You are on page 1of 11

ARTIGO

,.."
A MODEIJ.NIZAÇAO
TECNOLOGICA BRASILEIRA
E O AJUSTAMENTO DOS
RECURSOS HUMANOS

.Anita Kon
Professora do Departamento de Planejamento e
* PALAVRAS-CHAVE: modernização, tecnologia, re-
cursos humanos, região, qualificação.
Análise Econômica da EAESP/FGV e da
FENPUC/SP, e doutora pela FENUSP.

*theABSTRACT: The aim of this article is to investigate


impact of technological modernization upon Manpo-
*çãoRESUMO: O artigo examina os efeitos da moderniza-
tecnológica sobre o ajustamento da Força de Trabalho,
wer adjustment, which is differentiated in countries with
distinct leoels of development. lt focalizes the question of
que é diferenciado para países com vários níveis de desen- brazilian producer's choice with respect to the most ap-
volvimento. Enfoca a questão da escolha, pelos produtores, propriate techniques to fit nations specific conditions. It
de técnicas apropriadas às condições específicas de cada presents a critical appraisal of the brazilian situation, and
nação. Observa criticamente a situação brasileira e as it also examines the regional productive structures and
atuais condições para a busca da modernização tecnológi- domestic labor division.
ca, enfatizando a necessidade do ajustamento da oferta de
empregos à oferta de trabalhadores de cada espaço regio-
nal, que se apresenta diferenciada em termos de estruturas
produtivas e distribuição ocupacional.
* KEY TERMS: modernization, technology, human re-
sources, regions, qualification.

A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos


Revista de Administração de Empresas São Paulo, 31 (4): 5-15 Out./Dez. 1991 5
MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RH RAE

INTRODUÇÃO ções criativas para o caminho da moderniza-


ção econômica, em uma realidade como a do

A
busca da modernização econômica en- Brasil, além da busca de maior competitivida-
volve a determinação da sociedade bra- de e produtividade, essenciais à retomada do
sileira de perseguir objetivos como rees- desenvolvimento, implicam também na pos-
truturação da competitividade interna e inter- sibilidade de extensão da capacidade de ab-
nacional das empresas, associada à elevação sorção da força de trabalho a prazos menores,
da capacidade de produção e da produtivida- de forma efetiva e em condições satisfatórias,
de no sentido de baratear os custos e preços, de modo a ampliar a renda global e o merca-
via desenvolvimento tecnológico. do interno. E, nesse sentido, a escolha da tec-
A tomada de decisão pelas empresas com nologia, que atinja esses objetivos, nem sem-
respeito à alocação de investimentos voltados pre se volta para a tecnologia de ponta ou
à modernização, por sua vez, está condiciona- acentuadamente capital-intensiva, pois as ca-
da, entre outros determinantes, à disponibili- racterísticas espaciais da mão-de-obra não
dade relativa dos fatores de produção e dos permitem a introdução a curto prazo de técni-
níveis de produtividade associados à qualifi- cas que demandem níveis superiores de qua-
cação da mão-de-obra. Esta alocação tem co- lificação, sem a "importação" onerosa de re-
mo pano de fundo a escolha das novas tecno- cursos humanos ou o treinamento adicional a
logias ou de novos produtos e está associada médio e longo prazos.
ao conhecimento das características qualitati- A análise aqui empreendida, que se inicia
vas específicas da força de trabalho localizada com algumas considerações teóricas sobre as
no espaço potencialmente determinado como implicações regionais da inovação tecnológi-
âmbito das inversões. ca, tem por objetivo primeiramente o exame
O caminho da modernização econômica da situação do Brasil no cenário mundial, no
passa sem dúvida pela introdução de proces- que se refere à composição de sua distribui-
sos de produção mais avançados, no sentido ção ocupacional, tendo em vista as potenciali-
do aumento da produtividade e na escolha de dades do país na divisão internacional do tra-
tecnologias de ponta que permitam a compe- balho na atualidade. Em seqüência, é efetua-
titividade no mercado internacional e a dimi- da uma observação das diversidades espa-
nuição dos custos domésticos de produção. ciais nas estruturas produtivas e nos níveis de
No entanto, o grau de introdução da inovação qualificação da força de trabalho, como subsí-
está sujeito à adequação da oferta de empre- dio ao conhecimento da realidade interna do
gos às características peculiares da oferta de país, com vistas às possibilidades de introdu-
trabalhadores. ção da modernização tecnológica, de forma
Visando a oferecer subsídios para a busca diferenciada regionalmente.
da modernização econômica do Brasil, este
artigo tem a finalidade de examinar a distri- AS IMPqCAÇOES REGIONAIS DA INOVAÇÃO
buição ocupacional brasileira, observando TECNOLOGICA
suas características específicas, que se relacio-
nam à composição da estrutura produtiva do É patente que a introdução da inovação
país e ao grau de desenvolvimento tecnológi- tecnológica por parte de produtores públicos
co existente. Observam-se, no Brasil, diversi- e privados implica em uma escolha entre dife-
dades regionais consideráveis nesses dois de- rentes possibilidades tecnológicas, que reper-
terminantes que, se num primeiro momento cutirão na absorção de maior ou menor quan-
são condicionados pela natureza das forças de tidade do fator trabalho, de diferentes níveis
trabalho regionais, acabam posteriormente de qualificação, o que determinará a estrutu-
por condicionar a direção e o montante de in- ração diferenciada das ocupações de forma
vestimentos voltados para a modernização adaptada aos processos produtivos escolhi-
econômica, concentrando-os nos pólos mais dos. As microunidades empresariais elegem
avançados, onde o retorno ao capital é mais sua tecnologia com vistas ao seu desenvolvi-
rápido e seguro. mento econômico, levando em conta seus
O exame aqui desenvolvido mostra que a próprios objetivos de crescimento, os recursos
realidade brasileira revela que alguns espaços de que dispõem, a natureza do mercado que
nacionais não estão preparados, a curto pra- operam, o conhecimento das opções tecnoló-
zo, para a absorção de tecnologias que de- gicas disponíveis e a situação sócio-econômi-
mandem trabalho mais qualificado e, neste ca em que estão operando, além dos subsídios
caminho, o desenvolvimento dos recursos hu- governamentais oferecidos. No entanto, por
manos de modo a que se ajustem aos novos outro lado, a escolha da tecnologia apropria-
requisitos tecnológicos pode ter resultados da a essas condições, bem como o ritmo e a
em períodos mais longos. No entanto, as solu- velocidade das inovações prendem-se tam-

