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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez

anos

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL: PRAZO PRESCRICIONAL DE DEZ


ANOS
Contractual liability: ten year statutory limitation period
Revista dos Tribunais | vol. 979/2017 | p. 215 - 241 | Maio / 2017
DTR\2017\1053

Judith Martins Costa


Foi Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É
Doutora e Livre Docente em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Presidente do
Instituto de Estudos Culturalistas – IEC e membro da Academia Brasileira de Letras
Jurídicas – ABLJ. Autora. judith@jmartinscosta.adv.br

Cristiano de Sousa Zanetti


Professor Associado de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Bacharel, Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito Civil pela Universidade de
São Paulo. Mestre em Sistema Jurídico Romanístico, Unificação do Direito e Direito da
Integração pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata. Foi Vice-Reitor Executivo
Adjunto de Administração da Universidade de São Paulo. csz@cristianozanetti.com.br

Área do Direito: Civil; Comercial/Empresarial


Resumo: O artigo trata do tema do prazo prescricional da pretensão indenizatória
decorrente de inadimplemento contratual. Demonstra-se que a pretensão fundada na
responsabilidade contratual prescreve no prazo geral de dez anos (Código Civil, art.
205), sendo inaplicável o prazo trienal incidente sobre a pretensão à “reparação civil”
(Código Civil, art. 206, § 3º, V). Tal conclusão é alcançada tanto a partir da consideração
dos elementos literais situados no dado normativo (parte 2), quanto da aplicação dos
critérios lógico-sistemático (parte 3) e axiológico (parte 4) de interpretação do Código
Civil.

Palavras-chave: Responsabilidade contratual - Código Civil - Prescrição decenal -


Interpretação lógico-sistemática - Interpretação axiológica.
Abstract: The article deals with the applicable limitation period to claims arising from
contractual violations. The authors conclude that claims based on contractual liability are
subjected to the general time limitation period of 10 years (Brazilian Civil Code, art.
205), and not to the 3 years period provided for “civil compensation” – “reparação civil”
– (Brazilian Civil Code, art. 206, § 3, V). Such conclusion is based on the due
consideration of the literal elements (part 2), the logical-systematic (part 3) and
axiological (part 4) criteria for the interpretation of the Brazilian Civil Code.

Keywords: Contractual liability - Civil Code - 10-year limitation period - Logic and
systematic interpretation - Axiological interpretation.
Sumário:

1Introdução - 2O elemento literal situado no dado normativo - 3Critério


lógico-sistemático - 4Critério axiológico - 5Conclusão

1 Introdução

O Código Civil de 2002 procurou disciplinar de maneira criteriosa a influência do tempo


nas relações jurídicas. Guiada pela diretriz da concretude, ou operabilidade, a Comissão
Elaboradora do Anteprojeto decidiu “estabelecer soluções normativas de modo a facilitar
1
sua interpretação e aplicação do Direito” . E o primeiro exemplo dessa diretriz está no
tratamento dado à prescrição e à decadência. Baldados os esforços para se oferecer guia
seguro à distinção entre uma e outra, “com graves consequências de ordem prática”, diz
Miguel Reale, resolveu-se enumerar, na Parte Geral os casos de prescrição, em numerus
clausus, “sendo as hipóteses de decadência previstas em imediata conexão com a
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disposição normativa que a estabelece” .

A diretriz da concretude, ou operabilidade, contudo, embora possa importar em


simplificação de soluções (como é exemplo o tratamento dado à prescrição e à
decadência), não se confunde com o oferecimento de soluções simplistas impermeáveis
ao distinguo que está na base da técnica jurídica. Ciente da complexidade do fenômeno
jurídico, Miguel Reale pontuou o objetivo de alcançar – forte nas lições de Engisch,
Esser, Betti, Larenz e tantos outros – o Direito em sua concreção, “ou seja, em razão
dos elementos de fato e de valor que devem ser sempre levados em conta na
3
enunciação e na aplicação da norma” .

Não obstante o esforço de precisão levado a efeito pelo legislador no regramento do


fenômeno tempo e direito, logo surgiu uma importante controvérsia acerca da regra que
prevê o prazo prescricional de três anos para a “pretensão de reparação civil”, no art.
206, § 3º, inc. V, do Código Civil (LGL\2002\400). Acabou-se por chegar – a persistir o
4
entendimento traduzido em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça – a uma
solução simplista que desatende às concretas distinções entre a responsabilidade civil
contratual e a extracontratual e baralha o que há de ser sistematicamente tratado, em
atenção a outra das diretrizes da Comissão Elaboradora do Anteprojeto, a diretriz
sistemática pela qual se há de compreender que o Código tem de ter uma unidade lógica
5
.

