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Gareth Morgan ~ IMAGENS DA ~ORGANTZACAO atlor Sumario Agradecimentos, 11 Apresentagio da Edigao Brasileira, 13 1. INTRODUGAO, 15 2 AMECANIZACAO ASSUME O COMANDO: AS ORGANIZACOES VISTAS COMO MAQUINAS, 21 ‘Maquinas, pensamento mecénico e surgimento da organizacao burocratica, 24 As origens da organizagao mecanicista, 24 A teoria classica da administragao: planejamento das organizagées burocraticas, 27 A administragao cientifica, 32 Forgas e limitagdes da metifora da méquina, 36 3 ANATUREZA ENTRA EM CENA: AS ORGANIZACOES VISTAS COMO ORGANISMOS, 43 A descoberta das necessidades organizacionais, 44 O reconhecimento da importancia do ambiente: as organizagées vistas como sistemas abertos, 48 A teoria contingencial: a adaptacao da organizagio ao ambiente, 53 A variedade de tipos, 58 Satide organizacional ¢ desenvolvimento, 64 Selegao natural: a visdo da populagao — ecologia das organizacbes, 68 Ecologia organizacional: a criagao de um futuro compartilhado, 72 Forgas e limitagdes da metafora organica, 74 IMAGENS DA ORGANIZAGAO ‘A CAMINHO DA AUTO-ORGANIZAGAO: AS ORGANIZAGOES VISTAS COMO CEREBROS, 81 Imagens do cérebro, 83 Organizagées como cérebros processadores de informagées, 84 Processamento de informagées, tomada de decisdes e planejamento organizacional, 85 Cibernética, aprendizagem e aprender a aprender, 88 Podem as organizacées aprender e aprender a aprender?, 91 Cérebros ¢ organizacées vistos como sistemas hologréficos, 99 Como facilitar a auto-organizacao: principios de planejamento holografico, 102 A organizacao holografica na pratica, 108 Forcas e limitagdes da metafora do cérebro, 110 ACRIACAO DA REALIDADE SOCIAL: AS ORGANIZAGOES VISTAS COMO CULTURAS, 115 Cultura e organizagio, 115 Organizagées vistas como fenémeno cultural, 116 Organizagio e contexto cultural, 118 Culturas subculturas das organizagées, 125 A criagio da realidade organizacional, 132 Cultura: obediéncia a regras ou representacao?, 133 (Organizagio: representagio de uma realidade compartilhada, 135 Forgas ¢ limitagdes da metéfora da cultura, 138 INTERESSES, CONELITOS F PODER: AS ORGANIZACOES VISTAS COMO SISTEMAS POLITICOS, 145 As organizacdes como sistemas de govern, 147 Organizagées vistas como sistemas de atividade politica, 152 Anilise de interesses, 153 A compreensao do contlito, 159 O uso do poder, 163 Administracdio de organizagées pluralistas, 191 Forgas ¢ limitacdes da metéfora politica, 199 suMARIo EXPLORANDO A CAVERNA DE PLATAO: AS ORGANIZAGOES VISTAS COMO PRISOES PSIQUICAS, 205 A armadilha das formas assumidas de raciocinio, 206 A organizacdo € 0 inconsciente, 209 Organizagao e sextualidade reprimida, 210 Organizacio e familia patriarcal, 217 Organizagao, morte e imortalidade, 218 Organizacao e ansiedade, 220 Organizacao, bonecas ¢ ursinhos de pelticia, 226 Organizacao, sombra ¢ arquétipo, 229 Forcas ¢ limitagdes da metéfora da prisdo psiquica, 235 REVELANDO A LOGICA DA MUDANGA: AS ORGANIZAGOES VISTAS COMO FLUXO E TRANSFORMACAO, 239 Aspectos implicitos e explicitos da organizacio, 240 Autopoiesis: a logica dos sistemas autoprodutores, 241 Organizagdes como sistemas auto-reprodutores, 246 Representacao vista como uma forma de narcisismo: as organizagoes em interacao com projecdes delas mesmas, 247 Identidade e confinamento: egocentrismo versus sabedoria sistémica, 249 Accaminho de uma nova visio da mudanga e evolugio organizacional, 251 Circulos em lugar de linhas: a légica da causalidade muitua, 253 Contradigao e crise: a légica da mudanga dialética, 261 Anilise dialética: compreendendo como sociedades e organizacées mudam a si mesmas, 264 Vivendo com a contradicao e gerenciando 0 fluxo, 270 Forgas ¢ limitagées da metéfora do fluxo, 273 A FACE REPUGNANTE: AS ORGANIZAGOES VISTAS COMO INSTRUMENTOS DE DOMINACAO, 279 Organizacées como dominagao, 281 ‘Como as organizagées usam e exploram os seus empregados, 284 Organizagao, classe e controle, 286 Perigos, doengas ocupacionais e acidentes de trabalho, 294 0 IMAGENS DA ORGANIZAGAO A mania pelo trabalho, stress social e mental, 301 Politica organizacional e organizacao radicalizada, 303 Multinacionais e economia mundial, 306 As multinacionais como poténcias mundiais, 309 Multinacionais: um recorde de exploracao?, 312 Forcas e limitagées da metéfora da dominagio, 323 10 © APRENDIZADO DA ARTE DA ANALISE ORGANIZACIONAL, 327 A utilizagao das metaforas para ler e compreender a organizagio, 327 © caso Multicom, 328 Anélise da Multicom: leitura - diagnéstico, 331 Andlise da Multicom: processo de avaliacao eritica, 335 uso da metafora para administrar e conceber a organizagao, 338 Ouso da metéfora como subsidio a agéo, 338 Muitos dos problemas organizacionais esta associados & forma de raciocinar sobre a organizacio, 341 Leitura da teoria na pratica, 343 11 IMAGINIZACAO: UMA DIREGAO PARA O FUTURO, 345, A respeito de elefantes e organizagies, 346 Imaginizacdo: organizagao como um modo de pensar, 349 Notas Bibliogréficas, 351. Bibliografia, 391 Indice Remissivo, 415 Apresentacao da Edicdo Brasileira Embora seja inevitavel utilizar metéforas para auxiliar a compreenso das organizacGes, o grande mérito deste livro é apresentar uma abordagem sistema- fica e inédita que permite explorar nao sé estes aspectos metaforicos, mas também caracterizar um amplo processo para melhor compreender e diagnosticar pro- Dlemas e situagies organizacionais. Trata-se de um livro dirigido tanto a administradores e executives, comoa pesquisadores e estudiosos das organizagces, trazendo uma contribuigio nova e fundamental ao abrir novas perspectivas para a andlise e mudanga organizacio- nal, a partir da visao critica que oferece sobre a maior parte das teorias ¢ abordagens até hoje utilizadas para explicar os fendmenos que ocorrem dentro das corporacoes de trabalho. Esta revisdo critica da téo conhecida histéria da ‘Administragéo acaba propondo uma reinterpretacdo de assuntos j4 bastante conhecidos por todos, mas que ainda apresentam intimeros pontos obscuros e que nao tinham recebido a devida atencao, principalmente por parte dos princi- pais tedricos em Administracao. ‘As metéforas nao sdo usadas como uma artificio de linguagem para melho- rar 0 discurso, mas como uma forma de pensar e de ver que determina como compreendemos nosso mundo organizacional. Morgan preocupa-se em caracte- rizar as principais metAforas que podem ser utilizadas para entender os processos organizacionais, enfatizando que é necessério langar mao de varias delas e nao de-uma tinica para melhorar nossa habilidade compreensiva de"ler e interpretar” 08 diferentes aspectos que coexistem e se complementam dentro da realidade organizacional, por mais paradoxal que esta possa parecer. O autor interpreta as organizacdes a partir de metéforas, comparando-as a imagens que permitem vé-las