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CONHECIMENTO AO ALCANCE DE TODOS: O DIÁLOGO ENTRE

JORNALISMO CIENTÍFICO E TRADUÇÃO

Fedra Rodríguez Hinojosa

RESUMO ABSTRACT

A explosão do The enhancement of


desenvolvimento da ciência e science and technology during
tecnologia no século XX tem the XX century has evidenced
evidenciado a importância do the importance of specialized
discurso especializado e, em discourse and, mainly, Science
especial, do Jornalismo Journalism. In light of the
Científico. Na luz dessa above, the present article
concepção, o presente artigo discusses the principal
apresenta as principais characteristics and the
características e discute a relevance of this journalistic
relevância dessa vertente field. Moreover, taking account
jornalística. Mais ainda, of that the phenomenon of
ponderando que o fenômeno de globalization points out the
globalização traz a necessidade need of translating scientific
de se traduzir reportagens e reports and news, which
notícias científicas para facilitates the spread of
viabilizar a transmissão de knowledge, we have carried out
conhecimentos entre países, foi a brief analysis of translation,
realizada uma breve análise de supported by Frank Esser,
tradução, apoiada nas teorias Christiane Nord and Rosemary
de Frank Esser, Christiane Nord Arrojo’s theories, in order to
e Rosemary Arrojo, com o check out if the translation
interesse de verificar se o process considers the social
processo tradutório leva em and cultural context, allowing
consideração o contexto social the dialogue and understanding
e cultural, permitindo o diálogo between text writer and reader.
e compreensão entre emissor
de texto e leitor. Keywords: Journalism,
Science, Translation, Culture.
Palavras chave: Jornalismo,
Ciência, Tradução, Cultura.
1. Introdução

O jornalismo científico teve início em meados do século XVI, no


chamado período da revolução científica, quando os estudiosos de
vários campos de conhecimento sofriam vetos do clero e, por essa
razão, se viam obrigados a fazer reuniões às escondidas para debater
suas descobertas. A partir desses encontros deu-se lugar a tradição
da comunicação sobre temas relacionados à ciência e conhecimento.
Mas, foi com o alemão Henry Oldenburg que o jornalismo científico se
firmou e ganhou seu primeiro periódico, Philosophical Transactions,
que por muito tempo serviu de referência para as modernas
publicações científicas (Oliveira, 2002; Rios et al. 2005).
A expansão ainda mais notória da redação jornalística voltada
para a ciência ocorreu no século XX, mais especificamente no período
das duas grandes guerras, onde jornalistas da Europa e dos Estados
Unidos criaram as primeiras associações de jornalismo científico
(Oliveira, 2002). O intenso progresso nos campos da Medicina, Física,
Engenharia e Biologia no período pós-guerra levou a um aumento no
interesse por parte dos jornalistas, da população e das nações em
tudo o que se referia às novas tecnologias. Ainda assim, o jornalismo
científico teve que enfrentar a oposição de algumas correntes
filosófico-políticas na época, como a Escola de Frankfurt, formada por
filósofos alemães exilados nos Estados Unidos, entre eles Theodor
Adorno, que se recusavam a aceitar que os meios de informação
pudessem de alguma forma fortalecer a democracia (Veras Júnior,
2005).
No Brasil, o jornalismo científico iniciou com o periódico O
Correio Brasiliense, onde eram divulgados estudos relacionados às
técnicas agrícolas e de cultivo. Anos mais tarde, com a criação de
órgãos de fomento à pesquisa, alguns periódicos brasileiros abriram
espaço para a divulgação científica apesar da forte repressão da
ditadura, entre eles, A Folha de São Paulo. Hoje em dia, inúmeras
revistas estão voltadas para a comunicação dos mais recentes
avanços em ciência e tecnologia, e jornais como O Estado de São
Paulo possuem um caderno dedicado a este campo.
Deve-se ressaltar, repetindo as palavras de Teixeira (2001), que
jornalismo sobre ciência é jornalismo, ou seja, deve seguir os
parâmetros que tipificam essa área da comunicação, como a
linguagem clara, dinâmica e adequada ao público. Para Rios et al.
(2005) “o jornalista deve se colocar como uma ponte entre o cientista
e o público não-especializado, informando a comunidade a respeito
das várias questões que envolvem ciência e suas aplicações”.
Desta forma, este trabalho tem como principais objetivos,
discutir as principais características e a importância do jornalismo
científico e sua tradução nos dias de hoje, apresentar as teorias de
Frank Esser, Christiane Nord e Rosemary Arrojo e correlacioná-las
com a tradução do discurso jornalístico. Visando abrir o debate sobre
como essas teorias se aplicariam ao processo tradutório, este artigo
também faz uma análise da tradução da reportagem sobre meio
ambiente “Icebergs estimulam vida no oceano e tiram CO2 do ar, diz
estudo”, publicada no dia 21 de junho de 2007 no jornal The New
York Times (em inglês) e O Estado de São Paulo (em português),
apontando e detalhando algumas das escolhas feitas pelo tradutor.
Devemos destacar que para a seleção do texto, consideramos
que algumas matérias sobre ciência e tecnologia que estão presentes
em jornais brasileiros, são originalmente escritas em língua inglesa e
provenientes de agências de comunicação, como a Reuters (Reino
Unido) e a Associated Press (EUA). Assim, para analisar este tipo de
tradução e suas variantes culturais foi escolhido um veículo de
comunicação nacional, que publica matérias traduzidas da Associated
Press que são veiculadas em jornais internacionais como o The New
York Post e o The Washington Post.