Embora se tenha prontamente reconhecido a aplicação do prazo prescricional de três


anos à pretensão fundada na responsabilidade extracontratual, sobreveio dúvida a
respeito da possibilidade de igualmente fazê-la incidir sobre a pretensão indenizatória
fundada no inadimplemento contratual. Designadamente, discutiu-se se a pretensão à
reparação de danos decorrente da violação de um contrato estava sujeita ao prazo
prescricional de três anos, previsto na regra especial relativa à “reparação civil”, ou se,
diversamente, se enquadraria na regra geral, que prevê o prazo prescricional de dez
anos, nos termos do art. 205 do Código Civil (LGL\2002\400), ressalvadas, naturalmente
as hipóteses em que a Lei prevê prazo especial para determinadas espécies de contratos
6
.

Dada sua relevância, a questão foi submetida à apreciação do Superior Tribunal de


Justiça para que a Corte desempenhasse sua missão de uniformizar a interpretação da
legislação infraconstitucional vigente entre nós, conforme previsto no art. 105, inc. III,
7
alínea c, da Constituição da República . A primeira decisão sobreveio em 2006 e concluiu
8
pela aplicação do prazo de três anos também para a responsabilidade contratual . No
ano de 2008, a matéria foi submetida à apreciação da Segunda Seção do Superior
Tribunal de Justiça, composta pela Terceira e Quarta Turma da Corte e responsável por
julgar as questões de Direito Privado. A Segunda Seção então decidiu que o prazo
9
prescricional se enquadrava na regra geral e, portanto, era de dez anos . No ano
seguinte, a matéria foi apreciada pela Quinta Turma, responsável por julgar as questões
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de Direito Penal, que concluiu pela prescrição trienal .

Na sequência, no período compreendido entre 2009 e 2011, sobrevieram sete julgados


11
que decidiram pela aplicação do prazo de dez anos . No ano de 2012 foi proferido
julgado que manteve a prescrição de três anos, mas apenas pela circunstância de a
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decisão da instância inferior nesse sentido não ter sido impugnada em sede recursal .
No intervalo entre 2013 e 2015, houve mais 13 julgados: 12 concluíram pela prescrição
13
decenal e um pela prescrição trienal, novamente por não se tratar de matéria objeto
14
de recurso . No primeiro semestre de 2016, houve mais dois acórdãos, ambos
15
favoráveis à prescrição decenal .

Ao longo de um decênio, de maneira majoritária, o Superior Tribunal de Justiça concluiu


que a pretensão indenizatória fundada na responsabilidade contratual estava sujeita à
prescrição de dez anos, conforme previsto na regra geral constante do art. 205 do
Código Civil (LGL\2002\400), sempre ressalvadas as hipóteses a que haviam sido
cominados outros prazos nos incisos do art. 206.
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De fato, no período compreendido entre 2006 e 2016, foram proferidos 22 acórdãos


nesse sentido contra apenas quatro em sentido oposto. Descontados os casos em que a
prescrição trienal foi mantida por não ter sido objeto de recurso, a incidência da regra
especial somente foi acolhida pela Corte em dois julgados, datados de 2006 e 2009. Não
há dúvidas, portanto, sobre a constância e firmeza do entendimento segundo o qual a
pretensão indenizatória, quando reportada a danos advindos da violação de um negócio
jurídico, obedecia ao prazo decenal.

A orientação prevalente fundou-se no fato de a expressão “reparação civil”, comumente,


apontar à responsabilidade extracontratual, enquanto a responsabilidade contratual é
denominada, de modo habitual, como “responsabilidade pelo inadimplemento do
contrato”, ou, mais sinteticamente, “inadimplemento”, “incumprimento” ou “inexecução
contratual”. A rigor, para abarcar inteiramente o fenômeno que se tem diante dos olhos,
seria mais adequado designar-se o gênero e falar-se em responsabilidade negocial como
indicativa da responsabilidade nascida do incumprimento danoso a direito de crédito
gerado por um negócio jurídico, categoria cuja principal espécie é o contrato.

A título ilustrativo, em julgado proferido em 2014, a Corte deixou clara a ausência de


identidade entre o termo “reparação civil”, constante do art. 206, § 3º, inc. V, do Código
Civil (LGL\2002\400) e o “descumprimento contratual”, que, assim, se sujeita ao regime
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geral previsto no art. 205 do mesmo texto normativo . Nesse cenário, um observador
atento do Direito nacional não hesitaria em afirmar que, na esteira da orientação
prevalente no Superior Tribunal de Justiça, a prescrição para exigir a indenização
decorrente do inadimplemento estava sujeita ao prazo prescricional de dez anos.

De maneira surpreendente, no entanto, no final de 2016 sobreveio julgado que –


paradoxalmente fundado no propósito de promover a segurança jurídica –, concluiu pela
aplicação do prazo trienal também para as pretensões indenizatórias fundadas no
17
inadimplemento contratual .

