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5 Repensando requisitos para a posse de conceitos: uma abordagem contextualista ANDRE. ABATH EDUARDA CAIADO BARBOSA Uneridode Federal de Mines Gevos 1 Introdugie «que separa os eres que possuem conceitos ds seres que nfo possuem? Quais ( requisitos devem ser satiseitos para que um organismo possua um conceito? ‘Av busvarein responder a tas pergunti, flésofes eustutan divide en, 30 menos, dois grupos. No primeiro grupo encoatramos aqueles que supBem que possuir tum conceito C requer que um sujeito domine as inferéncias que podem ser feitas a par- tirde C e que levam a C, e/ou que possua um vasto conjunto de erengas envolvendo C. Robert Brandom, por exemplo, diz que ter um conceito “€ ter 0 dominio pritico sobre as inferencias nas quais ele esti envolvido” (2000, p. 48), enquanto Donald Davidson diz, acerca da posse do conceito GATO! Para ter 0 conceito de um gato, voe® deve ter o conceito de um animal ou pelo ‘menos de um objeto fisico continuo ... Nao hi nenhuma lista fixa de coisas que voce precisa saber sobre, ou associar com, a felinidade; mas, a menos que voc® tenha vérias erengas sobre o que um gato €, voc® ndo tem o conceito de um gato (2001, p. 124% Como, geralmente, supae-se que apenas sereslinguisicos podem fazer inferéncias com base em conceitos e possuir um vasto conjunto de crencas envolvendo um concei- to, membros do primeiro grupo costumam deender a ideia de que apenas sereslinguts- ticos possiem conceitos. O dominio de uma lngua, portanto, sera, em ltima instincia, aquilo que separaria os seres que possuem coneeitos daqueles que nao possuem, 1 Aolongo do eto, tilizaremos font em eis para menconar once. 2 Todas as citages auras sto de responsabilidadedos wads, (N- dos") ne Represenando © mind: entoot bre conig Membros do segundo grupo, porén, discordam de tal ideia, Para eles, no € 0 dex ‘minio de uma linguagem que separa o: seres que possuem conceitos daqueles que nag posstiem. Afinal, tomam como requisit para a posse de um conceito (para um dado X) {que um organismo seja eapaz de discriminar X daquilo que nfo é X, ou de reconhecer X perceplualmente, ou ainda de representar X mentalmente (ou pensar em X como X} Jerry Fodor, por exemplo diz que ter o onceito CAO “€ ser capaz de pensar sobre ces ‘como tais" (2004, p. 31). Jé Fred Dretsce, imaginando um caso em que umm golfinho & capaz de dseriminat cilindros de outta formas, como cubos, em que, por acas0, today os elindros (e apenas os ciindros)sio de plistco, diz Arazio pela qual estamos preparados para creditar 0 gofinho com 0 conceito de um cilindro no é apenas porque ele datingue clindros de objetos com outros formats {pois também dlstingue, com igual sucesso, objetos plisticos de ndo plisticos), mas por conta de nossa comviegdo de que foi cilindricalidade dos objelos que ess rita estava respondendo (no a sua plascidade) (1983, p. 8; destaques do auto). Como a passagem acima deixa claro, € suposto por autores no segando grupo que (0s requisitos para a passe de conecitos (tal como de representar algo mentalmente) podem ser satisfeitos por seres nao lingusticos, como golfinhos. Supde-se, asim, que ca ;pacidades que envolvem a linguagem, tais como a do dominio de inferéncias em que entra um conceito C e a posse de win visto eoujunto de erengas envulvennlo C, ao sao necessitias para a posse de C. 1H, portanto, uma clara divsio entre nossos dois grupos, dadasdistntas poses acerea do que separa seres que possuem conceitos de seres que nio possuem, e acerca dos requisitos para a posse de conceitos. Eh um claro debate entre os grupos, em que cada lado defende sua posigio contra olado adversirio. O desenvolvimento de tal deba te, porém, tem sido dos mais entos. Esso porque hi uma clara escassez de argumentos dde ambas as partes. comum para membros de um grupo, ao confrontar a posigao da grupo adversrio, simplesmente reafirmarem suas posigaes. Por exemplo, a0 confrontar 8 posigo segundo a qual a capacidade de discriminar gatos de outros objetos vores, cobras, le6es) ¢ sufciente para a poss: do conceito GATO, Davidson simplesmente realiema sua posigdo dizendo: “Ser capzz de iscriminar gatos