enquanto maquinas, organismos vives, cérebros, culturas, sistemas politicos, prisdes psiquicas, fluxos e transformagées e, final- mente, enquanto instrumentos de dominagao. f. esta abordagem diferenciada que conferiu ao trabalho de seu autor o cardter de obra internacionalmente Agradecimentos Otrabalho de escrever este livro levou muito tempo e devo bastante a varias pessoas. Agradecimentos especiais vao para os meus alunos nas Universidades Lancaster, Penn State e York. Puderam acompanhar a evolucao das idéias servin- doas suas contribuic6es e entusiasmo como uma constante fonte de energia ede inspiracaio. Embora seja impossfvel citar cada um deles, fico aqui muito agrade- cido. Gibson Burrell, Bob Cooper, Peter Frost, Vic Murray, Linda Smircich, Wey- ne Tebb e Eric Trist deram contribuicdes especiais para o desenvolvimento do meu trabalho ¢ tenho sorte em té-los como amigos e colegas. © Social Sciences and Humanities Research Council do Canadé forneceu ajuda em uma fase critica do trabalho ao conceder uma bolsa do tipo Research- Leave Fellowship. Na Universidade de York, Vicki Keller e Paula Ironi colabo- raram com notavel apoio de secretaria. E, como sempre, os meus amigos na Sage revelaram-se excelentes parceiros. Finalmente, tenho a felicidade de contar com 0 apoio de uma familia maravilhosa. A minha esposa Karen contribuiu com este livro de varias formas, tendo ajudado a tornar a tarefa de escrever uma experiéncia agradavel e recom- pensadora. Gareth Morgan Toronto 4 IMAGENS DA ORGANIZACAO reconhecida, tendo sido adotada ou traduzida nas principais universidades da Europa, Estados Unidos e Canada. Nos tltimos dois capitulos, Morgan propde uma integracio das diferentes metéforas, procurando projetar as mudangas que viriam colaborar com o aperfeigoamento dos processos de gesto a serem adota- dos no futuro pelas organizagoes. Oautor enfatiza que o universo das organizagées vem-se tornando cada vez, mais complexo e que, infelizmente, a forma de refletir sobre elas nao esté seguindo 0 mesmo curso. Alerta ento para o perigo da atitude ingénua de acreditar que a complexidade crescente das organizacées nao constitui um dado de realidade. Isto se comprova, segundo Morgan, pelo modo como fantasias e modismos dominam 0 cendrio em determinado momento, fazendo com que o interesse por um tipo de solugéo ou wm conjunto de técnicas dé rapidamente Nigar a outras e ditas "novas" abordagens. Assim sendo, a abordagem apresentada em Imagens da Organizagio reage a esta tendéncia geral, tentando deixar mais claro 0 fato de que as organizagées si0 geralmente, complexas, ambiguas e repletas de paradoxos. Como muito apro- priadamente propée o autor, “o verdadeiro desafio é aprender a lidar com esta complexidade”, Para Morgan, lidar com esta complexidade acaba gerando 0 beneficio de se encontrarem novas maneiras nao 86 de organizar, mas também de equacionar e resolver os problemas organizacionais. Assim como nos demais paises, esperamos que nosso esforco de quatro anos dedicados a traducao de Imagens da Organizacao possibilite aos leitores e estudio- 808 das empresas brasileiras eleger este trabalho como um referencial dos mais titeis ¢ importantes para responder ao desafio de melhor compreender as mu- dangas em curso ou que precisam acontecer na cultura empresarial brasileira. Cecilia W. Bergamini e Roberto Coda Introducao 1 Administradores eficazes e profissionais de todos os tipos e estagios, nio importa sejam executivos, administradores publicos, consultores organizacio- nais, politicos ou sindicalistas, precisam desenvolver suas habilidades na arte de “Jer” as situagbes que estao tentando organizar ou administear. Essa aptidao comumente se desenvolve como um proceso intuitivo, apren- dido através da experiéncia e da habilidade natural. Embora, as vezes, uma pessoa possa realmente declarar que ela necessita “ler aquilo que esté acontecen- do em X”, ou “lidar com algo em Y”, o processo de ler ¢ reler freqiientemente ocorre em um nivel quase subconsciente. Por essa raziio, sempre se acreditou que administradores eficazes e aqueles que resolvem problemas nasceram assim; em lugar de terem sido treinados, possuem um tipo de poder magico para compreen- der ¢ transformar as situagdes que encontram. Caso se ohe mais de perto o processo usado, todavia, descobre-se que esse tipo de mistica ou poder baseia-se freqiientemente na habilidade de desenvolver profundas apreciagoes sobre as situagdes que estdo ocorrendo. Observadores habilidosos desenvolvem a destreza para ler situagbes, tendo varios cenarios em mente e concebendo ages que parecem apropriadas as leituras assim obtidas. Este tipo de observador tem a capacidade de permanecer aberto e flexivel, interrompendo julgamentos abruptos sempre que possivel, até ter uma visao mais compreensiva da situacao emergente. Esta ciente de que novas descobertas freqiientemente aparecem quando se Ié a situacao de “novos angulos” e que uma Ieitura mais amplae variada pode criar uma gama também mais amplae variada de possibilidades de acdo. Os administradores e solucionadores de problemas menos eficazes, por outro lado, parecem interpretar todas as coisas a partir de um ponto de vista fixo. Como conseqiiéncia, geralmente deparam com barreiras que nao conseguem contornar; suas ages e comportamentos sao freqiientemente rigidos ¢ inflexiveis, além de uma fonte de conflitos. Quando problemas e diferengas de opinides aparecem, habitualmente ndo fornecem alternativas a nao 6 IMAGENS DA ORGANIZAGAD ser teimar em solugées antigas, tentando criar consenso para convencer os outros a “comprarem" sua visdo particular da situagao. Existe um relacionamento proximo entre esse processo de ler a vida organi- zacional ¢ 0 proceso conhecido como andlise organizacional. A andlise formal e 0 diagnéstico das organizacoes, a semelhanca do proceso de leitura, sempre esta baseada na aplicacao de algum tipo de teoria a situacao que esta sendo conside- rada. As teorias, como as leituras, so interpretagdes da realidade. Teoriza-se sobre ou "lé-se" situacdes & medida que se tenta formular imagens ¢ explicagées que ajudam dar sentido A natureza fundamental destas situagdes. Entéo, uma anilise eficaz, assim como uma leitura eficaz, fundamenta-se na capacidade de realizé-la, levando em conta as teorias ou explicagdes rivais, em lugar de ficat comprometido com um ponto de vista fixo e inabalével. Este livro explora e desenvolve a arte de ler e compreender as organizacoes. Em primeiro lugar, procura mostrar como muitas das idéias convencionais sobre organizages ¢ administragao foram construidas sobre um pequeno ntimero de imagens tidas como certas, especialmente a mecénica e a biolégica. Segundo, explorando essas e um conjunto alternative de imagens, procura mostrar como se podem criar novas mnaneiras de pensar