2. Texto, Linguagem e Função do Jornalismo Científico

O relacionamento entre ciência e jornalismo encontra


dificuldades provenientes das diferenças de linguagem, objetivos e
produção. É nesse ponto que os dois campos divergem: para o
cientista, o jornalista não trabalha com a profundidade esperada e
requerida e o acusa de divulgar informações deficientes em
conteúdo; já para o jornalista, há uma necessidade vital de
democratizar o conhecimento (Rios et al. 2005). Assim, de um lado, o
cientista redige um texto dirigido para um público especializado e
restrito, para o qual há o interesse de comunicar os resultados
alcançados através da realização de vários experimentos ao longo de
meses ou talvez anos, por outro, o jornalista quer divulgar rápida e
concisamente os avanços científicos para o grande público. Os
objetivos opostos se refletem na produção textual: o discurso
científico segue normas de padronização e terminologia e não possui
qualquer atrativo. Em contraposição, o texto jornalístico deve ser
claro e de acordo com Zipser (2002) “pela sua própria natureza,
constitui um produto vendável” e por essa razão, atrair e agradar o
leitor é algo fundamental. De acordo com Teixeira (2001), “o
jornalista deve esforçar-se em fazer do ‘árido’ saber que a ciência
produz algo que interesse ao comum dos mortais; para tanto,
perguntará pela utilidade de uma descoberta”. Destarte, ele deverá
possuir certa familiaridade com os procedimentos empregados nos
experimentos científicos, equipamentos de alta tecnologia e as mais
recentes descobertas, além de constante contato com as fontes
(Oliveira, 2002).
Da mesma forma que outras vertentes jornalísticas como
economia, esportes, política e cotidiano, o discurso do jornalismo
científico apresenta as formações imaginárias definidas pela Análise
do Discurso, entre elas, o mecanismo de antecipação, denominado
por Orlandi (1999) como “colocar-se no momento em que seu
interlocutor ‘ouve’ as palavras, antecipando-se a esse interlocutor
quanto ao sentido que suas palavras produzem, num mecanismo que
regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo
ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte”. A
importância deste tipo de formação imaginária não se restringe
apenas à redação, mas se estende à tradução de textos jornalísticos e
vai de encontro à teoria funcionalista de Christiane Nord, (que
veremos descrita mais adiante) onde o papel do receptor é
imprescindível.
Devemos recordar também, que o leitor busca um texto que
possua sentido para construir uma representação lógica e que esteja
de acordo com seu conhecimento de mundo, sua cultura e a
sociedade onde vive. Este princípio deve levar o redator a empregar
todos os componentes, estratégias cognitivas e linguagem
necessárias para dar ao texto uma interpretação que possua um
sentido claro e conciso, já que o interlocutor espera que a sequência
linguística produzida pelo redator e, neste caso jornalista, seja
coerente e que mostre a importância do texto em questão (Koch,
2003). Nesse ponto, a própria linguagem constitui um dos recursos
mais importantes para a organização do texto e do contexto (Koch,
2003).
Por essa razão, a linguagem presente num informe de
jornalismo científico, como já foi dito anteriormente, deve ser clara e
compreensível para o leitor. Nesse momento, o jornalista
desempenha uma função primordial de intermediário entre o discurso
científico especializado e o público leigo, realizando o trabalho de
“tradução interlinguística” (Bertolli Filho, 2006). Para melhor
comunicar os avanços da ciência, o jornalista emprega muitas figuras
de linguagem como metáforas e analogias. Para Oliveira (2002), “o
uso e abuso da metalinguagem são excelente recurso para aproximar
o público leigo das informações científicas. Quando as pessoas
conseguem associar um princípio ou uma teoria a alguma coisa que
lhes é familiar, fica muito mais fácil a compreensão do assunto, e a
comunicação científica torna-se eficaz”. Entretanto, o emprego de
figuras de linguagem costuma ser criticado pelos cientistas: eles
afirmam que o uso de metáforas e analogias poderia levar a uma
interpretação errônea e distorcida dos resultados efetivamente
obtidos numa pesquisa (Bertolli Filho, 2006). Em contrapartida, sabe-
se que o uso de figuras de linguagem é mais uma etapa do processo
de tradução interlinguística, a qual o jornalista deve levar adiante
para atingir seu público. Além disso, o jornalista também deverá
“traduzir” para os leitores leigos os jargões e a terminologia
empregada por profissionais de ciência e tecnologia.
Assim, através de um delicado e muitas vezes criticado
trabalho, o bom jornalista age como um fiel tradutor, preocupado com
a democratização do conhecimento científico, cumprindo assim uma
função social. De acordo com Rios et al. (2005), “o jornalista que
trabalha na área científica não deve se deter somente em publicar as
informações factuais, mas também propor-se, através de temas que
inspirem o debate de questões relevantes à sociedade, a formar a
consciência coletiva do cidadão”. Ou ainda, para Evangelista (2002),
“talvez a função maior do jornalismo científico seja dar os
instrumentos, oferecer a base, para que se estabeleça a crítica da
arte do motor”.

