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DIREITO PENAL II
(ano lectivo 2003/2004)
Tópicos e indicações metodológicas para a resolução do “caso 77”
(in Casos Práticos de Direito Penal I, AAFDL, Lisboa, 1989)
Enquadramento prévio: o/a aluno/a deve realizar esta primeira análise do caso numa folha de
apontamentos e não na folha de exame.
a) Análise da matéria de facto e das relações entre os agentes
1) D--A--C--(E)--B
2) C--(antídoto) – B; C revela-lhe o plano, B sofre um acidente cerebral e fica semi-paralisado.
3) F bebe veneno destinado a B e morre.
b) Qualificação indiciária e provisória dos factos: tipos de crime aplicáveis e figuras da comparticipação.
TÓPICOS DE RESOLUÇÃO
Segue-se um conjunto de “tópicos” (mais desenvolvidos quanto a E e C e mais lacónicos quanto a A e D) sobre os
principais problemas suscitados pelo caso. Não se trata de uma resolução integral do caso prático, mas apenas
de um guia de resolução que identifica os aspectos essenciais que devem ser analisados e resolvidos.
I. RESPONSABILIDADE DE ERNESTINA
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meio usado e o processo causal fazem parte do tipo, porque só assim teremos uma acção adequada a
produzir o resultado (art. 22.º, n.º 2) e só deste modo se consegue estabelecer a relação de imputação
entre o resultado e tal conduta. Sendo a idoneidade da conduta e o processo causal elementos do
facto típico eles têm de ser objecto do dolo (art. 14.º), para se garantir a congruência plena entre o
ilícito objectivo e o ilícito subjectivo. No presente caso, estamos perante uma situação de ignorância
por parte de Ernestina do meio letal e do processo causal que Caetano pretendeu desencadear. Esta
ignorância da situação planeada por Caetano faz com que Ernestina esteja em erro sobre um
elemento do facto típico (art. 16.º, n.º 1, primeira parte) que exclui a responsabilidade a título doloso.
Sendo assim, o facto materialmente executado por Ernestina não pode ser uma tentativa (art. 22.º) de
homicídio, nem sequer uma tentativa inidónea (art. 23.º, n.º 3), porque a existência do erro relevante
sobre o facto típico exclui o dolo que é elemento essencial quer de uma, quer de outra modalilidade
de tentativa (pois a estrutura da tentativa inidónea é também aquela referida no art. 22.º). A existência
de uma situação de erro relevante faz ainda com que Ernestina tendo o domínio da acção, não tenha
contudo o domínio da vontade de praticar o facto típico, o que será relevante para a análise da
responsabilidade de Caetano que executa o plano. Faltando o tipo subjectivo, o facto tentado do
agente não é típico e, por isso, não se analisam as categorias subsequentes do acto punível. Resta
saber se poderá existir responsabilidade a título de negligência, o que se deve averiguar por força do
disposto no art. 16.º, n.º 3 do CP.
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b) Tipicidade (arts. 131.º, 132º, nº 2, als.b), c), h) e i); também al. a) ex vi art. 28º, nº 1; art. 26º, 2ª prop.,
arts. 22º e 23º nº 1, 2 e 3, todos do CP):
i) Tipo objectivo: o comportamento de C consubstancia uma tentativa inidónea de homicídio
qualificado praticada com dolo directo e usando E como instrumento do plano criminoso. Na
verdade, C está na posse de estricnica, que lhe foi fornecida por A, para executar o plano homicida.
Por inabilidade, nervosismo e perturbação provocada pelo alcóol troca o veneno, que tem já em seu
poder, por sais de frutos. Quando coloca a substância no leite, C pensa que a bebida tem o veneno
que lhe tinha sido fornecido para o efeito e essa convicção subsiste até ao momento em que E leva a
bebida a B e este a ingere. A inidoneidade do meio só se vem a descobrir posteriormente. Até aí o
agente continua convicto de que envenenou a bebida e essa impressão de perigo subsiste para
qualquer observador porque não é manifesta a inaptidão do meio durante a execução do plano.
Aliás, pode inclusivamente defender-se – embora de forma não isenta de dúvidas – que a tentativa
em causa começa por ser uma tentativa idónea: o acto de preparação da bebida envenenada não é
um mero acto preparatório (não punível) mas um acto de execução do homicídio, à luz do disposto
no art. 22.º, n.º 2 al. c) do CP e, neste momento, em que adultera a bebida, o agente tem em seu
poder o veneno real. É já durante a execução do facto que o agente troca o veneno por sais de
frutos. A execução do plano passa pela instrumentalização de E que deverá levar a bebida
envenenada até à vítima, através da indução em erro relevante do executor material (art. 16.º, 1)
como se viu atrás. C actua assim como autor mediato (art. 26.º, 2.º prop.) duma tentativa de
homicídio inidónea mas punível (art. 22.º, n.º 2, al. b) e 23.º, n.º 3), tendo o domínio do facto por
exercer um domínio sobre a vontade do executor material (que está em erro relevante sobre o
processo causal). Esse domínio advém-lhe de estar a par de todos os passos do plano homicida e
poder prever o evoluir dos acontecimentos em função da regularidade do comportamento do
instrumento (E). O tipo incriminador que o autor mediato visa realizar com o seu facto é um
homicídio qualificado, que fica pela fase da tentativa já que B não morre, por verificação simultânea
das agravantes da al. b) vulnerabilidade da vítima em razão da idade, al. h), uso de veneno, al. i)
reflexão sobre os meios empregados, al. d) avidez (por aceitar praticar o facto para obter um
proveito económico) do art. 132.º, n.º 1 e 2 do CP. Além disso é ainda aplicável, por força do art.