O julgado chama a atenção por várias razões. A primeira delas é o fato de ter sido
proferido pelo plenário da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça que, junto com
a Quarta Turma, compõe a Segunda Seção da Corte, responsável pela apreciação das
matérias concernentes ao Direito Privado. Nesse julgamento, tanto o relator quanto os
demais ministros votantes reviram suas posições anteriores, para, então, afirmar que a
“pretensão à reparação civil” indica não apenas a indenização por danos advindos de
ilícitos absolutos, abrangendo igualmente a indenização devida em razão de danos
18
provocados pelo inadimplemento contratual .

Para justificar a mudança de orientação, o julgado invocou três fundamentos jurídicos –


o literal, o sistemático e o axiológico.

Em primeiro lugar, fundou-se na letra da lei, para afirmar que o termo “reparação civil”
deve ser lido de maneira ampla, de modo a abarcar tanto a responsabilidade contratual,
como a extracontratual; em segundo lugar, defendeu que essa interpretação mais bem
se harmoniza com as demais regras que governam a responsabilidade contratual; e, em
terceiro lugar, sustentou que o princípio constitucional da isonomia impede que haja
prazos distintos para as obrigações fundadas em uma e outra espécie de
responsabilidade.

Nenhum desses argumentos convence; nenhum deles concretiza os valores nos quais
abstratamente parecem repousar. Para demonstrá-lo, cumpre abordá-los em apartado,
por meio dos tópicos subsequentes que seguirão – ao modo concreto – aqueles mesmos
três fundamentos valorativos, acrescendo-os com considerações acerca do que parecer
ter sido esquecido: as diretrizes da operabilidade, ou concretude, e a da sistematicidade,
dois dos eixos fundantes sobre os quais se ergue a arquitetura codificada, constituindo o
“travamento lógico e técnico”, bem como a base da “sustentação ética” do Código Civil
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(LGL\2002\400) .
2 O elemento literal situado no dado normativo
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Quem interpreta, interpreta texto alheio. Mas “o texto só fala a quem o interroga
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corretamente e compreende a sua linguagem” . No direito posto, o emprego do termo
“reparação civil” não secunda, mas contradiz a leitura defendida pelo recente julgado do
Superior Tribunal de Justiça. Isso porque a noção de “reparação civil”, conforme
empregada pelo art. 206, § 3º, inc. V, do Código Civil (LGL\2002\400), somente se faz
presente no título IX, do Livro I, da Parte Especial, dedicado à “responsabilidade civil”,
ou seja, à responsabilidade extracontratual.

São quatro as ocorrências. No art. 932, são relacionados os “também responsáveis pela
reparação civil”, a saber, os pais pelos filhos; os tutores e curadores pelos pupilos e
curatelados; o empregador ou comitente pelos seus empregados, serviçais e prepostos;
e os donos de hotéis e similares por seus hóspedes. O texto também se refere à
restituição devida por quem houver participado de forma gratuita no produto de crime,
21
mas a hipótese é de enriquecimento sem causa e não de responsabilidade civil . No art.
942, o texto legal dispõe sobre a responsabilidade patrimonial e prevê a solidariedade
pela “reparação” na hipótese de coautoria. No art. 943, esclarece que tanto o “direito de
exigir a reparação”, como a “obrigação de prestá-la” são transmitidos com a herança. No
art. 953, por fim, tem lugar a disciplina da “reparação” devida por “injúria, difamação ou
calúnia”. As mesmas regras figuravam nos arts. 1.518, 1.521, 1.526 e 1.547 do Código
Civil de 1916.

Diversamente, no título IV do mesmo livro da Parte Especial, dedicado ao


“inadimplemento das obrigações” não há qualquer referência à “reparação civil” nos arts.
389 a 405 do Código Civil (LGL\2002\400).

Tais dispositivos estão distribuídos em três capítulos, nos quais se encontram as


“disposições gerais” do inadimplemento; a disciplina da “mora” e das “perdas e danos”.
Havia regras semelhantes nos arts. 955 a 963 e 1.056 a 1.061 do Código Civil de 1916,
nas quais igualmente não se verifica qualquer menção à “reparação civil”.

