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anos
Keywords: Contractual liability - Civil Code - 10-year limitation period - Logic and
systematic interpretation - Axiological interpretation.
Sumário:
1 Introdução
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disposição normativa que a estabelece” .
O julgado chama a atenção por várias razões. A primeira delas é o fato de ter sido
proferido pelo plenário da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça que, junto com
a Quarta Turma, compõe a Segunda Seção da Corte, responsável pela apreciação das
matérias concernentes ao Direito Privado. Nesse julgamento, tanto o relator quanto os
demais ministros votantes reviram suas posições anteriores, para, então, afirmar que a
“pretensão à reparação civil” indica não apenas a indenização por danos advindos de
ilícitos absolutos, abrangendo igualmente a indenização devida em razão de danos
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provocados pelo inadimplemento contratual .
Em primeiro lugar, fundou-se na letra da lei, para afirmar que o termo “reparação civil”
deve ser lido de maneira ampla, de modo a abarcar tanto a responsabilidade contratual,
como a extracontratual; em segundo lugar, defendeu que essa interpretação mais bem
se harmoniza com as demais regras que governam a responsabilidade contratual; e, em
terceiro lugar, sustentou que o princípio constitucional da isonomia impede que haja
prazos distintos para as obrigações fundadas em uma e outra espécie de
responsabilidade.
Nenhum desses argumentos convence; nenhum deles concretiza os valores nos quais
abstratamente parecem repousar. Para demonstrá-lo, cumpre abordá-los em apartado,
por meio dos tópicos subsequentes que seguirão – ao modo concreto – aqueles mesmos
três fundamentos valorativos, acrescendo-os com considerações acerca do que parecer
ter sido esquecido: as diretrizes da operabilidade, ou concretude, e a da sistematicidade,
dois dos eixos fundantes sobre os quais se ergue a arquitetura codificada, constituindo o
“travamento lógico e técnico”, bem como a base da “sustentação ética” do Código Civil
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(LGL\2002\400) .
2 O elemento literal situado no dado normativo
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
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Quem interpreta, interpreta texto alheio. Mas “o texto só fala a quem o interroga
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corretamente e compreende a sua linguagem” . No direito posto, o emprego do termo
“reparação civil” não secunda, mas contradiz a leitura defendida pelo recente julgado do
Superior Tribunal de Justiça. Isso porque a noção de “reparação civil”, conforme
empregada pelo art. 206, § 3º, inc. V, do Código Civil (LGL\2002\400), somente se faz
presente no título IX, do Livro I, da Parte Especial, dedicado à “responsabilidade civil”,
ou seja, à responsabilidade extracontratual.
São quatro as ocorrências. No art. 932, são relacionados os “também responsáveis pela
reparação civil”, a saber, os pais pelos filhos; os tutores e curadores pelos pupilos e
curatelados; o empregador ou comitente pelos seus empregados, serviçais e prepostos;
e os donos de hotéis e similares por seus hóspedes. O texto também se refere à
restituição devida por quem houver participado de forma gratuita no produto de crime,
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mas a hipótese é de enriquecimento sem causa e não de responsabilidade civil . No art.
942, o texto legal dispõe sobre a responsabilidade patrimonial e prevê a solidariedade
pela “reparação” na hipótese de coautoria. No art. 943, esclarece que tanto o “direito de
exigir a reparação”, como a “obrigação de prestá-la” são transmitidos com a herança. No
art. 953, por fim, tem lugar a disciplina da “reparação” devida por “injúria, difamação ou
calúnia”. As mesmas regras figuravam nos arts. 1.518, 1.521, 1.526 e 1.547 do Código
Civil de 1916.
A leitura do Código Civil (LGL\2002\400), portanto, leva a crer que o termo “reparação
civil” se refira apenas à responsabilidade extracontratual. Por se tratar de uma regra
restritiva de direitos, a norma que versa sobre prescrição não comporta interpretação
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extensiva, como já se notou . Destacada pelo julgado do Superior Tribunal de Justiça ,
a tendência à redução dos prazos previstos no diploma anterior não permite
desconsiderar o dado normativo que o intérprete tem diante dos olhos e que, nos
códigos brasileiros, nunca foi empregado para disciplinar a responsabilidade contratual.
Maiores ou menores, os prazos prescricionais a se observar são sempre os fixados pelo
legislador.