28.º, n.º 1, a agravante de parentesco com a vítima (132.º, 2 a)) que existe num participante (A) e
cujo grau de ilicitude se estende do participante ao autor mediato (inversão da acessoriedade). A
pena abstracta para o facto do agente é determinada nos termos dos arts. 23.º, n.º 2 e 73.º do CP.
ii) Tipo subjectivo: O agente actua inequivocamente com dolo directo (art. 14.º, n.º 1 do CP), isto
é, representa um facto que preenche um tipo de crime, o homicídio, e actua de uma forma
intencional, adequando os meios aos fins que pretende atingir (art. 22.º, 1 e 2, al. c) e b)).
c) Ilicitude: não existem indícios de causas de exclusão da ilicitude pelo que se confirma ilicitude do
facto indiciada pelo preechimento integral do tipo. Existe desvalor da acção, existe um desvalor de perigo
para o bem jurídico tutelado, mas não chega a verificar-se o desvalor do resultado pretendido pelo agente
d) Culpa: A culpa é um juízo de censura feito sobre o agente, mas mediado pelo facto praticado. O
facto tem de poder ser pessoalmente censurado ao agente como um acontecimento pelo qual ele pode e
deve responder porque se encontrava numa situação em que lhe era exigível que actuasse dum modo
conforme ao Direito, à luz de padrões socio-normativos (conceito social de culpa). O juízo de culpa só
se pode formular se o agente for “capaz de culpa” isto é, se tiver a idade mínima que o sistema exige para
que possa responder pelos seus actos (art. 19.º do CP), que no caso em apreço se verifica como resulta
do estatuto profissional do agente, e se, além disso, não se encontrar numa situação de pertubação
psíquica em função da qual possa ficar privado da capacidade de motivação pelas exigências do sistema
penal. Importa, quanto a este último ponto, indagar se o estado de embriaguez em que C se encontra
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pode ou não corresponder a uma situação de inimputabilidade, prevista no art. 20.º, n.º 1 do CP. O
preceito apenas prevê a inimputabilidade por anomalia psíquica, o que pode ser interpretando num
sentido mais restrito de doença do foro psíquico ou, de forma mais ampla, como uma situação de
perturbação psíquica que não se deva a um estado clínico patológico, mas sim e também à ingestão de
substâncias que perturbem o processo de avaliação do facto e de formação da vontade do agente. O
facto de o n.º 4 do art. 20.º prever as situações de anomalia psíquica provocadas intencionalmente pelo
agente permite demonstrar que no n.º 1 o conceito de anomalia psíquica deve ser interpretado no sentido
mais amplo que abrange quer a embriaguez, quer a intoxicação com outros produtos, desde que o
resultado seja uma pertubação do processo intelectual e volitivo do agente que o pode tornar incapaz de
avaliar normalmente a situação em que se encontra. No caso em apreço, a hipótese não nos diz se o
agente se encontrava alcoolizado ao ponto de o seu estado poder ser equiparado a uma anomalia
psíquica, para efeitos do n.º 1 do art. 20.º, nem nos diz se o agente se colocou intencionalmente nesse
estado para praticar o crime, o que legitimaria a invocação da excepção do n.º 4 do art. 20.º. Contudo, o
agente revelou luzidez suficiente para se arrepender e tentar evitar o crime o que constitui um indício de
que o nível de alcoolemia em que se encontrava não equivaleria a uma situação de incapacidade de avaliar
a situação. Neste termos, o agente deve ser considerado imputável e capaz de culpa, sendo o facto
praticado pessoalmente censurável. O juízo de censura é reforçado pelo facto de posssuir laços
profissionais antigos com a vítima que poderiam e deveriam ter constribuído para o desmotivar de
praticar o facto.