A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos


6
RAE MODERNIZAÇÃO TECNOL6GICA E RH

bém à capacidade de ajustamento da mão-de- no de polarização sócio-econômica. O espaço


obra aos novos requisitos de qualificação ad- polarizado, ao propiciar vantagens na escala
vindos da introdução de técnicas inovadas. de produção, elos intersetoriais (linkages), dis-
De qualquer maneira, o desenvolvimento ponibilidade de serviços complementares à
tecnológico implica em mudanças na capaci- produção e à distribuição de produtos, e des-
dade produtiva das economias e na participa- sa forma a possibilidade de maior grau de
ção dos diferentes fatores de produção. As- inovação tecnológica, molda as condições ne-
sim, esses conhecimentos técnicos atualizados cessárias para uma rápida difusão dos impul-
possibilitam a formação de novos capitais, sos de crescimento, dos setores propulsores
modificações na organização das empresas e para outros setores do mesmo espaço e poste-
na divisão de trabalho da sociedade. riormente para outras regiões.
Outras implicações dessas transformações Historicamente, observou-se uma forte co-
referem-se à espacialidade deste progresso nexão entre atividades inovadoras e a dinâmi-
tecnológico e, observando-se os impactos in- ca espacial, que se associam ainda à política
ternamente a cada espaço diferenciado de de investimentos públicos em infra-estrutura,
uma nação, essas mudanças são condiciona- produzindo ciclos urbanos e regionais de de-
das pelo ritmo e velocidade em que se verifi- senvolvimento, paralelamente aos ciclos de
cam os ajustamentos da força de trabalho ao inovação tecnológica, conforme constatou
processo de aceleração da especialização ou Nijkamp em suas pesquisas e foi observado
às formas mais atuais de organização da pro- empiricamente por Kon para o Brasil.' Essa
dução que objetivam a maior flexibilização da dinâmica faz-se sentir por meio de diferentes
mão-de-obra para a execução de tarefas mul- fases de desenvolvimento, que se relacionam
ti-especializadas e variadas. Estas condições aos centros urbanos mais avançados como
estão associadas à tipicidade da estrutura núcleos-chave para a geração da inovação, e
ocupacional vigente naquele momento - ou que condicionam e são condicionadas pelos
seja, o perfil típico de sua distribuição ocupa- movimentos de ajustamentos da mão-de-
cional no que diz respeito à qualificação - e à obra.
capacidade da obtenção de maior qualificação Esses processos dinâmicos referem-se a
a curto prazo pelos trabalhadores, o que irá efeitos de difusão geográfica da inovação tec-
repercutir na escolha da tecnologia a ser im- nológica - que Myrdal descreve como efeitos
plantada em cada região, pelos produtores. de dispersão e de repercussão ("spread and
Paralelamente a essas implicações relacio- backwash effects")2 - que se multiplicam via
nadas à mão-de-obra, os processos de inova- migração, fluxos de insumos e de produtos e
ção tecnológica dependem da possibilidade fluxos de capital. Além do mais, quando as
de cada região ter condições de uma deman- deseconomias de aglomeração ou os efeitos
da potencial suficiente (interna ou externa) de congestão espacial se fazem sentir em de-
para o aumento da produção resultante, ou terminadas áreas concentradoras do progres-
da capacidade daquela inovação induzir uma so tecnológico, as atividades inovadoras des-
demanda pela nova produção. Por outro lado, locam-se mais rapidamente para outras áreas.
estão sujeitos também à disponibilidade de Assim, se o potencial inovador requer um pa-
poupanças internas ou externas à região, sufi- tamar mínimo de dotação de infra-estrutura
cientes para financiar novos investimentos; is- como fonte de desenvolvimento regional
to por sua vez, implica na expectativa positi- e/ou urbano, podem ocorrer efeitos de con-
va de retornos vantajosos a estes investimen- gestão, após um certo nível considerável de
tos de capital, que podem esbarrar nas condi- concentração.
ções de desvantagens relativas de determina- Dessa forma, observamos a forte relação
dos espaços econômicos. A par disto, é supos- entre progresso tecnológico e a configuração 1. Veja-se NIJKAMP, P. "Te-
chnological Change, Policy
ta uma dotação satisfatória de capital específi- espacial do desenvolvimento econômico, que Response and Spatial Dy-
ca para investimentos públicos em infra-es- implica em formas também diferenciadas de namics". In: Evolving Geo-
trutura, que favoreça o processo de investi- ajustamento da mão-de-obra a esta dinâmica, graphical Structures, NATO,
definindo distribuições diversas das estrutu- AST Series, Martinus Nijhoff
mentos e de inovações naquele espaço. Publishers, The Hague,
Assim, é necessária uma combinação de ca- ras ocupacionais regionalizadas. 1983; KON, A. "A Segmen-
pital privado e público e de uma oferta de Devemos aqui buscar a origem dessa dinâ- tação Ocupacional do Mer-
mão-de-obra com qualificações específicas, mica espacial, na evolução dos elementos re- cado de Trabalho Brasileiro
em uma Abordagem Regio-
como condição para a criação de mudanças sultantes de formas de organização da pro- nal". Estudos Econômicos,
tecnológicas consideráveis em uma região. dução mais desenvolvidas, ou seja, na dimi- IPE/USP, nº Especial, 1989.
Essas mudanças podem ser consideradas co- nuição rápida dos custos de transportes, na
2. MYRDAL, G. Teoria Eco-
mo fatores propulsores do processo de desen- redução do peso de alguns produtos indus- nômica e Regiões Subde-
volvimento econômico regional, e manifes- triais, no desenvolvimento do consumo em senvolvidas. Ed. Saga, Rio
tam-se primordialmente por meio do fenôme- massa e na produção em grande escala, que de Janeiro, 1972.

