You are on page 1of 57
CAPITULO Ix José Mendes Marques, Dario Pdez e Isabel Rocha Pinto No dia-a-dia € frequente recorrermos a “méximas” do tipo “os portugueses so hos- pitaleiros”, os “ingleses so snobs”, os “suigos so pontuais”. A palavra “japonés” lembra-nos alguém com caracteristicas fisicas orientais a sair de um autocarro de turismo com trés méquinas fotograficas a tiracolo, Tais maximas © crengas esti associadas a esteredtipos. Mas 0 que é um esterestipo? Podemos definir os este- reétipos de muitas formas diferentes. Por exem- plo, como uma generalizago acerca de um grupo que considerada falsa ou exagerada por um observador (Brigham, 1971), um conjunto de crengas partilhadas por varias pessoas acerca de ‘um grupo social (Jones, Farina, Hastorf, Markus, Miller € Scott, 1984), que utilizamos para expli- car ¢ predizer © comportamento sobre os mem- bros desse grupo (Stephan e Rosenfield, 1982), a atribuigo de um trago a um grupo (Miller, 1982), a consequéncia das nossas limitages no processamento de informacio sobre outras pessoas (Hamilton e Gifford, 1976; Jones, 1982), a organizacao psicolégica do ambiente social em termos de grupos de pessoas consideradas idénticas ou equivalentes (Allport, 1954). Embora algumas definiges insistam mais sobre os processos de formaciio de esteredtipos, outras, mais sobre os seus contetidos, outras ainda, sobre as suas fungdes, estas definigdes tém uma caracteristica em comum. Elas consi- deram que os esteredtipos sdo estruturas cogni- tivas que contém os nossos conhecimentos ¢ expectativas, ¢ que determinam os nossos jul- gamentos ¢ avaliagSes acerca de grupos huma- nos e dos seus membros (Hamilton e Trolier, 1986; Mackie, Hamilton, Susskind e Rosselli, 1996). Estas crengas, julgamentos ¢ avaliagdes estio geralmente associados a caracteristicas como a “raga”, 0 sexo, a aparéncia fisica, a origem geografica ou social, ou a algum aspecto ligado, por exemplo, a identidade religiosa, politica, étnica, de género, de alguém (Miller, 1982). Como é representada a informagio que pos- suimos acerca dos grupos sociais nas nossas estruturas cognitivas? Quais so as consequén- cias dessa representagdo nos nossos julgamen- tos acerca desses grupos e dos seus membros? 436 De que forma os esterestipos interferem na informago que processamos acerca dos outros € no modo como processamos essa informa- ¢4o? Qual o seu impacto nas relagdes entre diferentes grupos na sociedade, nomeadamente, no preconceito e na discriminago social? E a estas questdes que dedicaremos o restante deste capitulo, 1. Lippmann e as “imagens nas nossas caberas™ Lippmann (1922) € considerado como 0 iniciador da concepgao contempordnea dos este- re6tipos ¢ das suas fungdes psicossociais (ver Ashmore e DelBoca, 1981; Oakes, Haslam e Turner, 1994; Miller, 1982). O pressuposto cen- tral de Lippmann era o de que a grande comple- xidade do mundo social impede-nos de assi- milaz-e compreender directamente todas as informagdes sobre os fenémenos que nele ocorrem quotidianamente. Assim, acabamos por seleccionar certas informagdes ¢ negligenciar outras, 0 que nos leva a construir uma represen- tagdo simplificada do mundo, que Lippman designava por psendo-ambiente. O pseudo- ambiente funciona, depois, como um mediador entre as pessoas ¢ os acontecimentos do mundo fisico e as nossas acces. Ou seja, nfo reagimos directamente a essas pessoas ¢ acontecimentos, mas sim as nossas interpretagdes das caract risticas dessas pessoas ¢ desses acontecimentos (Huici © Moya, 1994), Os esteredtipos, que Lippmann descrevia como “imagens dentro das nossas cabegas” (pictures in our heads), seriam, portanto, uma componente do pseudo-ambiente, que nos permitiriam compreender o lugar ocupade por cada grupo no seio da sociedade ¢ interpretar as acgdes dos membros desses grupos em consonéncia com essa compreensio, justi- ficando a0 mesmo tempo a posi¢do que nds proprios ocupamos na sociedade (ver Figura 1), FIGURA 1 Pseudo-ambiente filtragem simplificagao interpretacao da experlencia directa assimilacao cultural fotografias “na cabeca” justificacao da propria posicao social ocupada 438 Fiaurs 2 Esteredtipos, preconceitos ¢ discriminacao x discriminacao]comportamentos¢ ——} crengas, esteredtipo “No tenho amigos ‘Marcianos” sentimentos preconcaito | “Os Marcianos sé | |__ preguicosos” “N&o gosto de ‘Mercianos™ entre certas crengas ¢ certos valores sociais. Assim, as nossas categorias no so apenas conjuntos de conhecimentos sobre classes de objectos, mas também possuem um contetido emocional associado a todos esses objectos, que decorre da assimilagio de valores que nos so socialmente transmitidos. Finalmente, embora as nossas categorias sejam generalizagdes, essas generalizagdes podem variar ao longo de um continuum de racionalidade, desde, por exemplo, as leis cientificas (totalmente racionais) até aos esteredtipos (carregados de preconceitos). Estere6tipos, valores e comportamentos sociais Em relago a esta questio da racionalidade dos esteredtipos, Allport (1954) reconhecia o cariicter nefasto de muitos dos fenémenos sociais aos quais 0s esterestipos esto ligados, nomeada- mente a discriminacio de certos grupos, que, propunha, pode variar entre a antilocugao (a expressio verbal da rejeigio) e 0 atague fisico exterminio, passando pelo evitamento e segre- gagéo. No entanto, Allport preocupou-se em deixar bem clara a ideia de que, embora estejam relacionados, esteredtipos, preconceito e discri- minagao so fenémenos conceptualmente distin- tos, que correspondem, respectivamente, As com- ponentes coznitiva, emocional e comportamental das relages entre grupos sociais (ver Figura 2) De facto, podemos, por exemplo, possuir determinadas crengas sobre um grupo, mas no ‘nos comportarmos de acordo com essas crengas em relago aos membros desse grupo. Ou, entiio, podemos ter sentimentos negatives em relagdo a um grupo para o qual nao possuimos crengas definidas. Como exemplo desta relativa independéncia entre as trés componentes das relagdes entre grupos, Fiske (2004) refere uma metandlise reportada por Dovidio, Brigham, Johnson e Gaertner (1996) que revela que através de diferentes estudos, as correlagdes médias entre estereétipos, preconceitos e diseri- minag&o sao relativamente fracas, pois variam entre 32 16.

You might also like