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DIREITO DAS OBAIGAGOES ~ CASOS PRATICOS RESOLVIDOS. 1.2, Responsabilidade Objectiva casot + Responsabilidade pelo Risco + Responsabilidade do Comitente + Responsabilidade do Produtor ‘Américo, funcionario da Mundofrutas, SA, atropelou, durante uma viagem ao Porto, destinada ao transporte e entrega de frutas, Bernardo, vrianga de 6 anos, que circulava, distrafda e calmamente, no meio da estrada, ‘Na sequéncia do acidente, Bernardo ficou a padecer de algumas lesdes permanentes, pelo que seus pais se julgam no direito de exigir ‘uma indemnizagio a referida empresa. Quid Juris? Proposta de Resolugao: caso pritico em questio remete-nos para 0 domfnio dos acidentes de viagio e, mais especificamente, para os danos causados por vefculos de ci Culagio terrestre, onde vigora o principio de responsabilidade objectiva, fun dada no isco (Cfr art 503.*, Cédigo Civil) ‘De uma anélise detalhada do art 503.° do Cédigo Civil verificamos que sto t8s 0s pressupostos necessiios para a verificagio de responsabitidade por danos causados por vefculos de circulagdo terrestre: “a direcedo efectiva a utilizagao do veiculo no seu proprio interesse.. -s danos provenientes dos riscos préprios do vetculo. mente, Quanto ao primeiro pressuposto de apuramento de responsabilidad por risco (Cf. art.° 503.” C6digo Civil), ou seja, tr a direcedo efectiva do vetculo, compreende todas as situag6es (proprietério, usufrutuario, comoda- trio, efe.) em que, com ou sem dominio jurfdico, se impée a responsabilidade RESPONSABILIDADE ONL objectiva a quem usa o veiculo ou dele dispe. No fundo, trata-se que, em virtude de utilizarem, de facto, o veiculo, tém a especial obi de garantir que ele funcione devidamente e que, portanto, nao seja ci de danos a terceiros (por ex., é fundamental que qualquer pessoa que de um vefculo tenha a devida precaugio de cuidar dele, de verificar a dos pneus, de tratar de questio mecénica, de o levar atempadamente as rev periddicas, etc.). A direcgao efectiva de um veiculo é, necessariame poder de facto sobre o mesmo, embora, tal nao signifique, passe a exp “ero volante nas maos”'"™,, na altura em que ocorre o acidente, ou seja. a direccdo efectiva de um veiculo aquele que, na verdade, goza ou usutru vantagens dele, ¢ a quem, por essa razdo, cabe controlar 0 seu funcioy Este primeiro requisito toma relevancia proeminente, ja que, vveres, & facto de atribuigdo ou de exclusdo da responsabilidade do prop: ‘que pode ter ou no a direcgao efectiva do vefculo. segundo pressuposto, uilizagdo no proprio interesse, de responsabilidade objectiva aqueles que (como € 0 caso do comissir utilizam o veiculo, nao no seu prdprio interesse, mas em benelicic ordens de outrem (por ex. 0 comitente). Neste sentido, € de afas' interpretagdo do requisito, segundo a qual o detentor (nome atribufa que tem a direccdo efectiva) s6 responde se, no momento do facto «. veiculo estiver a sera ser utilizado no interesse (imediato ou exclu Acrescente-se que 0 interesse na utilizacio tanto pode ser um inter material, como um interesse moral ou espiritual (1:g., alguém emprests carro a alguém s6 para mostrar simpatia) Finalmente, no terceiro pressuposto, danos provenientes dos ri préprios do veiculo, inserem-se 0s riscos ligados ao vefculo enquanto (mesmo estando estacionada e nao circulando), como meio de ci também, os riscos ligados ao condutor (estado de satide, negligenci No caso em estudo existe, clara e inequivocamente, uma relacic comissao [Cfi: art? 500.° do Cédigo Civil "*”], jd que Américo se desi * Cfit ANTUNES VARELA, ob. cit. pdg. 657 ss. tos sobre respon le 26.de alo comi iro de 1944 ede 2 de —$<$ <$§{_ DIREro OAS OBRIGAGOES — CASOS PRATICOS RESOLVIDOS, a0 Porto para 0 transporte de frutas da empresa em que trabalhava, Desta feita, podemos concluir que ele se encontrava no pleno exercicio das suas fungoes, aquando do acidente, facto que nos leva a chamar & colaglo 0 disposto non? 3do art 503.° do Cédigo Civil; este preceito consagra uma presun¢do de culpa sobre o condutor do vefculo, invertendo o énus da prova (Cf art" 487°, n2 1, do Cédigo Civil); em todo 0 caso € uma presungio ¢ ilidtvel, podendo, por isso mesmo, ser afastada mediante prova em contririo (Cf bre 350.2, n.