A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos


7
MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RH RAE

requerem uma estandartização dos processos manos e de infra-estrutura de serviços com-


mediante a extensa mecanização. Estes fato- plementares.
res permitem o emprego de trabalhadores
não qualificados, bem como o recrutamento o BRASIL NO CENÁRIO MUNDIAL
de nova força de trabalho em áreas carentes
de tradições industriais, ao mesmo tempo Examinando-se a realidade brasileira, o
que exigem maior qualificação de parcela da que se observou historicamente para o país
mão-de-obra. como um todo é que a modernização tecnoló-
Essas transformações não podem se mate- gica e a conseqüente reestruturação da divi-
rializar nas formas estruturais pré-existentes, são do trabalho apresentaram uma dinâmica
pois requerem o apoio das grandes empresas mais intensa a partir de meados da década de
e do Estado que, graças a seu poder técnico, cinqüenta até os finais dos anos setenta (nesta
financeiro e de organização, são capazes de última década, verificando-se em maior
implantar, em um contexto espacial, novos grau), quando foram relativamente mais ele-
processos complicados de grande escala, ou vadas as taxas anuais de crescimento da po-
ainda de menor escala, porém com modelos pulação envolvida em ocupações mais quali-
avançados tecnológicos e de gestão. O mode- ficadas técnicas, científicas e administrativas.
lo de organização gerencial da grande empre- Verifica-se que, neste período, a taxa média
sa que implementa a divisão de suas opera- anual de crescimento dos investimentos este-
ções através de departamentos especializados ve em torno de 11%, o que no cenário mun-
(por exemplo, direção, pesquisa, comerciali- dial situava o país entre os mais dinâmicos.
zação, produção, marketing etc.), permite que No entanto, face ao período conjuntural
cada departamento busque a força de traba- crítico na economia do País, a década de oi-
lho mais adequada, a um custo menor, muitas tenta revelou-se, relativamente aos períodos
vezes propiciando a dispersão de sua produ- anteriores, uma época de queda nas taxas
ção por diferentes áreas, menos urbanizadas anuais de investimentos em Formação Bruta
que os centros polarizados. de Capital Fixo (-0,9%, comportamento com-
Essas diversidades espaciais nos níveis re- patível com os países de Renda Média Baixa)
gionais de qualificação da força de trabalho que se não evitaram um maior sucateamento
repercutem na localização, pelos tomadores da indústria, não prosseguiram com o ritmo
de decisões, da inovação tecnológica; nas de modernização anterior, o que vem se repe-
áreas menos desenvolvidas, o baixo nível téc- tindo nos primeiros anos da década de no-
nico dos processos produtivos escolhidos, por venta. As políticas governamentais de estabi-
sua vez, traz consigo a ampliação do emprego lização postas em prática neste período ate-
menos qualificado, enquanto que nas outras nuaram as transformações estruturais rele-
áreas nota-se um crescimento mais rápido das vantes que decorriam do continuado processo
qualificações e um grande desenvolvimento de inovação tecnológica. Assim, o ajustamen-
do emprego em ocupações de direção, pes- to do trabalho nestes últimos anos fez-se sen-
quisa e administração, como observado a ní- tir primordialmente na diminuição do nível
vel internacional por Schoenberger, Seott e geral do emprego, nas realocações de traba-
Storper.' lhadores de empresas para situações como
Para o caso brasileiro, Kon' observou que Conta Própria e de assalariados que trabalha-
3. SCHOENBERGER, E. as diferenciações regionais na estruturação vam com carteira assinada para a condição de
"Multinational Corporations ocupacional também refletem esses fatores, e trabalho sem carteira, e não na continuação
and The New International
Division of Labor: A Criticai resultam de condicionantes originados pela das transformações na estrutura ocupacional
Appraisal". International composição da oferta e pela demanda de em direção à maior qualificação.
Scie~ce Review, 11(2), mão-de-obra, por um lado, e, por outro, do Como resultado, observou-se a interrupção
1988, scon, A.J. & STOR-
PER, M. "Indústria de Alta
nível de disponibilidade de uma infra-estru- do caminho da modernização e, no cenário
Tecnologia e Desenvolvi- tura de serviços complementares que favore- mundial, o País retrocedeu relativamente a al-
mento Regional: Uma Crítica çam a introdução do progresso tecnológico. gumas nações que apresentavam o mesmo rit-
e Reconstrução Teórica". Os determinantes da oferta de trabalho refe- mo de desenvolvimento nas décadas anterio-
Espaço e Debates, Cortez
Ed. e Livr. Ltda., Ano VIII, nº rem-se particularmente ao nível e às caracte- res, como por exemplo os países do Leste
25,1988. rísticas qualitativas de escolaridade e treina- asiático, com os quais compunha, juntamente
mento da força de trabalho, bem como ao com a Argentina e o México o grupo dos
4. Para detalhes empíricos NICs (J/Newly Industrialising Countries" ou
consulte-se KON, A. "Consi- grau de urbanização da região. E a demanda
derações sobre os Diferen- por trabalho é determinada, entre outros fato- Países de Industrialização Recente). Após a
ciais Regionais da Estrutura res, pela escolha, por parte das empresas, do Segunda Guerra até os finais da década de
Ocupacional Brasileira". grau e das características da inovação tecnoló- 1970, o capital transnacional impulsionou
Anais do XVIII Encontro Na-
cional de Economia, 3, AN- gica, que se ajuste às condições regionais es- substancialmente essas economias em desen-
PEC, Fortaleza, 1989. pecíficas de disponibilidade de recursos hu- volvimento, entre as quais se incluia o Brasil,
A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos
8
RAE MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RH

e buscava alocar-se em nações em que os cus- vantagens comparativas em termos de custos