sobre a organizacéo. Em terceiro lugar, procura mostrar como esse método geral de andlise pode ser usado como um instrumento pratico de diagnéstico dos problemas organizacionais, bem como de administracao e planejamento das organizagies de maneira mais ampla. E, finaimente, procura também explorar as inpplicagdes levantadas por esse tipo de andlise. A premissa basica na qual o livro est apoiado é de que nossas teorias explicagées da vida organizacional sio baseadas em metéforas que nos levam a ver e compreender as organizagbes de formas especificas, embora incompletas. Metéforas sio freqiientemente vistas apenas como um artificio para embelezar o discurso, mas seu significado é muito maior do que isto. Usar uma metafora implica 1m modo de pensar e uma forma de ver que permeia a maneira pela qual entendemos nosso mundo em geral. Por exemplo, a pesquisa em uma ampla variedade de campos mostrou que a metafora exerce influéncia formadora sobre a ciéncia, sobre a nossa linguagem e sobre a forma de pensar, bem como sobre a nossa forma de expresso corriqueira ‘Usamos a metéfora sempre que tentamos compreender um elemento da nossa experiéncia em face de outro. Assim, a metéfora prossegue por meio de afirmagdes implicitas ou explicitas de que A é (ou parece) B. Quando se diz que "o homem € um {edo", usa-se a imagem do ledo para chamar a atencao dos aspectos do homem parecidos com o lea. A metdfora enquadra a nossa com- preensio do homem de forma especifica, ainda que parcial. ‘Um dos aspectos interessantes da metafora reside no fato de que ela sempre produz esse tipo de descoberta unilateral. Ressaltando certas interpretagdes, tendea forgar outras para um papel secundario. Assim, chamandoa atencao para a braveza, forga ou ferocidade do homem em comparacao ao ledo, a metéfora INTRODUCAO. v cculta o fato de que aquela mesma pessoa pode bem ser um porco chauvinista, um deménio, um santo, um enfadonho ou um fechado. A nossa habilidade em chegar a uma “leitura” compreensiva do homem depende da habilidade em ver como esses diferentes aspectos da pessoa podem coexistir de forma complemen- far ou até mesmo paradoxal. E facil ver como esse tipo de pensamento é relevante para compreender a organizagéo e a administracdo. Isto porque as organizagdes s&io fendmenos complexos © paradoxais que podem ser compreendidos de muitas maneizas diferentes. Muitas das nossas idéias assumiclas como certas sobre as organizagées sao metafGricas, mesmo que ndo sejam reconhecidas como tal. Por exemplo, freqiientemente falamos sobre organizagdes como se elas fossem maquinas dese- nhadas para atingir fins e objetivos predeterminados que devessem {uncionar tranqitila e eficientermente. E, como resultado desse tipo de pensamento, freqiien- temente tentamos organizé-las e administré-las de maneiza mecanicista, impe- indo suas qualidades humanas para um papel secundatio. ‘Usando diferentes metaforas para entender o cardter complexo ¢ paradoxal da vida organizacional, somos capazes de administrar e plangjar organizacées de formas nao pensadas como possiveis anteriormente. Os capitulos seguintes ilustram como isso pode ser feito, explorando-se as implicacdes de diferentes metéforas para conceber a natureza das organizacoes. Enquanto algumas me- tdforas se referem a formas habituais de pensar, outras descnvolvem descoberlas © perspectivas que sao bastante novas. Assim sendo, 0 Capitulo 2 examina a imagem das organizagées como médquinas ¢ ilustra como esse estilo de pensamento alicerca o desenvolvimento da organizagao burocritica. Quando os administradores pensam nas organiza~ Ges como méquinas, tendem a administré-las e planejé-las como maquinas feitas de partes que se interligam, cada uma desempenhando um papel claramente definido no funcionamento do todo. Enquanto algumas vezes isso pode compro- var-se allamente eficaz, outras vezes pode ter muitos resultados desastrosos. Um dos problemas mais basicos da administrago moderna é que a forma mecanica ce pensar esta to arraigada nas nossas concepcdes didrias de organizagao que é freqitentemente muito dificil organizé-la de outra forma. Ao demonstrar isso 0 capitulo ajuda a tomarmo-nos mais aberlos para outras formas de pensar. ‘O Capitulo3 examina a idéia de que as organizagdes so como organismos. Essa metafora popular focaliza a sua atencéio em compreender ¢ administrar as “mecessidades” organizacionais ¢ as relagdes como ambiente. Leva a ver diferen- tes tipos de organizagdes como pertencendo a diferentes espécies das quais aquela do tipo burocratico é apenas uma. Vé-se que diferentes espécies sio mais talhadas para lidar com as demandas de diferentes ambientes e, desta forma, aumenta-se a capacidade de desenvolver interessantes teorias sobre as relacoes entre organizagdes e 0s seus ambientes. Somos encorajados a compreender como as organizacGes nascem, crescem, desenvolvem-se, declinam e morrem, além de como sao capazes de se adaptarem a ambientes em mutacdo. Também é fomen- 8 IMAGENS DA ORGANIZAGAO tada a consideracao das relagdes entre as espécies e os padrdes de evolugdo encontrados na ecologia interorganizacional. Como no caso da metifora meca- nica, esse tipo de imagem leva a ver e compreender as organizagées a partir de uma perspectiva que em muito jé contribuiu para a teoria da administragdo moderna. No Capitulo 4, sero investigadas as implicacées de outra metafora. E se as organizacées fossem vistas como cérebros? O que aconteceria se tentéssemos organizd-las como cérebros? A metafora chama a atengao para a importancia do processamento de informagées, aprendizagem e inteligéncia, bem como oferece ‘uum quadro de referéncia para compreender e avaliar as organizacdes modernas nesses termos. E isso aponta para um conjunto de principios de organizacio que maximizam essas qualidades. Na histéria da pesquisa do cérebro, diferentes metéforas tém sido usadas para se pensar sobre o cérebro, e 0 capitulo explora duas delas. A primeira trata do cérebro como um tipo de computador que processa informages; a segunda como um holograma. Essas imagens, especial- mente a tltima, ressaltam principios importantes de auto-organizacao para concepgao de organizagées nas quais um alto grau de flexibilidade e inovacao é necessatio. O Capitulo 5 explora a idéia de que as organizagoes so culturas. A organi- zago € agora vista como lugar onde residem idéias, valores, normas, rituais e crengas que stistentam as organizacSes como realidades socialmente construidas. Esse enfoque que tem recebido crescente atengdo durante os viltimos anos dos autores em cultura corporativa oferece ainda outra forma de administrar e planejar organizacées: através de valores, crengas e outros padrées de significa- dos compartilhados que orientam a vida organizacional. No Capitulo 6, sera usada a metéfora politica que focalizara