3. Discurso jornalístico e tradução

O principal foco do trabalho do teórico alemão Frank Esser está


na interculturalidade, pois ele realizou um estudo aprofundado dos
pontos divergentes e características da comunicação feito na
Alemanha, comparando àquele feito na Inglaterra, contribuindo dessa
maneira, na formação de um perfil da dinâmica jornalística e de
tradução sob uma perspectiva cultural. De acordo com Zipser (2002),
o trabalho de Esser tornou possível o estabelecimento de uma ponte
entre os estudos sobre jornalismo e tradução, bem como a formação
de dois conceitos de tradução no universo discursivo jornalístico: a
noção consensual de tradução como transcodificação e a visão de
tradução como representação cultural. Zipser ressalta a dimensão
comparativista no trabalho de Esser: para ele, o jornalismo de cada
país será influenciado por condições sociais, culturais e seu público
receptor que participam diretamente na formação de sua identidade
cultural e social. Assim, jornalismo e tradução se encontram
intimamente ligados ao âmbito cultural e social.
Podemos observar mais detalhadamente os fatores que
influenciam o jornalismo no Modelo Pluriestratificado Integrado:
determinantes político-sociais (esfera social), estrutura de redação
jornalística (esfera institucional), direito e economia da imprensa
(esfera de estrutura de mídia) e valores subjetivos e postura política
(esfera subjetiva) (Zipser, 2002). Na visão do autor, uma alteração
num dos fatores envolvidos atingirá diretamente o conjunto, numa
dinâmica que se mantém constante. Através do modelo de Frank
Esser, podemos explicar e compreender as diferentes formas do fazer
jornalístico, apesar de sempre buscarmos a neutralidade e
imparcialidade que, plenas, são impossíveis de ser alcançadas
completamente (Culleton, 2005).
Os estudos realizados pela tradutora alemã Christiane Nord se
encontram num ponto chave com o trabalho desenvolvido por Esser:
o contexto intercultural. Além de trabalhar como tradutora
juramentada em três idiomas, Nord também tem uma vasta produção
acadêmica, o que a levou a buscar uma relação entre a prática e a
teoria nos estudos da tradução.
Sob a ótica da análise de texto de Nord, o papel do receptor é
algo de suma importância, já que este irá definir o caminho que o
emissor deverá tomar no momento de fazer uma tradução para
efetivamente produzir a repercussão esperada. No mesmo aspecto, o
texto jornalístico também se preocupa com seu leitor, como já foi
mencionado aqui anteriormente, apoiando a idéia de que a redação
do discurso jornalístico faz uma tradução interlinguística com os olhos
voltados para seu público. Devemos lembrar, entretanto, que a
tradução interlinguística da qual se ocupa essa área da comunicação
constitui-se num trabalho complexo e delicado e ainda mais se estiver
dentro do campo do jornalismo científico, já que os assuntos que o
compõem se modificam a cada instante: novas descobertas,
mudanças climáticas e lançamentos de produtos tecnológicos.
Além da preocupação com o leitor, os estudos de Nord também
estão focados na relação entre texto-fonte e texto-alvo, de maneira
que seu modelo teórico tem objetivos descritos por Zipser em sua
tese de doutorado (2002): oferecer subsídios para a compreensão e
análise do texto-fonte, que é o que deve ser traduzido, fornecer
critérios capazes de direcionar a tradução e permitir uma avaliação