tos relativamente menores da mão-de-obra ti- de produção e distribuição de produtos.
nham um poder de atração considerável, con- Os padrões característicos da divisão de tra-
dicionando uma divisão internacional do tra- balho brasileira revelam a defasagem entre as
balho baseada nas vantagens comparativas condições atuais da composição da força de
dos países com grande disponibilidade de trabalho e as metas internas ou internacionais
trabalho menos remunerado. No entanto, a de modernização. O Brasil na atualidade situa-
partir dos anos oitenta, as transformações tec- se entre países considerados pelo Banco Mun-
nológicas baseadas em formas flexíveis de or- dial como de Renda Média Alta em termos de
ganização do trabalho e do processo de pro- PNB/ capita, no entanto os níveis educacionais
dução (experimentadas inicialmente no Japão e a distribuição ocupacional o aproximam mais
e nos países do Leste europeu, mas que rapi- intensamente das nações de Renda Média Bai-
damente estão se difundindo para os demais xa, como é visualizado na tabela 1.
países avançados) resultaram numa nova ten- De uma maneira global, as informações re-
dência internacional que prioriza a demanda velam que as configurações das estruturas
por trabalho mais qualificado, e a internacio- ocupacionais dos países (representadas pela
nalização do capital produtivo busca econo- participação dos trabalhadores em grupos de
mias que se adaptem à possibilidade de ofere- ocupações definidos) resultam de duas condi-
cer mais rapidamente serviços complementa- ções básicas:
res mais sofisticados. Nesse contexto, obser-
va-se uma reorganização econômica e uma a) das características das respectivas estrutu-
nova divisão mundial do trabalho, em que o ras produtivas e
Brasil apresenta desvantagens no que se refe- b) dos níveis de desenvolvimento tecnológi-
re à oferta de trabalho. O trabalho menos qua- cos dos processos produtivos.
lificado e mais barato deixa de apresentar . Os países de menor renda per capita baseiam

A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos


9
MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RH RAE

sua economia substancialmente na produção Setor Primário, até atingir um nível de matura-
rural e apresentam uma participação média de ção. Isto se verifica porque em vista das trans-
trabalhadores nessas ocupações em tomo de formações por que passam os processos pro-
57%;a par da menor representatividade relati- dutivos das empresas com o desenvolvimento
va de ocupados no setor Secundário, revelam tecnológico é observada uma reestruturação
ainda um baixo percentual de ocupações mais das organizações administrativas com a finali-
qualificadas técnicas, científicas e administrati- dade de gerenciar-se um volume maior de
vas, inferindo-se menor nível de avanço tecno- operações e de assumirem-se tarefas técnicas e
lógico nos processos produtivos. À medida do científicas especializadas, ao lado do desenvol-
aumento dos níveis de desenvolvimento e de vimento de serviços necessários para a satisfa-
industrialização e terciarização observados nas ção de novos padrões de demanda, como fi-
estruturas produtivas dos países, as participa- nanceiros, de consultoria, de manutenção e
ções dos trabalhadores nessas ocupações mais mesmo pessoais, que resultam em um proces-
qualificadas e na prestação de serviços aumen- so de desindustrialização, ou seja, a força de
tam, em detrimento da representatividade do trabalho se incorpora crescentemente nesse Se-

::~~~
Tabela 1: Indicadores sócio-econômicos médios mundiais, segundo faixa de renda

Baixa Renda Renda Industria- Brasil


,
.. Renda Média Média Uzados
s I Baixa Alta

PNB/capi/a (US$) 290 1.200 2.710 14.430 2020

Investimento/1980-87 (%a.a.) 1,8 -3,7 0,1 3,1 -0,9

Educação (%)*

Seclmrl:jri~ 35 51 59 92 36
Superior 1 17 20 39 11

Distribuição ocupacional (%)

Técnicas e cientificas 3,0 6,2 10,1 17,7 6,7


Administrativas 3,8 6,5 16,4 21,6 13,1
Indústria, Transp., 19,0 20,3 30,7 32,0 23,2
Comunicacão
Agropecuárias 57,0 45,0 15,4 6,5 27,1
Comércio 8,4 9,0 11,0 9,6 9,3
Serviços 8,8 13,0 16,4 12,6 20,6

Estrutura produtiva (% PIB)

Primário 31,0 15,0 10,0 3,0 11,0


Secundário 24,0 37,0 40,0 36,0 38,0
Terciário 45,0 48,0 50,0 61,0 51,0

FONTE: World Development Report/1989 e Year Book of Statistics/1989 .


• Número de estudantes como percentual do grupo etário correspondente.

