You are on page 1of 21
ALAIN RABATEL Homo arrans POR UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA E INTERACIONISTA DA NARRATIVA Kaiinaved Pt Pontos de vista e logica da narracao teoria e analise, ‘TRADUGAO Maria das Gragas Soares Rodrigues Luis Passeggi Joo Gomes da Silva Neto REVISAO TECNICA Joo Gomes da Silva Neto Sesione SLE Introducao Geral POR UMA ANALISE ENUNCIATIVA DOS PONTOS DE VISTA NA NARRACAO. © objetivo desta obta é mostrar que a abordagem enunciativa do ponto de vista (otavante PDV), em mipturn com a tipologia das focalizagses de Genette, permite ultrapassar! uma narratologia de esséneia estruturali articular abordagens linguisticas, estilisticas e literirias, a0 ceder Iugar as paixdes, ds emogdes € ds sensagdes, por intermédio da atenglio dada as ques- {Bes entrecruzadas das vozes e dos pontos de vista, dos valores e da estética, Essa tomada de posiglo explica que nfo se faga, na entinda desta obra, uma engsima apresentagdio dos quadtos gerais da narrativa — isso foi feito emt obras tesricas de primeito plano (Greimas, Genette, Adam) Considera- tos, aqui, os elementos estruturantes da narrativa nao mais essencinlmente como manifestagtio de estruturas profiandas ou como matrizes de engersia- entos de narrativas, mas como os tragos dos processos interacionuis ¢ Pragmaticos em que o escritor opera escolhas, em funglo da situagio, do |. “Untrspassa", so setts flotcn de Auftebung, indies um movirsnto que no sui, pur € snplesment, mas cpr, una sinese Qu desloca ose das mes teadassoutrine um pers rove que renova sas sigs os fore coshecnento.A prabirtica do PDV dssengens ‘pa original neste proceso, em cuzo em alguns tabaos 2, Sem contra ini bras de ddtizago a analise da naratva que exten mercado 7 ALAIN RABATEL género, da imagem dos leitores ete. Essas escolhas, que produzem efeitos no leitor, sto analisaveis tanto como indicadoras de pontos de vista sobre @ historia como sobre a narragdo. Flas intensificam a anilise das interagdes entre as atividades de construgao da diegese ¢ as de sua colocagio em palavras, «, por isso, enriquecem a interpretagio das obras. Na verdade, elas se mostram ‘como meios de conhecimento por intermédio dos quais escritore leitor cons- troem o seu estar no mundo, por intermécio de sus relayd0 com 0 mundo € coma linguagem, com uma postura reflexiva fundada na dimensio cognitiva dda mimese, sem esquecer, no entanto, as emogées, por intermédio dos fend- menos empéticos, assim como as sensagies estéticas. Tal escolha teériea supe ultrapassar a abordagem imanentista da narrativa para se apoiar em uma andlise interactonista da narrativa, inserita, ela mesma, no quadto da anélise do discurso, pelo menos como foi desenvolvida por Maingueneau (2004), a respeito da anilise de textos literérios, e por Amossy (2006), parti- cularmente, para a andlise da dimensio argumentativa indireta, ‘A ruptura com a5 abordagens da narrativa que fazem da superficie do discurso a manifestagdo, de estruturas profundas imanentes nfo implica 0 abandono dos instrumentos que representam o esquema actancial, os per- ‘cursos semidticos inserides no quadro semidtico, os esquemas ternério ou ‘quinario da narrativa, as isotopias ete? Contrariamente, ela con ida a recon- sideré-los, nos quadtos teéricos que permitem apreender, mais finamente, 0 Jogo interacional dos personagens (tcorias das interayéies), bem como os fatores envolvidos na narragio (andlises pragméticas dos atos de discurso, do apagamento enunciativo, da argumentagao direta ou indireta), em conexdo com uma abordagem renovada da enunciago que cruze suas problemiticas ‘com as da narratologia, para proveito mituo dos dois paradigmas —a enun- ciagdo © a narratologia, tendo tudo a ganhar de uma reflexao sobre as ins- fincias da enuniagdo ¢ da narrag2o, sobre o escopo dos fendmenos de responsabilidade enunciativa ou dg levar em conta, desde que a anise nao se restringe mais aos limites da frase. 