3 Critério lógico-sistemático
No direito dos contratos, a regra é a execução específica. O credor pode, assim, exigir
que o devedor cumpra exatamente aquilo a que se obrigou. Se houver mora, o credor
poderá exigir a execução específica da prestação mais as perdas e danos decorrentes da
inobservância do tempo, lugar ou modo pactuados, conforme se infere da leitura dos
arts. 389, 394 e 395 do Código Civil (LGL\2002\400). Se houver inadimplemento
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A coerência reclama que o credor esteja sujeito ao mesmo prazo para exercer as três
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pretensões que a lei põe à sua disposição para reagir diante do inadimplemento . Tendo
em vista que a expressão “reparação civil” somente cuida do dever de indenizar, dever
secundário e substitutivo ao cumprimento do dever de prestação, salta aos olhos a
impossibilidade de empregá-la para disciplinar a execução específica e a resolução. A
rigor, tampouco se afigura autorizado manejá-la para tratar da execução pelo
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equivalente, que consiste em uma forma de cumprimento .
Como já foi observado, carece de sentido afirmar que o credor tem um prazo para exigir
o cumprimento da prestação e outro para reclamar o pagamento das perdas e danos que
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lhe são devidos em razão do mesmo descumprimento . Se a pretensão ao
adimplemento ainda não foi encoberta pela eficácia da prescrição e, portanto, o
contratante pode exigir a observância ao avençado, a lógica reclama que também lhe
seja reconhecida a possibilidade de responsabilizar o devedor pelos danos decorrentes
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do descumprimento . Pode-se afirmar o mesmo a propósito da execução pelo
equivalente e da resolução. Se o credor ainda pode reclamar a prestação substitutiva ou
a extinção da relação contratual, deve-se lhe igualmente reconhecer a pretensão
indenizatória decorrente do mesmo inadimplemento definitivo.
Nesse cenário normativo, a observância da regra geral contida no art. 205 do Código
Civil (LGL\2002\400) preserva a integridade do ordenamento. Diante da mora, o credor
tem, como regra geral, o prazo de dez anos para exigir tanto a execução específica como
o pagamento das perdas e danos que lhe são devidos. Diante do inadimplemento
definitivo, igualmente como regra geral, o credor tem o mesmo prazo decenal para exigir
a execução pelo equivalente ou, observados os pressupostos legais, a resolução e, em
ambos os casos, o pagamento de indenização que lhe for devida.
A hipótese de mora é ilustrativa. Nesse caso, o credor teria dez anos para exigir o
cumprimento da prestação, mas apenas três para exigir a indenização decorrente da
inobservância do tempo, lugar ou modo pactuados por parte do devedor. Passados três
anos, o devedor poderia, assim, obter o efeito equivalente à purgação da mora sem,
todavia, ressarcir os prejuízos causados ao credor, o que contrastaria com a regra
constante do art. 401, inc. I, do Código Civil (LGL\2002\400). O mesmo se verifica na
hipótese de inadimplemento definitivo. O credor teria então dez anos para pleitear a
execução pelo equivalente ou, se cabível, a resolução, mas apenas três para reclamar o
pagamento das perdas e danos decorrentes do inadimplemento. O art. 475 do Código
Civil (LGL\2002\400) passaria, então, a ser aplicado pela metade. Transcorridos três
anos, os direitos do credor diante da mora ou do inadimplemento definitivo seriam
mutilados, com a supressão da possibilidade de exigir o pagamento da indenização
decorrente do descumprimento alheio.
Nesse cenário normativo, não convence o Superior Tribunal de Justiça ao sustentar que
o prazo trienal para a responsabilidade contratual emerge da interpretação sistemática
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do ordenamento jurídico brasileiro . De fato, não se afigura coerente reconhecer ao
credor dez anos para exigir a execução específica, a execução pelo equivalente ou a
resolução, mas apenas três para pretender o pagamento dos danos decorrentes do
inadimplemento alheio. Trata-se, ao contrário, da antítese ao sistema.
Com toda probabilidade, o raciocínio do julgado claudica por não considerar inteiramente
o regime do inadimplemento. Tanto o aresto, como o texto doutrinário que cita, sugerem
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Não convence, por igual, o apelo ao critério axiológico para igualar os prazos
prescricionais no tocante às duas espécies de responsabilidade civil. A desatenção ao
critério valorativo é pecado particularmente grave na interpretação de um Código Civil
(LGL\2002\400) cuja filosofia de base assenta-se na correlação entre fato e valor como
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pressupostos da norma jurídica .