A leitura do Código Civil (LGL\2002\400), portanto, leva a crer que o termo “reparação
civil” se refira apenas à responsabilidade extracontratual. Por se tratar de uma regra
restritiva de direitos, a norma que versa sobre prescrição não comporta interpretação
22 23
extensiva, como já se notou . Destacada pelo julgado do Superior Tribunal de Justiça ,
a tendência à redução dos prazos previstos no diploma anterior não permite
desconsiderar o dado normativo que o intérprete tem diante dos olhos e que, nos
códigos brasileiros, nunca foi empregado para disciplinar a responsabilidade contratual.
Maiores ou menores, os prazos prescricionais a se observar são sempre os fixados pelo
legislador.
3 Critério lógico-sistemático

A mera leitura do dado normativo não basta, contudo, à compreensão adequada do


ordenamento jurídico. Em adição, tendo em vista a diretriz sistemática, afigura-se
necessário relacioná-lo com as regras cardeais próprias ao respectivo âmbito operativo,
de modo a aferir a coerência da disciplina. A literalidade do texto, assim, é apenas o
ponto de partida à devida inteligência da regra contida no art. 206, § 3º, inc. V, do
Código Civil (LGL\2002\400). Na sequência, deve-se interpretá-la à luz da disciplina
legal considerada em sua totalidade e em sua estrutura lógica. Por outras palavras, ao
método literal, deve suceder e complementar o método lógico-sistemático. Afinal, “a
verdade inteira resulta do contexto, e não de uma parte truncada, quiçá defeituosa, mal
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redigida” , sendo vedado ao Direito – que é ordenamento, e não caos – não ser
sistemático, não guardar uma lógica entre os seus comandos.

No direito dos contratos, a regra é a execução específica. O credor pode, assim, exigir
que o devedor cumpra exatamente aquilo a que se obrigou. Se houver mora, o credor
poderá exigir a execução específica da prestação mais as perdas e danos decorrentes da
inobservância do tempo, lugar ou modo pactuados, conforme se infere da leitura dos
arts. 389, 394 e 395 do Código Civil (LGL\2002\400). Se houver inadimplemento
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definitivo, o credor poderá optar entre a execução pelo equivalente e, observados os


pressupostos necessários, a resolução da relação jurídica contratual, além de poder
exigir, em qualquer caso, o pagamento das perdas e danos que lhe causou o devedor, de
25
acordo com o previsto no art. 475 do Código Civil (LGL\2002\400) .

A coerência reclama que o credor esteja sujeito ao mesmo prazo para exercer as três
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pretensões que a lei põe à sua disposição para reagir diante do inadimplemento . Tendo
em vista que a expressão “reparação civil” somente cuida do dever de indenizar, dever
secundário e substitutivo ao cumprimento do dever de prestação, salta aos olhos a
impossibilidade de empregá-la para disciplinar a execução específica e a resolução. A
rigor, tampouco se afigura autorizado manejá-la para tratar da execução pelo
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equivalente, que consiste em uma forma de cumprimento .

Como já foi observado, carece de sentido afirmar que o credor tem um prazo para exigir
o cumprimento da prestação e outro para reclamar o pagamento das perdas e danos que
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lhe são devidos em razão do mesmo descumprimento . Se a pretensão ao
adimplemento ainda não foi encoberta pela eficácia da prescrição e, portanto, o
contratante pode exigir a observância ao avençado, a lógica reclama que também lhe
seja reconhecida a possibilidade de responsabilizar o devedor pelos danos decorrentes
29
do descumprimento . Pode-se afirmar o mesmo a propósito da execução pelo
equivalente e da resolução. Se o credor ainda pode reclamar a prestação substitutiva ou
a extinção da relação contratual, deve-se lhe igualmente reconhecer a pretensão
indenizatória decorrente do mesmo inadimplemento definitivo.

Nesse cenário normativo, a observância da regra geral contida no art. 205 do Código
Civil (LGL\2002\400) preserva a integridade do ordenamento. Diante da mora, o credor
tem, como regra geral, o prazo de dez anos para exigir tanto a execução específica como
o pagamento das perdas e danos que lhe são devidos. Diante do inadimplemento
definitivo, igualmente como regra geral, o credor tem o mesmo prazo decenal para exigir
a execução pelo equivalente ou, observados os pressupostos legais, a resolução e, em
ambos os casos, o pagamento de indenização que lhe for devida.

Diversamente, a aplicação do prazo trienal para a indenização e do prazo decenal para


os demais direitos que são reconhecidos ao credor diante do inadimplemento põe em
xeque a racionalidade do ordenamento jurídico nesta matéria.

A hipótese de mora é ilustrativa. Nesse caso, o credor teria dez anos para exigir o
cumprimento da prestação, mas apenas três para exigir a indenização decorrente da
inobservância do tempo, lugar ou modo pactuados por parte do devedor. Passados três
anos, o devedor poderia, assim, obter o efeito equivalente à purgação da mora sem,
todavia, ressarcir os prejuízos causados ao credor, o que contrastaria com a regra
constante do art. 401, inc. I, do Código Civil (LGL\2002\400). O mesmo se verifica na
hipótese de inadimplemento definitivo. O credor teria então dez anos para pleitear a
execução pelo equivalente ou, se cabível, a resolução, mas apenas três para reclamar o
pagamento das perdas e danos decorrentes do inadimplemento. O art. 475 do Código
Civil (LGL\2002\400) passaria, então, a ser aplicado pela metade. Transcorridos três
anos, os direitos do credor diante da mora ou do inadimplemento definitivo seriam
mutilados, com a supressão da possibilidade de exigir o pagamento da indenização
decorrente do descumprimento alheio.