do texto traduzido.
Para Nord, a tradução é um ato de comunicação entre pessoas
de diferentes idiomas e também de culturas distintas, de maneira que
cada texto estará colocado numa situação de comunicação
independente. Na comunicação do texto-fonte há o emissor e o
produtor e na comunicação do texto-alvo, temos o iniciador e o
tradutor, mas em ambos faz-se presente o interesse de projetar suas
imagens para quem vai receber e responder ao texto criado (Souza,
2005). Essa recepção dos textos pelos leitores representa a
concretização efetiva do discurso jornalístico.
Nessa relação entre texto-fonte e texto-alvo o tradutor assume
a responsabilidade de definir o quanto ele deverá manter do texto-
fonte ou não, sempre de acordo com a cultura de chegada. Para levar
adiante essa tarefa, Zipser (2002) mostra que o tradutor se vê com
um leque de fatores envolvendo seu trabalho: “o tradutor gerencia
uma série de variáveis e, ao mesmo tempo, não pode evitar que sua
própria leitura do texto-fonte (e, no caso do jornalismo, do fato
noticioso) se faça presente em seu trabalho.” Zipser, neste último
ponto, toca então a (in)visibilidade do tradutor, tema principal dos
estudos desconstrutivistas da professora Rosemary Arrojo.
Na teoria de tradução de Arrojo, os conceitos do logocentrismo
como tradução literal, interferência do tradutor, texto original como
objeto estanque e estilo da tradução mantido fiel ao original são
refutados. Para a autora, também não é possível determinar com
precisão qual o significado exato de um dado discurso nem identificar
dito significado com a intenção consciente do autor (Arrojo, 1997).
De acordo com seus conceitos, que se distanciam da
perspectiva essencialista: “traduzir [...] implica [...], em primeiro
lugar, reconhecer seu papel essencialmente ativo de produtor de
significados e de representante e intérprete do autor e dos textos que
traduz.” (Arrojo, 1992, apud Bohunovsky, 2001). Encontra-se aí, então
um ponto de interface entre as teorias de Nord e Arrojo: a
impossibilidade de traduções exatamente literais, nas quais a
presença do tradutor é completamente invisível.
Esse critério baseia-se no fato que o original é uma criação
“imaginária”, já que é possível fazermos várias leituras diferentes e
nesse aspecto a tradução representa uma das leituras de um
“original” que não é estanque. Combate-se então a “sacralização do
original”, conceito que estabelece que o tradutor deve se manter fiel
ao texto-fonte e não interferir nele em nenhum momento. Na teoria
de Arrojo, partimos da idéia de que os significados não são estanques
(em contraposição à teoria logocêntrica) assim como a linguagem, de
maneira que a tradução passa a ter um papel ativo na formação
cultural e social. Aplicando este conceito ao jornalismo científico,
vemos que a tradução de uma reportagem deve considerar as
variantes culturais da língua de chegada em relação à língua de
partida e evidenciar a importância das novidades científicas para a
sociedade a que se dirige. Este é então o ponto convergente dos
conceitos de Esser, Nord e Arrojo que poderá ser discutido e
aprofundado em futuros estudos.
Afim de verificar a presença ou não dos elementos discutidos
pelas teorias acima descritas, as quais consideram especificamente o
contexto social e cultural, apresenta-se a seguir uma breve análise
da tradução de uma notícia dentro do campo da ciência e meio
ambiente.