Teorizando acerca das fontes das obrigações, Clóvis do Couto e Silva cogitou, em
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importante trabalho doutrinário , da categoria do contato social, uma estrutura
pontuada justamente pelos diferentes graus de proximidade e distância entre os sujeitos
nas suas interações sociais. O grau mais próximo é o do contrato, contato voluntário
entre dois sujeitos que se aproximam e decidem planejar o futuro de suas relações
patrimoniais, podendo esse contato ser precedido por extensa fase negociatória e
sucedido também por fase de aproximação: basta pensar num contrato de fornecimento
trintenário, e na espécie de vínculos profissionais e até mesmo pessoais que carrega
consigo. O grau mais distante é o da responsabilidade civil extracontratual, pois, então,
os sujeitos entram em contato apenas pelo mero fato de viver em sociedade, cabendo
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imaginar uma batida de carro no trânsito anônimo das grandes cidades . Há distinções
valorativas entre uma e outra situação, e não só: há também distinções de ordem fática
e de regime jurídico, articulando-se de modo distinto – também nas fontes das
obrigações – fato, valor e norma.
Não se ignora que a distinção entre as duas espécies de responsabilidade civil comporte
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crítica, como anota o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça . Tal crítica, no
entanto, deve ser tomada de lege ferenda, uma vez que, de lege lata, a distinção
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encontra abrigo entre nós, como reconhece o autor citado pela Corte .
c) Na avaliação da culpa: como decorrência das diferentes regras sobre o ônus da prova,
tem-se que, na responsabilidade contratual, o fato do não cumprimento imputável gera,
para o devedor, a presunção de culpa. Já na responsabilidade extracontratual, não há
que falar em presunção de culpa, pois essa deve ser provada pelo lesado. Por isso
afirma-se que a relevância da culpa como condição da responsabilidade é outro dos
fatores distintivos. O critério da culpa leva ainda a outra distinção.
Isto porque, para além de toda a sua diferença de objetivos, de métodos e de interesses
tutelados, postos frente a frente, o Código Civil (LGL\2002\400) e o Código de Defesa do
Consumidor seguem regimes diversos, baseados em critérios distintos. Não se prestam,
assim, à comparação na qual se funda a conclusão extraída pelo recente julgado do
Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, não se pode ignorar que a definição dos prazos prescricionais nem sempre se
lastreia em razões profundas, mas em decisões do legislador voltadas a conferir maior
ou menor tutela a dada posição jurídica. No mais das vezes, mesclam-se necessidades
práticas, dados da tradição e razões de política legislativa. Nesse particular, a consulta
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Não se compreende, desse modo, como a previsão de regras diferentes para disciplinar
institutos distintos e destinados a tutelar necessidades práticas tão diversas poderia
violar o princípio da isonomia previsto no art. 5º, caput, da Constituição da República,
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como afirma o julgado, forte na lição do jurista que cita . A dicotomia entre
responsabilidade contratual e extracontratual é tradicional e encontra abrigo na
legislação brasileira. Seu reflexo na disciplina da prescrição deve, assim, ser respeitado.
5 Conclusão
A segurança jurídica implica, também, uma linha de coerência decisória que, ao menos
tendencialmente, afaste mudanças bruscas de orientação, em atenção ao princípio da
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confiança do cidadão, estribado, justamente, na continuidade da jurisprudência , já que
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da instabilidade decisória resulta grande abalo para a vida jurídica da comunidade .
Para atender o direito e garantia fundamental da segurança jurídica aos jurisdicionados
(art. 5º, caput, da Constituição Federal), o Superior Tribunal de Justiça tem
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autovinculação aos seus próprios precedentes , só se justificando a alteração quando,
para tanto, houver fundadas razões, apresentando-se a mudança do entendimento como
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via para a melhor conjugação entre o Direito e a realidade . Do contrário, se recairá na
“anarquia interpretativa” por meio da qual “nem mesmo se consegue respeitar a história
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institucional da solução de um caso dentro de um mesmo tribunal” , sendo este o
principal fator a suscitar insegurança jurídica.
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Durante dez anos, período “ de caráter tão alongado ” , o Superior Tribunal de Justiça
firmou orientação majoritária no sentido de que a responsabilidade contratual está
sujeita à prescrição decenal constante do art. 205 do Código Civil (LGL\2002\400).