°2, do Cédigo Civil). Assim sendo, e uma vez que nestes casos nao ha possibilidade de invocar a relevancia negativa da causa virtual °° (ao contrério do que sucede nos casos previstos nos art." 491.°, 492.° ¢493.°, n° 1, todos do Codigo Civil), o comissario teré que provar, de modo efectivo, que nao houve culpa da sua parte, sendo, por isso mesmo, insuficiente Gemonstrar, unicamente, que o dano se teria produzido ainda que 0 seu facto (culposo) se tivesse verificado "”. [Em face desta situaco, levantam-se duas hipsteses: 1. por um lado, o comissatio consegue ilidir a presungio, ficando, Beste modo, desresponsabilizado e respondendo o comitente na qualidade de detentor do veiculo, nos termos do art.” 303°, n° 1 do Cédigo Civil. Como a responsabilidade é fundada nica e © A relevincia negativa de causa virtual consiste na possibilidade de um autor da causa seal ser isemto de responsabilidade, ou de a ver atenuada, provando que o dano te-se-ia igualmente SSneretizado por forga de uma hipotética causa virteal. Por exemplo, admita-se que alguém Tom theumbido de vigiar outrem que possuia incapacidade natural, € que esta, por sua vez, fir uma pedra a uma montra e parte oVidro. Segundo o art? 491.° do Cédigo Civil o vigilante feria que provar que esteve sempre atenfo, ou que (num sentido virtual) os danos (montta jurtida)s¢teriam verifiado ainda que ele mantivesse o seu dever de vigilanca, a fim de se bertar da responsabilidade civil '© Na verdade, tal presungéo de culpa consagrada no art 503. n.° 3 levou & certas inierpretacdes, chegando mestio a haver alguns autores que defendiam que ela no deveri ser neiRavardas relagdes entre dono (ou utente) do vefculo e comissério (condutor), as que ceantit ver extensiva ao campo das relagSes entre comissirio ¢lesado, abrangendo, desta feita, toda pen de responsabilidade civil no que fa aos acidentes de vingGo, O assento,de 14 de Abril ‘jc 1983 colucionou a questao, referindo expressamente que “a primeira parte do artigo 503.” 1.99 do Codigo Ciuil estabelece uma presungao de culpa do condutor do vefeulo por conta varem pelos danos que causar, aplicdvel nas relagdes entre ele como lesante e o titular ow vinulares do direito « indemnicacdo” ,embora pudesse ter sido mais claro quanto aos limites liulemnizatérios previstos no art.” 508.° ou mesmo quanto’ colisio de vefculos, consagrada no art? 506.°, ambos do Cédigo Civil, RESPONSABILIDADE CIVIL exclusivamente no risco, o comitente responderia dentro dos limite indemnizat6rios do art.° 508.° do Cédigo Civil: 28 por outro lado, 0 comissério nao consegue ilidir a presunio « culpa, sendo, assim, considerado responsavel nos termos dc 5032, n2 3, por culpa presumida, que afasta totalmente Sibilidade de aplicagao do art.” 508.° do Cédigo Civil, Pa dele, responderia, ainda, o comitente, solidariamente, (Chi 0 do art° 500.° do Cédigo Civil). De toda a maneira, ¢ para uma anélise completa do caso em parece-nos relevante desbravar uma circunstancia p ssivel de gat exclusto de responsabilidade civil por risco (Cy: art.° 503°. n2 1), ¢, pov da obrigagio de indemnizar, socorrendo-nos, para esse efeito, do ar.” do Cédigo Civil (cuja doutrina tem por base 0 assento de 4-1V-1955) preceitua que apenas se pode excluir aresponsabilidade do utente do vi {quando o acidente for imputdvel ao lesado ou a terceiro ou quando res Sausa de forga maior estranha ao funcionamento do veieulo. No campo « danos abrangidos pela responsabilidade objectiva, estas sfio as Gnicas de exclusio da obrigacdo de indemnizar, sendo que a verificacio de qu lima delas exclui, assim, a responsabilidade objectiva do detentor do vec gquebrando o nexo de causalidade entre os tiscos proprios do veicul « Gano, i que este deixa de ser um efeito resultante do risco prprio do vei Neste sentido, uma vez que o lesado, Bernardo, circulava, “dist mente”, no meio daestrada, ¢ nfo havendo qualquer indicagao de que Av tenha descurado as providéncias de seguranga bésicas, exigidas na co) de um veiculo, admitir-se-ia que 0 acidente ficaria a dever-se 40 pr pelo que nio fara sentido, tal como refere o art? 505°, queo detentor tente) respondesse nos termos do art.° 503.