4. Análise tradutória

O jornal brasileiro O Estado de São Paulo é o mais antigo dos


jornais de São Paulo ainda em circulação. Começou a circular ainda
durante o Brasil Império, na data de 4 de janeiro de 1875 e desde
então vem publicando reportagens nacionais e internacionais de
vários temas desde política até esportes, consolidando-se como um
dos jornais de maior prestígio no Brasil, sendo por esta razão
escolhido para esta análise. O caderno de Ciência do jornal traz
reportagens atualizadas de novidades em diferentes campos da
ciência e tecnologia, traduzidas de agências internacionais. No caso
desta reportagem sobre ciência e meio ambiente a tradução foi feita
a partir de um texto em língua inglesa da Associated Press, agência
de notícias norte-americana cujas reportagens são utilizadas em mais
de 1.600 jornais de todo o mundo.
Nesta reportagem sobre o aquecimento global e uma
conseqüência direta do fenômeno (icebergs estimulando a geração de
vida na Antártida) ressalta-se os seguintes aspectos:

a) Título: no título em português há uma explicação mais


detalhada sobre o tema da reportagem, chamando a atenção para o
assunto e especificando-o. Já na versão norte-americana, o título é
sucinto e pouco explicativo e isso talvez se deva ao fato de que as
populações dos dois países reajam de forma muito diferente no que
diz respeito às questões ecológicas. O enfoque diferente, portanto,
confirma a idiossincrasia de brasileiros e norte-americanos em
relação à realidade atual e problemática ambiental. Além disso, a
tradução em português mostra que os icebergs estariam incentivando
a geração de vida (emprego do verbo estimular), algo de muita
importância quando atualmente há a perda de espécies animais e
vegetais em função dos problemas climáticos. A versão em inglês
define os icebergs como hotspots, algo que em português poderia ser
traduzido como “pontos de intenso calor”, num jogo de palavras que
mostra então a oposição entre os icebergs, extremamente gelados e
a vida gerada por eles, algo “quente”.

[1] Português: Icebergs estimulam vida no oceano e tiram CO2 do ar, diz
estudo.
[2] Inglês: Drifting icebergs are hotspots of life

b) Subtítulos: Na versão brasileira, há a presença de um


subtítulo que detalha ainda mais o já havia sido descrito no título. Em
contraposição há ausência de subtítulo na versão em língua inglesa,
uma característica do jornalismo norte-americano que busca a
objetividade. Neste aspecto, observamos a diferença cultural do fazer
jornalístico entre Brasil e Estados Unidos.

c) Quebras de equivalência textuais: No primeiro parágrafo


da reportagem em português, o termo em inglês cold southern ocean,
foi simplificado e apenas foi colocado “mar”. Essa simplificação talvez
se deva à presença de um subtítulo (inexistente na reportagem em
inglês) que menciona o lugar, Antártida, onde está ocorrendo o
fenômeno com os icebergs. No mesmo parágrafo, o texto original
menciona desde quando está ocorrendo o fenômeno (in recent
years), dado omitido na versão em português. A ausência desse dado
em português também pode estar ligada à estratégia de tradução
adotada pelo tradutor, que sabe que a tradução para o português de
um texto de língua inglesa emprega mais palavras, portanto, deve
optar pela omissão de alguns dados para manter a agilidade,
característica principal do discurso jornalístico, ainda que científico.

