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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação em Música

Autor: Solange Pereira de Abreu

O PASSO E A RÍTMICA DALCROZE

Trabalho final apresentado como


requisito parcial de avaliação da
disciplina Rítmica para o Doutorado
em Música. Área de Concentração:
Educação Musical.

Professora Sara Cohen

JULHO/2018
O Passo e a Rítmica Dalcroze

Resumo
O presente trabalho refere-se a um estudo sobre o método de educação musical O Passo,
elaborado em 1996 por Lucas Ciavatta e publicado em 2003, e sua relação com a Rítmica
Dalcroze. O trabalho tem como objetivo geral reconhecer aspectos de aproximação e de
distanciamento entre O Passo e o Método Dalcroze e, como objetivos específicos caracterizar
a Rítmica Dalcroze; verificar o processo de ensino-aprendizagem proposto pelo método O
Passo, seus princípios e pilares; e estabelecer a relação entre ambos os métodos. Através de
uma revisão bibliográfica, utilizada como procedimento metodológico, a partir de Dalcroze
(1965) e Ciavatta (2003), buscamos responder às seguintes questões: em que consiste o Método
Dalcroze? E o método O Passo? Como se dá o processo de ensino-aprendizagem n’O Passo?
Quais são os principais aspectos de aproximação e de distanciamento entre este método e a
Rítmica Dalcroze? Este estudo justifica-se por buscar ampliar o conhecimento e a compreensão
a respeito das propostas pedagógicas O Passo e Rítmica Dalcroze, apontando possíveis direções
que possam nortear um ensino musical mais significativo, vivo e enriquecedor.
Palavras-chave: O Passo; Rítmica Dalcroze; educação musical.

1. Introdução
Convivemos constantemente, como professores de música em contínua formação, com
posicionamentos diversos em relação à abordagem da música em sala de aula. Conhecer ações
e práticas pedagógicas, compreendendo as metodologias disponíveis, pode ser bastante
proveitoso, por propiciar opções de escolha e possibilitar a aplicação em sala de aula daquilo
que cada método oferece de mais apropriado para cada situação. Nosso trabalho justifica-se por
buscar ampliar o conhecimento e a compreensão a respeito das propostas pedagógicas O Passo
e Rítmica Dalcroze1, apontando possíveis direções que possam nortear um ensino musical mais
significativo, vivo e enriquecedor.
O objetivo geral do presente trabalho é reconhecer aspectos de aproximação e de
distanciamento entre O Passo e a Rítmica Dalcroze. Como objetivos específicos, destacamos:
caracterizar o Método Dalcroze; verificar o processo de ensino-aprendizagem proposto pelo
método O Passo, seus princípios e pilares; e estabelecer a relação entre ambos os métodos.
Através de uma revisão bibliográfica, utilizada como procedimento metodológico, a partir de

1
Método de ensino de música, criado por Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), músico e educador austro-
húngaro. A Rítmica Dalcroze é, também, denominada Método Dalcroze e Eurritmia.
Dalcroze (1965) e Ciavatta (2003), buscamos responder às seguintes questões: em que consiste
o Método Dalcroze? E o método O Passo? Como se dá o processo de ensino-aprendizagem n’O
Passo? Quais são os principais aspectos de aproximação e de distanciamento entre este método
e a Rítmica Dalcroze?
De acordo com Santos (CIAVATTA, 2003, quarta página), O Passo é um método de
educação musical, que propõe uma mudança efetiva no ensino de música e viabiliza encontrar
possíveis respostas a desafios colocados, há cerca de um século, por Dalcroze (1865-1950),
músico e educador austro-húngaro, criador do sistema de educação musical denominado
Rítmica, difundido a partir da década de 1930 e precursor dos chamados métodos ativos na área
da educação musical.
A respeito dos métodos ativos, consideramos o pensamento de Fonterrada (2005), que
estabelece uma classificação dos mais influentes educadores musicais do século XX,
compreendendo-os como pertencentes a duas gerações distintas. Para Fonterrada (2005), no
início do século XX, os educadores da primeira geração criaram os métodos ativos. Dentre
estes, destacam-se: Émile Jaques-Dalcroze, Edgar Willems, Zoltán Kodály, Carl Orff e Shinichi
Suzuki. De acordo com Mantovani (2009), a prioridade no pensamento da primeira geração é
a vivência, a experiência e o fazer musicais, em oposição às ideologias presentes nas
metodologias do século XIX, que visavam um aprendizado abstrato. Os educadores musicais
da segunda geração surgem na segunda metade do século XX. Eles se diferenciam dos
anteriores “pela utilização de material musical alinhado às mudanças ocorridas na música de
vanguarda, em contraposição à música tradicional e folclórica, enfatizada pelos primeiros”
(MANTOVANI, 2009, p. 39). Segundo Fonterrada (2005), pertencem a esta segunda geração:
George Self, John Paynter, Murray Schafer e Boris Porena. Nestas propostas, pode-se perceber
grande ênfase nos processos de composição, de improvisação, de criação e de escuta ativa.
Abordaremos, ao longo do trabalho, o Método Dalcroze e o método O passo – que,
atualmente, é utilizado no Brasil e no exterior –, descrevendo suas principais características e
verificando aproximações e distanciamentos entre ambos.