e) Punibilidade: O agente procurou evitar a morte de B, revelando todo o plano e fornecendo um
antídoto à vítima para impedir a progressão do veneno. Trata-se de um comportamento activo de
desistência que surge durante a fase da tentativa e antes de o crime estar materialmente consumado. A
desistência do autor mediato deve ser valorada à luz do art. 24.º e não do art. 25.º (assim, FCP), pois o
autor mediato exerce sozinho o domínio do facto e, por isso, pode-lhe ser exigido que impeça
efectivamente a consumação do crime que iniciou (princípio da simetria entre o domínio do facto e a
desistência). A desistência do autor mediato para ser relevante exige (1) uma conduta do desistente, (2) a
voluntariedade da mesma e (3) um certo resultado que consiste em paralizar a execução ou impedir a
lesão do bem jurídico tutelado. No caso em apreço, a tentativa era inidónea pelo que se coloca o
problema de saber se esta modalidade de tentativa admite desistência quando se sabe que é um facto que
não pode progredir para a lesão do bem jurídico. A resposta deve ser afirmativa (FCP): enquanto não se
revelar a inidoneidade da tentativa ela deve ser tratada como uma tentativa pura e simples. A partir do
momento em que se revele (para o agente) a inidoneidade da tentativa deixa de ser possível a desistência.
Acontece que a tentativa inidónea não pode progredir para a consumação pelo que o sucesso da
desistência (ausência e consumação) se dará por facto independente da conduta do desistente. A situação
está prevista no n.º 2 do art. 24.º, bastando para o efeito que o agente se esforce seriamente por impedir
a consumação do facto. Um “esforço sério” é um comportamento de defesa do bem jurídico que na
altura se revela o mais idóneo para evitar a consumação ou, não sendo o mais idóneo, possui idoneidade
sem inutilizar formas mais eficazes de tutelar o bem jurídico. No caso em apreço o antídoto dado à
vítima seria o meio mais idóneo de evitar a morte, pelo que o agente teve um esforço sério para impedir
a consumação. Esforço esse que é voluntário: partiu de uma decisão própria, não imposta ou controlada
por outrem, nem determinada por uma maior exposição a um risco que poderia exluir a liberdade de
decisão. Donde, a desistência é relevante e pode produzir o efeito isentador da pena. O que está de
acordo com os fins de prevenção geral e especial da pena estatal.
2. Conclusão : anulação da pena por força do art. 24º, nº 2, relativamente à punibilidade da tentativa praticada.
Este instituto tem efeitos exclusivamente pessoais. Contudo, os efeitos do art. 24º não se estendem aos
crimes que se consumarem durante o iter criminis. Por isso há ainda que ponderar as lesões na integridade
física sofridas por B.
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B) Responsabilidade de C pelas ofensas graves sofridas por B quando lhe revela o que se passou
1. Ofensas corporais graves contra B em autoria material (quando C revela a B tudo o que se passou :
art.144º, al. b) e c) + 26º, 1ª proposição) ?
a) Acção, tipicidade (reflectir sobre os seguintes tópicos):
* O comportamento de C é causal em relação às lesões de B?
* Relevância do comportamento que visa diminuir o risco; atipicidade da conduta; não
preenchimento do tipo objectivo do art.144º, al. b) ou c) por referência ao princípio da
diminuição do risco; não se pode tão pouco afirmar qualquer juízo de adequação.
b) Será a ofensa corporal grave um resultado que corresponde a um desvio não essencial no plano?
* Resposta negativa: não é a concretização do acto de envenenamento, mas de um comportamento
posterior atípico.
c) Outra forma de analisar a questão: será o comportamento de C um processo causal atípico que
realiza, dessa forma, o tipo do art. 144º?
2. Conclusão quanto ao problema da imputação das ofensas corporais sofridas por B: não são concretização do
envenenamento, mas o resultado dum comportamento posterior atípico que não gera responsabilidade penal.
1. Instigador duma tentativa impossível de homicídio qualificado (arts. 132º, 2, a), b), d), h), i); art.26,
quarta prop. + 28º, nº1 )? Reflectir sobre os seguintes tópicos:
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c) Referência à questão da inversão da acessoriedade por força do artigo 28º, nº 1.
d) Os efeitos exclusivamente pessoais da causa de anulação da pena (art. 24º) não beneficiam A.
2. As lesões graves (art. 144º, b) ou c) do CP) na pessoa de Bartolomeu são imputáveis ao instigador?
Resposta negativa: encontram-se claramente fora do plano; são a decorrência de uma conduta atípica do
autor mediato e duma iniciativa sua estranha ao plano. São um resultado que não é querido pelo
instigador.
3. A morte de F será imputável a Adalberto? Problema dos limites da imputação aos participantes quando
existem actuações erradas, imprevistas ou fora do plano por parte do autor. Resposta negativa, pois caso
contrário estaríamos perante uma solução de versari in re illicita (que é incompatível com o princípio da
culpa e da responsabilidade pessoal - v. art. 30.º, n.º 3 da CRP).
Conclusão: Adalberto é instigador de uma tentativa impossível de homicídio qualificado que é punível (arts.
131, 132º, 2, a), b), d), h) i); art. 26º, 4ª prop.; 28º, nº 1 e 23º, 1, 2, e 3).
Conclusão: D é cúmplice material duma tentativa de homicídio executada (em autoria mediata) por C.