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Universidade Federal de Minas Gerais

Instituto de Ciências Exatas – ICEx


Departamento de Matemática

Álgebra A
Lista 1 (Gabarito)
Questão 1. Seja Fn a sequência de Fibonacci, definida por F1 = 1, F2 = 1 e
Fn = Fn−1 + Fn−2 para n > 3. Mostre por indução que
(a) mdc(Fn+1 , Fn ) = 1 para todo n ∈ N.
(b) Fn é par se e somente se n é múltiplo de 3.
(c) F21 + F22 + . . . + F2n = Fn Fn+1 .
Solução.
(a) A afirmação é verdadeira para n = 1, pois mdc(F2 , F1 ) = mdc(1, 1) =
1. Suponha que ela vale para um n fixo; iremos provar que ela também
vale para n + 1. Usando a definição dos números de Fibonacci, temos que
mdc(Fn+2 , Fn+1 ) = mdc(Fn+1 + Fn , Fn+1 ).
Vimos em sala que1 se a = bq + r então mdc(a, b) = mdc(b, r). As-
sim, mdc(Fn+1 + Fn , Fn+1 ) = mdc(Fn+1 , Fn ). Por hipótese, esse último
número é igual a 1. Concluı́mos que mdc(Fn+2 , Fn+1 ) = 1. Pelo princı́pio
da indução, a afirmação vale para todo n ∈ N.
(b) Usaremos indução forte. Note primeiro que a afirmação vale para n =
1, 2, 3. Seja agora n > 4, e suponha que a afirmação é verdade para todo
k < n. Podemos escrever:
Fn = Fn−1 + Fn−2 = 2Fn−2 + Fn−3 .
Assim, Fn ≡ Fn−3 (mod 2), de modo que Fn é par se e somente se Fn−3 é
par. Por hipótese de indução, sabemos que Fn−3 é par se e somente se n − 3
(e portanto n) é múltiplo de 3. Combinando as duas afirmações, obtemos
o resultado desejado.
(c) A afirmação vale para n = 1. Suponha, como hipótese de indução, que
F21 + . . . + F2n = Fn Fn+1 . Então

F21 + . . . + F2n + F2n+1 = Fn Fn+1 + F2n+1 = Fn+1 (Fn + Fn+1 ) = Fn+1 Fn+2 ,
o que mostra que a afirmação vale para n + 1 e completa a prova por
indução.
1 Se a = bx + y, então mdc(a, b) = mdc(b, y), independente de y ser o resto da divisão

de a por b (ou seja, não é necessário 0 6 y < b). Em todo caso, se n > 2 é possı́vel mostrar
que Fn é de fato o resto da divisão de Fn+1 + Fn por Fn+1 : Lembre-se que dados a ∈ Z e
b ∈ N existe um único modo de escrever a = bq + r com 0 6 r < b. Como podemos escrever
Fn+1 + Fn = Fn+1 · 1 + Fn e vale que 0 6 Fn < Fn+1 se n > 2, então por unicidade 1 é o
quociente da divisão e Fn é o resto.
Questão 2. Mostre por indução que, para todo r e todo n > 0,

(1 + r + . . . + rn )(r − 1) = rn+1 − 1.

Se r 6= 1, podemos dividir por r − 1 e obter a fórmula para a soma de uma


progressão geométrica finita.
Solução. A afirmação vale para n = 0, pois 1 · (r − 1) = r0+1 − 1. Supondo que
(1 + r + . . . + rn )(r − 1) = rn+1 − 1, temos que

(1 + r + . . . + rn + rn+1 )(r − 1) = (1 + r + . . . + rn )(r − 1) + rn+1 (r − 1)


= rn+1 − 1 + rn+1 (r − 1)
= rn+2 − 1.

Assim, pelo princı́pio da indução, a afirmação vale para todo n > 0.


Questão 3. Resolva os itens abaixo.
(a) Qual o menor valor positivo que a expressão 291x + 144y pode assumir
com x, y ∈ Z?
(b) Calcule números x e y tais que 291x + 144y atinge o mı́nimo encontrado
no item anterior.
Solução.
(a) Como 3 divide 144 e 291, 3 também divide qualquer combinação dos dois
números. Assim, a resposta não pode ser menor que 3. Como 3 é o MDC,
o teorema de Bézout garante que 3 é uma resposta possı́vel.
(b) Basta usar o algoritmo de Euclides estendido. Primeiro preenchemos o
lado esquerdo da tabela de cima para baixo:

a b q x y
291 144 2
144 3

Como o 144 é múltiplo de 3, sabemos que 3 é o MDC. Para cada linha ire-
mos achar números x e y tais que ax + by = 3, e fazemos isso preenchendo
a segunda parte da tabela de baixo para cima:

a b q x y
291 144 2 1 −2
144 3 0 1

Assim, encontramos que 3 = 291 · 1 + 144 · (−2). Portanto, x = 1 e y = −2


é uma resposta válida (existem infinitas outras soluções).