Nesse cenário normativo, não convence o Superior Tribunal de Justiça ao sustentar que
o prazo trienal para a responsabilidade contratual emerge da interpretação sistemática
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do ordenamento jurídico brasileiro . De fato, não se afigura coerente reconhecer ao
credor dez anos para exigir a execução específica, a execução pelo equivalente ou a
resolução, mas apenas três para pretender o pagamento dos danos decorrentes do
inadimplemento alheio. Trata-se, ao contrário, da antítese ao sistema.

Com toda probabilidade, o raciocínio do julgado claudica por não considerar inteiramente
o regime do inadimplemento. Tanto o aresto, como o texto doutrinário que cita, sugerem
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haver uma cronologia necessária entre execução específica e indenização. Na visão de


um e outro, primeiro o credor pode exigir a execução e, em caso de impossibilidade
superveniente, a indenização. Tudo então se passaria de maneira compreensível:
primeiro fluiria o prazo decenal e, depois, na hipótese de impossibilidade, a prestação
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seria convertida em indenização, quando, então, passaria a fluir o prazo trienal .

A premissa que embasa o raciocínio é equivocada, pois a execução específica não é o


antecedente ao qual corresponda a consequente indenização. Uma vez mais, o regime
da mora é ilustrativo. Nessa hipótese, o credor tem o direito de exigir tanto o
cumprimento da prestação acordada quanto a indenização pelas perdas e danos que lhe
foram causados pelo inadimplemento. A pretensão à execução específica e a pretensão à
indenização podem, assim, surgir de maneira concomitante. Nessa hipótese, a dar por
boa a orientação constante do julgado do Superior Tribunal de Justiça, haveria prazos
incongruentes: dez anos para a execução específica e três para as perdas e danos.

O regime do inadimplemento definitivo reforça o ponto. Basta pensar na inobservância


de termo essencial. Se o vestido de noiva não chegou a tempo do casamento, o credor
pode exigir desde logo a execução pelo equivalente ou a resolução, bem como as perdas
e danos que sofreu em razão do inadimplemento. A pretensão indenizatória surge,
assim, sem que tenha havido anterior pretensão à execução específica, pois o
descumprimento não comporta emenda, dado o caráter essencial do termo. Nesse caso,
a linha de raciocínio defendida pela recente decisão do Superior Tribunal de Justiça
também levaria a prazos incongruentes: dez anos para a execução pelo equivalente ou
para a resolução e três para as perdas e danos.

Nesse cenário, a preservação da coerência do ordenamento jurídico exige que, como


regra, o credor tenha à disposição o mesmo prazo para exercer os distintos direitos que
possui diante do descumprimento, a saber, a execução específica, a execução pelo
equivalente ou a resolução, somadas, em todas as hipóteses, às perdas e danos
decorrentes do inadimplemento. O raciocínio em sentido diverso priva de lógica e de
coerência o ordenamento e, portanto, não encontra abrigo entre nós.
4 Critério axiológico

Não convence, por igual, o apelo ao critério axiológico para igualar os prazos
prescricionais no tocante às duas espécies de responsabilidade civil. A desatenção ao
critério valorativo é pecado particularmente grave na interpretação de um Código Civil
(LGL\2002\400) cuja filosofia de base assenta-se na correlação entre fato e valor como
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pressupostos da norma jurídica .

No direito privado comum brasileiro, a responsabilidade negocial é tratada de maneira


distinta da responsabilidade extracontratual. A razão é simples: a violação a direito
absoluto e o inadimplemento de um direito de crédito são fontes das obrigações que não
se confundem nem na tradição seguida por nosso Direito, nem na natureza das coisas,
noção cuja importância está em conexão com a exigência primária de justiça de tratar
igualmente aquilo que é igual e desigualmente aquilo que é desigual, exigindo ao juiz
33
que “diferencie adequadamente .
34
Reconhecida desde o Direito Romano , a dicotomia permaneceu ao longo da História,
35
sendo uma importante característica do ordenamento jurídico nacional e um dos
muitos traços que discernem entre o direito privado comum e o direito do consumidor.