A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos


10
MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RH
RAE

tor Terciário complementar. mos de qualificação e de condições de treina-


Para a média do Brasil, embora a estrutura mento adicional, que acarretam às empresas
produtiva ainda revele uma situação compatí- maiores retornos na localização nessas áreas."
vel à dos países de Renda Média Alta, no en- As estruturas produtivas espaciais observa-
tanto, menos de 7% de pessoas ocupadas das refletem esta polarização, como é visuali-
exercem atividades técnico-científicas qualifi- zado na tabela 2, haja vista a forte concentra-
cadas o que, em uma comparação internacio- ção da população ocupada nas atividades in-
nal revela um padrão consideravelmente dustriais dinâmicas paulistas, particularmente
abaixo da média dos países desse nível de de- na Indústria de Transformação (42% dos tra-
senvolvimento que possuem em torno de 10% balhadores do país dedicam-se a essas ativida-
de pessoas nessas colocações. O mesmo se ve- des). Como ocorre a âmbito mundial, também
rifica com relação às ocupações administrati- internamente ao País, a níveis diferenciados
vas e industriais que revelam uma representa- de renda per capita correspondem estruturas
tividade inferior à maior parte dos demais produtivas em diferentes estágios de transfor-
países de Renda Média Alta. mações, que determinam "especializações" es-
Paralelamente, o baixo nível de representati- pecíficas em setores de atividades econômicas.
vidade de pessoas engajadas no ensino de Pri- Salienta-se, inicialmente, que nas regiões
meiro e Segundo Graus e Superior em relação em que se apresentam as maiores concentra-
a outras nações da respectiva faixa de renda ções de trabalhadores, se observam os maiores
explica este desajustamento, que se manifesta contrastes em termos de desenvolvimento
numa capacidade diminuída ou em menor ve- econômico, ou seja, no Nordeste alocam-se
locidade de ajustamento da força de trabalho acima de 27% dos trabalhadores do país, con-
às necessidades de qualificação impostas pela tribuindo com cerca de 12% do PIB nacional e
modernização. Para o global do País, cerca de com uma renda per capita pouco acima de
47% dos ocupados exercem atividades semi- US$ 750, enquanto que o estado de São Paulo
qualificadas porém que exigem baixo nível de ocupa 23% das pessoas, gerando acima de
capacitação. Por outro lado, observa-se um 39% do PIB brasileiro e com uma renda per ca-
percentual considerável de trabalhadores autô- pita próxima a US$ 3.300. Portanto, apesar da
nomos menos qualificados (cerca de 1/4 da concentração semelhante de trabalhadores nos
população ocupada) que, na sua grande maio- dois espaços, as composições das estruturas
ria, assim se situam por não encontrarem con- produtivas são substancialmente diferentes.
dições satisfatórias de trabalho em empresas. Observando-se os Quoficientes de Especiali-
Para o agravamento das condições internas zação Regional (QEsj) para os diferentes seto-
de modernização do Brasil, contribui o baixo res, que refletem as "vocações" espaciais para
nível de investimentos da década de 1980, fa- as diferentes atividades, verificam-se índices
ce às políticas econômicas recessivas que obje- superiores à unidade para a maior parte dos
tivavam a estabilização.' Se o crescimento po- setores das regiões mais avançadas do Rio de
pulacional esteve em torno de 2,4% ao ano, os Janeiro e de São Paulo, o que significa uma es-
investimentos observaram uma queda anual pecialização regional com relação à média na-
de 0,9% até 1987, o que resultou num recru- cional. No entanto, o primeiro estado é mais
descimento do atraso tecnológico relativo do especializado em atividades terciárias, enquan-
país no cenário mundial. to que para São Paulo é mais considerável a es-
pecialização na Indústria de Transformação.
AS DIFERENÇAS REGIONAIS NA ESTRUTURA A região Sul, a que engloba os estados de
PRODUTNA BRASILEIRA Minas Gerais e Espírito Santo e a região do
Centro-Oeste situam-se em um nível interme-
A observação a nível regional, no entanto, diário de desenvolvimento, com rendas per ca-
revela dispersões consideráveis nestes pa- pita situadas entre US$ 1.500 e 2.000, porém as
drões médios do país, como é notório. Estas estruturas produtivas das duas primeiras 5. Uma discussão adicional
mostram uma especialização mais intensa no é desenvolvida em KON, A.
diferenciações resultam da concentração his- Padrões e Condicionantes
toricamente inicial de investimentos em ino- setor Primário, enquanto que a da última re- da Estruturação Ocupacio-
vação tecnológica na região Sudeste, e a pos- flete a influência da capital nacional, com maior nal Brasileira: uma aborda-
terior difusão dessa modernização assumiu concentração em atividades de serviços, parti- gem inter-regional. Tese de
Doutorado, FEA/USP, 1990,
aspectos de "desconcentração concentrada" cularmente da Administração Pública. Embo- Capítulo 4.
em torno desse centro polarizador. Isto se ve- ra os QEsj do setor Secundário da região Sul
rificou face ao desenvolvimento de economias do País se apresentem inferiores à unidade, re- 6. Para maiores detalhes,
velando a não especialização nestas ativida- consultar KON, A. Padrões e
de aglomeração ocasionadas pela disponibili- Condicionantes da Estrutu-
dade de infra-estrutura de serviços comple- des, a absorção relativa de trabalhadores nas ração Ocupacional Brasilei-
mentares por um lado, e da situação mais pri- indústrias de Transformação e de Construção ra: uma abordagem inter-re-
é ainda superior à do Rio de Janeiro, e equipa- gional. Op. cit., Capítulo 7.
vilegiada de seus recursos humanos em ter-
A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos
11
MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RH RAE

Tabela 2: Distribuição regional das atividades econômicas

DistribuiçãO Regional da Popu!. Ocupada Quoficiente de Especialização


(%) Regional (QEsj}t
SETORES

BR RJ SP S MG-ES ME CO N RJ SP S MG-ES NE CO W

PRIMÁRIO 100 1,8 8,6 23,2 15,2 44,5 6,0 0,7 0,18 0,37 1,31 1,19 1,62 0,91 1,45

SECUNOÁRlO100 11.7 36.6 16,3 10,8 16,8 5,3 2,6 1,18 1,58 0,92 0,84 0,61 0,80 0,62
Ind. Transl. 100 10.7 42,1 16,7 8,9 16,0 3,5 2,2 1,08 1,81 0,94 0,70 0,58 0,98 0,52
Construção 100 14,7 27,5 15,7 14,9 15,5 7,7 3,0 1,48 1,19 0,89 1,16 0,57 1,17 0,71
Outras Ind. 100 9,2 15,7 13,3 12,5 30,3 12,5 5,4 0,93 0,68 0,75 0,98 1,11 1,89 1,23

TERCIÁRIO 100 14,4 26,8 14,3 12,2 20,9 7,9 3,3 1.45 1,16 0,81 0,95 0,76 1,20 0,79
Comércio 100 12,3 26,1 15,4 10,9 24,4 7,1 4,0 1,24 1,13 0,87 0,85 0,88 1,08 0,95
Transp.Com. 100 14.4 29,0 15,8 12,0 18,8 6,4 3,6 1,45 1,25 0,89 0,94 0,69 0,97 0,86
Ativ.Financ. 100 15,7 38,9 15,1 10,1 11,5 6,8 2,0 1,59 1,68 0,85 0,79 0,42 1,03 0,48
Serv.Sociais 100 14,1 24,8 14,5 12,1 23,9 7,3 3,3 1,42 1,07 0,82 0,95 0,87 1,11 0,79
Adm. Pública 100 16,1 19,2 15,4 10,2 22,3 11,3 5,0 1,68 0,83 0,87 0,80 0,81 1,71 1,19
Serv.Reparaç.100 12,5 27,3 16,6 13,0 10,0 7,5 3,2 1,28 1,18 0,94 1,02 0,73 1,14 0,76
Serv.Aux.Emp.100 15,2 35,4 16,0 10,6 12,6 7,1 3,0 1,54 1,53 0,90 0,83 0,46 1,08 0,71
Demais Servo 100 15,4 262 13,4 14,3 20,5 7,7 2,5 1,56 1,13 0,73 1,12 0,75 1,17 0,60

TOTAL 100 9,4 23,2 17,7 12,8 27.4 6,6 2,3 - - - - - - -

Fonte: FIBGE- PNAD/1983, Tabulação Especial.