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Questão 4. Resolva os itens abaixo.
(a) Prove, usando o lema √ de Euclides, que não existem naturais a e b tais que
a2 = 3b2 , ou seja, que 3 é irracional.
(b) Prove, usando a unicidade da fatoração em
√ primos, que não existem natu-
2 2
rais a e b tais que a = 6b , ou seja, que 6 é irracional.
Solução.
(a) Suponha, por contradição, que existe algum par (a 0 , b 0 ) de naturais satisfa-
zendo (a 0 )2 = 3(b 0 )2 . Então, considerando os números a = a 0 / mdc(a 0 , b 0 )
e b = b 0 /mdc(a 0 , b 0 ), existe também um par que satisfaz mdc(a, b) = 1 e
a2 = 3b2 . Iremos mostrar que isso não pode acontecer.
De a2 = 3b2 , concluı́mos que 3 | a2 e, pelo Lema de Euclides, 3 | a. Assim,
podemos escrever a = 3k para algum k ∈ N. Mas então (3k2 ) = 3b2 , de
onde segue que 3k2 = b2 e portanto que 3 | b, o que contraria o fato de que
mdc(a, b) = 1.
(b) Iremos provar uma coisa mais geral: Suponha que n ∈ N possui um fator
primo p com expoente ı́mpar em sua fatoração. Então o fator p aparece
com expoente par na fatoração de a2 e com expoente ı́mpar na fatoração
de nb2 . Assim, a2 tem uma fatoração diferente de nb2 , e portanto, por
unicidade da fatoração em primos, a2 6= nb2 .
Como um número n ∈ N com todos os expoentes de sua fatoração pares
admite raiz quadrada inteira, mostramos o seguinte: A raiz quadrada de
todo número natural é natural ou irracional.
Questão 5. Sejam a, b e c inteiros. Se 2a + 3b = 6c, mostre que 3 | a e 2 | b.

Solução. Note que 2a = 6c − 3b. Como 3 | 6c − 3b, conclui-se que 3 | 2a.


Como mdc(3, 2) = 1, conclui-se que 3 | a. A afirmação 2 | b é provada de modo
inteiramente análogo.
Questão 6. Mostre que se n ∈ N é ı́mpar então 8 | n2 − 1.
Solução. Todo número ı́mpar satisfaz n ≡ ±1 (mod 8) ou n ≡ ±3 (mod 8).
Em ambos os casos, conclui-se elevando ao quadrado que n2 ≡ 1 (mod 8), que
por definição é equivalente ao que querı́amos mostrar.
(Observação: O truque com o ± serve apenas para reduzir o número de
casos de quatro para dois. Ele não é necessário. Você podia simplesmente
tratar os casos n ≡ 1, 3, 5, 7 (mod 8) um a um.)
Também é possı́vel fazer a demonstração sem a notação de aritmética mo-
dular: Se n é ı́mpar, existe k inteiro tal que n = 2k + 1. Temos dois casos:
• Se k = 2`, então n = 4` + 1 e n2 − 1 = 16`2 + 8` é múltiplo de 8.
• Se k = 2` + 1, então n = 4` + 3 e n2 − 1 = 16`2 + 24` + 8 é múltiplo de 8.

3
Note que a divisão em casos importante foi n = 4` + 1 ou n = 4` + 3. Podı́amos
ter começado diretamente com tais casos.
Questão 7. Ache todos os valores de n ∈ N para os quais n, n + 2 e n + 4 são
todos números primos.
Solução. Nenhum n par pode ser solução, pois todos os números da lista se-
riam pares e só existe um primo par. Note agora que, para todo n ∈ N, um dos
números acima é múltiplo de 3:
• Se n ≡ 0 (mod 3), então n é multiplo de 3;
• Se n ≡ 1 (mod 3), então n + 2 é multiplo de 3;
• Se n ≡ 2 (mod 3), então n + 4 é multiplo de 3.
Como o único múltiplo de 3 que é primo é o próprio 3, concluı́mos que ele tem
que figurar na lista. Isso só acontece se n = 1 ou n = 3, mas o primeiro caso é
descartado pois 1 não é primo. Assim, a única solução é n = 3.
Questão 8. Dados números naturais a e b, podemos definir o mı́nimo múltiplo
comum entre a e b, denotado por mmc(a, b), como o menor número positivo n
tal que a|n e b|n.
Faça os itens abaixo sem usar o Teorema Fundamental da Aritmética:
(a) Mostre que se mdc(a, b) = 1, então mmc(a, b) = ab.
(b) Dado k > 1, mostre que mdc(ka, kb) = k · mdc(a, b) e que mmc(ka, kb) =
k · mmc(a, b).
(c) Conclua que mdc(a, b) · mmc(a, b) = ab.
Solução.
(a) Sabemos que ab é um múltiplo comum de a e b. Assim, basta provar
que não podem existir múltiplos menores. Para isso, seja m = mmc(a, b).
Como a | m, sabemos que existe k ∈ Z com ka = m. Como b | m e
mdc(a, m) = 1, concluı́mos que b | k (por quê?), ou seja, que k 0 b = k para
algum k 0 ∈ Z. Juntando tudo, temos que m = k 0 ba, ou seja, que todo
múltiplo comum de a e b é múltiplo de ab.
(b) Pelo teorema de Bézout, sabemos que existem inteiros x e y com