°, n° 1, ambos do Cédigo Civ ‘Como sustenta Antunes Varela ?, 0 termo imputével do art” 505 Cédigo Civil nao é usado no sentido téenico com que é tomado nas dos art" 488." e 489° do mesmo Cédigo. De facto, nfo seria adequaci: justo que o detentor respondesse pelos efeitos do acidente que 0 Ie provoca intencionalmente s6 porque a vitima era inimputdvel, als, nV. ANTUNES VARELA, ab. rigs, 678 e ss — —_$§__ DiReMtO DAS OBRIGAGOES — CASOS PRATICOS RESOLVIOOS acidente provocado nesses termos deveré sequer ser incluido nos domfnios dios tiscos proprios do uso do veiculo. Ora, o que se trata, aqui, € de um problema de causalidade, que consiste em saber quando ¢ que os danos veri- ficados num acidente ndo devem ser juridicamente considerados como um feito do risco proprio do vesculo, mas sim como uma consequéncia do Facto praticado pela vitima. Posigdo diferente t8m outros autores, nomeadamente Sinde Monteiro, que defende que a responsabilidade do detentor 6 € exclufda se 0 lesado for técnico-juridicamente imputavel Em nossa opiniao, partilhando a posigfio defendida por Antunes Varela, segundo a qual, nestes casos, a culpa do lesado exclu o risco (e jé ndo a culpa docondutor que normalmente é o detentor), ¢ no havendo culpa do condutor, ‘Américo (que tomou as precaugdes normais de um automobilista atento), serio lesado, Bernardo, a ter que suportar os danos provocados pelo veiculo, exeluindo-se, por isso, a responsabilidade do comitente (detentor) prevista hos termos do art.° 503.°,n.* I, pelo que a pretensdo indemnizat6ria de seus pais ndo procederd. Numa situagdo oposta, Américo responderia civilmente (tal como pre~ ceitua o art.° 503.°, n° 3), caso se provasse ter havido inadverténcia de sua parte (por excesso de velocidade, por ex.) e, consequentemente, culpa, espor~ endo, inclusive, o comitente (Mundofrutas, SA, nos termos do art.” 500.° do Cédigo Civil) ¢ ainda, o lesado, Bernardo, pelo seu facto culposo, (Cir. art? 570. do Cédigo Civil). ¥ fundamental ter em atengdo que esta resolugdo se baseia na doutrina tradicional de que a culpa exclui o risco, isto é, havendo culpa do lesado ¢ afas- tada a responsabilidade fundada no risco. Na verdade, trata-se, somente, de tim problema de causalidade pura, ou seja, de saber quando ¢ que os danos verificados no acidente nao devem ser juridicamente considerados como um Rfeito do risco proprio do vefculo, mas sim como uma consequéncia do facto praticado pela vitima. ‘Todavia, autores hé que entendem que num acidente de viagdo podem concorter, paralelamente, 0 perigo especial do vefculo ¢ 0 facto do terceiro v, VAZ SERRA, Fundam 373, nota 2. to de Responsabilidade Civil, n 17%, € RLS. 99.% pa RESPONSABILIOADE CIVIL ow da vitima, devendo nestes casos, repartir-se a responsabilidade ou al -se a obrigagao de indemnizar com fundamento no risco. E 0 caso como Calvio da Silva, Sinde Monteiro e, sobretudo, Vaz Serra‘. ot admitem expressamente 0 concurso da culpa com 0 risco. A posigio é tada em lugares paralelos, lancando-se mao do elemento sistems deve estar sempre presente na hermenéutica juridica. Com efeito, este da culpa com 0 risco poder extrair-se de algumas disposicées legais, damente no regime da responsabilidade civil do produtor (Cfr. art. 7.° DL 383/89, de 6 Novembro, alterado pelo DL 131/202, de 24 de Abril anexo) ou em caso de acidentes causados por aeronaves (Cfr: DL 321 25 Setembro, alterado pelos DL 279/95, de 26 de Outubro, ¢ 208) 19 de Agosto). Ora, 0 concurso de culpa e risco nao esta consagrade ipsis ve artigos 503° 505.° do Cédigo Civil. pelo que a tese defendida destes autores constitui uma interpretagio teleoldgica, extensiv que, no caso sub judice, se consubstanciaria numa partilha de responsa entre o comitente (que responderia pelo risco, art.° 503.*, n.° Civil, caso 0 comissério ilidisse a presungao de culpa) ea v culposamente concortido para o dano do € ma, por 5) Imagine, agora, que Américo oferece uma “boleia” a0 Carlos, que pretendia deslocar-se também ao Porto, ¢ que, em ¥ deuma “enxurrada”, perde o controlo da viatura, despistando-se, ¢ ac por embater num muro. Na sequéncia deste acidente, Carlos fica gravemente ferido, que ser transportado para o hospital distrital mais préximo, onde the nosticam um lesio grave no baco, facto que o impossibilitard de exere« a sua actividade profissional durante um ano ¢ meio. Fica igualmente destruida a maquina de filmar do amigo de 4 habitualmente utilizada para algumas filmagens dos treinos de fute da equipa que orienta. Quid Juris?

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