Recentemente, no entanto, foi proferido aresto que, com o propósito de uniformizar o
entendimento da Corte, decidiu pela aplicação do prazo trienal, previsto para a
“reparação civil” no art. 206, § 3º, inc. V, do mesmo texto legal.
A viragem jurisprudencial pretendida pelo aresto não tem razão de ser. Em primeiro
lugar, sua leitura não encontra abrigo no texto normativo, que somente emprega
“reparação civil” no âmbito da responsabilidade extracontratual. Em segundo lugar, sua
orientação põe em xeque a coerência do ordenamento, ao sugerir que o credor disporia
do prazo de dez anos para reclamar a execução específica, a execução pelo equivalente
ou, se cabível, a resolução, mas apenas de três para exigir o pagamento de indenização
devida pela mora ou pelo inadimplemento definitivo. Em terceiro lugar, a equiparação de
regime por ele proposta desrespeita as escolhas valorativas levadas a efeito pelo
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
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1 REALE, Miguel. Estrutura e Espírito do Novo Código Civil. In: REALE, Miguel;
MARTINS-COSTA, Judith (coord.). História do novo Código Civil. Biblioteca de direito
civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 40.
2 Assim explicou Miguel Reale em: Estrutura e Espírito do Novo Código Civil. In: REALE,
Miguel; MARTINS-COSTA, Judith (coord.). História do novo Código Civil. Biblioteca de
direito civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 40. Como também asseverou Moreira Alves, à diferença do diploma
precedente, o Código Civil de 2002 empenhou-se em deixar marcada a diferença entre
prescrição e decadência. Nesse sentido, optou por tratar no Título IV da Parte Geral
somente dos prazos prescricionais e disciplinar de maneira individualizada os casos de
decadência e respectivos prazos. Moreira Alves, José Calos. A parte geral do projeto de
Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro (subsídios históricos para o novo Código Civil
brasileiro). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 190-191.
3 REALE, Miguel. Estrutura e espírito do Novo Código Civil. In: REALE, Miguel e
MARTINS-COSTA, Judith (coord.). História do novo Código Civil. Biblioteca de direito
civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 41.
6 Código Civil (LGL\2002\400), exemplificativamente, art. 206, § 1º, inciso II; § 3º,
inciso I; § 5º, inciso II.
9 Trata-se do REsp 1.033.241/RS. Segunda Seção. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. j.
em 22.10.2008, no qual se entendeu que, em contrato de participação financeira
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos
12 REsp 1.346.289/PR. Terceira Turma. Rel. Min. Sidnei Beneti. j. em 11.12.2012. Nesse
caso, o prazo prescricional de três anos adotado pelo tribunal de origem não foi
questionado pela recorrente, de modo que o Superior Tribunal de Justiça não chegou a
examinar o ponto.
14 Trata-se do AgRg no AREsp. 54.771/PR. Quarta Turma. Rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira. j. 05.03.2015: O tribunal de origem concluiu que “por tratar-se de demanda
indenizatória, o prazo prescricional aplicável é o trienal”. Dado que “a tese de violação
dos arts. 205 e 206, § 5º, I, do CC/2002 (LGL\2002\400) não foi levantada em sede de
apelação” o Superior Tribunal de Justiça não chegou a apreciar a questão.
15 Trata-se do AgRg no AREsp 783.719/SP. Quarta Turma. Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti. j. 10.03.2016, no qual se afirmou que “não se divisa a alegada prescrição, pois
não se aplica à hipótese dos autos o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, §
3º, V, do Código Civil (LGL\2002\400), mas sim aquele decenal previsto no art. 205 do
mesmo diploma, por trata-se ação em que se discute obrigação nascida de violação
contratual”. Mais tarde, no AgIn em REsp 1.112.357/SP. Primeira Turma. Rel. Min.