Conquanto teses unitaristas tenham surgido na esteira da afirmação do Código de


Defesa do Consumidor, sua manutenção no universo regido pelo Código Civil
(LGL\2002\400) se justifica em razão das distintas bases fáticas e axiológicas e, muito
especialmente, dos distintos regimes jurídicos seguidos por um e outro conjunto
normativo na regulação da responsabilidade civil, pois, evidentemente, a existência de
um comum dever – reparar o dano causado – não implica na sinonímia de fundamentos
fáticos, valores a tutelar e regime jurídico a seguir.
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Teorizando acerca das fontes das obrigações, Clóvis do Couto e Silva cogitou, em
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importante trabalho doutrinário , da categoria do contato social, uma estrutura
pontuada justamente pelos diferentes graus de proximidade e distância entre os sujeitos
nas suas interações sociais. O grau mais próximo é o do contrato, contato voluntário
entre dois sujeitos que se aproximam e decidem planejar o futuro de suas relações
patrimoniais, podendo esse contato ser precedido por extensa fase negociatória e
sucedido também por fase de aproximação: basta pensar num contrato de fornecimento
trintenário, e na espécie de vínculos profissionais e até mesmo pessoais que carrega
consigo. O grau mais distante é o da responsabilidade civil extracontratual, pois, então,
os sujeitos entram em contato apenas pelo mero fato de viver em sociedade, cabendo
37
imaginar uma batida de carro no trânsito anônimo das grandes cidades . Há distinções
valorativas entre uma e outra situação, e não só: há também distinções de ordem fática
e de regime jurídico, articulando-se de modo distinto – também nas fontes das
obrigações – fato, valor e norma.

Na responsabilidade civil extracontratual protege-se bens jurídicos gerais, em atenção ao


comando neminem laedere. O contato entre ofensor e ofendido tende a ser efêmero,
surgindo, no mais das vezes, de uma circunstância fortuita, não resultante de um escopo
compartilhado pelos sujeitos envolvidos de regrarem seus mútuos interesses
patrimoniais. O contato entre vítima e lesante, ademais, surgindo com o dano e em
razão do dano, esvai-se tão logo a reparação tenha lugar. A relação obrigacional surgida
é, pois, pontual. O fundamento dessa espécie de responsabilidade reside, basicamente,
numa reprovação ética à injusta violação de direitos alheios derivada de uma falta de
diligência, lato sensu compreendida.

Diversamente, na responsabilidade negocial, a relação entre os sujeitos se protrai no


tempo e costuma decorrer de uma sucessão de condutas voltadas à obtenção do fim
comum, voluntariamente buscado pelos que se colocam como partes de um negócio
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jurídico, correspondendo o escopo ao adimplemento do pactuado . A violação que a
norma impositiva do dever de indenizar tem em conta é a de um direito de crédito. As
relações derivadas de um negócio jurídico, ademais, podem se estender longamente no
tempo, gerando, em razão de sua duração, um grau de pessoalidade no vínculo e uma
confiança qualificada entre as partes. Basicamente, há (embora em escalas diversas
conforme a espécie contratual em causa), um crédito de confiança a ligar os
contraentes, de modo que o dever de indenizar traduz a reprovação a um atentado
contra determinada relação especial de confiança legítima existente entre as partes.

Do ponto de vista eminentemente pragmático, a distinção entre os fundamentos e os


interesses tutelados também se apresenta com facilidade. Não são poucos os casos em
que, havendo conflito entre as partes em razão de alegações de incumprimento
contratual, estas se põem a negociar visando recompor a relação, pois melhor atenderá
aos seus interesses compor um litígio que se avizinha do que aprofundá-los em anos de
brigas nos Tribunais. Esse interesse se apresenta mormente nos contratos duradouros,
em que a pessoalidade e a confiança mútua são bens jurídicos a considerar.
Apresentam-se, assim, casos em que as transações são longas, dificultosas, mas, ainda
assim, preferíveis a um rompimento a ser solvido pela justiça estatal ou arbitral. Quando
o prazo é longo, terão as partes mais tempo e tranquilidade para dedicar-se às idas e
vindas sempre implicadas em uma negociação complexa. Em face de um prazo
prescricional exíguo, contudo, as partes tenderão a não negociar (ou a encerrar
bruscamente as negociações) para não ter impedida a apreciação de sua pretensão.

Em situação diversa, em face de um dano extracontratualmente produzido, similares


escopos não se manifestam. Sendo pontual o contato entre o lesante e sua vítima, não
há, como regra, interesse em manter a relação interpessoal, o prazo prescricional
podendo perfeitamente ajustar-se à exiguidade temporal.

Não se ignora que a distinção entre as duas espécies de responsabilidade civil comporte
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crítica, como anota o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça . Tal crítica, no
entanto, deve ser tomada de lege ferenda, uma vez que, de lege lata, a distinção
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encontra abrigo entre nós, como reconhece o autor citado pela Corte .