2. A Rítmica Dalcroze
A experiência de Dalcroze como professor do Conservatório de Música de Genebra é
fundamental para a criação de seu método. Em 1892, quando é nomeado para as cadeiras de
Harmonia e Solfejo Superior, percebe que muitos de seus alunos apresentam dificuldades
rítmicas e compreendem a harmonia unicamente como abstração matemática. Determinado a
resolver tais questões, o educador realiza investigações acerca da relação música-ritmo-
movimento-expressão, que culminam, em 1903, na criação do sistema de educação musical
denominado Rítmica (MADUREIRA, 2008; PAZ, 2013).
Dalcroze publica cerca de 40 pequenos textos teóricos, entre 1898 e 1939. Parte destes
está no compêndio Le Rythme, la Musique et l’Éducation, sua obra mais importante. Os demais
são publicados na revista bilingue Le Rythme/Der Rhythmus, a qual tem grande circulação pela
Europa nas primeiras décadas do século XX. Em 1915, é inaugurado o Instituto Jaques-
Dalcroze de Genebra, fundamental para a formação de rythmiciens2 (MADUREIRA, 2008).
Dalcroze considera a prontidão corporal uma condição primordial do fazer musical e, a
Rítmica uma preparação para todas as artes. Seu sistema de educação musical é fundamentado
no ritmo, que, para ele, “está na base de todas as manifestações da vida, da ciência e da arte. O
ritmo é ao mesmo tempo a ordem, a medida no movimento e o modo pessoal de executar esse
movimento”3 (DALCROZE, 1965, p. 89). De acordo com Madureira (2008), o educador busca
cultivar nos alunos a percepção do tempo musical, que é diferente do tempo mecânico, muito
bem traduzido pelo metrônomo de Maezel:
Executar metricamente exercícios corporais constitui, não resta dúvida, uma
excelente educação do sentido da ordem e da precisão, mas a métrica não é o
mesmo que o ritmo, ainda que ela se encontre com frequência ligada a ele. Em
relação à métrica, o ritmo expressa a diversidade na unidade. A métrica, por
sua vez, confere unidade à diversidade. O ritmo é individual, a métrica
disciplinar (DALCROZE, 1930, p. 9-10 apud MADUREIRA, 2008, p. 67).

Dalcroze conduz as lições ao piano e toma a marcha como ponto de partida da educação
musical, devido à sua regularidade. Em seguida, ornamenta as marchas com movimentos dos
braços: um gesto para cada tempo do compasso. O educador apropria-se das convenções
preestabelecidas da regência para os compassos binário, ternário e quaternário, e cria novas
sequências de movimento para os compassos divididos em 5, 6, 7, 8 e 9 tempos. Para as pernas,
que, inicialmente, marcam a pulsação, elabora uma gestualidade, também para cada tempo do
compasso, inspirando-se nos movimentos do balé clássico e, em seguida, introduz na marcha
exercícios de dissociação. (MADUREIRA, 2008). O principal intuito dos exercícios propostos
por Dalcroze é “despertar e desenvolver nos alunos aquilo que ele denominou como ‘sentido
rítmico’ ou ‘sentido rítmico-muscular’” (MADUREIRA, 2008, p. 67). Para o educador, “o
objetivo dos estudos rítmicos é regular os ritmos naturais do corpo e, graças à sua automação,
criar imagens rítmicas definitivas no cérebro” (DALCROZE, 1965, p. 137).

2
Profissionais ou estudantes da Rítmica Dalcroze.
3
Todos os trechos citados do livro Le rythme, la musique et l´éducation, de Dalcroze, publicado em 1965, foram
traduzidos pela autora.
Dalcroze emprega o “hop” musical como uma das estratégias da Rítmica. Pronunciado
em voz de comando, “hop” é um sinal de alerta que indica o momento oportuno para agir. O
“hop” constitui-se de sinais musicais que desequilibram o curso dos exercícios, modificando,
por exemplo, a direção da marcha ou ordenando uma parada brusca. O caráter aleatório dos
sinais “hop” impede qualquer previsão, “obrigando os alunos a permanecerem em estado de
jogo” (MADUREIRA, 2008, p. 68).
A proficiência em música, advoga Madureira (2008), é uma condição fundamental ao
rythmicien. Os exercícios de Rítmica são elaborados sobre as possibilidades do piano,
instrumento que Dalcroze domina com grande virtuosismo, porém estes podem ser efetuados,
também, por meio do canto e do acompanhamento realizado por instrumentos de percussão. O
domínio da arte da improvisação torna-se, para o educador, uma exigência para o rythmicien
que “deve ter estudado profundamente a improvisação ao piano e todas as relações possíveis
entre a harmonia dos sons e a harmonia dos movimentos, sendo capaz de traduzir os ritmos
corporais em ritmos musicais e vice-versa” (DALCROZE, 1916, p. 7 apud MADUREIRA,
2008, p. 69).
Dalcroze insiste que a criança deve vivenciar a música antes de estudar a linguagem
musical. Para ele, se a educação da sensibilidade da criança for realizada antes que ela tenha
que estudar um instrumento, é muito provável que seus poderes de apreciação da música, que
seu gosto, que seu temperamento sejam muito mais desenvolvidos (DALCROZE, 1965). A
respeito disso, o educador afirma: “É um absurdo real que a criança inicie estudos instrumentais
antes que possa manifestar qualidades de ritmo e reconhecimento sonoro” (DALCROZE, 1965,
p. 52). O estudo das progressões harmônicas deve, também, ser realizado através de exercícios
corporais, em estado de jogo. Dalcroze advoga: “o importante [...] é que a criança aprenda a
sentir a música, a acolhê-la, a unir corpo e alma com ela ... a ouvi-la não apenas com os ouvidos,
mas também com todo o seu ser” (DALCROZE, 1965, p.48). Segundo o educador, o estudo do
contraponto, por exemplo, só deve ser abordado pelo indivíduo no momento adequado:
Quando seu ser e sua mente estiverem saturados de melodias, quando seus
ritmos naturais adquirirem uma completa liberdade de exteriorização, quando
a música se tornar uma parte de seu ser, quando todo o seu organismo estiver
em estado de vibrar em uníssono com as impressões e emoções que o assolam
(DALCROZE, 1965, p. 53).

