses, jamais deixaram de ter perante os olhos a .
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visão obcecante dum passado ilusório de mais •
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E era a êsse passado que êles exortavam a huma-· .
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nidade a regressar.
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uma marcha geral à retaguarda está fora de
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discussão. Não há outro remédio senão avançar,
mesmo que fiquemos aterrados com os miste '•
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I escancarado abismo envolto em negra e opaca I
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convulsão como a que tortura os nossos tempos?
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• passado com o presente, êsse conceito pode
1 adquirir um certo grau de objectividade. -Na .
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as origens e a evolução, nias também o resultado.
O conhecimento que delas temos constitui para
I nós uma dimensão adicional. J-lá casos em que
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tôda uma civilização pereceu, e há outros em
que marchou triunfante a caminho de novas for-
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mas de existência. Podemos, pois, ver o caso his
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qualquer género de catástrofe. Mesmo a antiga j
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A CRISE AC'fUA J. 21
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esplendor.
Vejamos agora os anos entre 1789 e 1815.
Uma vez mais a torrente dos acontecimentos
mundiais · engrossou até se tornar em impetuoso
I caudal. O primeiro Estado da Europa sucumbiu
às ilusões dos "filósofos, e à fúria do popula- ..
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• cho, para logo ressuscitar com os feitos e a
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fortuna dum génio militar. A Liberdade aela- f ,
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reajustado. Ntáquinas a vapor arfando ; ouve-se ,
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o ritmo estrepitoso dos novos teares. Sucedem-se
as conquistas cientificas ; o mundo do espfrito
enriquecido pela filosofia alemã e o prazer da ·
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nossos dias, vêde o rumo das artes. Tôdas as
transições por que passaram, desde o Qu�ttro- �
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l · cento ao Rocócó, foram graduais e conservadoras.
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cido de outra mais antiga e trouxe consigo o
valioso tesoiro duma forma superior de religião,
na qual naufragara de certo modo a antiga cul
tura. Com tôdas as suas bárbaras qualidades,
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esta idade de Gregório Magno e dos merovín
gios estava repassada de um intenso elemento
metafísico. O Cristianismo,. a despeito. da sua
renúncia ao mundo, foi a fôrça propulsora do
desenvolvimento da cultura medieval, elevando-a
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·de Estados definidos e rivais. No nosso mundo
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campeia sem freio e sempre mais a aptidão
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dir-se e o poder da investigação cientffica triunfa
num ritmo aparentemente infinito de novas des
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à perfeição e pureza passadas. Era, portanto, um
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Condl,aes básicas da Cultura
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Que entendemos nós por CuJtur� (. . f! .pal�v�a
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nas línguas holandesa, escandinavas e eslava5, I
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ao grande desenvolvimento do seu vocabulário
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tinham muito menos necessidade de se apro
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priar do exemplo alemão para a sua �oderna
·nomenclatura científica, como sucedeu à maior
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d e todo o século XIX, se alimentaram em grau
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NAS SOMBRAS DE AMANHA
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Todavia, dar uma definição exacta do seu signifi
cado é uma coisa totalmente diferente. O que é
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e em que consiste a cultura? Uma definição
exaustiva é pràticamente impossível. Tudo quanto
podemos fazer é enumerar algumas condições e
requisitos essenciais, sem os quais não pode
haver cultura.
Cultura requere, em primeiro lugar, um certo
equilíbrio de valores materiais e espirituais. l:ste 1
.
•
equilíbrio permite o desenvolvimento duma dis
posição social que se reputa superior, porque
proporciona outros valores mais elevados que a
mera satisfação das necessidades ou da ambição.
Êstes valores habitam o domínio do espiritual,
do intelectual, do moral e do estético . .Por sua
vez êstes diversos domfnios terão de estar em
equilíbrio e harmonia para que a êlcs se possa
aplicar o conceito de cultura. Acentuando equi
líbrio e não nível ·absoluto, poder-se-ão incluir
numa estimativa cultural formas de civilização
primitivas, simples e tôscas, evitando-se assim o
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perigo de exagerar o valor das civilizações alta-
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CONDIÇÕES BÁSICAS DA CULTURA 33
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l talvez formular-se no que se segue, e que apesar r
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;: .reza no campo material, moral e espiritual asse-
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que adviria das condições naturais existentes,
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As manifestações contemporâneas que nos
rodeiam parecem excluir tôda a idéia dum autên
tico equilíbrio. Um sistema económico do mais
puro requinte atira diàriamente cá para fora com
um montão de produtos e põe em movimento
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fôrças de que ninguém precisa, que para ninguém
trazem vantagens, que tôda a gente teme e que
� �- muitos escarnecem por inúteis, absurdas e preJ·u-
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diciais. O café é queimado para se manter o
r. r preço ; o material de guerra encontrará ávidos
] compradores, mas ninguém quere que êle seja
: utilizado. A desproporção entre a perfeição, por \
·� um lado, e a capacidade dos maquinismos pro- �
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j deixa pouco lugar à idéia de equilfbrio. Há tam- i'
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��uma divergência de p�nsamento quá�i irre��-
.;� Aiável. A arte foi apanháda no cfrculo vicioso \
. t�· que agrilhoa o artista à p�ubli.ci�ade e por meio
desta à moda, qualquer delas, por sua vez, .
dependente- dos interêsses comerciais. Ao longo
'(�� de tôda a série, désde a vida do Estado à vida da
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I.· ao passo que o nosso tempo se apresenta repleto
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Quando agora se compara o estado actual de
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científico a um estado de crise, cujos efeitos se
. mantêm ·ainda envoltos no véu da incerteza.
-! .1- vr.----Ai O novo conhecimento ainda se não institufu em
�� -1c. J cultura; ainda nao foi integrado numa nova
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� concepção cósmica de harmonia iluminadora., Em
JJ.wi4J.!
» ""-�-""'' nós o agregado de todo o saber ainda se não ·
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'êste conceito; quebra ao menor uso que dêle se
faça. Leis naturais. . . certamente, mas convém
não falar muito de validade absoluta. Objectivi
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dade. . . é ainda o nosso dever e o nosso ideal,
: mas a sua perfeita realização não é possível,
i pelo menos às ciências sociais e às humanidades.
O nosso Epiménides de há pouco bem pode
soltar suspiros de desespêro ao contemplar tudo
· isto. Como êle esfregaria· os ·o lhos de incrédulo
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pasmo, quando lhe dissessem que em algumas
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A CI�NCIA'NOS LIMITES DO PENSAMENTO 49
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científica e só fica a analog1a Qual de nós,
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tal a que o organismo parece não estar adaptado,
experimenta um pêso que por vezes o oprime
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até ao desespêro. Todavia, desistir, não quere
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poesia e história.