diferentes conjuntos de interesses, conflitos e jogos de poder que moldam as atividades organizacionais. O capitulo explora as organizagdes como sistemas de governo baseados em vérios principios politicos que legitimam diferentes tipos de regras assim como os fatores especificos que delineiam a politica da vida organizacional. No Capitulo 7, 0 foco de ateng’o muda no sentido de uma metdfora mais abstrata: a idéia de que as organizagdes sio "prisdes psiquicas", nas quais as pessoas caem nas armadilhas dos seus proprios pensamentos, idéias e crencas ou preocupagées que se originam na dimensdo inconsciente da mente. Sera que nossas maneiras preferidas de organizar nao estariam manifestando uma inten- ¢&o inconsciente com o controle? Ou uma forma de sexualidade reprimida? Ou uum medo da morte? Ou o desejo de minimizar ou evitar as situacées que provocam ansiedade? Ou poderia ocorrer que as nossas formas de organizar si0 planejadas para nos proteger denés mesmos? Poderia ocorrer que freqtientemen- te nos tornamos prisioneiros dos nossos pensamentos, confinados e controlados pela forma de pensarmos? Ser que somos prisioneiros de ideologias que nos confinam em alienantes formas de vida? A imagem de prisdo psiquica convida a examinar a vida organizacional para ver se e de que forma caimos na armadilha INTRODUGAO. ~ dos processos conscientes ¢ inconscientes da nossa propria criagio. Assim sendo, a metéfora oferece importantes descobertas sobre a psicodinamica e os aspectos ideoldgicos da organizacao. © Capitulo 8 investiga outra metéfora que requer mudanga de concepgao. Assim sendo, fomenta-se o entendimento da organizacéo como fluxoe transfor- magia, © segredo de compreender a organizacio a partir dessa perspectiva reside na compreensio da légica de mudanga que da forma a vida social. O capitulo examina trés légicas diferentes. Uma enfatiza como as organizagies sao sistemas autoprodutores que se criam nas suas préprias imagens. A outra enfa- tiza como so produzidos enguanto resultado de fluxos circulares de feedback positivo enegativo. A terceira sugere que sejam o produto de uma légica dialética por meio da qual todos os fenémenos tendem a gerar o seu oposto. As descobertas dai decorrentes pocem ajudar a compreender e administrar a nuudanga organi- zacional, bem como compreender as forgas que moldam a natureza da organiza- do em nivel social. © Capitulo 9 explora a idéia de que as organizacées sio instramentos de dominacao. Aqui, o foco sao os aspectos potencialmente exploradores da orga- nizagdo. © capitulo mostra como as organizacées freqiientemente usam os seus ‘empregados, as comunidades hospedeiras e omundo econémico para atingirem 08 seus fins e como a esséncia da organizagio repousa sobre um processo de dominagao em que certas pessoas impSem os seus desejos sobre outras. Uma extensao da metéfora politica exeminada no Capitulo 6, a imagem da dominacao ajuda a compreender os aspectos da organizacéo moderna que se radicalizaram nas relacdes trabalho-administracéio em muitas partes do mundo. Fssa metéfora é particularmente titil para compreender as organizacées da perspectiva dos grupos explorados e para o entendimento de como as agdes que sio racionais de um ponto de vista podem comprovar-se exploradoras de outro. Cada um dos capitulos citados até aqui explora diferentes maneiras de pensar a organizagao, baseadas na premissa de que se possam usar as idéias e os conceitos assim gerados para compreender as organizagdes em situagdes espect- ficas. O Capitulo 10 mostra como isso pode ser feito através da andlise de um estudo de caso. O capitulo desenvolve duplo enfoque que usa as descobertas geradas por diferentes metéforas para produzir uma leitura via diagnéstico da situago que esta sendo analisada e, entéo, ir em diregao a uma avuiliagio critica de como se relacionam as varias abordagens. Desa forma, a idéia geral de ler a organizagao é desenvolvida como um método concreto de andlise que permite explorar e lidar conra complexidade da vida organizacional de maneira bastante pritica. Finalmente, o Capitulo 11 foceliza a possibilidade de desenvolver um enfoque da organizacao construido sobre o potencial transformador das idéias € anélises desenvolvidas nos capitulos anteriores. » IMAGENS DA ORGANIZAGAO Cada capitulo é acompanhado por um conjunto de notas bibliograficas que podem ser encontradas no final do livro e permitem ao leitor acompanhar os pontos de interesse em maior profundidade. Sobretudo, este livro permanece como um tratado do pensamento metaf6- rico que contribui tanto para a teoria como para a pritica da andlise organizacio- nal. Freqiientemente, a discussdo estende-se bem além dos confins da teoria organizacional porque as metéforas e idéias gerais em pauta sdo oriundas de fontes diversas. Assim, num capitulo pode estar sendo explorada a biologia e em outro a psicandlise, ou a holografia ou 0 pensamento politico. Em cada caso, 0 capitulo explora a natureza da metéfora que esté sendo considerada, dat focaliza as implicagées concretas para a compreensao da pratica organizacional, bem como as forgas ¢ limitages gerais da perspectiva assim criada. ‘As metéforas discutidas foram selecionadas para ilustrar uma ampla gama de idéias e perspectivas, mas é légico que de forma alguma exaurem todas as possibilidades. E por isso que se torna importante compreender que o tipo de anilise aqui desenvolvida se sustenta numa forma de pensar mais do que na aplicagao mecanicista de um pequeno conjunto de referenciais analiticos clara- mente definidos. Enquanto © livro focaliza certo ntimero de metéforas-chaves que sao relevantes compreensao de uma ampla gama de situagdes organizacio- nais, existem outras que podem produzir as suas préprias descobertas especiais ‘A anilise organizacional eficaz deve sempre permanecer aberta a essa possibili- dade. Vivemos num mundo que esté tornando-se crescentemente complexo. Infe- lizmente, 0s nossos estilos de pensamento raramente acompanham essa comple- xidade. Freqiientemente, terminamos por nos persuadir de que tudo é mais simples do que realmente é, lidando com a complexidade de forma a presumir que ela realmente nao exista. Isso fica muito evidente pelo modo como modismos dominam as abordagens para a anélise organizacional e resolucao de problemas, caracterizando um interesse em um tipo de solucio ou conjunto de técnicas que rapidamente dao lugar a outras. © enfoque da analise organizacional desenvolvido neste livro levanta-se contra essa tendéncia geral, acreditando que as organizagdes sdo geralmente complexas, ambiguas paradoxais. O real desafio é aprender a lidar com essa complexidade. O método de anilise oferecido aqui orienta-se para uma forma pela qual se possa comecar a assumir esse desafio, apoiando-o sobre omais vélido recurso que se tem: a nossa capacidade