Para Dalcroze (1965, p. 134), “a mesma emoção da vida anima a música dos sons e a
música dos gestos”. Com este pensamento, o educador organiza um sistema de relações entre
música e gestualidade, denominado Plástica Animada, que é realizada em grupo e conduz à
percepção física dos elementos da música. Através da Plástica Animada, se define uma
possibilidade de expressão corporal para cada componente musical. A percepção rítmica é
desenvolvida através da sensibilidade, visando à “realização expressiva do ritmo e à sua
vivência através do movimento corporal” (PAZ, 2013, p. 255).
Frequentemente, nas aulas que utilizam o Método Dalcroze, inicialmente, se busca uma
tomada de consciência do corpo e da respiração. O aluno vivencia os elementos musicais
através de coreografias, com dissociação de movimentos, e, também, através do andar, do correr
e do pular, percorrendo toda a sala, em direções variadas. São empregadas canções e as
atividades são sempre acompanhadas por um instrumento, preferencialmente o piano. Cada
parte do corpo é trabalhada, explorando-se o movimento corporal, a partir da música. Neste
método, a rítmica, o solfejo e a improvisação são ferramentas básicas. O material didático deve
ser elaborado pelo professor, de forma progressiva, segundo a necessidade dos alunos. Nas
atividades de Plástica Animada, qualquer fenômeno musical é objeto de representação por meio
de movimentos corporais: pulso, acento, compasso, altura, timbre, intensidade, tensão,
relaxamento, frases, formas e outros são representados fisicamente, com a finalidade de
experimentar, expressar e vivenciar a música. Explorando a relação tempo-espaço-energia, a
Rítmica pode ser compreendida como um estímulo à atividade motora através dos eventos
musicais.
O importante é que as emoções, que criaram os ritmos sonoros e o estilo em
que eles tomaram forma [...], são encontradas em sua representação plástica, e
que a mesma emoção da vida anima a música dos sons e a música dos gestos
(DALCROZE, 1965, p. 134).

Abordaremos, em seguida, o método O passo, elaborado pelo professor Lucas Ciavatta


em 1996 e publicado em 2003, destacando seus princípios e pilares.

3. O Passo
Em 1996, nas aulas de música, Lucas Ciavatta observa e mapeia diferenças entre as
dificuldades de seus alunos do primeiro segmento do ensino fundamental. Observando que as
realizações destes revelavam a presença ou a ausência de suingue4, Ciavatta (2003) desenvolve
procedimentos didáticos, possibilitando que, em pouco tempo, praticamente todas as
dificuldades que inviabilizavam a prática musical em grupo fossem superadas por todos. Sua
experiência é nomeada O Passo.
Olhando para trás, percebo que eu buscava, na verdade, respostas para as
minhas próprias dificuldades e, acima de tudo, uma alternativa ao processo

4
Balanço, gingado, fazer musical com flexibilização do ritmo em determinado período de tempo (definição da
autora).
altamente seletivo do acesso à prática musical tanto nos espaços acadêmicos
quanto nos espaços populares (CIAVATTA, 2009, p. 15).

Tendo como princípios a inclusão e a autonomia, O Passo entende o fazer musical como
um fenômeno indissociável de seus pilares: corpo, representação, grupo e cultura. Baseado num
andar específico, em que há um deslocamento do eixo do corpo, O Passo trabalha o equilíbrio,
que traz a noção de regularidade e possibilita o aprendizado da pulsação. A percepção da
pulsação, associada ao movimento corporal, permite que algo abstrato como o tempo possa ser
mapeado, pois passa a ser concreto, a partir do estabelecimento de uma relação direta entre o
movimento corporal e o fazer musical. Através desse mapeamento, alcança-se um entendimento
que possibilita a realização e a consciência sobre esta realização. Assim, torna-se possível uma
aproximação tanto da escrita musical quanto do improviso e da composição. Cada tempo é
percebido por todo o corpo. Qualquer imprecisão ao tocar ou cantar é facilmente sentida ou
pelo aluno ou pelo professor e corrigida por ambos (CIAVATTA, 2003).
Para Ciavatta (2003), a maior inspiração d’O Passo vem da riqueza do fazer musical
popular brasileiro, principalmente da relação corpo e música no processo de aquisição do
suingue. O Passo introduz novos conceitos no ensino-aprendizagem de ritmo e som, como
posição e espaço musical, e novas ferramentas, como o andar que dá nome ao método, notações
orais e corporais e a partitura de aproximação5. O método aborda, inicialmente, a questão
rítmica, seguindo em direção à melódica, e busca a construção de uma base, que traz inúmeras
possibilidades e abre uma porta, não apenas para os ritmos e os sons, mas para a rítmica como
um todo e para uma real aproximação com o universo sonoro. Para seu idealizador, a principal
responsável pelas conquistas d’O Passo é a forma específica utilizada para trabalhar com a
pulsação, que ele define como “uma série de marcações, audíveis ou não, com intervalos
regulares de tempo entre si, utilizadas como referência para que se possa tocar, cantar, compor,
registrar ou ler um determinado ritmo” (CIAVATTA, 2003, p. 19). A definição de uma
marcação como pulsação está associada à sua utilização como referência para uma realização
musical. A regularidade presente no andar, por exemplo, é uma importante referência para
possibilitar o aprendizado da regularidade dentro do âmbito musical e o trabalho com a
pulsação. O caminhar deve ser controlado, consciente e flexível: um passo para cada pulsação,
para frente e para trás, terminando no mesmo lugar, por questões de espaço. De forma simples
e objetiva, dar um passo para frente com o pé forte, trazer o outro para completar o