· Um dia preguntei a De Sitter se está saüdade
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excluir-se um ao outro. Ambivalente, quere dizer,
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mas, estrictamente falando, não há enfermidade
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nem desconjuntamento. Desnecessário será dizer
\ qua a expressão ucrise intelectual, não se deve
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manifesta onde o espfrito goza ainda da liber-
dade que lhe é indispensável para ser espírito.
Exceptuando as exóticas iguarias cozinhadas por
!v1arx e a mística elaborada nos pafses nórdicos,
\ que alguns tnuito seriamente desejariam que
. aceitássemo,s, esta liberdade permaneceu invio
lável no campo das ciências físicas e no da mate-
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rafzes no aperfeiçoamento dos meios de com
preensão e na intensificação do próprio desejo
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, cultura. A crise do pensamento científico poderá
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padrão e com a roti na. Isto, porém, não nos
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ENFRAQUECIMENTO DA CAPACIDADE 59
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ENFRAQút!CIMENTO DA CAPACIDADE 61
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ENfRAQUECIMENTO DA CAPACIDADE
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funções marcharam, dum modo geral, a par uma
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t curiosidade para o público culto. Até aos começos
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DECLINIO DO ESPIRITO ·c RITICO
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nao poderá negar o facto de qu�, enquanto a (.
aquisição de conhecimentos e sua aplicação r
técnica continuam a progredir em ritmo espan- �
toso, o valor educativo da ciência na o é hoje
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68 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
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capa�idade como guia, porque houve um tempo
em que ela exigia para si um quinhão demasiado
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� Todos os marcos entre as funções ·lógicas, esté
ticas e afectivas são propositadamente ignorados.
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Permite-se à sentimentalidade desempenhar a sua
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e ,desejo, são confundidos com consciência da
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verdade. E para justificar tudo isto, aquilo que
em verdade é abandono do próprio princípio
lógico alardeia-se como revolta necessária contra
'·
•
I
a suprema regência da razão.
•.
Desde há muito que todos nós deixámos de
'\ vi.ver sob a férula dum racionalismo tirânica-
mente consistente. SabQmos que nem tudo pode
( ser avaliado pela raz;lo. O próprio progresso do
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pensamento nos fêz compreender a sua insufi- •
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iLI 70 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
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de qualidades intelectuais e espirituais de .raça
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investigação (raça) O ele mento r4CUltUra", antro
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minação exclusivamente biológica de qualidades
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espirituais de raça é falácia evidente. E incontes-
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. mentos·, o extrínseco e o que se supõe co ngénito ,
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dades científicas. Esta doutrina da sup�.Q..ridaq�,
baseada .,_____suposta
numa pureza racial, exerceu
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I dos outros. A tese racial é sempre hostil, sempre
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E preciso ver bem que nãn estatnos a negar
a existência de problemas sérios e de conflitos
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. graves de natureza social, económica ou política
originados pela contigüidade de duas raças den
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específica é irracional e não está no âmbito da
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ESPIRJTO
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DECLf'NJO DO tHiriCO 73 1
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alentâr e de sê orgulhar dela. Uma sociedade 1
ergui da sôbre alicerces cr istãõs nunca teve lugar
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Primeiro , é preciso não haver confusão com uma . J
política de eugenia prática bem compreendida..
O que esta pode fazer a bem da humanidade nao J
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Orgulho e glória duma nobreza cultural própria
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• •
74 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
•
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•
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benéfica e salutar contra o excesso de análise
I dum período anterior, o 11palpite, veio a desem_- )
l� penhar um papel crescente na produça:o cientffica.
Há uma série interminável de sínteses arrojadas,
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muitas vezes construfdas com grande perícia e • •
.
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temente não se sabe bem se ao proceder assim
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l êle se toma a sério, embora não haja dúvidas
(
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que pretende ser tomado a sério pelos seus Iei-
tor�s. O resultado é alg? que fica entre a filo- ..
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sofia cultural e a fantasJa cultural. Uma forte � l ·,.1;
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DECLINtO DO ESPIRITO CRITICO
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75
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l percepção estética ·. para exprimirem as suas
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idéias.
'\J Em tôda a série de ciências não exactas o
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\ juízo tornou-se menos definido, em contraste
com as ciências físicas, sempre aptas a exigirem
uma maior precisão de afirmações. O inteiramente (
racional já não é o invencível instrumento que .f
costumava ser. O juízo é menos temperado que i
antes, pela fórmula e pela tradição. Como se
• •
tornaram populares e indispensáveis palavras
como visão ,. "concepção, ou "introspecção ,
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muitíssimo mais difícil ao espfrito rigorosamente I
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auto-crítico. Para o espírito superficial ou pre } '
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as suas pesquisas do campo da psicologia para I
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I comunidades que não subscrevam, como acon- j . '.
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tenção da ordem c da lei pode exigir a fôrça,
mesmo até à destruição da vida humana.
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cultura.
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muito maior acuidade quando se çbserva a pro
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•
80 NAS SOMilRAS DO AMANHo�
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• cal, nem u m crente na _não-resistência absoluta .
A sua condenação dos que matam não só se
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o exige. Todavia, em sua opinião, é possfvel
•
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sentimento de impotente revolta que hoje assis
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A CI�NCIA ERRONEAMENTE APLICADA 81
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terrível ferrete numa geração indigna.
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\ Aqui temos o fulcro da actual crise da civili
zação : o conflito entre o conhecer e o ser, entre:
a jnteligênci� e a existência. lv1as isto nad� tem d�� -
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·I mais firmes ainda. Só muito mais tarde é que
outros pensadores forçaram êste pensamento a
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t. aquêles que a professam. Uma coisa será verda-
deira quando e na medida em que fôr válida para
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': logo é verdadeira. Um conceito de verdade redu-
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( ;- ; zido apenas ao valor relativo arrastaria inevità-
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velmente na sua esteira uma espécie de igualita-
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O REPÚDIO DO PRINCfPIO INTEl .ECTUAL 85
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86 NAg SOMRJ�AS DO AMANHÃ
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•
ricos. Um anti-intelectualismo sistemático prático I
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.
.
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• assistir, afigura-se-nos algo de verdadeiramente
..
.
.
! Duns Escoto alinhou ao lado do de S. Tomás de
: Aquino. Estas reacções espirituais, contudo, não
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tinham qualquer rclaç�o com a vida prática ou
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•
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com a ordem secular, mas sim com a fé e com
a luta pelo significado último da vida. E mesmo
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esta luta permaneceu sempre um , apreender " ,
ainda que a raza:o ficasse muito atrás. O espírito
moderno confunde freqüentemente intelectua.
lismo com racionalismo. fv\esmo aquelas formas
I\
•
'
de acesso qi.ie, violando o puramente intelectual ,
se destinavam a alcançar pela intuição e pelo
exame o que era inacessível à compreensão,
continuaram dirigidas ao conhecimento da ver
dade. A palavra grega e hindu aplicada a êste
caso, gnosis e j11dna, demonstra bem à evidência
que até mesmo o misticismo mais puro é ainda
um "conhecer". E sempre o espfrito que se
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I bastantes, isto será "existencial". A palavra
servirá para desertar do espírito mais solene-- i
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Notem, tudo isto num congresso de eruditos.