Sérgio Kukina. j. 14.06.2016, a Corte apreciou contrato de empreitada para construção
de um edifício que se deu de modo defeituoso. Nesse caso, o relator entendeu que a
responsabilidade do empreiteiro, de natureza contratual, submete-se ao prazo
prescricional ordinário, de dez anos, previsto pelo art. 205 do Código Civil
(LGL\2002\400): “[V]erifica-se que o presente caso trata de ação de responsabilidade
por inadimplemento contratual. Para esses casos, esta Corte Superior firmou
entendimento no sentido de que ‘Aplica-se o prazo de prescrição decenal (art. 205 do
CC/2002 (LGL\2002\400)) quando o pedido de reparação civil tem por fundamento
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
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16 “A expressão ‘reparação civil’, contida no art. 206, § 3º, V, tem acepção bastante
ampla, mas, de modo geral, designa indenização por perdas e danos, estando associada,
necessariamente, às hipóteses de responsabilidade civil, ou seja, tem por antecedente o
ato ilícito. A pretensão de cobrança fundada em reparação civil deve, portanto, decorrer
de danos sofridos em razão de ato ilícito (em sentido estrito) praticado, estando
associada ao princípio do neminem laedere que serve de lastro para toda a doutrina da
responsabilidade civil” (REsp 1.159.317/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva. j. 11.03.2014).
17 REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016.
23 “O novo Código Civil primou pela redução dos lapsos prescricionais, antes tão
alargados no Diploma de 1916 (...). É inegável que a redução drástica dos prazos
prescricionais foi uma das tônicas implementadas pelo novo Código Civil. A revolução
tecnológica operada nos meios de comunicação e de informação desde a edição do
Código Civil de 1916 reduziu as distâncias também dos marcos prescricionais. É
importante destacar que, ao contrário do que à primeira vista possa parecer, prazos
processuais mais elásticos não significam maior exercício de cidadania ou da defesa de
direitos. Ao revés, impedem a desejada estabilização das relações jurídicas consolidadas
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
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30 “Quanto à reparação civil, considero que a melhor interpretação é, pois, aquela que,
observando a lógica e a coerência do sistema estabelecido pelo Código de 2002 para as
relações civis, dá tratamento unitário ao prazo prescricional, quer se trate de
responsabilidade civil contratual, quer se trate de responsabilidade extracontratual,
reconhecendo, assim, em caráter uniforme, o prazo prescricional trienal para todas essas
espécies de pretensões” (REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze. j. 22.11.2016).
31 “Por fim, um último registro com relação às obrigações de fazer inadimplidas, nas
quais o credor pode optar por exigir o cumprimento da obrigação ou a resolução do
contrato, cabendo, em ambos os casos, indenização por perdas e danos, conforme
dicção do art. 475 do CC/2002 (LGL\2002\400). Nessas hipóteses, optando o credor pela
resolução do contrato, com pleito de indenização por perdas e danos, a pretensão estará
sujeita à regra prescricional trienal da reparação civil (art. 206, § 3º, V). Entretanto,
ainda que escoado esse prazo, poderá exigir o credor o cumprimento da obrigação de
fazer pelo devedor no prazo decenal do art. 205, o qual, mesmo assim, poderá ser
convertido em reparação por perdas e danos, desde que verificada a impossibilidade de
cumprimento da obrigação (nesse caso não estará prescrita a pretensão indenizatória
porque ela só tem lugar em função da impossibilidade de cumprimento da obrigação,
não mais se constituindo em faculdade do credor)” (REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma.
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016). O acórdão procura apoio sobre o
assunto na doutrina: “A propósito, o Prof. Gustavo Tepedino, em artigo no qual analisa
com percuciência o prazo prescricional aplicável às pretensões de reparação civil, (...)
[pondera]: ‘Além disso, como se sabe, o Código Civil de 2002 dá especial ênfase à
execução específica das obrigações, sendo inteiramente coerente com o sistema
atribuir-se o prazo quinquenal [do art. 206, § 5º, inciso I] para o seu cumprimento,
quando ainda há interesse útil do credor; e reservando-se o prazo trienal para o credor
que, uma vez frustrada a possibilidade de cumprimento específico (por perda da
utilidade da prestação em decorrência do comportamento moroso do devedor), se
encontra apto a promover, imediatamente, a ação de ressarcimento de danos. Enquanto
há interesse útil na prestação, há ainda, de ordinário, diálogo entre os interessados e o
prazo trienal nem sempre é suficiente para ajustar a complexa gama de interesses
colidentes no âmbito da qual, com freqüência, purga-se a mora, acomodam-se as
desavenças, cumpre-se afinal a prestação. O legislador prestigia e incentiva, por
diversos expedientes, o adimplemento ainda plausível. Daí o prazo quinquenal nessa
hipótese. Uma vez, contudo, caracterizado o inadimplemento, não interessa ao sistema e
à segurança jurídica postergar a desavença. Nada justifica a delonga. Impõe-se ao
credor, como dispõe o art. 206, ajuizar, em três anos, a ação de danos.’” (REsp
1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016).