5
Notação gráfica d’O Passo, que pode conter números (tempos) e letras (subdivisão dos tempos). Na partitura de
aproximação, além dos números relativos aos tempos a serem tocados, são escritos, entre parênteses, os números
relativos aos tempos que não devem ser tocados.
deslocamento, dar um passo para trás com o pé que iniciou o movimento e trazer de novo o
outro. Assim, quatro passos formam um ciclo, denominado O Passo (CIAVATTA, 2003).
De acordo com Ciavatta (2009), O Passo pode ser considerado um método de Educação
Musical, já que utiliza em alguns momentos uma sequência específica de exercícios. Porém,
após rever sua avaliação, seu idealizador afirma que, por haver um sentido mais amplo nos
conceitos, ferramentas, habilidades e compreensões propostos e os canais utilizados para
construir o conhecimento musical serem os mais diversos possíveis, “O Passo pode ser melhor
definido como uma abordagem multissensorial” (CIAVATTA, 2009, p.15).
Ciavatta (2003) introduz os conceitos de espaço musical, movimento musical e posição,
este último relacionado aos tempos e aos ciclos de tempos (compassos). Como espaço musical,
entende-se o intervalo de tempo que ganha uma forma ao ser representado a partir de um fazer
musical; como movimento musical, compreende-se a progressão de uma nota à outra em um
espaço musical; e como posição, entende-se a definição do lugar ocupado por um evento dentro
de um espaço musical, que determina de onde vem e para onde vai este evento, ou seja, seu
movimento musical. Ciavatta (2009, p. 44) esclarece:
O conceito de posição, que desenvolvi no trabalho com O Passo, vê o espaço
musical como sendo tridimensional, como tendo um relevo, e se dedica a
identificar as características de cada um destes lugares dentro deste relevo,
Seguindo o caminho proposto pelos gregos, o conceito de posição relaciona
espaço musical e movimento corporal e assim revela lugares que estão “no
alto” ou “em suspenso”, e lugares que estão “embaixo” ou “em repouso”, e que
por isso geram movimentos musicais distintos.

Assim, o movimento musical de um evento está diretamente relacionado à sua


posição, cujo conceito demonstra a intenção de mapear trajetórias, contribuindo para a
percepção dos movimentos musicais envolvidos. De acordo com Ciavatta (2003), esse
mapeamento tem muito mais chances de ser realizado caso se dê através do movimento
corporal.
A seguir, abordaremos os princípios do método O Passo.

3.1. Os princípios d’O Passo


O Passo apresenta dois princípios: inclusão e autonomia. Ciavatta (2003) afirma que
qualquer método de ensino de música, em seus processos de ensino-aprendizagem, deve ter
como princípio a inclusão de todos que dela queiram se aproximar. Em relação a isso, nos conta:
Certamente, não julgávamos simples os caminhos para viabilizar a inclusão de
todos, e um primeiro procedimento nos pareceu central: considerar que nada,
nenhuma compreensão ou habilidade, devia ser encarada como natural.
(CIAVATTA, 2003, p. 24)
Na dinâmica d’O Passo, todos podem aprender, pois o aprendizado deve acontecer
independentemente de talento ou recursos. Como uma das formas de viabilizar a inclusão, O
Passo não depende de recursos materiais, utilizando-se, basicamente, de palmas, voz e corpo.
Possuir ou não os meios. Refiro-me a todo e qualquer recurso material cuja
ausência, em alguns casos, inviabiliza o processo de ensino-aprendizagem. [...]
Assim, me parecia fundamental trabalhar sempre na perspectiva da ausência
quase que total dos meios. [...] Contar apenas com quem quer ensinar-aprender,
com quem quer aprender-ensinar e com os recursos disponíveis para ambos.
(CIAVATTA, 2009, p. 20)

A autonomia é o outro princípio d’O Passo. A proposta do método é que todos tenham
independência diante de situações ou desafios musicais que se apresentem, sem necessitar de
ajuda. Assim, O Passo busca desenvolver a autonomia do aluno no fazer e no pensar a música.
Devido ao deslocamento do eixo corporal e à consequente percepção de cada tempo por todo o
corpo, qualquer imprecisão ao tocar ou cantar é facilmente sentida e corrigida, partindo da
comparação que o aluno faz entre o que ele toca ou canta e as referências que O Passo fornece.
Muitas vezes ao professor cabe apenas observar, pois, sozinho, o aluno percebe o erro e o
corrige. Além disso, afirma Ciavatta (2003, p. 38), “com O Passo, o aluno leva consigo uma
referência clara de movimento, e, junto com os processos de representação que envolvem um
tipo específico de partitura, refaz os caminhos percorridos e recompõe as realizações”,
possibilitando, assim, o desenvolvimento de sua autonomia no fazer musical.
Veremos, agora, os pilares d’O Passo.