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� chauvinismo. Qualquer observador pode encon-
1 trar no seu próprio meio inúmeras provas duma
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certa _indiferença,
. da parte de milhares de pessoas
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educadas, .Pelo grau de verdade integrado nas
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11 ' imagens do seu mundo de idéias. As categorias
ficção e história, no s eu significado simples e
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i se diz represenbr o upass:tdo" e servir de teor
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IÍ. l de vida, confundindo assim irremediàvelmente as
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I � O pensamento ucondicionado pela existência H ,
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' na sua lu ta pela expressão, deixa que o fanta- l
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j1 sios o da alegoria , sem o freio do raciocfnio cri
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áe fazer a sua aparição onde falha a aproximação
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O CULTO DA VIDA C)l
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eonheceu a · arte da poesia. N o processo do desen-i
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puderam ser bem diferenci�dos e a cada u m foi
•
..
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Desde tempos remotos que a imagem ,sangue"
foi também um sfmbolo sagrado ; com efeito,
ela tornou-se a expressão do mais prof undo mis-
•
•
.
tério divino, ao mesmo tempo que se mantinha
'
um têrmo significativo para o mais prosaico dos
.•
provérbios. Portanto, se por um l ado o fac to
''
t•
•
.
desta velha imagem gozar ainda de tão vasta
I� pop ularidade não deve ser motivo de admira çã o ,
••
por outro, bem podemos ficar um tanto surprêsos
ao vê-lá elevada à categoria de têrmo oficial na
fraseologia jurídica duma grande nação moderna.
.. A ordem de prioridade de sangue e espfrito
foi completamente i nvertida pelos apóstolos da
•
92 NA� �OMBHAS DO AMANHÂ
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O CUI.TO DA VIDA 93
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l 94 NAS. SOMBRAS DO AMANHA
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. Presentemente há também um contraste, mas
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I ' colectividade aceita , sem hesitação e mais con-·
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victa do que nunca, a vida terrena como objecto ·
.
I
I
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; de todo o esfôrço e acção. Não há dúvida que
I I
se trata de um autêntico culto da vida.
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O CULTO DA VIDA 95
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• racionalizar a ordem existente. Como ! Se na:o é :
o conhecimento e a compreensão que i nteressam,
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VIda e Luta
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98 NAS SOMORAS DO AMANHÂ
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!! sarnento cristão pressupunha o mal como objecto
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a combater. O mal era a negação de tudo quanto i! .
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à revelação proclama e a consciência testemunha
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como sendo a manifestação da vontade divina,
da sabedoria e da bondade. Em última instância
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é êste o campo onde a luta pode e deve ser
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conduzida pelo homem contra o mal dentro de
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si mesmo. Mas, à medida que o conhecimento
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dades temporais, a luta contra o mal adquire uma
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da Cristandade, entendendo-se pelo têrmo a his
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rente do triunfo do Cristianismo. A. autoridade
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dogmático de impérios bárbaros, de Igrejas
I lutando pela sua existência, de povos fanàtica
•
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,, mente crentes e selvàticamente cobiçosos, enfim,
li
•
'
ii de governos envolvidos em conflitos religiosos
II
com a Igreja. Mas, quer se olhe para os anti
gos concílios, cruzadas, lutas entre o império e
o papado, quer para as guerras religiosas, con
tinua sempre intacta a crença de que a i nimizade •
..
•
'
tinha o seu fundamento no . verdadeiro_ reco!Jhe
•
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.
·- · -- -··--· ·- --
---
'
VIDA E LUTA 99
l
numa frente muito mais extensa do que a da sua
abjuração oficial ou semi-oficial. A questão d e
i
· saber até que ponto a consciência individual ;
confirma esta idéia, será versada mais adiante.
I ) Uma coisa, porém, é certa : no que geralmente f
.
se pensa a propósito dos deveres sociais, a noção J
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Na condenaç!o
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de tafs mates pode haver. uni :!1
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plo, com o crime, com a prostituição ou com
o pauperismo. Mas quanto mais o mal ameaça
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\ caso da depressão económica ou de dificuldades
politicas, mais se reduz a noção do mal à noção
I
I
•
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duma fraq�eza interna a vencer ou duma resis
'
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tência externa a combater.
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I
lectuahnente êle possa ter repudiado tôdas as nor
mas éticas, esta sensação de perturbadora fraqueza
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ou de importuna resistência continua sempre
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:I matizada de um certo horror pelo mal ou pela • o
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perversidade; daqui a fácil confusão onde tôda 'I •
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perversa . .
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camente sob a forma de , perversos,. Na luta
pelo poder ou pelas riquezas são simplesmente
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rivais, tiranos políticos ou económicos. Conforme
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VIDA E LUTA 101
•
·
nismo heróico se negue a reconhecer tal fraqueza.
Dêste modo, em tôda a luta contra os adversá
rios penetra o Ódio; Ódio que só a requintada
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' '
102 NAS SOMBRAS DO AMANHA
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Poder-nos-emos servir desta reconhecida incul-
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bilidade da hostilidade política em geral ou, por
outras palavras, para reconhecer a um Estado o
direito de mover uma guerra que sirva os seus
•
próprios interêsses? A pregunta tem a sua res
posta afirmativa numa teoria politica que hoje,
•
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..
.
• especialmente na Alemanha, tem obtido o favor •
.
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.
não só de grande
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também :de homens de acção. Com uma argu
I
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. mente independente e num plano filosófico equi
•
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valente no domínio espiritual aos conceitos de ver
dade e de justiça . foi isto que Carl S.çb.mitt, com -.... .
>
!
'
I
1!
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l e motivos políticos leva-nos, em ültima instância,
a esta distinção. Na medida em que a oposição
se não possa deduzir de o utras caracterfsticas,
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: VIDA E lUTA 103
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NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
·
O autor não tem a menor dificuldade em
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Dêste modo, parece que tal tese implica a acei- ·J
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. VIDA E LUTA I
105'
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dos conflitos políticos à arbitragem dum terceiro·
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� .. estará por êsse facto apto a conduzir.se polltica..
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mente a si próprio? E que diremos dos membros
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duma federação, dum partido ou duma classe
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(1) Pág. 8.
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106 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
.
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sombra da aceitação da independência absoluta
abriga-se a aceitação do anarquismo.
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Além disso é evidente que, se se considera o
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' alargamento se pode proclamar condição de
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• existência, a subjugaçao dos Estados mais peque •
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tica estão os advogados da guerra pela guerra.
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vivência do Estado. E esta a opinião do bem
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I
conhecido sociólogo lians freyer: , Para que se
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Estado (necessita) de uma esfera de conquista à sua
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VIDA E LUTA 107
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paz,, o Estado deve ter sempre presente o re-
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.