[1] Português: ...transformam-se em focos intensos de vida no mar


[2] Inglês: ... turn out to be hotspots of life in cold southern ocean

Em outro ponto do texto em inglês, há uma descrição das


espécies que estariam sendo beneficiadas com o evento natural:
plankton and tiny shrimplike creatures known as krill. Na versão
brasileira a palavra shrimplike que poderíamos traduzir como
“semelhante ao camarão” não é mencionada, embora ela servisse ao
propósito de auxiliar o leitor a identificar que tipo de animal seria o
krill, aproximando-o de uma espécie animal, o camarão, presente na
realidade brasileira. Nesse ponto, o tradutor afastou-se
desnecessariamente do texto em inglês.
Ao citar as palavras da professora de geologia que foi
entrevistada para falar sobre o fenômeno, a versão em inglês
explicitava o fato de que a pesquisadora discutia sobre o aspecto
surpreendente do estudo, que era à escala, à extensão (scale) ao qual
evento natural estava acontecendo. Já na reportagem do jornal
brasileiro a tradução diz que a professora “declarou-se surpresa”,
dando a entender que até mesmo uma pesquisadora de alta
credibilidade e qualificação profissional consideraria o evento como
algo insólito, elevando acentuadamente o impacto da reportagem no
leitor.

[1] Português: ...declarou-se surpresa com a escala do fenômeno.


[2] Inglês:... said the surprising aspect of the reportis the scale at which it is
happening.

d) Marcas de referência: de acordo com Zipser et al. (2006),


as marcas de referência se referem às escolhas feitas pelos
tradutores para marcar os aspectos locais e atrair os leitores inseridos
em um determinado contexto cultural. No Jornalismo Científico essas
marcas estão relacionadas mais diretamente às medidas e
terminologias de certo país. Nesta reportagem, o texto em inglês
especifica a exata distância em que o fenômeno ocorre 2 ½ miles
away. O texto em português faz a conversão e especifica o valor em 4
quilômetros, uma medida necessária adotada pelo tradutor para que
o leitor brasileiro possa calcular a distância, dentro do padrão métrico
utilizado no Brasil.

[1] Português: ... a 4km do bloco de gelo...


[2] Inglês: ...2 ½ miles away...

e) Estrangeirismos: em dois momentos deste discurso


jornalístico em português há o emprego de estrangeirismos. A palavra
“iceberg” pertence à língua inglesa e seu equivalente aproximado
corresponderia a “bloco de gelo”, entretanto esse anglicismo já foi
incorporado ao português do Brasil e não empregamos o termo “bloco
de gelo”, sendo mantido, por essa razão, o anglicismo pelo tradutor.
Em outro ponto do texto em português o tradutor optou por manter o
termo hotspots, que teriam a conotação de “oásis”, entretanto, para
o leitor brasileiro que não possui intimidade com a língua inglesa, o
termo utilizado não deixa claro a função dos icebergs nesse
fenômeno natural. Assim, o tradutor opta por manter o termo em
inglês, em lugar de traduzir o termo para o português.
5. Considerações finais

O presente estudo discutiu a respeito da importância do


Jornalismo Científico e suas principais funções, entre elas, comunicar
ao grande público todos os avanços alcançados pela ciência e
tecnologia e incentivar o interesse por temas relacionados às ciências
exatas e biológicas, num processo de democratização do
conhecimento. Para tanto, deverá sempre seguir os padrões que
norteiam o bom jornalismo, voltado sempre para seu público e dentro
das regras da ética jornalística. Como vimos aqui, o jornalista tem a
responsabilidade de “traduzir” para seus leitores o que o cientista
realiza e publica em artigos especializados e por essa razão deve-se
manter consciente do seu papel social.
Ao mesmo tempo, vimos também que a tradução de uma língua
para outra de uma reportagem deve levar em conta as variantes
culturais, de maneira que o tradutor passa a desempenhar um papel
ativo na aproximação de duas pessoas: o autor e o leitor, permitindo
que o segundo compreenda e adquira conhecimento a partir discurso
do primeiro, sem se afastar do contexto social e cultural em que está
inserido. É exatamente nesse ponto que as teorias de tradução de
Esser, Nord e Arrojo se encontram: respeito à interculturalidade.

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