3. Naceatded, ecompreenso profi dos textos (liters) devera arcu tos a bondage, lus a sbordagem estuturaliss, quem & 0 cso de deixar no limbo O oso da presente obra na problemities do PDY nao significa, em memento algum, que as cts torts do txt scam sem ie tess. Vea 8 respite, Todorov (2007, p24), HOMO NARRANS - Vl. one de vit ei gio Em suma, é preciso que nos interessemos pelo “homem que conta”, se queremos dar a essa atividade do narrar sua dimensto antropologiea e lin- uistica, a0 “homem que natra”, HZomo narrans, tal como existe no e pelo discurso, a atualizagiio discursiva sendo o lugar de uma construggo e de uma transformaeao, por intermédio das interagdes dialdgicas, que vio além da produyo de estraturas profundas. Em outras palavras, é-nos preciso exami- nar 0 “homem que narra”, nfo mais por intermédio de uma logica da narra- tiva que reduz seu papel a uma voz mais ou menos desenearnads, assegu- rando fungées de “controle narrativo”, mas por intermédio de uma légica da narragaio que confere @ essa voz um corpo, um tom, um estilo, uma inserigo «em uma histéria (em todos os sentidos do termo), gostos ¢ desgostos, posi- «es assumidas que sé existem por intermédio da maneira de eriar mundos © personagens, e que € profundamente modificada e interrogada por esse processo criador, devido 4 sua dimensao radicalmente dialogica. 1. Homo narrans Homo narrans indica, portato, o descentramento teérico em curso da narrativa para a narragéo. Esse titulo merece algumas explicagdes, Em piuneiro lugar, ainda que pouco se considere, aqui, como isealmen- te nulas, as variagdes genéricas, histéricas e pessoais. t8o importantes, alias, © “homem* que natra” é, inicialmente, um sujeito que conta histérias a um certo cuditério, Vale a pena demorar-se na nog&o de sujeito, tanto esse iltimo ‘em mé fama em linguistics, Se ¢ corte saussuresno lingua / fala ¢ fundador de uma ciéncia da linguagem e permanece, a esse respeito, sempre pertinen- te, contra todos os desvins de aberdagens psicologizantes ou sociologizantes da fala, ndo € menos verdade que esse corte deva ser repensado, como a isso convidava Bally, jé hd longo tempo (Paveau; Sarfati, 2003, p. 89-94), a fim 4. Pease mcesthi prosisr oo? evidente gue Homo norons & ose humano, prs alm is crpesfeagde gentricas. Estes ingertnes, as, ness aso pata, toda eens seria e- ltr, em celigs & universiade da denorinagio sso vale para Fema narra, assim ome para tuna denominagEo to ténica coma de nenade, de evitar 0 obsticulo do sujeito ideal e desenearnado da lingua, dotado de ‘uma competéncia universal ¢ absoluta, tal como se encontra no sujeito genérico ou auténomo do estruturalismo, principalmente no gerativismo. Ultrapassar a privagio do sujeito implica o necessério levar em conta dos Fendmenos psicolbgicos, sociol6gicos ou cognitivos que o constroem, sem substituir a anélise antropol6gica pela andlise linguistica: em suma, trata- -se de evitar as imagens, ambas erréneas, de um sujeito idealmente todo poderoso ou de una teoria inconsistente, sem controle do real, esgotan- do-se sob os avatares do reflexo.