.
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·gresso às condições normais, isto é, � guerra.
.
•
Caco, tinha por objecto o restabelecimento dum
estado de equilíbrio e harmonia a que êle cha
f
•
'
.
da guerra por meios diferentes . . ·" (I) , O homem
; é um animal que vive da rapina. E quando lhe
.
' chamo animal de rapina, quem insulto eu, o
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I
I se escuta em cfrculos muitíssimo mais vastos que
I
J os de Schmitt ou de freyer, não terá um certo
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I
(1)
I ('') lbid., pág. 14. Cf. Der Mensch und die Teclznik,
pág. 14 e segs •
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animal que procure a luta pela luta? Não lutará
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Tôdas estas especulações aparentemente pro-
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fundas e que passam pQr realistas, porque afas-
: tam convenientemente todos os princípios pertur-
'
iI •
i.
'
i:
li � mento e conseqüentemente abandono de todos
os padrões éticos. É que, em última :tnálise, todo
p'' o juízo ético é um acto de conhecimento. Esta
conseqüência é plenamente admitida pelos autores
atrás mencionados. Nós não julgamos a civili·
zação, dizem êles, apenas registamos factos. Mas
.
·
quando se trata da conduta e relações humanas,
o registar de factos nunca pode ser suficiente e a
I
VIDA E LUTA 109 . ..
I
cipio de que o homem é mau c�). [\.\ás como •ê
I
'
11
I
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completamente ·descristianizada, e portanto sem
..
r:Sentido, que debaidé se persegue à si proptia .. /
I
I
.dentro do círculo vicioso da tese do autor. ,
Por que razão é que os apóstolos da "filo
'
I
·sofia da vida, se preocupam com os têrmos
I
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.apenas remontam a épocas ainda rece�tes da
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' história. O campo de investigação é limitado, •
•
moral mais baixa que a de qualquer outro período
: precedente. Isto não quere dizer que o nível da �
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i . má fé, que é significativo a êste respeito, mas
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Ainda menos susceptíveis de apreciação ana
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. lítica são os fenómenos n o campo da ética �exual.
I
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I . Condenar (quer por motivos religosos quer
.
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DEClfNIO DAS NORMAS MORAIS 113
•
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. ambos os sexos, é tocar o problema muito pela
·rama. A moral sexual, rompendo com a religião,
·foi muito mais além que os preceitos .de veraci
·dade e honestidade. Todavia, e tanto como êstes
últimos, a 'ética do sexo exige a recognição dum
-critério que jaz muito fundo na consciência indi
·vidual. Se o indivíduo não tem pessoalmente a
-conviCção íntima de que é preciso resistir a um
vfcio radical chamado " luxúria , , a sociedade
o
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114 NAS SOMBRAS DO AMANHÂ
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•
I
.
i sociedade sempre a reconheceu, continua a reger
J as normas públicas e privadas da conduta moraL
'
•
,
t As leis, as relações sociais, o comércio, ainda
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admitem que tudo o que se considera maioria •
. . .
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�� te-se por ela obrigado sem preguntar a si ·mesmo
lo
. .
li se esta submissão pessoal se baseia na fé, na filo-
�
•
•
•
11
� mente"• tanto a seus olhos como aos olhos dos
lt 1 ·outros. Não lhe ocorre raciocinar J?.Orguê, a não
" '; ser, evidentemente , que a curiosidade intelectual
11
11 1 lhe levante no espírito esta questão. E se assim
I
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116 . NAS SOMARAS DO AMANHÃ
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: -ao pecado e fixa na carne a origem úlHma do •
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�onhecimento das mais altas verdades.·
•
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•
•
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Repita-se, o autor não se permite aqui julgar
os méritos da psico-análise enquanto hipótese
prática ou princípio terapêutico. Mas, da mesma
maneira que o freudismo concorreu muito para
debilitar a norma crítica no campo intelectual,
, como já foi dito, assim agora parece também ter
contribuído consideràvelmente para que a moral . .
'
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OECLINIO DAS NOR�tAS MORAIS 117
•
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dos suficientemente sólidos, sentiu-se a necessi
dade de sujeitar a sua qualidade a tests mais
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'
•
'
ratura começa assim a ilibar de culpas as Oret
. .
·.) .
.
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•
•
seja o que fôr. Para manter o seu público, um
género literário tem de continuar a suplantar-se
a si mesmo até se exting ui r O realismo literário
.
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•
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•
a idéia de arte.
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\ literatura exerce uma i n fl uência di recta e cor- [
\ ruptora no públ ico. Se é verdade que sentimos :l
� por vezes certo pasmo ao ver as leituras actuais da t
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.
1
; princípios morais e o coquetismo com o crime, que .
••
I freqüentemente serve à literatura para reg al a r o !
•
i seu público, parecem não despertar na nova gera- )' .
ção grande desejo de se moldar pelo padrão lite- \) •'
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DECLfNJO DAS !'-!OI�MAS MOI�AIS 119
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' A nova tendência para exaltar o ser e o viv.JJ.r1
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dando-lhes a primazia sôbre o compreender e o·
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avaliar, aparece, portanto, delineada no pano de
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lecto, não pode encontrar direcção em qualquer
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j espécie de ética conscienciosa dos seus alicerces
A
I
I
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guiar e dirigir, se já se não procura a directriz i'·
'
I
incorpórea e extra-mundana, nem no pensamento
ansioso de verdade, nem numa ordem moral
ampla e geralmente reconhecida, que contenha
valores, tais como justiça e caridade? Como sem- t
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. pre, a resposta terá de ser: Só a própria vida; •
'í. .
vida cega e impenetrável. O repúdio de todos os
.
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DECLlNIO DAS NORMAS MORA IS 121
•
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.
• voga que antes, encontram expressão na acç!o
individual, isso deve-se mais das vezes ao resíduo
,
de desmoralização e exaspêro deixado pela Grande
Guerra com o seu funesto cortejo de ódios e misé..
,
••
mesma: condenação sincera, algumas vezes subli
\ nhada por um sorriso tolerante. A tolerância
'
• '
,.
.
internacional encontra mais simpatia que um
'
I
simpl�s empregado de escritório. Na atitude
. .
perante os grandes escândalos financeiros penetra
•
I
uma certa admiração pelo talento com que a
técnica da burla entra nas finanças internacionais.
Não obstante, no conjunto, o julgamento moral
do delito económico parece ter ficado imutável.
A •
na sua essenc1a.
A situação muda radicalmente quando a parte
que constit6i o objecto a julgar pertence ao
Oovêrno ou age em seu nome. Na sua atitude
perante a conduta política, isto é, perante actos
praticados pelo Estado ou por qualquer dos seus
órgãos, o grande público revela-se cada vez mais
•
•
•
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•
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incompreensivo no seu juízo moral. Excepto, .
•
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NAS SOMJH�AS DO AMANHA
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Com efeito, como já mostrámos atrás, nesta. ..