3.2. Os pilares do método


Ciavatta (2003) discute e interpreta as questões surgidas no processo de ensino-
aprendizagem da pulsação e os procedimentos adotados n’O Passo para abordá-las, a partir
de quatro eixos ou pilares, que articulam-se mais fortemente em dois grupos, sobre os quais
sustenta sua reflexão e sua prática: corpo e representação; grupo e cultura. Guiado por estes
eixos, o autor constrói sua base teórica.
No eixo corpo, o educador trata da relação entre corpo e fazer musical. Para ele,
qualquer movimento corporal altera e define a realização musical. O corpo está relacionado a
todo o desenvolvimento da percepção e da cognição. Desta forma, as noções de espaço e de
tempo são construídas no nível da representação por meio da vivência corporal. Buscando um
embasamento teórico sobre o assunto, o educador promove um diálogo entre diferentes autores:
Maffioletti, citando Piaget e Kephart; e Araújo, citando Le Boulch e Vayer. Ciavatta (2003)
parte da importância do andar como um movimento simples e capaz de fornecer importantes
referências e propõe que sua presença seja constante até que não seja mais necessária. Para
ele, o andar é fundamental, pois contém tanto as propriedades dos movimentos voluntários,
propondo direções e ritmos, quanto as propriedades dos movimentos surgidos na busca pelo
equilíbrio, envolvendo deslocamentos do eixo do corpo. O educador revela uma identidade
comum entre O Passo e várias danças populares, que utilizam deslocamentos em ciclos e
ressalta a importância de valer-se da acentuação natural para evitar exageros na marcação
do primeiro tempo.
No eixo representação, o idealizador d’O Passo focaliza as formas de exteriorização
das representações: notações musicais não gráficas – tais como as notações orais e as
notações corporais – e notações musicais gráficas. Para ele, o surgimento das notações não
gráficas está associado ao processo de tomada de consciência, importante para o
estabelecimento do diálogo entre corpo e mente e para a construção de variadas formas de
notação. Em relação às notações gráficas, destaca uma questão fundamental: a oposição
entre se grafar figura ou métrica, discutida por Bamberger. Ciavatta (2003) ressalta a
ampliação de possibilidades que uma notação gráfica pode significar, tais como o
desenvolvimento da autonomia do aluno e a exteriorização da representação construída
internamente. No entanto, afirma que a notação gráfica possui limites enquanto ferramenta
para a compreensão de um movimento musical, havendo, então, a necessidade de se
equilibrar leitura/escrita e imitação. Ao analisar notações orais – tais como as notações de
Gazzi de Sá, Noisette e Sodré –, contrapondo-as com a que utiliza n’O Passo, Ciavatta
apresenta a partitura de aproximação e discute alguns caminhos para superar a questão
figura ou forma: “A partitura de aproximação opta pela métrica. As figuras permanecem
como algo a ser descoberto ou resgatado pelo músico” (CIAVATTA, 2003, p. 137).
No eixo grupo, o educador aborda a prática coletiva e sua importância para o
desenvolvimento musical do indivíduo. O corpo e a mente devem formar uma unidade com
a escuta, que auxilia na avaliação do som produzido. A questão principal em uma prática
de conjunto é a interação com o som do outro. Ciavatta (2003) relaciona o desenvolvimento
musical com o desenvolvimento psicoafetivo do indivíduo, destacando, a partir do trabalho
de Vigotsky, a colocação de Wertsch, para quem os processos mentais do indivíduo são
gerados e influenciados, no plano intermental, pela interação com o grupo social ao qual ele
pertence e, só então, estes processos mentais são integrados ao plano intramental que
caracteriza o indivíduo. Ciavatta (2003) demonstra preocupação com o equilíbrio entre a
ênfase no grupo e a ênfase no indivíduo. Além disso, discute os limites de uma realização
musical em uníssono e os desafios e ampliações oferecidos por uma realização polifônica.
Ele afirma que, para uma prática de conjunto completa, é importante isolar os eventos que
compõem uma frase musical, compreendendo o movimento musical de cada um, sem isolá-
los do fluxo.
No eixo cultura, ao citar diferentes possibilidades de ação do indivíduo frente à sua
cultura, o idealizador d’O Passo introduz o conceito de ferramenta cultural, tal como
utilizado por Wertsch, questionando sua característica de ser tanto um fator de ampliação
destas possibilidades de ação quanto um fator de restrição. Para ele, qualquer cultura tanto
enriquece a ação do indivíduo, ao mostrar caminhos possíveis, quanto a delimita, ao
estabelecer as fronteiras e os horizontes das possibilidades. Através das ferramentas
culturais, o indivíduo acessa e transforma sua cultura. Ciavatta (2003) discute os diversos
conceitos de cultura, baseado em autores como Laraia citando Murdock; Mendes; Daolio
citando Marcel Mauss; Thompsom; Bosi; Wertsch e outros. O educador questiona a
dicotomia “música da escola” e “música do mundo lá de fora”, sugerindo o reconhecimento
de uma interação entre estes espaços e a intensificação de seus aspectos positivos. A
principal fonte de ferramentas, dinâmicas e padrões do método, de acordo com seu autor, é
a cultura popular. N’O Passo, a prática musical abrange diversas manifestações e gêneros
populares: xote, afoxé, congo, samba, maracatu, alujá, baião, funk, ciranda, dentre outros.
O educador aponta três habilidades almejadas no trabalho d’O Passo: precisão, fluência e
intenção, associando a aquisição destas habilidades à prática do improviso. Para Ciavatta
(2003, p. 154), “improvisar é brincar em cima de uma estrutura”.
N’O Passo, o corpo se move para auxiliar um processo de representação ou sendo
auxiliado por este. Não há espaço para uma oposição entre prática e teoria. Ciavatta (2003)
considera o corpo em movimento como o diferencial do método e, a partitura de
aproximação, como condição para as conquistas neste. O corpo passa a ser visto como uma
unidade, com formas específicas de construção de um tipo de conhecimento. O processo de
tomada de consciência transforma e dá sentido às representações, que possibilitam a
construção do espaço musical e a utilização de qualquer notação: oral, corporal ou gráfica.
De acordo com Ciavatta (2003), apesar das ampliações e restrições produzidas pela escrita,
este tipo de notação, equilibrado com o recurso didático da imitação, deve ser sempre
disponibilizado para todos. No entanto, deve-se estar aberto para outros tipos de notação e
