PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM –
UTFPR
Allan Ledo
Walter Benjamin – O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov
Neste texto, Walter Benjamin descreve o escritor Nikolai Leskov como
um exemplo típico de um modelo de narração que encontrava-se em declínio na sociedade da época e que, de certa forma, ainda ecoa nos dias atuais. Para Benjamin, ao contrário de outros escritores, Leskov se distancia de seu próprio tempo e, consequentemente, dos leitores justamente por suas características de narrador “É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção” (BENJAMIN, 1994, p. 197). Segundo o autor, se a experiência de narrar está em crise, é porque fomos privados da “faculdade de intercambiar experiências” (BENJAMIN, 1994, p. 198). A experiência tornou-se incomunicável. Esse fenômeno intensificou-se com a Guerra Mundial. Os combatentes voltavam da guerra “pobres em experiência comunicável” (BENJAMIN, 1994, p. 198). Os livros que se produziram sobre a guerra, anos depois, não tinham nada em comum com a experiência transmitida na época pela oralidade. Mas esta crise tem origens mais antigas e remete, em certa medida, a crise da oralidade como fonte de narração “ A experiência que passa de pessoa a pessoa” (BENJAMIN, 1994, p. 198). Assim, o camponês sedentário e o marinheiro comerciante tinham muito a contar; aliavam o saber do passado e o das terras distantes e, muitas vezes, essas duas formas se interpenetravam no reino narrativo. Da mesma forma, outro aspecto a ser considerado estaria, para o autor, na dimensão utilitária da narrativa. Utilidade que pode se manifestar em conselho, lição moral ou sugestão pratica na vida, “o narrador é um homem que sabe dar conselhos” (BENJAMIN, 1994, p. 200). Mas “dar conselhos” tornou-se uma atividade antiquada pois “a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção. ” (BENJAMIN, 1994, p. 201). Isto posto, Benjamin descreve o surgimento do romance no período moderno como marco da morte da narrativa; distingue a tradição oral, “patrimônio da poesia épica” (1994, p. 201), cujo narrador e ouvintes compartilham as experiências narradas, do romance. Ao contrário do narrador da epopeia, “O romancista segrega-se. A origem do romance é o indivíduo isolado” (1994, p.201), resultado do incomensurável das experiências. Outro fator que contribuiu para a crise da narrativa, para Benjamin, foi o surgimento da imprensa, com a informação como nova forma de comunicação. Assim, “Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes” (1994, 203). A informação acaba tendo mais importância do que a narrativa. Daí por diante, Benjamin situa a arte de narrar como algo próprio do tempo do artesão: “O próprio Leskov considerava essa arte artesanal – a narrativa – como um oficio manual” (1994, p. 205); e o banimento da morte produzido pela sociedade burguesa do século XIX como algo que colaborou para a morte do narrador, uma vez que a ideia da morte está profundamente atrelada a autoridade do narrador. Benjamin vincula Leskov ao cronista “O cronista é o narrador da história” (1994, p. 209), ainda que transformado. Em Leskov, não se sabe se a narrativa se inscreve em uma concepção religiosa ou se tem um caráter de história natural; se remete a memória ou a rememoração; busca “a moral da história” ou “o sentido da vida”. Em suma, esse “sentido da vida” é o que o leitor procura no romance, pois já não mais pode encontra-lo no narrador. A história não tem mais moral. Leskov “figura entre os mestres e sábios” (BENJAMIN, p. 221). Suas narrativas são como provérbios, ruinas antigas na qual habitam um homem justo.
Bibliografia:
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai
Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221.