nao é a mesma coisa que tero conceito de tm gato... Pata ter 0 conceito de tum gato, voce deve ter 0 conceito de tum animal..." (2001, p. 124). Em tor: semelhanit, John McDowell rebate a idea de «que organismos como papagaios possuem conceitos de cor dizendo: ‘A habilidade de produzir palavras para cores “corretas” em resposta a inpuds do sistema visual (una habilidade possutda, eu creio, por alguns papagaios) nao de- 'monsra a posse dos conceitos relevantes se o sujeito no compreende, por exen- plo, a Ideia de que essas respostas refletem sensbilidade a um tipo de estados de coisas no mundo, algo que pode aparecer, de qualquer modo, inependentemente dessas perturbagdes no sen fluxo de consciéncia (19%, p12). eorsondereqitor pare pote de concaor: uma akordagem conetulita ng [Nessa passagem, como na passagem acima, escrita por Davidson, temos a reeigdo de uma posigio com base em certasintuigdes acerca do que € necessério para a posse de anceitos. Mas no nos sio oferecidas razdes para que compartilemos de tai intuigdes Se no as compartilhamos, 8 partida, nao nos sio apresentados argumentos que possam tos levar a abandonar nossas proprias intuigées. Eo debate entre nossos dois grupos tem tido essa caracteristica. Temos, de ambos os lado, intuigbes dstintas acerea dos requsitos paraa posse de coneeitos, eo debate entre eles tem sido marcado, em grande parte, pela reafirmacio dessasintuigdes if importante ainda salientar que em certos momentos o debate entre nossos gr arfsca a tomar-se meramente verbal. José Luts Bermiidez (1998), por exemplo, {que, como Davidson e Brandom, acredita que apenas sereslinguisticos possuem con- c4itos, aceita que certosseres nfo lingussticos (como golfinhos) possuam representagBes de seu ambiente com uum consideravel grau de complexidade, mas chama a tas repre- ‘sentagées de protoerengas. Diz. ele: “Uma protoerenga perceptual é uma representaco dda configuracio do ambiente imediato” (1998, p. 118). De maneira semelhante, Bermnicez podria chamar tas representagoes de proto- conceitos. Porém, membros do grupo adversitio, como Dretsk, gostariam de chamar Ins representagdes de conccitos. Mas hi aqui um debate substancial ou apenas uma tiscordncia acerca do Ambito de aplicacio do termo “conceito” e de como nomear as representagies que ceros organismos formam de sew ambiente? "Mais uma vez, temos uma disputa de mtungBes — aqui, de intuigdes verbais — baseadas nas intuigies consideradas acima, Para 0s membros de um dos grupos, repre- senlagdes em seres nao linguisticos podem apenas ser chamadas de nio conceituais, 1n protoconceituais. Para os membros do grupo adversério, taisrepresentagdes podem ser legtimamente chamadas de conceituais. Temos, asim, uma discordancia verbal, baseada em intuigdes distintas acerca da aplieagio do termo “conecito”, intuigdes esas que derivam de intuigdes distintas acerca dos requsito para a posse de conceitos. Dado tal choque de intuigdes,e dada a falta de argumentos de ambos 0s lado, iio Ede estranhar que o debate nio tenha tido avangos claro. Nosso propésito neste artigo é contribuir para esse debate; ndo em defesa de uma das posigdes, mas opondo-nos ao que ambos os grupos possuem em comum: a supesigdo de que existem requisits fixos para a posse de coneceitos. Posto de forma geal, defenderemos uma posigio contextualista acerca da posse de conceitos, segundo a qual os requsios para a posse de conceitos mio So fixos, podencdo variar de acordo com 0 contesto em que o conceito € atribuido, em tuma escala com graus de exigéncia. Uma consequéncia dessa posigdo, como veremos, & que em certos contestos — com requisitos para a posse de conceitos em graus mais altos de exigéneia — o dominio de uma lings pode ser um requisto para a posse de conceit, enquanto em outros contextos — som requisitos para a posse de conceitos em graus mais baixos de exigencia — pode nfo ser ‘O caminho que teremos de tilhar para defender o contextualismo acerca da posse de conceitos seré 0 seguinte. Na sego 2 defenderemas que a nogio de possuir umn conceito pode ser tomada como equivalente & nogio de saber 0 que algo é. Na seco 3

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