(ka)x + (kb)y = mdc(ka, kb).

Assim, mdc(ka, kb) é múltiplo de k, ou seja, é da forma kd para algum d.


Por definição de MDC, kd | ka e kd | kb, e isso ocorre se e somente se d | a
e d | b. Assim, o maior valor possı́vel para mdc(ka, kb) ocorre quando
d = mdc(a, b).
O caso do MMC é mais fácil: Como ka divide m = mmc(ka, kb), sabemos
que m é múltiplo de k, ou seja, é da forma km 0 . Mas de ka | km 0 e kb |

4
km 0 conclui-se que a | m 0 e b | m 0 , e portanto que m 0 precisa ser pelo
menos mmc(a, b). Como k · mmc(a, b) é de fato um múltiplo de ka e kb, o
resultado está provado.
(c) Seja k = mdc(a, b), e escreva a 0 = a/k, b 0 = b/k. Pelo item (b), sabemos
que mdc(a, b) = k · mdc(a 0 , b 0 ), ou seja, que mdc(a 0 , b 0 ) = 1. Também
sabemos que
mmc(a, b) = k · mmc(a 0 , b 0 ) = ka 0 b 0 ,
pois a primeira igualdade segue do item (b) e a segunda do item (a). As-
sim,
mdc(a, b) · mmc(a, b) = k · ka 0 b 0 = (ka 0 ) · (kb 0 ) = ab.

Questão 9. Dizemos que um número n ∈ N é livre de quadrados se p2 - n para


todo primo p. Mostre que todo número n pode ser escrito de modo único como
xy2 com x, y ∈ N e x livre de quadrados. Escreva o número 216 nesse formato.
Solução. Existem vários jeitos de fazer essa questão. Como estamos treinando
o uso de fatoração única, vamos focar nesse modo. A solução abaixo é bastante
detalhada/pedante; qualquer solução que tivesse a ideia-chave (olhar para os
fatores primos de n com expoente ı́mpar) seria considerada correta.
Podemos definir x como o produto de todos os primos que têm expoente
ı́mpar p na fatoração de n. Assim, n/x têm só expoentes pares em sua fatoração,
e y = n/x é um número inteiro. Nenhum quadrado de primo divide x pois
ele é o produto de primos distintos. A relação n = xy2 vale por construção.
Resta apenas mostrar a unicidade. Seja então n = x 0 (y 0 )2 com x 0 livre de
quadrados. Queremos mostrar que x 0 = x e y 0 = y. Note que todo fator primo
de n com expoente ı́mpar têm que aparecer em x 0 , pois todos os expoentes da
fatoração de (y 0 )2 são pares. Além disso, cada um desses fatores pode aparecer
apenas uma vez em x 0 , por causa da definição de livre de quadrados. Assim,
x 0 = x e, por consequência, y 0 = y.
Questão 10. Defina a seguinte relação em N:

a ∼ b se e só se ab é quadrado perfeito.

(a) Mostre que essa é uma relação de equivalência.


(b) (um pouco mais difı́cil) Descreva as classes de equivalência da relação.
Solução. Dizemos que um número x é quadrado perfeito se existe k ∈ Z com
x = k2 .

(a) A relação é reflexiva (a ∼ a), pois a2 é quadrado perfeito. É simétrica (a ∼ b


implica b ∼ a), pois ab = ba. Verifiquemos que ela é transitiva (a ∼ b e
b ∼ c implica a ∼ c). Como ab e bc são quadrados perfeitos, sabemos que
ab2 c é um quadrado perfeito, e queremos mostrar que ac é um quadrado
perfeito. Isso é muito mais sutil do que parece! Vamos fazer em detalhes.