de pensamento critico. Acredito que, trabalhando o-uso da metafora — que é basica a forma de pensamento em geral -, tém-se meios de desenvolver a capacidade criativa ao mesmo tempo que o pensamento disciplinado, numa forma que permita vasculhar ¢ lidar com 0 cardter multifacetado da vida organizacional. Assim fazendo, acredito ser possi- vel encontrar novas formas de organizar e novas maneiras de focalizar e resolver problemas organizacionais. A Mecanizacao Assume o Comando As Organizac6es Vistas como Maquinas 2 sabio chinés Chuang-tzu, que viveu no século IV a.C,, conta a seguinte histéria: Durante a viagem de Tzu-gung através da regido norte do rio Han, ele viu um velho trabalhando na sua horta. Tinha cavado um sulco de itrigacdo, O homem deveria ir até o poco, buscar uma vasilha de agua com seus bragos ¢ despejé-la dentro da valeta. Embora o seu esforgo fosse tremendo, os resultados pareciam ser muito insignificantes. ‘Tau-gung disse: “Existe uma forma pela qual voce pode inrigar uma centena de canais em um dia, fazendo mais com menor esforco. Gostaria de ouvir como?” Entéo, o jardineiro parou, olhou para ele e disse: "E qual seria ela?” ‘Tau-gung replicou: “Vocé pega uma alavanca de madeira com um peso em uma das extremidades. Dessa forma € possivel fazer com que a Agua suba to depressa que ela ira simplesmente jorrar, Isso é chamado de bomba d'agua.” Entio a raiva apareceu na face do velho que disse: “Eu escutei o meu professor dizer que aquele que usa mAquinas no seu trabalho faz o seu trabalho como maquina. Aquele que faz seu trabalho como maquina, desenvolve 0 seu coragio como maquina € aquele que carrega 0 coracto de méquina no seu peito perde a sua simplicidade. Aquele que perdeu a sua simplicidade torna-se inseguro nas lutas da sua alma, Incerteza nas Iutas da alma € alguma coisa que no est de acordo com 0 sentido de honestidade, Nao que eu nao saiba tais coisas; tenho vergonha de usé-las.” Se o ancido devesse visitar 0 mundo modemo, ficaria, sem diivida, muito desalentado, pois, as mAquinas agora influenciam virtualmente cada aspecto da nossa existéncia, Enquanto elas aumentaram, em muito o limiar das nossas habilidades produtivas, fizeram também muito mais, moldando quase que todos os aspectos das nossas vidas, O debate iniciado por Tzu-gung eo anciéo continua. 2 IMAGENS DA ORGANIZAGKO Na visio de muitos, a mecanizagio trouxe principalmente ganhos elevados, transformando a humanidade de competidores com a natureza em senhores virtuais dela. Para outros, a visio do velho a respeito da alienagao humana manifesta-se de varias formas, 4 medida que constatam o alto preco do progresso mecanico em termos de transicao de uma produgio artesanal para outra indus- trial, o éxodo da comunidade rural para os centros urbanos, a degradacao geral do ambiente e a agressdo da racionalidade sobre o espirito humanistico. Seja qual for a posi¢ao que se assuma, a sabedoria da visto do velho, no que diz. respeito a invasiva influéncia das maquinas permanece fora de questio, O uso das méquinas transformou radicalmente a natureza da atividade produtiva, deixando a sua marca na imaginacdo, pensamento e sentimentos dos homens através dos tempos. Os cientistas produziram interpretagdes mecanicistas do mundo natural, fildsofos e psicélogos articularam teorias mecanicistas da mente e do comportamento humano. Crescentemente aprendemos a usar a maquina como uma metéfora para nés mesmos e a nossa sociedade, moldando nosso mundo em consonancia com prinefpios mecanicos. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que na organizacao moderna. Considere, por exemplo, a preciso mecAnica com a qual muitas das nossas instituigdes devem operar. A vida organizacional é freqiientemente rotinizada com a precisdo exigida de um relégio. Espera-se que as pessoas cheguem ao trabalho em determinada hora, desempenhem um conjunto predeterminado de atividades, descansem em horas marcadas ¢ entao retomem as suas atividades até que o trabalho termine. Em muitas organizages, um turno de trabalho substitu outro de maneira metédica de tal forma que o trabalho possa continuar ininterruptamente 24 horas por dia, todos os dias do ano. Freqiientemente, 0 trabalho é muito mecdnico e repetitive. Qualquer pessoa que tenha observado o trabalho de produgdo em massa na fabrica, ou em algum grande “escritério fabrica” que processa formuldrios de papel, tais como pedidos de seguro, devo- lugdes de impostos ou cheques bancarigs, notaré a maneira maquinal pela qual tais organizacées operam. Elas sao planejadas & imagem das maquinas, sendo esperado que os seus empregados se comportem essencialmente como se fossem partes de maquinas. Ascadeias de “refeigies répidas” e organizagdes de servigos de muitos tipos operam de acordo com principios semelhantes, tendo cada aco sido pré-plane- jada de maneira minuciosa, mesmo nas areas que dizem respeito as interacbes dos empregados com outras pessoas. Esses empregados sdo freqiientemente treinados para interagirem com os clientes de acordo com um detalhado cédigo de instruges e séo monitorados quanto ao seu desempenho. Mesmo 0 mais simples dos sorrisos, cumprimentos, comentarios ou sugestées feitos por um assistente de vendas sao freqiientemente programados pela politica da compa- nhia e ensaiados para produzirem resultados auténticos. A lista de verificagéo usada pela geréncia de um famoso resiaurante de refeighes rapidas para monito- rar o desempenho do empregado (Quadro 2.1) indica o grau em que uma simples tarefa como servir um fregués possa ser mecanizada, observada e avaliada de forma mecanica. A MECANIZACAO ASSUME © COMANDO: 2 Quadro 2.1 Lista destinadia & avalingio do desemspenho de um empregado que trabalha no baledo de refeigio répida. ‘Acothids a cliente Sim Nie 1. Oempreyado son. 2. A solhida sincera 3. Ota oclente now oles ‘Outros: ‘Tiara pedi ‘im Nie, 1. O ampragado conhece het os céigos dos alimentos fo fem ncessidade de soasttae sts), 2, O dene no tem necessidace de petra pedi, 5. Os poquenos pelos (guatz tens on mencs) alo predaam series, 4, Sugers outros ites do cardipio, Cates: ‘repavo do pedider Sin Nie 1, Opadid ¢ prepaado na soewéncin corel 2, O pedido da churascaria¢tatado em primeira ley 3. Asbabidas so wazidos na orem correla 1. A quuutidade de goto dadequads 5, Incina os copes esa os dedos pare afivaramaquina de refrigerants, 6. Enche os cops sho suveladaquado, 27. Colne 08 copes. 6. As siaras etsolirpas 2, O eile ervisone mometin adasudg. 