outras formas de organização do fazer musical. Ao exigir a prática em grupo, O Passo
evidencia e transpõe o limite de uma formação musical baseada na realização solitária. Para
o criador do método, tanto o desenvolvimento musical quanto o psicoafetivo do indivíduo
dependem de e têm sua origem no grupo. A utilização de ferramentas advindas da cultura
popular interfere positivamente na formação dentro d’O Passo, que passa a ser reconhecido
por seu idealizador como uma ferramenta cultural, com suas ampliações de possibilidades
e restrições.
Para Ciavatta (2003), o que caracteriza O Passo e o diferencia de outras propostas
semelhantes é a forma sistemática de trabalhar os quatro eixos. Alguns recursos didáticos
d’O Passo são bastante utilizados nas práticas populares – imitação e notações orais, por
exemplo – ou em métodos formais de educação musical – dentre eles, a proposta de Gazzi
de Sá –, porém, não se associa os movimentos corporais específicos aos nomes dados, e não
se utiliza a notação oral como base para a notação gráfica. O método O Passo propõe uma
reflexão sobre o processo de aquisição da clareza em relação à pulsação, a fim de te ntar
garanti-lo a todos que dele se aproximam, através de um controle, por parte de quem realiza,
de sua própria realização. Realizar simultaneamente ao ritmo, a pulsação que o organiza;
articular sua realização com outra; variar sua realização; e utilizar-se de notação oral,
corporal ou gráfica são sinais deste controle.
Nas aulas com a metodologia O Passo, o movimento parte do andar constante, para
frente e para trás, em ciclos. O caminhar deve ser controlado, consciente e flexível e é necessário
marcar a pulsação ao tocar ou cantar. Os passos são numerados, facilitando a comunicação.
Cada ciclo representa um compasso. Posteriormente, a pulsação é dividida. O corpo inteiro é
envolvido e passa-se a realizar O Passo com um tapa no joelho, flexionando-o e,
consequentemente, dobrando a perna que, no momento do tapa, sustenta o peso. Essa sensação
corporal é denominada “e”. Pode-se tocar, Xote, Afoxé e Funk. A partitura de aproximação é
apresentada. A percussão em grupo é uma ferramenta para o aprendizado em relação à questão
rítmica: são utilizados surdos, tamborins, agogôs e outros instrumentos. Além disso, são criados
arranjos que aproveitem os diferentes timbres e registros. Dividindo a pulsação em quatro, surge
o “i”, que, mesmo sem referências corporais claras, é facilmente localizado. No início, O Passo
trabalha com compassos quaternários simples, tanto pelo movimento desenvolvido a partir do
andar, quanto pelo fato da quase totalidade de ritmos brasileiros estar organizada sobre este tipo
de compasso. Em um segundo momento, se altera o movimento inicial e se executa O Passo
ternário. Mais tarde, O Passo composto é trabalhado. A passagem para a partitura tradicional
se dá como uma continuidade do trabalho, aos poucos, utilizando a semínima como unidade de
tempo. A música acontece em função de um controle do ritmo e do som. É possível tocar, a
partir daí, Samba, Maracatu, Baião, Ciranda, dentre outros ritmos (CIAVATTA, 2003).
A seguir, verificaremos aspectos de aproximação e de distanciamento entre o Método
Dalcroze e O Passo.
4. Aproximações e distanciamentos entre O Passo e a Rítmica Dalcroze
Podemos afirmar que um diálogo inicial entre O Passo e a Rítmica Dalcroze surge no
momento em que Ciavatta parte da observação de dificuldades de seus alunos em relação ao
aprendizado, mapeando as sutis diferenças entre estas e criando um método de educação
musical. Seu objetivo principal é solucionar as dificuldades apresentadas pelos alunos na
execução das atividades propostas. Dalcroze parte, também, da observação das dificuldades de
seus alunos em relação à associação dos conteúdos teóricos com a prática musical. Ele
questiona o ensino convencional de música, em que teoria e prática são desvinculadas, e elabora
seu método.
Para dar conta dos ritmos organizados sobre pulsações, Ciavatta utiliza a forma de
organização do tempo a qual ele denomina tempo pulsante, buscando considerar as variações e
imprecisões humanas e ampliar a percepção musical. Ao trabalhar com a pulsação, através da
utilização do corpo em movimento, novamente O Passo se aproxima do Método Dalcroze. Ao
tratar da Rítmica Dalcroze tal como trabalhada no Brasil pela professora Rosa Maria Barbosa
Zamith, Paz (2013, p. 256) relata: “A prática se inicia com a vivência do pulso em diferentes
andamentos: lento, moderado e rápido”.
Outra aproximação entre os dois métodos se dá através da utilização do corpo no
processo de aprendizagem: para Dalcroze, todas as partes do corpo devem estar envolvidas
no aprendizado do método. Dalcroze advoga que a representação de um ritmo está expressa
em cada parte do corpo de quem faz música. O aluno deve ser inundado “pela representação
do ritmo, refletindo a imagem por todos os músculos do seu corpo” (DALCROZE, 1965, p.
41). Ele nos diz, ainda que “para educar o homem ao ritmo, é necessário exercitar
ritmicamente todos os seus membros” (DALCROZE, 1965, p. 43). Assim, para Dalcroze
(1965, p. 39), é “impossível representar o ritmo sem imaginar um corpo em movimento”.
N’O Passo, o corpo todo está, também, envolvido no processo de aprendizagem; o eixo do
corpo é constantemente deslocado, buscando-se equilíbrio e controle. Tratando da relação
entre corpo e fazer musical, Ciavatta (2003, p. 63) advoga: “Qualquer produção sonora que
venha de um ser humano passa necessariamente por algum movimento corporal seu”. Para
o autor d’O Passo, qualquer movimento corporal altera e define a realização musical. Além
disso, o corpo está relacionado ao desenvolvimento da percepção e da cognição. (CIAVATTA,
2003).
O idealizador d’O Passo introduz o conceito de cognição corporal, exposto por Reiner
(2000), que afirma que é o próprio corpo que aprende por vias particulares que prescindem
de procedimentos intelectuais. Ciavatta destaca a perspectiva de que o corpo seja uma
unidade de construção de conhecimento distinta da mente, o que o leva a abordar a prática
do improviso, na qual o que é responsabilidade do corpo e o que é responsabilidade da
mente se confundem. A partir daí, o autor assinala o diálogo entre corpo e mente:
a interação entre corpo e mente [...] é a via bidirecional criada quando o
corpo que faz música afeta a representação mental deste fazer e,
simultaneamente, a representação mental deste fazer afeta o corpo que se
esforça para realizá-lo (CIAVATTA, 2003, p. 75).