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Sabemos que ab2 c = x2 para algum x, e portanto vale que b2 | x2 . Se a
x
fatoração do número x é p1 1 · · · pxkk , a fatoração de x2 é (por unicidade)
2x
p1 1 · · · p2x k
k . Note que, escrevendo a fatoração desse jeito, vê-se que todo
número que é quadrado perfeito só tem expoentes pares na sua fatoração.
2b
Como b2 | x2 e b2 é quadrado perfeito, temos que b2 = p1 1 · · · p2b k
k
com
0 6 bi 6 xi para todo i = 1, . . . k (ressaltamos que alguns dos bi podem ser
zero, e que os expoentes são pares porque b2 é quadrado perfeito). Assim,
b
b = p1 1 · · · pbk com 0 6 bi 6 xi , e portanto b | x.
k

Logo, ac = (x/b)2 , e portanto ac é quadrado perfeito. Isso mostra a tran-


sitividade da relação de equivalência.
(b) Suponha que n = xy2 , com x livre de quadrados. Então x ∼ n, pois xn =
x2 y2 . Agora, se tivermos dois números x 6= x 0 ambos livres de quadrados,
então x 6∼ x 0 . Para ver isso, note que existe p tal que p | x e p - x 0 . Assim, p |
xx 0 e, como x é livre de quadrados, p2 - xx 0 , e portanto xx 0 não é quadrado
perfeito. Conclui-se que a relação tem uma classe de equivalência para
cada número livre de quadrados.
Observação: Como existem infinitos números livres de quadrados (todos
os primos são livre de quadrados, por exemplo), existem infinitas classes
de equivalência.

Questão 11. Dados a e b inteiros positivos, o algoritmo de Euclides estendido,


visto em sala, retorna inteiros x e y tais que ax + by = mdc(a, b). Mostre por
indução que |x| 6 b e |y| 6 a. Isso significa que não haverá overflow no cálculo
de x e y.
Solução. Lembremos da forma recursiva do algoritmo estendido de Euclides:
Se a = bq + r, computa-se recursivamente números x 0 , y 0 tais que bx 0 + ry 0 =
mdc(a, b), e os números x e y procurados são x = y 0 e y = x 0 − qy 0 .
No caso base do algoritmo, temos que b | a, e o algoritmo retorna x = 0,
y = 1, que satisfazem a propriedade afirmada. Agora, se |x 0 | 6 r e |y 0 | 6 b,
então temos que mostrar que |x| = |y 0 | 6 b e |y| = |x 0 − qy 0 | 6 a. A primeira
desigualdade é válida por hipótese, e temos que

|y| 6 |x 0 | + q|y 0 | 6 r + qb = a,

o que verifica a segunda desigualdade.


Questão 12 (um pouco mais difı́cil). Seja p um primo e n um número natural.
Mostre que o expoente de p na fatoração de n! é dado por
X n 
.
pk
k>1

A soma é finita, pois os k tais que pk > n contribuem 0. A fórmula acima


é conhecida como fórmula de Legendre, em homenagem ao matemático francês
Adrien-Marie Legendre (1752–1833).

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Solução. Vamos ver quantos fatores p = 2 temos para n = 14 (ou seja, em 14!),
olhando para a tabela abaixo:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
X X X X X X X
X X X
X
O número de X em cada coluna representa o número de fatores 2 que o
número daquela coluna contribui para o fatorial. Note que, a primeira linha
tem bn/pc marcas, a segunda tem bn/p2 c, e assim por diante.
Para formalizar o argumento acima, vamos contar o tamanho do conjunto

C = {(a, x) : 1 6 x 6 n e pa | x} .

Note que os pares desse conjunto são “coordenadas” dos X na tabela acima.
Temos as seguintes observações:

• Para um x fixo, a quantidade de valores a tais que (a, x) ∈ C é o expoente


de p na fatoração de x. Assim, |C| é o número total de “cópias” do fator p
nos números de 1 a n, ou seja, o expoente de p em n!.
• Para um a fixo, a quantidade de valores x tais que (a, x) ∈ C é o número
de 1 6
Px 6 n que são múltiplos de pa . Esse número é bn/(pa )c. Assim,
|C| = a bn/(p )c.
a

Juntando as duas observações, obtemos o resultado desejado.


Fato legal. O matemático húngaro Paul Erdős (1913–1996) usou o resultado da
Questão 9 para dar uma outra prova de que existem infinitos primos:

Demonstração. Pela questão, 2


√ todo número entre 1 e n é da forma xy , com x
livre de quadrados e y 6 n. Supondo por contradição que só existissem k
primos, só existiriam 2k escolhas para x. Assim, existiriam no máximo 2 k √n

números no conjunto {1, . . . , n}. Isso dá a desigualdade n 6 C n, um absurdo.

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