10, Ende ao sfenrae nn alueaadnqun, ‘Ontos ‘Apresentagio do pedide Sim Nie. 1, Opadide dexbnulhado coretamente 2. Asborins do sao si dobradas dune ¥ezes, 3, Usu bande pars consumacto oo restaurants 4, Os guardanapos de papel sie coloados na bala 5. A comida ¢ apresentada convenientemente,_ ‘Duos ‘Sia 1. Omontante do paiido fol amundiado daramante en vaz alta 2. O montante de dinksiro &claramenterepeido 3. Odinheizo ¢contado em vozalte 40 toco é conta ageriadaments, 5. Ocinhwira grande fen visa ate que 0 oc ada esti, Outro ‘Agradecimentoe desejo de rever o cliente sim Ni 1. Oempregado sempreagradece 2. Oagratecimento ésincero _ 3. Osiapregad chao sient ras show 4 Ocorpeegade exprime o desde de ever 0 diate ‘Bato ™ IMAGENS Da ORGANIZAGAO. Maquinas, pensamento mecanico e surgimento da organizacio burocratica As organizacées planejadas e operadas como se fossem maquinas so comumente chamadas de burocracias. Mas a maioria das organizagGes so, até certo ponto, burocratizadas devido & maneira mecanicista de pensamento que delineou os mais fundamentais conceitos de tudo aquilo que sejam as organiza 0es. Por exemplo, quando se fala de organizacao, habitualmente se pensa num. estado de relacdes ordenadas entre partes claramente definidas que possuem alguma ordem determinada. Embora a imagem possa nao ser explicita, fala-se de um conjunto de relagdes mecdnicas. Fala-se de organizacdes como se fossem maquinas e, conseqiientemente, existe uma tendéncia em esperar que operem como maquinas: de maneira rotinizada, eficiente, confidvel e previsivel. Em algumas circunstancias que serdo discutidas na parte final deste capitu- Jo, modo de ser mecanico da organizagio pode oferecer as bases para uma operagao eficaz. Em outras, porém, pode ter conseqiténcias muito infelizes. E, entao, importante compreender como & quando se estd engajado em uma forma de pensar mecanicista e como tantas teorias populares e idéias tidas como certas. sobre a organizacéo apdiam esse tipo de pensamento. Um dos maiores desafios com que deparam muitas organizagées modernas é substituir esse tipo de pen- samento por idéias e enfoques novos, tais como aqueles que serao discutidos nos capitulos posteriores. Agora sera retomada a historia que est por trés do desen- volvimento dos nossos conceitos mecanicistas de organizacao. AS ORIGENS DA ORGANIZACAO MECANICISTA. Raramente as organizacées sao propostas como um fim em si mesmas. $40 instrumentos criados para se atingirem outros fins, Isso é refletido pelas origens da palavra organizagio que deriva do grego organon que significa uma ferramenta ou instrumento. Nao é de admirar, portanto, que as idéias sobre tarefas, metas, propésitos e objetivos se tenham tornado conceitos organizacionais tio funda- mentais. Com efeito, ferramentas ¢ instrumentos so dispositivos mecanicos inventados e aperfeigoados para facilitar na consecucao de atividades orientadas para um fim particular. Essa instrumentalidade é evidente nas préticas das primeiras organizacbes formais das quais se tem noticia, tais como aquelas que construiram grandes pirdmides, impérios, igrejas e armadas. Todavia, é coma invengio ¢ proliferacio das méquinas, particularmente durante a Revolugio Industrial na Europa e América do Norte que os conceitos de organizagio realmente se tornam mecani- A MECANIZAGAO ASSUME O COMANDO 2s zados. Devido ao uso das maquinas, especialmente na industria, foi necessario que as organizag6es se adaptassem &s exigéncias das maquinas. Caso se examinem as mudangas pelas quais passaram as organizagdes na Revolugao Industrial, descobre-se crescente tendéncia no sentido da burocrati- zacdo e rotinizagio da vida em geral. Muitos grupos de familias que trabalhavam por conta propria e artesaos habilitados abandonaram a autonomia de trabalhar nas suas casas e oficinas para trabalhar em atividades que exigiam relativamente pouca habilidade em ambientes fabris. Ao mesmo tempo, os donos das fabricas € 08 seus engenheiros perceberam que a operacdo eficiente das suas novas maquinas, em tltima andlise, requeria grandes mudangas no planejamento e controle do trabalho, A divisdo do trabalho privilegiada pelo economista escocés Adam Smith, no seu livro A riqueza das nagdes (1776), tornow-se intensa e crescen- temente especializada, A medida que os fabricantes procuravam aumentar a eficiéncia, reduzindo a liberdade de ago dos trabalhadores em favor do controle exercido por suas maquinas e supervisores. Novos procedimentos e técnicas foram também introduzidos para disciplinar os trabalhadores para aceitarem a nova e rigorosa rotina de producao na fébrica. Muito foi aprendido do militarismo que, pelo menos desde os tempos de Frederico, o Grande, da Priissia, emergiu como prototipo da organizagao meca- nicista, Frederico, que reinou de 1740 a 1786, herdou um exército composto, na sua maior parte, de criminosos, mendigos, mercendrios estrangeiros e recrutas mal intencionados ~ uma massa de pessoas sem prinefpios. Estava determinado amudar isso e rapidamente comecoua fazer reformas. Copiou muito das praticas das legides romanas e das armadas européias do século XVI, mas também introduziu numerosas inovagdes proprias. Muitas delas foram inspiradas pelas invengGes mecanicas da sua época. Frederico era particularmente fascinado pelo funcionamento dos brinque- dos automatizados, tais como bonecos mecdnicos e, na sua busca de transformar oexército num instrumento confidvel e eficiente, introduziu muitas reformas que realmente serviram para reduzir os seus soldados a autématos. Entre essas reformas estava a introdugio de soldados rasos e uniformes, a extensdo e padro- nizagao de regulamentos, especializacao crescente de tarefas, 0 uso de equipa- mento padronizado, a criagao de linguagem de comando e o treinamento siste- matico que envolvia exercicios de guerra e disciplina. A tentativa de Frederico era transformar 0 exército em um mecanismo eficiente que funcionasse por meio de pecas padronizadas. Os procedimentos em treinamento permitiam que essas partes fossem forjadas de toda e qualquer matéria-prima, facilitando que as mesmas fossem facilmente substituidas quando necessédrio, qualidade essencial para as operagGes em tempo de guerra. Para assegurar a operacao e o comando % IMAGENS DA ORGANIZACAO da sua maquina militar, Frederico desenvoiveu 0 principio de que os homens deveriam ser ensinados a temerem os seus oficiais mais que ao inimigo. E, para assegurar que a sua maquina militar fosse usada to inteligentemente quanto possivel, desenvolveu a distingao enire fungdes de orientacao e comand, libe- rando os orientadores especializados (staff) da linha de comando para o plane- jamento de atividades. Ao mesmo tempo, maiores refinamentos foram introdu- zidos, incluindo a idéia de controles descentralizacos para criar maior autonomia das partes em diferentes situagdes de combate. Muitas dessas idéias e praticas tém grande importancia na resolugao de problemas criados pelo desenvolvimento dos sistemas fabris de produgdo e foram adotados de maneira paulatina durante o século XIX, a medida que os ‘empreendedores lutavam para encontrar formas organizacionais que servissem A