N´O Passo, a utilização do movimento corporal se apresenta como o reconhecimento


do diálogo entre corpo e mente durante o aprendizado. Percebemos, aqui, novamente uma
aproximação entre a Rítmica Dalcroze e O Passo. A perspectiva da interação entre corpo e
mente é também assinalada por Dalcroze, para quem o “dom do ritmo não é uma questão
apenas mental; ele é essencialmente físico” (DALCROZE, 1967, p.31 apud CIAVATTA,
2003, p. 63). Segundo o educador austro-húngaro, “a precisão e o dinamismo bem regulados
dos automatismos musculares são uma garantia da precisão dos automatismos do pensamento
e do desenvolvimento dos meios imaginativos” (DALCROZE, 1965, p. 63). Além disso, afirma
Dalcroze (1965, p. 63):
a prática de movimentos corporais desperta imagens no cérebro. Quanto
mais fortes as sensações musculares, mais claras e precisas as imagens se
tornam e, portanto, o sentimento métrico e rítmico se desenvolve
normalmente, porque o sentimento nasce da sensação.

Ciavatta (2003) trata da relação entre música e dança e aborda também algumas
propostas para estabelecer as áreas de intercessão entre ambas, a partir de Dalcroze,
Willems e Noisette. O idealizador d’O Passo esclarece que o foco deve estar sempre na
música, no som e em seu movimento musical: música e dança interagem, mas não se
confundem; possuem a mesma origem, o ritmo musical, mas envolvem diferentes
compreensões e habilidades. Percebemos, aqui, mais um ponto de aproximação entre O
Passo e a Rítmica Dalcroze: apesar de ambos os métodos partirem da movimentação
corporal, o foco está no aprendizado musical e não na estética do movimento, na arte da
dança. De acordo com Madureira (2008, p. 37), Dalcroze:
insistiu com todas as forças que a Rítmica não era uma técnica de dança e que
as suas rythmiciènnes não eram, absolutamente, dançarinas. No entanto, suas
pesquisas sobre a relação ritmo-corpo-expressão acabaram por orientar, direta
e indiretamente, os caminhos da dança novecentista, do Ausdruckstanz alemão
ao Modern Dance estadunidense. (MADUREIRA, 2008, p. 37)

Outro aspecto de aproximação entre O Passo e a Rítmica Dalcroze refere-se à


representação, que, no entanto, não se dá de modo similar nos dois métodos. Na Plástica
Animada, presente no Método Dalcroze, o aluno percebe e representa fisicamente, através
de gestos e movimentos, elementos constitutivos da música. Cada nuance musical encontra
no corpo uma possibilidade de expressão e de representação (DALCROZE, 1965). Ciavatta
(2003) nos conta que, para Dalcroze, mesmo que um processo de representação não envolva
verbalização, poderá envolver um processo de ensino-aprendizagem. O idealizador d’O
Passo considera isso como algo de extrema importância para que, no ensino da música,
conhecimentos diferentes daqueles que envolvem uma representação simbólica sejam
considerados como fundamentais. Ciavatta (2003) ressalta a importância dos processos de
representação, afirmando que o importante é como se representa a partir do que se vê. Para
ele, todo desenvolvimento cognitivo está associado aos processos de representação, tudo o
que chega pelos sentidos pode vir a compor as representações e as formas de construção do
conhecimento. N’O Passo, as formas de exteriorização das representações se dão através
das notações orais, corporais e gráficas.
Outra aproximação entre O Passo e a Rítmica Dalcroze está na utilização do andar.
A opção d’O Passo pela utilização de um andar como movimento de referência se dá, pois
o andar envolve movimento voluntário; propostas de direção e ritmo; busca pelo equilíbrio;
e desenvolvimento da habilidade de manutenção da regularidade. A respeito da Rítmica
Dalcroze, Madureira (2008, p.65) afirma:

Dalcroze sabia que, afundados em suas carteiras, os estudantes jamais


compreenderiam o verdadeiro sentido do fazer musical. A primeira medida foi
afastar as mesas e propor aos alunos que caminhassem pela sala.
(MADUREIRA, 2008, p. 65).

Dalcroze opta pela utilização do andar, pois, sua regularidade fornece “um modelo
perfeito de medida e de divisão dos tempos em partes iguais” (DALCROZE, 1965, p.39).
De acordo com o educador, “encontramos na caminhada regular o ponto de partida natural para
a iniciação da criança no ritmo” (DALCROZE, 1965, p. 39). Contudo, o andar na Rítmica
Dalcroze não é semelhante ao andar n’O Passo, o que aponta para um distanciamento entre
os métodos. Madureira (2008, p. 34) nos conta:
Ao solicitar aos alunos para retirarem os sapatos durante as lições de Rítmica,
Dalcroze incitou a fúria dos puritanos. Na realidade, ele não tinha a intenção
de ofender ninguém, apenas quis proporcionar aos futuros musicistas um maior
conforto durante os exercícios de marcha. (MADUREIRA, 2008, p. 34)

Segundo Ciavatta (2003), diversas propostas didáticas utilizam o deslocamento


corporal (Dalcroze, Noisette, Sá Pereira, dentre outros), porém se utilizam da marcha, o que
marca uma importante diferença em relação ao Passo. Para Ciavatta (2003), o que diferencia
O Passo da marcha é um movimento de dobrar os joelhos entre um passo e outro, presente
n’O Passo. Este e outros movimentos estão explicitados em vídeos do método, disponíveis
na web (MOVIMENTOS... 2009).
Outro ponto de aproximação entre a Rítmica Dalcroze e O Passo é a primazia do
movimento, porém suas diferentes características podem ser consideradas como fator de
distanciamento entre os métodos: na Rítmica Dalcroze, os movimentos são variados,
realizados livremente ou indicados pelo professor, como por exemplo, caminhar, correr ou
saltar, com deslocamentos para diversas direções. Os movimentos podem, ainda, estar
relacionados a elementos musicais, como os gestos na Plástica Animada. Já n’O Passo, os
movimentos são deslocamentos repetitivos, seguindo um “modelo de regência com os pés”
(CIAVATTA, 2003, p. 129). Além disso, são relacionados à posição e à notação corporal.
O Passo apresenta a inclusão como um de seus princípios e, neste sentido, se distancia
do pensamento de Dalcroze, para quem a criança que não possuísse boa voz e bom ouvido
“deveria ser removida da classe, como nós excluiríamos um homem cego de uma aula de tiro,
ou um homem sem pernas de uma aula de ginástica” (DALCROZE, 1967, p. 18 apud
CIAVATTA, 2003, p. 23). Dalcroze (1967, p. 24 apud CIAVATTA, 2003, p. 23) sugere, ainda,
a “eliminação dos ‘incuráveis’” ou seja, a interdição destes. Já Ciavatta (2003), com a
elaboração d’O Passo, demonstra uma preocupação com o aprendizado de todos, considerando
que nenhuma compreensão ou habilidade deve ser encarada como natural. Assim, enquanto
Dalcroze sugere, em seu tempo e contexto, a exclusão dos menos dotados musicalmente,
Ciavatta faz da inclusão um dos princípios de seu método, em cuja dinâmica, todos podem
aprender, independentemente de dom, necessidades especiais e recursos materiais
(INSTITUTO D’O PASSO, s/d; CIAVATTA, 2003, 2009).
O idealizador d’O Passo propõe que a presença do andar seja constante, tanto quando
se busca conhecer o som, quanto quando se busca conhecer a pausa, vista como ausência de
som, porém como presença de movimento. Aqui, mais uma vez, O Passo contrapõe-se à
Rítmica Dalcroze, em cujos exercícios, a pausa é associada à ausência de movimento:
A duração da interrupção, a pausa, deve ser estimada e acentuada apenas
em pensamento; sendo expressamente proibido contar alto ou em sussurro,
ou mover qualquer membro (DALCROZE, 1965, p. 42).