‘ Certamente, o sujeito antropolégica* (ou filoséfico) — que se pode, rapidamente, definir como o suporte de com- portamentos, de pensamentos, de falas, de atos e, em resumo, de um destino — no parece a priori indispensivel para analisar © sujeito do emunciado — que se junta sob 0 neologsmo de subjetividade (Lazard, 2003), isto & 0 sujeito da predicagdo ¢ 0 sujeito da referéncia. Mas compreensio “plena ¢ inteira” do sujeito éa referéncia vai além das regras cotextuais ou correferenciais da sujeitidade para entrar na regra da subje- rividade, presente em toda parte, por inte-médio das escolhas de referes ciagio do mundo (ef, Forest, 2003), necessitando a compreensiio da rela- eo intralinguistica do ser com seu entorno ¢, portanto, a compreensdo do sujeito falante em suas relagées com o mendo, com 0 outro, consigo, com a lingua, enfim, 7 No interior do paradigma linguistico, varies concepp6es complementa- res do sujeito puseram em causa a conceppic do sujeito genérico universal do estruturalismo, ou até mesmo da pragmitica anglo-americana. E, de inicio, 0 caso da concepgto do sufetio coator; Baklitin, com a problemstien do interdiscurso e da interlocugo, Culioli, com a nog de coenunciagao, 5. Como parece evident, quando a igus 6 redurds A exprssto de noma soins ou de rears psictégionsexterioes ing, Desde eto slo tad de vin conpettcia ies! 2 wansmuta tmsam sujeo gid, dota do wma ingisgem varsparee,reflexo de posigGes apd ¢ revelador de osigdes no campo, come ua representa de ingusgem em Beuie (1982) “6, Nossa formal de um simlismo exagerndo Sabsros qe no este uma defini nica ura do sujet em antropologa oem flovoia.. Ayroveitamot esa not para sublinar 0 quam, tos tba antopolices,o set aman €apreendido vor nsrmédio de reprsentybes muita sos- tidus. Tendo em conta a complesidade do sj falas. embremos i, para 0s dogoss, pare no ‘tar apenas este exemlo ex humano ao em menos que oo laus (ef: Dexela, 2005, p 308-31). ee HOWO NARRANS bl, Porte vit gad ara » Jacques, com a de colocagao da enunciagtio em comunidade, ou Goffman, por intermédio do destaque do papel do alocutério na significagdo do ato, todos fazem 0 locutor perder sua espléndida autonomia, Esse movimento ‘amplia-se com a concepgio de sujeito heterogéneo: para Authier-Revuz, & heterogeneidade constitutiva da linguagem, devido a natureza socialize da do discurso, acompanha-se de uma heterogencidade mostrada, em raz0 das nfo coincidéncias do dizer. Segundo as teorias psivossocioldgicas da wala de Chicago, para Mead, Goffman, a heterogeneidade do sujeito resulta de um interacionismo simbélico, us atores clesempenhando papéis sociais, 0 “Eu” construindo uma unidade sempre posta em questo, por intermédio de sua maneira de desempenhar esses / seus papéis sociais heterogéneos, de aderir a eles, mantendo-os a disténcia (Goffman, 1989, p. 22). Enfim, a concepeto de sujeito polifénico questiona a unicidade & a homogenerdacte do sujeitu, ao levar em conta as vozes ¢ os pontos de vista que atravessam 4 fala do locutor, De acordo com Ducrot, um de seus maiores tedrivos, 6 locutor, rsponsivel pelo enunciado, di existéncia, por meio deste, a enun= ciadores, dos quais ele organiza os pontos de vista e as atitudes. E sua propria pposicdo pode se manifester, sea porque ele se assimila a esse ou a aquele dos cenunciadores, tomando-o como representante (0 enunciador & entio, atuali- zado), seja, simplesmente, porque ele escolheu faz8-los aparecer e © apareci- ‘mento deles & significative, mesmo que ele nfo se assimile a eles, (Ducrot, 1984, p. 205) Em outras palsras, 0 loeutor se torna o responsdvel pela encenagio ‘enunciativa, Em evo a essas representagdes, Homu narrans é triplamente sujeito, sujeito coator, sujeito heterogéneo, sujeito polifinico, nas velagies ‘em que o narrador estabelece com scuis pares, com seu aiditério, assim como ‘com seus personagens, sendo cipa7 de encenar uma multiplicidade de PV e de fazé-los dialogar entre si ‘Mas a multiplicagio dos PDV nfo implica, de fato, o fim do mito de “Sua Majestade, o Sujeito”, As metéforas teatrais da enunciago, como encenagiio, cenografia, podem alimentar a tese de um sujeito todo podero-

You might also like