tecnologia da maquina. A nova tecnologia foi, assim, acompanhada e reforcada pela mecanizagao do pensamento e agao humanas. As organizacdes que usaram méquinas tornaram-se cada vez mais e mais parecidas com as maquinas. A visio de Frederico, o Grande, de um exército “mecanizado” gradualmente tornou-se uma realidade, tanto nas situacg6es de fabrica, como nas de escritério, Durante o século XIX, varias tentativas foram feitas para codificar e pro- mover as idéias que poderiam levar a organizacao a uma gestéo eficiente do trabalho. Assim, o valor dado a divisao do trabalho por Adam Smith foi seguido em 1801, pela demonstracao publica de Eli Whitney sobre produgao em massa, a0 mostrar como as armas poderiam ser montadas a partir de pilhas de partes intercambidveis. Em 1832, Charles Babbage, inventor de uma das primeiras formas de computador matematico, publicou um tratado defendendo o enfoque cientifico da organizagio e da administracao, bem como enfatizando a importan- cia do planejamento e da adequada divisao do trabalho. Todavia, nao foi senao no inicio do século XX que essas idéias e desenvolvimentos foram sintetizados numa teoria abrangente de organizagao e de administracao. A mais importante contribuicao a essa teoria foi feita pelo socidlogo alemao ‘Max Weber, que obsetvou os paralelos entre a mecanizagao da industria e a proliferacao de formas burocraticas de organizacao. Concluiu que as formas burocraticas rotinizam os processos de administragdo exatamente como a méaquina rotiniza a produgio. No seu trabalho, descobriu que a primeira de- finigao compreensiva de burocracia caracteriza-a como uma forma de organi- zagao que enfatiza a precisio, a rapidez, a clareza,aregularidade,a confiabilidade © a eficiéncia, atingidas através da criagdo de uma divisio de tarefas fixas, supervisio hierarquica, regras detalhadas ¢ regulamentos Como socidlogo, Weber estava interessado nas conseqiiéncias sociais da proliferagao da burocracia e assim como na hist6ria do velho Chuang-tzu, [A MECANIZAGAO ASSUME 0 COMANDO, 2 preocupou-se com o efeito que isso poderia ter sobre o lado humane da socieda- de, Viu que 0 enfoque burocratico tinha potencial para rotinizar e mecanizar quase cada aspecto da vida humana, corroendo o espirito humano ea capacidade de ac&o espontanea. Reconheceu que isso poderia ter graves conseqiiéncias politicas ao minar 0 potencial de formas mais democraticas de organizago. Os seus escritos sobre burocracia sao, assim, permeados por grande ceticismo, a respeito do qual mais sera comentado no Capitulo 9. Outra grande contribuigao foi feita pelo grupo de tedricos e profissionais em administragao da América do Norte e da Europa que estabeleceu as bases daquilo que é agora conhecido como “a teoria da administracdo classica” e “administracéo cientifica". Contrastando com Weber, advogaram firmemente a burocratizagdo, devotando as suas energias a identificacao de principios porme- norizados e métodos através dos quais esse tipo de administragao poderia ser atingido. Enquanto os teéricos classicos em administragao focalizavam a sua atencdo no planejamento da organizacao total, os administradores cientificos visavam ao planejamento e a administragao de cargos individualizados. Foi através das idéias desses tedricos que tantos principios mecanicistas da organi- zacio ficaram enraizados no nosso pensamento cotidiano. Vale entao a pena examinar tais pensamentos mais detalhadamente. A TEORIA CLASSICA DA ADMINISTRAGAO: PLANEJAMENTO DAS ORGANIZACOES BUROCRATICAS Representantes tipicos dos teéricos cléssicos foram o francés Henry Fayol, ‘0 americano F. W. Mooney ¢ 0 inglés Cel. Lyndall Urwick. Estavam todos interessados em problemas praticos de administragao e procuraram sistematizar as suas experiéncias a respeito das organizacdes de sucesso para que fossem seguidas por outros. A crenga basica do pensamento destes autores é resgatada pela idéia de que a administrac&o seja um processo de planejamento, organiza- a0, direcdo, coordenagao e controle. Em. conjunto, definiram as bases de muitas das técnicas da moderna administracao, tais como administracao por objetivos (APO), 0s sistemas de planejamento e programagéo de orgamentos e outros métodos que enfatizam o planejamento e o controle racional. Cada um desses teéricos classificava as suas descobertas utilizando por base uma combinacao de prinefpios militares ¢ de engenharia. O Quadro 22 resume alguns dos principios gerais da teoria classica de administracéo. 2% IMAGENS DA ORGANIZAGAO Quadro2.2 Principios da teoria classica da administracao. Unidade de comando: Um empregado s6 deve receber ordens de um tinico superior. Hierarquia: A autoridade do superior sobre o subordinado caminha do topo para a base da organizagio; essa cadeia que é resultante do princfpio da unidade de comando deve ser usada como canal de comunicagao e de tomada de decisao. Amplitude de controle: 0 ntimero de pessoas que se reportam a um superior nao deve ser tao grande a ponto de criar problemas de comunicagao e coordenacao. Assessoria e linha: © pessoal de assessoria pode oferecer importante ajuda de orientacdo mas deve ter cuidado para nao violar a linha de autoridade. Iniciativa: Deve ser encorajada em todos os niveis da organizagio. Divisio do trabalho: A administracéo deve buscar atingir um grau de especializacao de forma a permitir que se chegue aos objetivos da organizacéo de maneira eficiente. Autoridade e responsabilidade: Deve-se levar em conta o direito de dar ordens exigir obediéncia, chegando a um bom equilibrio entre autoridade e responsabilidade. ‘Nao tem sentido dar a alguém a responsabilidade por um trabalho caso a essa pessoa nao seja dada a adequada autoridade para executar tal responsabilidade. Centralizagao da autoridade: Até certo ponto sempre presente, devendo variar para permitir a méxima utilizacéo das capacidades do pessoal. Disciplina: Obediéncia, empenho, energia, comportamento ¢ atitudes de respeito devem ser adaptadas aos regulamentos e habitos da organizagao. Subordinacio dos interesses individuais aos interesses gerais: Através de firmeza, exemplos, acordos justos ¢ constante supervisao, Eqiiidade: Baseada na amabilidade e justiga para encorajar o pessoal nas suas responsabilidaces; remuneracdo justa que leve a um bom moral, sem ocasionar gastos excessivos. Estabilidade e manutencdo do pessoal: Para facilitar 0 desenvolvimento das habilidades. Espirito de unio: Para facilitar a harmonia como uma base de fortificacao. Esses princfpios, muitos dos quais foram anteriormente utilizados por Frederico, 0 Grande, e outros especialistas militares para transformar os exércitos em “maquinas militares", representam fundamento da teoria administrativa na primeira metade deste século. A sua utilizagao atualmente acha-se muito difundida, ‘A MECANIZACAO ASSUME COMANDO