Além das distinções fáticas e axiológicas, acima já mencionadas e do diverso prazo da


prescrição, ora defendido, são marcantes as diferenças entre o regime jurídico de direito
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material envolvente de uma e outra fonte das obrigações. Assim :

a) Capacidade das partes: nascendo de infração a negócio jurídico, a responsabilização


da parte que violou regra negocial supõe que tenha capacidade negocial, caso contrário
o contrato será inválido (art. 104, I). Já a responsabilidade extracontratual alcança
inclusive os incapazes, conforme previsto no art. 928 do mesmo diploma legal.

b) Prova: na responsabilidade contratual, o fato do inadimplemento imputável (mora ou


inadimplemento definitivo), havendo dano, conduz de per se à responsabilização, de
acordo com o art. 389 do Código Civil (LGL\2002\400). Será o devedor quem terá de
provar que a prestação não era devida, ou que o inadimplemento não decorreu de culpa
sua (nos casos de responsabilidade subjetiva), ou, ainda, se houve “culpa concorrente” (
rectius: causa concorrente) do credor ou de terceiro, ou que o inadimplemento não era
imputável, v.g., pela intercorrência de caso fortuito. Haveria, assim, uma presunção de
culpa nessa espécie de responsabilidade. Diversamente, a responsabilidade
extracontratual reclama a demonstração da violação a direito absoluto, do nexo causal e,
como regra, a culpa do ofensor, conforme se infere da leitura dos arts. 186 e 927 do
mesmo diploma legal. Ademais, em regra, é a vítima do dano quem deverá provar os
fatos constitutivos de seu direito, seja a culpa do lesante, a ilicitude, o dano e o nexo
causal (na responsabilidade subjetiva), seja a ilicitude, o dano e o nexo causal (nos
casos de responsabilidade objetiva).

c) Na avaliação da culpa: como decorrência das diferentes regras sobre o ônus da prova,
tem-se que, na responsabilidade contratual, o fato do não cumprimento imputável gera,
para o devedor, a presunção de culpa. Já na responsabilidade extracontratual, não há
que falar em presunção de culpa, pois essa deve ser provada pelo lesado. Por isso
afirma-se que a relevância da culpa como condição da responsabilidade é outro dos
fatores distintivos. O critério da culpa leva ainda a outra distinção.

d) Importância dos graus de culpa para a imputação do dever de indenizar: na


responsabilidade extracontratual, os graus de culpa não têm influência para determinar
a imputação, ainda que o quantum indenizatório possa ser reduzido proporcionalmente,
na forma do art. 944, parágrafo único. Na responsabilidade contratual, diversamente, o
grau de culpa pode determinar a pré-exclusão de responsabilidade ou a diversa
distribuição da carga de responsabilidade, se forem vários os agentes, conquanto,
tecnicamente, o critério correto seja o da distribuição do prejuízo segundo o nexo causal
(eficácia causal das condutas concorrentes à produção do prejuízo) e não segundo a
culpa. Ademais, discriminar a culpa e dolo é relevante para a responsabilidade
contratual, pois, e.g., o devedor de contrato gratuito somente responde por dolo, ao
passo que o devedor de contrato oneroso também responde por culpa, conforme
disposto no art. 392 do Código Civil (LGL\2002\400); diversamente, na responsabilidade
extracontratual, o devedor sempre responde por culpa, nos termos dos já mencionados
arts. 186 e 927.

e) O “ dies a quo ” para a fixação do ressarcimento: na responsabilidade negocial, o


marco temporal que fixa a indenização pode depender, em numerosas hipóteses, de
prévia interpelação, notificação ou protesto. É preciso examinar se a prestação estava
sujeita a termo, ou não, ou se é daquelas que, mesmo não sujeitas a termo, exigem
prévia interpelação. Já nas obrigações decorrentes de ilícito extranegocial, a obrigação
de reparar nasce no dia da prática do ato ilícito.

f) Possibilidade de prefixação do dano e de limitar ou excluir a responsabilidade:


somente a responsabilidade contratual permite fixar, limitar ou mesmo excluir o dever
de indenizar. É possível, ainda, nas obrigações decorrentes de negócio jurídico, haver
uma espécie de prefixação do dano, pela pactuação de cláusula penal. A autonomia
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

privada permite a chamada “convenção de irresponsabilidade” (“cláusula de não


indenizar”), atendidas certas condicionantes impostas pelo ordenamento jurídico. Isto
significa dizer que, ao pactuar negócios jurídicos, as partes podem, em linha de
princípio, estipular cláusulas acerca da limitação ou da exclusão do dever de indenizar.
Na responsabilidade extranegocial, em não havendo negócio jurídico prévio, não há que
falar-se em pactuação da exclusão ou limitação do dever de indenizar, salvo as raras
hipóteses em que é lícito e possível limitar a indenização por dano extracontratual por
meio de acordo prévio (“convenção de irresponsabilidade extracontratual”). A regra é
que o montante da indenização deve corresponder ao dano, como enuncia o art. 944 do
Código Civil (LGL\2002\400), regra essa que só valerá para a responsabilidade civil
contratual se não tiver sido convencionada cláusula penal, ou limitado, ou excluído, o
dever de indenizar.