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do Poder.
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Embora esta interpretação em si seja nova,
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•
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· grau de optimismo requerido, procuravam refú
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.I . gio numa idéia que lhes permitisse mànter a.
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•
.
•. .
da moral.
À medida que o pensamento político desviava
a atenção dos princípios gerais para a obser
vação da realidade e perdia a sua susceptibili
dade a ilusões mais fortes, desenvolvia-se uma
concepção de ordem internacional baseada nos.
alicerces da antiga filosofia política, da ét �ca
crista:, do código da cavalaria e da teoria jurí
dica. tste ponto de vista era um dos que, desli-·
gado da fé como tal, concebia as nações como
membros duma comunidade, obrigados a res
'
•
cional sã.
Quer os motivos cristãos e jurídicos para uma.
lei moral, quer um código de deveres para o
Estado são enfàticamente negados pelos teoristas
da amoralidade polftica. Não são apenas os intér-
128 NAS S(',\tBRAS DO AMANii,\
o
'
I
I
rem da bôca dêste eminente e desapaixonado his
I
_ ad.Qr. " Na época. dá Ref õrmá", diz Ritter, a
!_od
I Alemanha " estava ainda muito longe de fazer uma
I
I
l idéia nítida da autonomia absolutamente neces
I l •
\
I
respeito à Igreja e à sua doutrina moral tradi
I ciOnal " . faltava ainda aos principados alemães
I j
t ''a consciência da autonomia moral do Estado
....
I
I abstraindo de todos os interêsses nacionais opos
I tos, deve constituir uma comu nidade baseada na
moral cristã, são tudo pensamentos cristãos auten
ticamente medievais. Se até agora estas tradições
ainda não desapareceram por completo da polí
tica inglesa, se ainda aí continuam a fazer-se sentir
sob uma forma secularizada, enquanto as gran
•
I
•
l
•
fri;ciriêii
.
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iãiã da ;, tensão moral, que se produziu na mente I
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·. :': (S) : Loc. cit., pág. 38. · · · .
. .
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dade a a ará r familiarizar tôdas as classes
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corit esta "moral do .Estado n. 11 Até aqut a taca
oI
11
•
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.Quando às
11
11
massas se dá a entender, com clareza, que a
11
rapina é a base e o princípio dirigente da for
!I mação de todos os Estados e de tôdas as relações
externas inter-Estados, e que pelas espoliações
1 no b1terior, grupos inteiros podem tam�ém ser
li
privados das suas funções sociais e do fruto d o
I
seu trabalh o , , então é o fim do elemento ético
I
no trabalho com a sua sólida influência na socie
dade. Mannheim revela aqui uma alarmante con
seqüência da teoria da amoralidade política, ou.
seja. que esta teoria não pode ser monopólio do
Estado, e que grupos mais restrictos, digamos,
'
....
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REONA REONIS LUPI ? ·191
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NAS SOMBRAS ·oo' AM.ÁNHA
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tienl' crimes que êle possa.,cometer. Em tepria
istt>· também se deve aplicar ao · Estado iidmigo.
Êst'e também deve estar imune da condenação
e· do juízo moral. Mas aqui revela-se imediata
mente à lastimosa debilidade destas idéias sôbre
'· o Estado, plenas como estão dos odores cor
t
'
\
ruptos da avidez e da loucura humanas. Na
I
r .Prática,· esta pomposa teoria do Estado fora
•!
.
:de tôda a moralidade é válida unicamente para ,
,\
r.·l
o próprio Estado. E que, quando a hostilidade
'
..
atinge o ponto crítico, a voz serena e sublime
ttb · argumento transforma-se em guincho histé
'•
\
•
.
o
•
iico, buscando àvidamente a insinuação e a difa
f,
•
I
·rilação do inimigo no velho arsenal da virtude
''
•
o
·� do pecado : a mendacidade do inimigo, a sua
'I
o
· bólicas! Mas então o inimigo também não é um I
Estado?
o
·
•
'
que tJor honra se entende lealdade aos ideais de
•
o
alguém. E onde ·a obrigação e a honra faltam, a
�
o • confiança e o crédito têm de estar também
ausentes. R.eglla regrris lupi, o Estado lôbo do
•
1�
. 3!
.\
·
· ·
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'
' I
NAS SOMBRAS DO AMANHA
I. i '
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...
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11
11
Desta forma, também a prática dos coups d'étát
l
I
,
t f
e das revoluções de palácio é conseqüência inevi-
tável da lógica do Estado absoluto.
(
'
Visto que a teoria do Estado amoral encerra
I
•
a negação de todos os princípios de verdade,
honra e justiça, principias humanos universais, a
coerência há-de exigir dos conversos a e�ta teoria
a sua franca renúncia ao Cristianismo. Todavia,
!
t. não. o fazern; pelo menos unânime e incondicio-
.,
,,
•
des acconzmodeme1zts , . Com efeito, a êste céu
•
\
uma esforçada tentativa de agradar a Deus e ao
tDiabo. Proclama-se uma teoria polftica em con-
\
. .
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• • • •'I I ' • • - •
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RI!ONA REONIS LUPI ? 135
'•
ct� r·\1.. "vw JlL "'�Wr'\ �W}' -u �
ambigüidade.
� lv\as, preguntará o pensador realista, que
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j
•
propondes vós para norma moral universal-
..
: mente válida para uma conduta politica e que
·:
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ofereça qualquer pqssibilidade de observância?
I Acreditais realmente que, enquanto houver com-
j plicações internacionais, os Estados nacionais se
: comportarão como bons meninos entre si ? Não,
j
I
I
REONA REONJS LUPJ? J37
'
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XV
Heroismo
,�!{J.
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Só muito mais tarde é que êle começa a ser J
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HEROfSMd
•
• ' .
.
•
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;N·� virtuoso ou UOinO singolare a cor'àgem é 56
�ma .virtude entre muitas, o sacrifício pessoal já
nio é caracte rística dominante, ó sucesso é o que
'1mporta. Só no século xvu é que o esp anhol
·Baltasar Gracián dá a velha designação de lzéroe
a uma concepção desta espécie. No mesmo século
o francês héros · adquire um novo sigliificado .
.
I'
pelo herói nacional, adoração de carácter militar
que se exprime ao som de trombetas e tambores
• • e se espoja em pomposas decorações e bombás-
••
•
'
• ticas palavras. ,
•
•
No século xvm esta imagem do ,; grande
homem" modifica-se .uma vez mais e pe rde a
sua homogeneidade. Os heróis de Racine deram
·tugar aos de Voltaire, pouco mais que títeres.
A idéia democrática em desenvolvimento encon
tra a ilustração do seu ideal nas velhas figuras da
· virtude cívica romana. O espírito do racionalismo,
. da ciência e do humanitarismo , expressa o ideal
no conceito de , génio , , das Oenie, cujas quali
'
I •
dades são por sua vez diferentes das do virtuoso
da Renascença. Na idéia de " génio , , a acção vio
·tenta e intrépida já não alinha na frente. Depois
I•
:
· O romantismo nascente descobre ainda um outro
·tipo de. herói que em breve havia · de exceder as
..
j.