w Caso esses principios sejam implementados chega-se ao tipo de organizacao representado pelo conhecido organograma empresarial (Figura 2.1): um padraio de cargos precisamente definidos e organizados de maneira hierarquica através de linhas de comando ou de comunicacao também precisamente definidas. E, caso esses principios sejam examinados de perto, descobre-se que 0s teéricos classicos, ao projetarem as organizagdes, agiram exatamente como se estivessem projetando uma maquina. Quando um engenheiro projeta qualquer maquina, a tarefa é definir uma rede de partes interdependentes, arranjadas dentro de uma seqiiéncia especifica e apoiada por pontos de resisténcia ou rigidez precisamente definidos. Os te6ricos cléssicos procuraram chegar a um projeto semelhante no seu enfoque organizacional. Percebe-se isso através da forma pela qual a organizacéo é concebida como uma rede de partes: departamentos funcionais, tais como pro- ducdo, marketing, financas, pessoal, pesqutisa e desenvolvimento que séo mais bem especificados como redes de cargos precisamente definidos. As responsabi- lidades dos cargos interligam:se de tal forma que se complementam um a0 outro to perfeitamente quanto possivel e se inter-relacionam através de uma cadeia escalar de comando expressa através do dito classico “um homem, um che! Asmudangasma estrutura organizacional assim produzidas, visarama uma operagio tao precisa quanto possivel dentro de padres de autoridade, como, por exemplo, em termos das responsabilidades nos cargos e 0 dircito de dar ordens e exigir obediéncia. Padrdes de autoridade servem como pontos de resisténcia e coordenam atividades, restringindo-as em cettas diregdes e encorajando em outras. Dando atengao detalhada aos padroes de autoridade, bem como ao processo geral de direcio, disciplina e subordinacao do individuo ao interesse geral, os teGricos clissicos procuraram assegurar que, quando os comandos fossem expedidos de cima da organizacdo, deveriam fluir através da organizagao de forma precisemente determinada, para também criar um efeito precisamente determinado. Esses prineipios so basicos tanto a burocracia centralizada (ilustrada na Figura 2.1), como a forma modificada, encontrada na organizacao departamen- talizada e na qual as varias unidades so autorizadas a operar de maneira semi-auténoma, sob uma supervisdo ¢ controle mais gerais do que especificos por parte daqueles que, em tiltirna andlise, detém a autoridade final. Assim como 0s militares introduziram a descentralizagao para lidar com a dificuldade das situagdes de combate, os tedricos da administracdo classica reconheceram a necessidade de conciliar os requisitos contraditérios da centralizacao e da des- centralizagio para preservar uma flexibilidade apropriada nos diferentes setores de grandes organizacées. 20 IMAGENS DA ORGANIZACAO A habilidade de atingir esse tipo de descentralizagao foi bastante desenvol- vida no decorrer do século XX, através do desenvolvimento de téenicas adminis- trativas como APO, PPBS" e planejamento de sofisticados sistemas de informa- Ges gerenciais (SIG's) que sio freqiientemente utilizados para estabelecer tipos de controle “ctipula-base” redefinidos pelos teéricos classicos. Por exemplo, a APO € agora freqiientemente utilizada para impor um sistema mecanicista de metas e objetivos em uma organizacio. Tem sido utilizada para controlar a diregio na qual administradores e empregados podem levar a organizacdo, por exemplo, através de metas de desempenho consistentes com esses objetivos. O mesmo freqiientemente acontece com o PPBS, outros sistemas de orcamento e com 0 SIG, sendo estes utilizados para oferecer informagées detalhadas e neces- sérias 4 implementacao de controles em bases mensais, semanas ¢ até didrias. ‘Dessa forma, as idéias dos tedricos da administracdo classica sao reforgadas sob o disfarce de administrag4o moderna, Isso freqiientemente ocorre porque as pessoas que planejam esses sistemas administrativos acabaram por pensar nas organizagées de maneira mecanicista € nao estao conscientes de outras formas pelas quais essas técnicas poderiam ser utilizadas, como, por exemplo, para promover o tipo de investigagao e aprendizagem organizacional discutidos no Capitulo 4, ou culturas corporativas participativas, ou sistemas de democracia organizacional discutidos nos Capitulos 5 ¢ 6. Toda a crenga basica da teoria da administracdo classica e a sua aplicagio moderna é sugerir que as organizagdes podem ou devem ser sistemas racionais, que operam de maneira tao eficiente quanto possivel. Enquanto muitos endossa- Fao isso como um ideal, é mais facil dizer do que fazer, pois estamos lidando com pessoas e nao engrenagens e rodas inanimadas. A esse respeito, torna-se signifi- cativo que 0s teGricos classicos tenham dado relativamente pouca atencao aos. aspectos humanos da organizagao. Enquanto freqiientemente reconhecem a necessidade de lideranga, iniciativa, benevoléncia, eqiiidade, esprit de corps e outros fatores que devem influenciar a motivagio humana, a organizacdo en- quanto tal foi principalmente compreendida como um problema técnico. Os te6ricos cléssicos reconheceram que era importante atingir um equilibrio ou harmonia entre os aspectos humanos ¢ técnicos da organizacio, especialmente através dos procedimentos apropriados de selecdo ¢ treinamento, mas a sua principal orientagéo foi fazer com que os seres humanos se adequassem as exigéncias da organizagao mecanicista. Como sera visto, por causa disso foram muito criticados. + PPBS = Planning, Programming, Budgeting, System (NT). A MECANIZACAO ASSUME O COMANTO a [ome ][ see |=] ee wwe |[ om |e me hh dich am om mm Organograma B - Estrutura detathada do Departamento de Producio. QORGANOGRAMA A lustea usa organizasiodividlda sob. principio a espeializx funcional, Cada departimento faxcionst tom a sa propria fora de crgslzaslo hierirquia, O OGANOGRAMA B ilusta 24 patticulidades do epartamento de producto. Notse a cadeia de comanda que Du do topo para a base da organizaio refletindo 0 princi. ‘Segue cada mibordinad no deve for mais que um superior. Um exemplo &indiedo pela nha negritda, Notem-se as ‘Gtternten-sempltudes Ge controle” O diet executivo do ngarograta A tem um litt de controle igual a ste departamer: tos O contrantestre da seco de Fundigao ne departamento de produ (Organogramas A eB) tem amplitude de controle Gobve dove pesons.O gereate de produgho lem anplitude de ees pesscas. Notes como os servigos ou departamtentos de ‘Rescuer por exemplo. Financ, Pescoal, Pesquisa ¢ Desenvolvimento), 80 posstiem autorilage dire sabre os departs. sents Tins tl como o departamanto de produgto. Figura 2.1 Organogramas ilustrativos dos prinefpios da teovia cldssica de administra- (fo e organizagio burocritica.

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