Na Rítmica Dalcroze, conforme trabalhada no Brasil pela professora Rosa Maria


Zamith, “o silêncio é visto como uma cessação total de som e movimento; não se pode
mexer um músculo sequer” (PAZ, 2013, p. 256). Para Ciavatta (2003), há uma estratégia
equivocada de exigir precocemente que o aluno restrinja seus movimentos corporais, pois
o processo de interiorização da pulsação pode ser inviabilizado caso o movimento corporal
seja precocemente retirado deste.
Passemos, agora, às considerações finais, com as observações realizadas a partir de
nosso trabalho.

5. Considerações finais
Embora existam questionamentos em relação à limitação do ensino da música
encaminhado pela utilização de um único método – visto que, quando se elege um método para
o ensino-aprendizagem musical e se trabalha exclusivamente com este, todos os caminhos e
possibilidades restantes são excluídos –, acreditamos que conhecer e compreender
metodologias pode ser bastante enriquecedor, a fim de que se disponibilize opções para aplicar
em sala de aula o que cada método oferece de mais apropriado para cada situação.
Vale ressaltar que, a partir deste estudo, pudemos realizar observações em relação
ao método e ao pensamento de Ciavatta e, com o intuito de promover reflexão, decidimos
aqui destacá-las: n’O Passo, são trabalhadas somente músicas com pulsação regular,
excluindo-se, portanto toda música situada no âmbito da não regularidade e da não pulsação,
limitando o ensino musical. Além disso, Ciavatta destaca a perspectiva de que o corpo seja
uma unidade de construção de conhecimento distinta da mente, assinalando a existência de
um diálogo entre corpo e mente. No entanto, a dicotomia corpo e mente, a nosso ver, é
inexistente, não havendo, por assim dizer, dissociação entre ambos.
No decorrer do trabalho, ao abordarmos os processos de ensino-aprendizagem propostos
pela Rítmica Dalcroze e pelo método O Passo, estabelecendo a relação entre estes, observamos
que as propostas de Dalcroze e de Ciavatta se aproximam em alguns aspectos, principalmente,
na abordagem do corpo como centro de seus posicionamentos a respeito do ensino-
aprendizagem da música e na defesa de uma ação pedagógica musical que nasça da prática e da
percepção. Como uma proposta ativa de aprendizagem, O Passo utiliza práticas presentes na
Rítmica Dalcroze, porém de modo diferenciado. O andar, por exemplo, é praticado em ambos
os métodos para uma vivência da regularidade, do pulso, no entanto a utilização deste não
ocorre de forma similar: O Passo, a partir de um andar controlado, em ciclos, introduz novas
formas de notação, tais como: notação oral, notação corporal e notação gráfica, através da
partitura de aproximação. Assim, o que é falado ou escrito leva a uma decodificação, traduzida
por um movimento específico, e o movimento corporal leva ao musical. Já na Rítmica Dalcroze,
o que o aluno ouve deve ser expresso corporalmente através do andar, de gestos, com todo o
corpo. Assim, o movimento musical leva ao corporal.
Apesar de reconhecermos aproximações entre O Passo e a Rítmica Dalcroze,
verificamos que os distanciamentos são muitos – como, por exemplo, a maneira diversa de
vivenciar a pausa; as características diferenciadas dos movimentos; e os posicionamentos
opostos em relação à inclusão –, demonstrando que, embora haja uma estreita relação entre
ambos os métodos, suas singularidades se afirmam, reforçando, portanto, a importância das
contribuições específicas de cada um destes para uma educação musical mais viva, rica e
significativa.

Referências
CIAVATTA, Lucas. O Passo: a pulsação e o ensino-aprendizagem de ritmos. Rio de Janeiro:
L. Ciavatta, 2003.

__________. O Passo: música e educação. Rio de Janeiro: L. Ciavatta, 2009.

DALCROZE, Emile Jaques-. Le rythme, la musique et l’éducation. Suíça: Edition Faetisch,


1965.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e


educação. São Paulo: UNESP, 2005.

INSTITUTO D’O PASSO. O método: o que é? Disponível em: <


https://www.institutodopasso.org/o-metodo>. Acessado em 05 jun. 2018.

MADUREIRA, José Rafael. Émile Jaques-Dalcroze: sobre a experiência poética da Rítmica:


uma exposição em 9 quadros inacabados. Tese de Doutorado em Educação. Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, 2008.

MANTOVANI, Michelle. O movimento corporal na educação musical: influências de


Émile Jaques-Dalcroze. Dissertação de Mestrado em Música. São Paulo: Universidade
Estadual Paulista, 2009.

MOVIMENTOS D'O PASSO. Realização de Lucas Ciavatta. Rio de Janeiro: INSTITUTO


D'O PASSO, 2009. Son., color. 6 vídeos. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=4afKT79L03w&list=PLwdbm4fFW5b47CYINLCSWE
n6X0xw2JBKB&index=2>. Acessado em 10 jul. 2018.

PAZ, Ermelinda A. Pedagogia musical brasileira no século XX. Metodologias e


tendências. 2.ed. revista e aumentada. Brasília: Editora MusiMed, 2013.

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