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Quando os espelhos falam T.. Gustavo me puxou pelas trancas e depois me fez gitar ao seu redor me segurando por um bbrago ¢ uma pema. Esse é 0 jeito de me mostrar Seu carinho quando passamos muitos dias sem ‘os ver. Como aquela tarde em que voltei das mi- has férias, por exemplo, — Meninat Finalmente de volta! — ele me disse, contente, — Estou com um grande proble- ‘ma, com meus dois espelhos... espero que voce me ajude a resolvé-o.,, ‘Sem me dar tempo para desfazer minha ba- gagem, ele me levou até seu quarto, — O que esté acontecendo com seus espe- Ios, tio? — Estio desregulados... — ele afirmou, preo- cupado. — Um esti atrasando, 0 outro adiantando, —Como os rel6gios? — Justamente. Mas nenhum relojoeiro con- Segui conserti-los... Veja sé... Vamos nos olhar este... — ¢, me pegando pela mio, meu tio an- dou até ficarmos na frente de um dos grandes es- Pelhos colocados nas paredes do quarto dele, — Este... & 0 que esté atrasando! — gritei ‘maravilhada, ao descobrir a imagem de uma me- 42 nininha de chupeta, agarrada na mo de wm rapaz de cabelo claro ¢ abundante. Meu tio Gustavo ¢ cu, refletidos como éramos varios anos antes! "Besta drvore em flor? — perguntei, mai surpresa ainda, apontando um carvalho denso que se refletia atras de nd: Enquanto abria as janelas para os galhos po- derem estirar-se comodamente para a rua, meu tio explicoy ; — A mesa ¢ as cadeiras, menina. Antes de serem méveis, foram essa arvore que agora esta- ‘mos vendo no espelho. — ... Que atraso! — ainda acrescentei, antes que duas ovelhinhas viessem triscar, mimosas, em volta de mim. — Ah, nao! E essas ovelhas? — gemeu meu tio, : Rapidamente percebi de onde tinham saido. — 0 tapete de la! O tapete! —e por um mo- ‘mento bringuei com elas. De repente, uma galinha preta aterrizou na ‘minha cabeca, cacarejando inquieta. ( espanador! — exclamou meu tio, de- a & sesperado, — Vou guardé-lo! E 0 tapete também! Eamesal E as cadeiras! Meu quarto esta se trans- 43 formando numa granja! Esta vendo quanta com- plicagdio me traz esse espelho atrasado? ‘Muito abalado, ele tentava colocar a mesa den- {ro do armario, quando peguei um Iengol e cobri o cespelho cuidadosamente, Meu tio respirou aliviado. — Nao sei o que eu faria sem esta sobrinha lo inteligente — e, carregando-me nos ombros, abandonow 0 quarto até o dia seguinte. ‘Nao podia suportar, aquela tarde, a emogaio de se ver refletido também no outro espelho des- regulado! Mas eu sim. Por isso, mal ele se ajeitou para cochilar na espreguigadeira do jardim, voltei a seu quarto, na ponta dos pés. Estava muito curiosa para me olhar no espelho adiantado! Pois bem, eu me olhei. Que susto! Eu era uma velhinha, em pé no meio de uma praga! Como estava adiantado aquele espelho! Sai correndo do quarto — quase sem falego! © me joguei nos bragos do meu tio. Ele acor- «ou sobressaltado. - Tio! Tio! Vocé tem que se mudar! No... no lugar desta casa vo... vo construir uma praga! Eeu... eu sou muito velhinba... ¢ uso birote...e... | — Voce é s6 uma menina deste tamanho... — 44 cle disse, rogando o ar com a miio esquerda, — E além do mais uma menina desobediente, que apro- veitou meu sono para ir se olhar no espelho que esté adiantado... Vamos sait para dar uma volta... No dia seguinte, quando entrei no quarto do meu tio, ansiosa para me olhar de novo refletida nos espelhos desregulados, encontrei-os totalmen- te acertados. Em cada um eu me via exatamente fl Fag {ja nfo esté atrasado... ¢ aguele nao esta adiantado — comentou meu tio. — A noite descobri a causa dos defeitos e eu mesmo os con- sertel — Como? Como? — Dei corda no que estava atrasando. —B como voce consertou o que estava adian- 0? oa Ah... isso € segredo, menina — e, dando ‘uma piscadcla, ele foi comigo para a sala, para tomar café da manha.

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