1. QEsj = Xsj/Xj, sendo Xsj o número de população ocupada no setor s na região j, e Xj o número de população ocupada na região j.
2. Inclui zona rural.

rada à do Nordeste, enquanto que Minas Ge- nesse contexto desde grandes firmas monopo-
rais e Espírito Santo revelam índices superio- listas até unidades empresariais familiares) e os
res à unidade também na indústria de Cons- demais trabalham como produtores autônomos
trução e em Serviços de Reparação, ou prestando serviços domésticos, Espacial-
Apesar de o Nordeste concentrar próximo a mente o estado de São Paulo apresenta a maior
17% dos trabalhadores das indústrias do País representatividade nas empresas, enquanto que
(percentual superior ao das demais regiões), o Nordeste apresenta a maior participação de
seu índice de especialização nesta área é infe- trabalhadores por conta própria. Observa-se,
rior e sua "vocação" situa-se no setor Primá- também, que para as regiões mais avançadas
rio, que aloca quase 45% dos trabalhadores (São Paulo e Rio de Janeiro) os ocupados dedi-
agrícolas nacionais, e apenas na indústria Ex- cados a atividades administrativas e a ocupa-
trativa Mineral o QEsj é superior à unidade, ções de Dirigentes (proprietários, administra-
Também o Norte revela especialização nestes dores, gerentes), são relativamente mais repre-
setores, e na Administração Pública, embora sentativos, refletindo organizações empresa-
se observe forte concentração de atividades in- riais mais modernas, como vimos, No Centro-
dustriais de Transformação em Manaus. Oeste, essas categorias ocupacionais são consi-
deráveis, como resultado da condição de centro
AS DISPERSÕES NA DISTRIBUIÇÃO de tomada de decisões governamentais.
OCUPACIONAL REGIONALIZADA No Sudeste como um todo, apesar da con-
dição de centro econômico polarizador, a es-
Se a composição das estruturas produtivas truturação do estado de São Paulo retrata a
espaciais do país refletem os níveis de desen- coexistência de tecnologias de ponta com tec-
volvimento econômico, sua distribuição ocu- nologias mais "tradicionais", que proporcio-
pacional regionalizada (ver tabela 3) revela o nalmente se utilizam de maior representativi-
grau de progresso tecnológicoem cada espaço, dade de trabalhadores semiqualificados (par-
Para o global nacional, quase 3/4 dos ocupa- ticularmente sem atribuições de chefia), en-
dos alocam-se em empresas (considerando-se quanto no Rio de Janeiro a participação de

A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos


12
RAE MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RH

qualificados é mais elevada (principalmente dores em ocupações administrativas e qualifi-


com nível superior de escolaridade) e repre- cadas é a mais baixa do país, e como contra-
senta um resquício da antiga condição de Ca- partida a representatividade de não-qualifica-
pital do Pais, já que, em grande parte, se refe- dos na produção direta de bens e serviços é
rem à Administração Pública. considerável (14%,enquanto que as demais re-
No entanto, se em São Paulo a participação giões se situam entre 2% a menos de 4%).
de semiqualificados se situa próxima às re- As regiões intermediárias ou inferiores em
giões do Sul e de Minas Gerais e Espírito San- nível de desenvolvimento, além do mais, re-
to, a representatividade de qualificados na tratam um potencial considerável de trabalha-
distribuição ocupacional paulista é superior. dores dedicados a atividades semiqualificadas
Estas duas regiões de nível intermediário de autônomas, que aí se alocam por não encon-
desenvolvimento apresentam as mais signifi- trarem condições de absorção em empresas.
cativas concentrações de ocupados do país na A observação dos níveis regionais de esco-
categoria de semiqualificados sem atribuições laridade, por sua vez, revela que para cada
de chefia da produção direta de bens e servi- categoria ocupacional, o Nordeste apresenta
ços, particularmente alocados na Agricultura uma média de anos de estudo inferior à dos
e em indústrias ditas tradicionais, que apre- demais espaços, enquanto Rio de Janeiro e
sentam menor grau de progresso tecnológico. São Paulo mostram uma média superior. Es-
A estruturação ocupacional do Nordeste re- sas condições permitem, inferir-se a relação
vela um padrão típico de processos produtivos entre qualificação dos recursos humanos e de-
consideravelmente menos avançados, uma vez senvolvimento tecnológico/
que a participação de dirigentes e de trabalha- Conclui-seque as diferençasregionais na dis-

Tabela 3: Distribuição da população ocupada por categoria ocupacional, segundo as regiões (%)

.. SP
Categorias BRASIL RJ S MG-ES NE CO N*

EMPRESAS 73,6 74,1 79,3 73,3 72,6 70,5 69,1 71,4


Dirigentes 5,1 6,4 6,7 4,8 5,6 2,9 6,4 5,0

Produção 54,5 45,5 53,8 56,7 56,3 58,3 47,2 46,3


Qualific.1' 1.9 2,4 2.8 1.5 1,6 1,2 1,9 2,6
QualHic.2' 3,4 5,0 3,2 3,0 3,4 3,1 3,5 4,7
Semi-qual. i' 39,8 30,7 39,9 46,6 45,5 37,4 35,7 30,3
Semi-qual. 2' 3,8 4,7 5,2 3,6 3,4 2,6 3,8 5,2
Não-qualif. 5,6 2,7 2,7 2,0 2,4 14,0 2,3 3,5