•
.:1:
�formas gregas �o mo imagem sugestiva : o herói
'
.
. .
.
-·-- ·-.. ·- -------
I
.
·'
t.!
;.
l
.{ mas sem que êles mesmos tomassem Siegfried ou. .
'
I
'
•
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I .
festa no utilitarismo, na liberdade civica e econó-· •
· ·
·HEROISMO 143
•
I
•
/
tivos de vida, é uma oposição nítida a todos os J
ideais democráticos e liberalistas. Nunca tentou, !
porém, apresentar a sua visão do heróico como· �
programa politico ou moral. A sua atitude para i
com o público foi manter a d�stância desdenhosa j
do individualista solitário. Com tôda a sua vene- •I ·}
ração do enérgico, Burkhardt tinha demasiado �
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de pensador estético para criar um ideal moderno
de heroismo prático. Além disso, tinha muito de
crítico para aceitar e encorajar o elemento mftico- �
-cultural, parte integrante de qualquer noçlo de ·. 1 I
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NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
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Há, pórém, um ponto em que· Burkhardt aju_.
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Com . efeito , êle dispensa pràticamente da lei
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sages e poetas, na:o para estadistas e ministros.
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Há algo- de trágico no facto da degeneração
i do ideal heróico ter a sua origem na popula
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HEROISMO 145
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Depois do aparecimento das várias formas !
do despotismo popular, " heroísmo " lornou-se 1
o santo e senha. Heroísmo é uma doutrina poli- i
tica, é mesmo representado como uma nova �
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• mulo da vontade, obscurecimento da idéia pela
beleza �a ilusão, sa:o tudo qualificações que, para
•
o crente na atitude anti-noética perante a vida, l
10
•
146 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
.
correspondem a tantas outras justificações do
· heroísmo.
l
ciência pessoal do dever de se entregar de alma
� e coração ao conseguimento dum objectivo
•
•
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r êste respeito. Comunica ao indivíduo em acção
aquela tensão e exaltação peculiares que o levam
· a praticar grandes feitos.
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·1 · . de cada dia. Horácio, que cantou a viagem em •
•
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! navio como o mais destemido desafio à vin-
. j gança dos deuses, como ficaria arripiado se visse
•
•
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i êsse ideal se realiza com mais veracidade, não
•
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HEROISMO 147 .
•
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· Por heroísmo entende-se sair fora dos limites
habituais. Neste mundo é por vezes necessário
que as coisas saiam fora dos limites. Mais uma
. .
vez se chega ao ponto do pensamento em que
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pode desejar que o mundo continui, em todos
•
.
A nossa época precisa dêste tónico porque está
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fraca. A exaltação do heróicoé em si um fenQ- ·
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HEROISMO 149
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XVI
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Puerilismo
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gigantes são a todos os títulos impraticáveis. \
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No inverno o Normalldie é desaparelhado e
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recolhe à doca ; . não valia a pena trazê-lo
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vêrno. Ou pensai ainda nos novos nomes dados
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às antigas cidades, nomes dos corifeus nacionais
�a época, como Gorki e Staline.
. .
, façamos apenas uma leve alusão àquêle espf
rito de marcha e parada militar que inundou o
..
J
mundo. As multidões formam uma massa com
•
pacta, não há praça suficientemente espaços ·
que as possa conter, uma nação inteira fica a p
firme, rfgida e atenta como milhares de soldadi
nhos de chumbo. Até o espectador estrangeiro
incapaz de se furtar · à fascinação dêste espectá1 l
culo. Isto dá a impressão de grandeza, de poded
É puerilidade. forma vasia que dá a ilusão du �
desígnio sério e meritório. Os que ainda saq
capazes de reflectir sabem que nada disto. te�
valor. Simplesmente revela quão intimamente s1
\ relaciona o heroismo popular de camisa e braço;
( erguido com um certo puerilismo geral. \
{ O pafs onde o puerilismo nacional poderia \
\ ser mais completamente estudado em todos os 1
\ seus aspectos, desde o inocente . e mesmo atrac..
· tivo· até ao criminal, é a América do Norte. Mas
é preciso ter o cuidado de nos aproximarmos
dêle, livres de quais uer reconceitos. E que a
••
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Aménca mais nova e mais , gai�ta que a .
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Europa. Muitas coisas que aqui erecem ser
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154 NAS SOMARAS DO AMANHÂ
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. 5érias, como as citadas atrás� são penetradas pelo
•
espírito do divertimento e chegam a comportar
tôdas as caracterfsticas dêste; por outro lado,
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actividades aceites como tendo um ca-rácter de
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.· última categoria pertencem os divertimentos que
assumem as proporções de interêsses nacionais
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é uma coisa diferente do puerilismo. Sem com- ..
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PUERILISMO 155
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ofereceu, tais como ·o regime parlamentar e a I
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cados de inestimável valor para a cultura .
Isto. não nos deve tapar os olhos ao facto do
( moderno puerilismo ter encontrado também ter
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forma particularmente flagrante onde as paixões
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. em competições internacionais. Duma ma�eira '
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passar a glória nacional nem sempre é o que
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de tal degeneração são cada vez mais numerosas .
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Não saber perder, sempre se disse, e muito bem,
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é ser infantil. Uma nação inteira que não sabe
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r. perder não merece outro qualificativo.
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Se teQtos de admitir que na verdade a socie-
: dade moderna manifesta um acentuado grau de
puerilismo, surge a questão de saber se ela par
tilha desta caracterfstica com os perfodos civili
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zados anteriores, e se assim é, se uma compara
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ção com êstes lhe é desfavorável neste aspecto.
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Poder-se-ia fàcilmente demonstrar que outrora a
sociedade se conduziu muitas vezes duma maneira
f I que só poderia ser qualificada de infantil. Parece
haver, contudo, uap� �if��ença . entre. as ��.�� ntili- )\
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dade�.. .dQ _pas$ado_ e a puerilidade do presente.
-- N as fases mais primitivas dâ civilizà(; à:o , grànde
parte da vida social é levada em forma de jôgo, ... ... _.. . �....�.
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vernada pelas suas própnas regras e abrangendo ••
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conde-se um elemento de jôgo. Por outro lado,
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158 NAS SOMBRAS DO AMANHA
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pensáveis qualidades de desprendimento, natura ·'·
lidade e alegria. Y
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um continente, graças ao rádio. Carrega num
botão e a vida desfila na sua frente. Tal vida
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• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
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americano fala da sua profissão como sendo o
unewspaper game,. O p olítico que, embora
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Num futuro não muito distante, espero tratar &te
problema em outro�'trabalho� '- ,
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160 NAS SOMBRAS DO AMANHA
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E evidente que isto envolve muito mais que uma
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162 NAS SOMBRAS DO AMANHA •• • •
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. e vigorosas culturas tenham amado e venerado.