34 Grosso, Giuseppe. Il sistema romano dei contratti. 3. ed. Torino: Giappichelli, 1963,
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
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p. 3 e ss.
40 “(...). Contudo, nos códigos dos países em geral, inclusive no Brasil, tem sido
acolhida a tese dualista ou clássica [da responsabilidade civil]” (Cavalieri Filho, Sérgio.
Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 16).
43 “Art. 2946. Prescrizione ordinaria. Salvi i casi in cui la legge dispone diversamente i
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
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diritti si estinguono per prescrizione con il decorso di dieci anni”. “Art. 2947. Prescrizione
del diritto al risarcimento del danno. Il diritto al risarcimento del danno derivante da
fatto illecito si prescrive in cinque anni dal giorno in cui il fatto si è verificato. (...)”.
44 “Artículo 1964. La acción hipotecaria prescribe a los veinte años, y las personales que
no tengan señalado término especial de prescripción a los quince”. “Artículo 1968.
Prescriben por el transcurso de un año: 1. La acción para recobrar o retener la posesión.
2. La acción para exigir la responsabilidad civil por injuria o calumnia, y por las
obligaciones derivadas de la culpa o negligencia de que se trata en el artículo 1902,
desde que lo supo el agraviado”.
responsabilidade contratual, sempre que não houver previsão legal específica. Pondera:
‘(...). No contrato, assim como na responsabilidade civil objetiva, a prova (que exclui a
responsabilidade pelo inadimplemento) há de ser feita pelo réu. (...). Seria razoável
imaginar que o réu pudesse colher a prova indispensável para excluir sua
responsabilidade nove anos após o evento danoso? A resposta negativa se impõe,
justificando-se, assim, a opção do prazo trienal do codificador civil, cuja aplicação
indistinta às responsabilidades contratual e extracontratual mostra-se consentânea com
o princípio da isonomia. A perda de prazo prescricional, embora dolorosa, é menos
danosa do que a quebra do sistema, propiciada por inconsistente ideologia de ampliação
da reparação dos danos. Os prazos prescricionais associam-se ao conjunto de
mecanismos oferecidos à ação de reparação de danos. Contornar a previsão legal, ou
selecionar do sistema alguns dispositivos (que melhor atendam ao autor da ação) em
detrimento de outros, ameaça a segurança jurídica, a igualdade constitucional e
prejudica, em última análise, a própria vítima de danos, sem saber, ao certo, de qual
prazo afinal dispõe para o ajuizamento da ação indenizatória. Há quem diga que os
grandes eventos danosos decorrem, invariavelmente, de muitas pequenas concausas. Na
teoria da interpretação dá-se o mesmo com a maturação de equívocos hermenêuticos. É
preciso resistir a este conjunto de interesses que convergem para a consagração deste
equívoco anunciado, que viola preceito expresso do Código Civil (LGL\2002\400) e o
princípio constitucional da igualdade’”. (REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze. J. em 22.11.2016).
50 Assim Larenz, como segue: “Toda a interpretação da lei está, até certo ponto,
condicionada pela época. Com isto não se pretende dizer que o intérprete deve seguir a
par e passo cada tendência da época ou da moda. A continuidade da jurisprudência, a
confiança do cidadão, que nela se estriba, de que a sua questão será resolvida de acordo
com as pautas até aí vigentes, é um valor muito específico. Só a uma mutação
fundamental da consciência valorativa geral é o que intérprete se não deve subtrair,
mormente quando ela tenha encontrado expressão em leis mais recente ou assente num
amplo consenso”. (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad.
Portuguesa de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 443).
52 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p.
640-641: “Essa autovinculação decorre da exigência de tratar igualmente casos iguais. A
lei deve valer para todos igualmente, mediante a aplicação uniforme a todos os casos
que se enquadrem em seus termos. Portanto, ainda que ‘cada caso seja um caso’,
incumbe ao Poder Judiciário aplicar de modo uniforme os seus próprios precedentes,
estendendo para os casos futuros o mesmo tratamento dado aos passados quando entre
estes existirem as mesmas circunstâncias relevantes de fato. Isso não significa que o
Poder Judiciário não possa afastar-se dos seus precedentes. Significa, tão só, que, tendo
sido adotada a linha decisória, ele só possa dela se afastar quando houver razões
justificadas suficientes para tanto”.
55 REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016.
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