Administração 14,0 22,2 18,8 11,8 10,7 9,3 15,5 20,1


Oualific.1' 1,1 1,8 1,6 1,1 0,8 0,7 1,0 1,8
Oualific.2i 0,6 1,2 0,7 0,6 0,4 0,4 1,0 0,8
Semi-qual. l' 6,9 10,8 9,8 6.1 5,5 4,2 6,9 9,1
Semi-qua I. 2' 1,3 2,3 1,4 0,9 0,8 0,9 2,1 2,1

Não-qual if. 4,1 6,1 5,3 3,1 3,2 3,1 4,5 6,3

CONTAPRÓPRIA 19,0 14,7 12,7 21,0 18,2 24,3 20,9 21,3


Profis.Liberais 0,4 0,7 0,6 0,4 0,5 0,2 0,4 0,2
Outros 18,6 14.0 12,1 20,6 17,7 24,1 20,5 21,1

SERVoDOMÉSTICO 7,4 11,2 8,0 5.7 9,2 5,2 10,0 7,3

TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: FIBGE - PNAD/1983, Tabulação especial .


.• Zona urbana.
1. Qualificados com nível técnico de escolaridade.
2. Oualificados com nível Superior de escolaridade.
3. Semi-qualificados sem atribuições de chefia. 7. Idem, ibidem, idem, para
4. Semi-qualificados com atribuições de chefia ou de maior responsabilidade. uma análise pormenorizada.

A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos


13
MODERNIZAÇAo TECNOLÓGICA E RH RAE

tribuição ocupacional brasileira refletem, por o trabalhador mais flexível.


um lado, as características da demanda por tra- Observa-se em âmbito internacional, que a
balho (estrutura produtiva); porém, essa de- configuração ocupacional dos países de vá-
manda também se molda à possibilidade da in- rios níveis de desenvolvimento está relaciona-
trodução da inovação tecnológica em espaços da às características de sua estrutura produti-
em que a força de trabalho responda com maior va e aos níveis de desenvolvimento tecnológi-
rapidez e eficiência aos novos requisitos advin- co, associados à qualificação da mão-de-obra.
dos dos processos produtivos diferenciados. Nesse contexto, no Brasil, embora apresentan-
A partir dessas constatações sobre a espe- do um PNBjcapita e uma estrutura produtiva
cialização regional e a distribuição regional que o situam entre os países de Renda Média
do avanço tecnológico, é necessário salientar- Alta, a distribuição ocupacional (como indica-
se que as discussões pelos agentes econômi- dor da modernização tecnológica, desde que
cos (empresas, trabalhadores e governo) - apresenta uma representatividade relativa-
sobre as novas bases para uma política indus- mente menor de trabalhadores nas categorias
trial e de desenvolvimento tecnológico que vi- mais qualificadas e maior nas não qualifica-
sem a retomar o nível de modernização e di- das) e os indicadores de Educação o aproxi-
minuir as desvantagens do país no cenário in- mam mais de nações de menor nível de de-
ternacional e doméstico - a par do objetivo senvolvimento, ou de Renda Média Baixa.
de ampliação da produtividade e da competi- Por outro lado, a observação das diferenças
tividade, devem incorporar a idéia de que a regionais da distribuição ocupacional brasilei-
escolha entre diferentes possibilidades tecno- ra revela que, também internamente ao país, as
lógicas e dos setores a serem favorecidos com diferenças em níveis de desenvolvimento eco-
uma política de pesquisa leve em conta a tec- nômico associam-se também a estruturas pro-
nologia apropriada para as condições brasilei- dutivas mais ou menos especializadas em seto-
ras. Em primeiro lugar, atentando para as par- res dinâmicos e refletem o grau de desenvolvi-
ticularidades espaciais dos recursos humanos mento tecnológico dos diversos espaços. As-
e paralelamente para a possibilidade de pro- sim, as regiões mais desenvolvidas em termos
piciar formas eficientes de qualificação que de renda per capita apresentam uma especiali-
atuem no sentido de um rápido ajustamento zação acentuada em setores industriais e ter-
da mão-de-obra às novas demandas por tra- ciários e uma representatividade superior de
balho resultantes da inovação. ocupados em categorias mais qualificadas e
Cabe aos tomadores de decisão das empre- em cargos de dirigentes (administradores, ge-
sas levarem em conta que a situação de incer- rentes, proprietários), bem como uma maior
tezas, de ambigüidades e de defasagem tec- participação de trabalhadores na área adminis-
nológica, por que passa o país, exige soluções trativa em relação à área de produção direta de
inovadoras e flexíveis no que se refere à busca bens e serviços. Paralelamente, as regiões mais
da modernização, incorporando à idéia de in- desenvolvidas mostram um maior percentual
vestimento em tecnologia de ponta ou mais de trabalhadores ocupados nas empresas em
modernas a visão do aproveitamento das relação às regiões menos desenvolvidas. Nes-
oportunidades oferecidas por novos espaços tas, a proporção de trabalhadores ocupados
econômicos, respeitando as condições cultu- por conta própria e de não-qualificados na em-
rais e econômicas de seus recursos humanos. presa é relativamente maior.
Pesquisas sobre as causas das diferenças na
CONSIDERAÇOES FINAIS distribuição ocupacional e nos níveis de espe-
cialização de determinados espaços brasilei-
o exame da distribuição ocupacional brasi- ros em setores econômicos dinâmicos mostra-
leira, aqui empreendido, revelou que as trans- ram que, por um lado, se salientam fatores re-
formações estruturais em direção à moderni- lacionados à disponibilidade de infra-estrutu-
zação, que vinham ocorrendo com a crescente ra e de economias de aglomeração que atra-
industrialização a partir da década de 1950, vés do fornecimento de serviços complemen-
assumiram determinados padrões em 1980 tares às empresas possibilitaram a introdução
que não se alteraram no período posterior. Is- de tecnologias mais avançadas, Observou-se
to constituiu em uma perda de posição no ainda que essas regiões mais avançadas apre-
mercado internacional em relação a outros sentam um grau de integração setorial inten-
países (NICs) que iniciaram o seu processo de so com outros setores, tanto da mesma região
industrialização no mesmo período, com o quanto das demais, enquanto que os espaços
mesmo ritmo, e que, no entanto, continuaram menos desenvolvidos carecem de integração.
seu desenvolvimento no período mais recen- Porém, por outro lado, a introdução do
te, adaptando-se a uma nova tendência mun- progresso tecnológico nos diversos espaços
dial que prioriza o trabalho mais qualificado e brasileiros foi confrontada com a natureza da
A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos
14
MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RH
RAE