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a juventude, nunca a bajularam nem exaltaram ;
exigiram-lhe sempre o respeito e a obediência
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XVII
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Supersti�ão
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_ _p-�r_�tição não é sur
prêsanüina época que se inclina a sacrificar os
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ideais "conhecer, e "julgar,, ao culto da v. ida.
Sempre fascinadora e sugestiva, a superstição
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quer valor? Aqui está a explicação do motivo
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horóscopo. E perfeitamente natural que a avia-
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ção, dados os seus enormíssimos perigos, tenha
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especial desejo duma garantia psíquica. Toda
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via, o que nos causa certa apreensão é ver
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ser mais exacto que a descrição num passa
porte.
A forma mais espalhada e mais perniciosa
da moderna superstição não reside numa pronta . .
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SUPERSTIÇÃO 165
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i66 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
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medida que .os enge nhos de guerra se tor
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· mas ainda temos a considerar o caso duma igual
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. dade de fôrças, em que os resultados imediatos
. conseguidos estão muito longe de compensar a
destruição e os sacrifícios exigidos pela própria
luta. Tôda a arma tem uma certa utilidade
enquanto o inimigo a não possui também. E o
•
que se diz dos explosivos é igualmente válido
para tôdas as perfeições aparentes da arte
da guerra : canhões, carros de assalto, aviões,
submarinos, rádio, etc. Qualquer sucesso obtido
por êstes meios é um sucesso ilusór�o de valor
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•
•
SUPERST IÇÃO 167
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. apenas imediato, na maior parte dos casos', de
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valor nulo. o que· foram os grandes cruzadores
na Grande Guerra senlo amuletos ao pescoço da
Inglaterra ? O que conseguiram tantos valentes,
-tantos jovens, e tanta violação do di�eito e tanta
crueldade da guerra submarina senão um pro
longamento da luta?
O mundo não pode suportar por mais tempo
a gilerra moderna. Só pode ser mutilado por
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A fé persistente na eficácia da guerra é uma.
' •
superstiçlo no sentido mais literal, um vestfgi()
das primitivas fases da civilização. Como é possf
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SUPERSTJÇÂO 169
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mundo estúpido. A imagem do barco adapta-se
i perfeitamente à situação : um barco em que os
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174 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
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preende o seu ambiente. Não é , pois, por acaso .'
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tenta criar formas fora da realidade, tal como
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pamento é tal, que o todo já não corresponde a
uma percepção da realidade passada pelo crivo
da lógica. Odilon Redon pode ser considerado,
suponho eu, o principal iniciador desta fase
da arte, pôsto que na obra de Goya haja já
•
sinais indicativos da mesma orientação. Por·
agora podemos chamar aos elementos de for·
mas expressas desta maneira, valores de sonho.
Mas o génio de Goya era capaz de. exprimir e m
formas naturais o que era refractário a .tôda a.
visibilidade. Os seus sucessores já na:o pos·
suíam essa habilidade ou então recusaram:.se a
exercê-Ia.
A linha que liga Goya a Odilon Redon pro..
longa.se na obra de homens como Kandinsky.
e Mondriaan. Com a sua completa renúncia
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• 110 NAS SOMBRAS DO AMANHA •
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críticas e perspectivas do intelecto, e a pedido
da mais rigorosa exactidão, é levado a alturas
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e profundezas donde não poderá voltar. Neces-
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sàriamente tem de avançar sempre. O caminho
está-lhe claramente determinado. Segui-lo é acei-
tar voluntàriamente um serviço a uma ama cha-
mada Verdade
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A ARTE ! A LITERATURA
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apostasia do lógico, tornou.se cada vez m�is
vaga. O poeta, desejoso de comunicar o que lhe
vai na alma, espalha p�lo espaço fragmentos d e ·
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• •
frases que na sua juxtaposição não têm qualquer
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sentido.
Para a arte não há um imperativo absolu�o ;
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deira e sinceramente a vida sem fazer uso da
função intelectual, esquecendo que, apesar de
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178 NAS SOMBRAS DO .AMANHA
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prio à sua natureza ou perturbe a sua percepção
Se o objecto é, por exemplo, uma costureira,
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t1: facto, a terminologia da crftica da arte moderna
: corresponde qu ási por completo à fraseologia
! da anti-noética Weltatzsclzauung. O que se se-
gue é tirado de uma análise à obra do artista •
Chaga li :
" Eu sei-o : para muitos a arte de Chagall é
um problema. Contudo, na sua essência ela nada
tem de problemático ; é uma arte que brota
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mito da vida, sem reflectir, sem � intervenção .
do intelecto. Tem um fundo de sentimento reli- j • I
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• A ARTE E A UTERATURA 179
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: gioso. Nêle está o veio, no coração, se quiserem, i .
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no sangue, oti no mistério da própria vida. É pro-
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. blémática só para aquêles q�e na:o podem . ciis- ·
pensar o problema estético ou para aquêles que :
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Uma vez que se aceite êste ponto de vista e
se não olhe à insuficiência dos argumentos,
podemos considerá-lo como declaração· de fé J
perfeitamente consistente. 1
Esta harmonia com uma crença de vida, hoje .1
largamente aceite, será na verdade uma fonte de r
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fôrças para a arte? Parece haver boas razões ·f
para duvidar. É precisamente esta defesa · da t
vontade e do seu justo direito à liberdade abso
luta que ameaça subverter a arte no excesso e
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na degeneração. Por outro. ·lado, a ânsia perpé
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tua de originalidad e, outra enlennidade do no.sso
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tempo, torna a arte muito mais susceptfvel que ·
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os seus Trabalhadores " , atacados de elefan-
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O carácter mais caprichoso da arte quando
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comparada com a ciência mani festa-se nas várias
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para a lrracionallzaçio
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. ram muito a esfera do seu significado e estão a
ser cada vez mais usadas para rotular a nossa
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que traz a marca duma realização homogénea e
: harmoniosa dum estilo próprio em todos os domf-
: nios e que apresenta a imagem duma expressão
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los, a imitação dos velhos estilos. O início dêste
:. processo de decadência remonta ao século XVIII,
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Esta desaparição de estilo assinalando uma
1 época, tem as suas raizes no fundo do problema
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cultural. É que a revulsão na arte e na literatura I
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é simplesmente o aspecto mais visfvel da revulsão
da cultura na sua totalidade.
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Contudo, seria absurdo identificar esta falta
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atinge o s�u nfvel mais elevado e desenvolve os
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. germes dum possfvel declfnio •
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' } tudo quanto é inconsciente, instintivo e selva
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gem. Sentimento e fantasia, êxtase e sonho
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' trário, associando-se ao Romantismo conquistou
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166
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Idade da Razão.