oferta de mão-de-obra regional e com a capa- vamente menores retornos aos investimentos
cidade de ajustamento desta aos requisitos de em modernização tecnológica.
qualificação demandados por novas técnicas." Por sua vez, por parte das empresas priva-
A introdução de tecnologias mais avançadas das, a escolha tecnológica apropriada pode
ou de ponta localizou-se nos espaços polari- priorizar os retornos mais rápidos ao capital,
zados, também por conta da capacidade de e, nesse caso, a tecnologia de ponta e a de-
incorporação mais rápida de trabalhadores manda por força de trabalho mais qualificada
mais qualificados, difundindo-se lentamente e flexível é introduzida principalmente nas re-
para outros espaços, através de uma "descon- giões providas de uma infra-estrutura de ser-
centração concentradora"." viços complementares que representam eco-
Dessa forma, qualquer discussão sobre a nomias de aglomeração. Por outro lado, espa-
busca da modernização tecnológica no Brasil ços menos desenvolvidos podem potencial-
deve incorporar o conhecimento das diferen- mente oferecer algumas vantagens relativas
ças regionais na realidade brasileira e a inter- para a escolha da localização industrial, liga-
venção, nesse sentido, tanto governamental das por exemplo ao menor custo da mão-de-
quanto privada, só terá bons resultados à me- obra, à não existência de congestionamento
dida que se considerar as condições regionais ou à proximidade de matérias primas especí-
específicas da oferta de trabalhadores. A idéia ficas. Neste caso, o desenvolvimento de inver-
de modernização inclui também a exploração sões em regiões menos avançadas deve bus-
do potencial regional da mão-de-obra menos car a exploração dessas vantagens comparati-
qualificada, adaptando no curto prazo os in- vas, que proporcionam também o aumento da
vestimentos tecnológicos às condições especí- absorção de trabalhadores - ainda que por
ficas de sua força de trabalho, enquanto não meio de tecnologias menos avançadas parale-
se criarem (a longo prazo) as condições para a lamente às tecnologias de ponta que buscam
introdução de técnicas mais avançadas. maior produtividade e competitividade -
Existem, entre as técnicas conhecidas pela com a finalidade da obtenção do maior escoa-
sociedade e que conduzem aos objetivos de mento da produção via ampliação da renda e
modernização, as que maximizarão o poten- do mercado interno. A atividade inovadora
cial social em termos de absorção de sua força pela empresa privada nestes espaços deve ter
de trabalho, e, portanto, serão apropriadas às como filosofia a adaptação de novas técnicas
características sócio-econômicas de cada reali- à disponibilidade relativa dos fatores de pro-
dade regional brasileira. Dentro dessa escolha dução, à natureza do mercado potencial (re-
pelas empresas privadas e públicas, está inse- presentado pela demanda interna e externa à
rida a idéia de integrar as regiões menos de- região) e aos efeitos de repercussão e disper-
senvolvidas à matriz nacional de relações in- são da modernização.
terindustriais, e de incorporar a nação como Nesse sentido, a escolha de novos produtos
um todo na matriz mundial de relações eco- ou processos de produção para consumo em
nômicas, e, nesse sentido, é fundamental a es- massa, via estandartização dos processos de
colha dos setores de atividades que propor- produção, em espaços menos privilegiados,
cionem esta integração. pode contemplar técnicas que permitam a in-
Por parte do setor público, essa integração corporação de trabalhadores menos qualifica-
depende diretamente de condições favoráveis dos. Os modelos de organização gerencial de
efetivamente criadas por políticas governa- grandes empresas, já encontrados no Brasil,
mentais que visem ao estabelecimento de baseados num processo multidivisional, ou
uma infra-estrutura de serviços complemen- seja, na implementação da divisão de suas
tares, por um lado, e, por outro, o aumento da operações em departamentos especializados,
capacitação da força de trabalho, o que se ini- permitem que a empresa estabeleça cada de-
cia pelo suprimento de condições básicas de partamento em espaços que proporcionem
aumento da escolaridade formaL Observou-se vantagens comparativas diferenciadas, o que
que as populações detentoras de maior nível muitas vezes pode propiciar a dispersão de
de escolarização formal estão mais prepara- sua produção por diferentes àreas menos ur-
das para receber treinamento adicional no banizadas e menos polarizadas.
próprio emprego ou em cursos especializa- A modernização tecnológica no Brasil, por-
dos, de modo a se ajustarem com maior efici- tanto, deve contemplar não apenas o aumento
8. Idem, ibidem, Capítulo 8.
ência e velocidade aos requisitos de qualifica- da produtividade e da competitividade via a
ção resultantes da inovação tecnológica. As introdução de tecnologias de ponta mais so- 9. Conforme pesquisa empí-
medidas governamentais nesse sentido terão fisticadas, mas também buscar formas de or- rica de Azzoni, descrita em
ganização da produção e processos de produ- Indústria e Reversão da Po-
a finalidade de diminuir as desvantagens 10- larização no Brasil, IPE/USP,
cacionais que determinados espaços apresen- ção próprios, baseados nas condições específi- Série Ensaios Econômicos
tam para as empresas por acarretarem relati- cas de cada espaço diferenciado. O nº 58, 1986.

A modernização tecnologica brasileira e o ajustamento dos recursos humanos


15

You might also like