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Passando em revista, no seu todo, o desen·
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volvimento do processo espiritual . desde os
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Se é, pois, uma restauração dos valores éti- · ·
cos e metaffsicos aquilo de que se precisa, difi- t
cilmente se poderá dizer que, presentemente , i
estamos no bom caminho. O sentido da respon- �
sabilidade humana, aparentemente fortalecido \
pelas exortações do heroísmo, foi arran:cadó cio
solo da consciência individual e mobilizado a �
l
favor de qualquer colectividade que deseja impor t.
I
a sua vontade e promover as suas estreitas vistas
a cânone de prosperidade. Com a crescente falta
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de mérito da palavra falada ou escrita, moti- f
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XX
•
Perspectivas
•
que se lhe seguem, prognóstico seria palavra
demasiadamente forte. O panorama continua
envolvido no véu da incerteza. Tudo quanto
podemos fazer é avaliar certas possibilidades,
supor certas eventualidades.
Haverá ainda motivo para uma tonclusão
prometedora, depois da enumeração de tantas e
tão graves manifestações de desconjuntamento e
evisceração? Motivo para esperança há sempre,
confiança é que é dificil.
Sem dúvida que, aquêles que professam
o credo da glorificação da vida em desfavor do
conhecimento, podem alegar que o seu povo
não vive num estado de declínio, antes pelo
contrário, segue o caminho duma gloriosa os·
tentação de tôda a sua pujança. Para êsses,
todos os fenómenos que nos causam apreenslo
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logia e a sua gigantesca aparelhagem, ou com
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à mercê do seu próprio dinamismo intrinseco,.
II dum domínio sempre crescente da natu�eza,.
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duma publicidade ainda mais completa e ime '
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Pf!RSPECTIVAS 193
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eficaz de transmissão do pensamento. Não nos
estamos a referir aos conhecidos males da prá
tica popular : escutar sem atenção, passar ràpi- ·
damente de uma a outra estação, apanhando
assim uma mistura incoerente de sons e pensa
mentos, etc. •
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leiturã�· · ·a êspírito abson·e muito mais ràpida-
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·PERSPECTIVAS
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PERSPECTIVAS 107
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os _pinta Spengler. Talvez se pudesse pôr a
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século antes e o primeiro depois de Cristo
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. opiniões): para o medievalismo ocidental os sé
I culos xn e xm ; para a Renascença e Barroco os
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séculos xvt e xvn. Por mais vagas e mesmo arbi
trárias que tais delimitações tenham de ser, as
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que não conhecemos, uma, cuja revelação está
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contemplação da história nos levou. Contra tudo
o que parece pressagiar declínio e ruína, a huma
nidade contemporânea, à excepção de alguns
fatalistas, opõe unânime e firmemente esta enér-
\ gica declaração: mas não queremos perecer. Este
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estertores da morte parecem ser acomP._anhados
das dores de parto. O novo brota sempre do
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saber o que é verdadeiramente novo e que está
destinado a triunfar:
Tôda a grande acção é seguida duma reacção ..
Se a reacção se mostra lenta na sua chegada;
tenhamo's paciência e aguarder1;1os a história.
Talvez nos dispunhamos demais a acreditar que
na nossa sociedade, perfeitamente organizada e
equipada, com a sua articulação e condutividade,.
acção e reacção se devetn suceder mais ràpida
mente que outrora. Ora o inverso é que pode
muito bem ser verdadeiro. Precisamente por
que os meios de manter uma dada situação sãÇ)·
muito mais numerosos, é que a reacção leva
mais tempo a materializar-se. E muito possível
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' e protegendo, tudo concorre para a salvação
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novo, se é bom, sem sacrificar o que é velho
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e provado. N.ao estio unidos por bandeiras e
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' zes da decadência espiritual esta:o demasiado
fundas para que o pensamento crítico e o poder
de criação técnica sejam capazes de, por si, cura
rem o mal.
E eis-nos chegados a uma questão a que até
agora temos fugido : a relação entre a crise cul- ·
tural e as condições económico-sociais. Muitos
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pensadores contemporâneos consideram a solu
ção do problema cultural em directa dependên
cia da questão económico-social. Não são ape
nas os visionários do marxismo que sustentam
esta opinião. A influência exe�cida pelas doutri
nas económicas actuais tem sido tão forte, que
muitos, sem aceitarem necessàriamente as dou •
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PERSPECTIVAS 205
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Se éssã··rendvãÇão não nos pode vir da trans
formaÇão da estrutura, não pode vir dos planos,
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XXI
Katharsis •
espiritual do homem.
O mundo actual já avançou bastante no
caminho que conduz à renúncia absoluta das
l normas éticas. Dificilmente consegue já distinguir
o bem do mal. Tem a tendência para considerar
tôda a crise da civilização contemporânea como
l uma simples luta entre fôrças opostas, um duelo
entre adversários que se disputam a supremacia.
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E todavia, a ún�ca esperança está na recognição
de que nesta luta as acções humanas devem ser
governadas pelo princípio absoluto do bem e do
mal. Daqui se segue que a salvação não pode
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210 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
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fronteiras traçadas contra todo o bom-senso, de·
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: 212 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ ? � cf.e
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como se faz na tragédia ; que n iberta � das t �)
paixões violentas da vida e nos dá a paz à alm�.
Para conseguir a purificaçã ecessária à hora J.f
presente, impõe-se !!_o_y� .(��[t�sis� Aquêles que se
dispõem a criar essa cultura p'ürificada terão de
se assemelhar aos qu-e despertam ao romper da
aurora. Terão de afugentar os maus sonhos da J
noite - sonhos de almas saídas do lôdo e que
para lá querem voltar ; sonhos dum cérebro cujas
circunvoluções são fios de aço : sonhos de cora
ções frágeis como o vidro; sonhos de mãos
transformadas em garras e de dentes feitos lâmi
nas. Deverão recordar, enfim, que o homem pode •
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KATHARSIS 213
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214 NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
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l - Ambiente de decadência . • • • • • 7
11 -·Receios de Antes e de Agora • • • • 13
III - A cdse actual comparada às do passado. • 10
IV - Condições básicas da Cultura . • . • . 29
V - Natureza prob,emática do.Progresso . 41
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o 163
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da Natly.eza ; o 171
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P�r.s,eeç�ivas.. . 189
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COLECÇÃO STVDIVM
VOLUMES PUBLICADOS :
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'; Acuseçio). Tradução do Dr. Fernando de Miranda.
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.
15 - Edmond Locard, A Jnvestigaçlo Criminal e os !
Métodos Cientfficos. Tradução do Dr. Fernando i
de Miranda.
1 6 - Bertrand Russel, Os Problemas da Filo sofi a. Tra·
dução e prefácio do Dr. António Sérgio (2.• edição).
17 - Luiz de Launay, O fim dum rnu.ndo e o mundo
novo. Tradução de Jorge Barbosa.
•
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