Da mesma forma que o Direito brasileiro, outros importantes ordenamentos reconhecem


a distinção entre as duas modalidades de responsabilidade e preveem prazos
prescricionais distintos para o exercício dos direitos lastreados em uma e outra fonte das
42
obrigações. Como já se notou , isso se dá, por exemplo, na Itália, em que o prazo
prescricional para postular indenização segundo o regime da responsabilidade contratual
segue a regra geral de dez anos, ao passo que o prazo para o ajuizamento de ação por
43
responsabilidade extracontratual é de cinco anos ; na Espanha, cujos prazos
prescricionais são de 15 anos para a responsabilidade contratual, em conformidade com
a regra geral, e de um ano para a responsabilidade extracontratual, por conta de norma
44
que a excepciona ; e, ainda, em Portugal, onde vigoram, para a responsabilidade
45
extracontratual, normas especiais respeitantes aos prazos , enquanto a
46
responsabilidade contatual se encontra submetida ao prazo ordinário de 20 anos .

Apontadas todas essas diferenças, portanto, diversamente do sugerido pelo recente


julgado do Superior Tribunal de Justiça, as distinções entre a responsabilidade contratual
47
e a extracontratual não configuram mera variação de nomen iuris . Trata-se, ao revés,
de distinguir dois dos mais importantes regimes jurídicos do Direito Privado.

Não aproveita ao debate, ademais, a invocação do Código de Defesa do Consumidor. De


acordo com recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, carece de sentido
reconhecer que o consumidor prejudicado por um acidente de consumo disponha de
prazo prescricional de cinco anos para responsabilizar o ofensor, ao passo que um
cidadão comum conta com o prazo de dez anos para reclamar indenização pelo
inadimplemento. A afirmação não deve impressionar, pois o Código de Defesa do
Consumidor não emprega a distinção entre responsabilidade contratual e
extracontratual, mas sim entre responsabilidade pelo fato do produto e responsabilidade
48
do vício do produto, como, inclusive, reconhece autor citado pelo aresto .
Designadamente, o prazo prescricional de cinco anos previsto em seu art. 27 se aplica
tanto ao consumidor, que mantém relação contratual com o fornecedor, como, por força
do art. 17, ao chamado bystander que, por definição, não participa da relação jurídica
originária. Desse modo, se comparado ao prazo do Código Civil (LGL\2002\400), o prazo
quinquenal do consumidor é menor do que o decenal previsto no art. 205, mas o do
bystander é maior do que o trienal, previsto no art. 206, § 3º, inc. V, do Código Civil
(LGL\2002\400). A equiparação defendida recentemente pelo STJ, portanto, não
caracteriza a “simplificação” das soluções, mas uma solução simplista.

Isto porque, para além de toda a sua diferença de objetivos, de métodos e de interesses
tutelados, postos frente a frente, o Código Civil (LGL\2002\400) e o Código de Defesa do
Consumidor seguem regimes diversos, baseados em critérios distintos. Não se prestam,
assim, à comparação na qual se funda a conclusão extraída pelo recente julgado do
Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, não se pode ignorar que a definição dos prazos prescricionais nem sempre se
lastreia em razões profundas, mas em decisões do legislador voltadas a conferir maior
ou menor tutela a dada posição jurídica. No mais das vezes, mesclam-se necessidades
práticas, dados da tradição e razões de política legislativa. Nesse particular, a consulta
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

ao texto legal é elucidativa.

Ao disciplinar a responsabilidade contratual, o Código Civil (LGL\2002\400) prevê prazos


prescricionais que variam de um a dez anos. Nos contratos de hospedagem e seguro, o
prazo é de um ano, nos termos do art. 206, § 1º, incs. I e II; nos contratos de locação,
constituição de renda e mútuo, de três anos, conforme disposto no art. 206, § 3º, incs.
I, II e III; nos contratos celebrados com instrumento particular que prevejam a cobrança
de dívida líquida e nos contratos celebrados com profissionais liberais em geral, cinco
anos, a teor do art. 206, § 5º, incs. I e II. Por que os profissionais liberais dispõem de
um prazo cinco vezes maior para exigir o cumprimento da prestação que lhes é devida
do que o segurado ou o segurador? Porque legem habemus.

Não se compreende, desse modo, como a previsão de regras diferentes para disciplinar
institutos distintos e destinados a tutelar necessidades práticas tão diversas poderia
violar o princípio da isonomia previsto no art. 5º, caput, da Constituição da República,
49
como afirma o julgado, forte na lição do jurista que cita . A dicotomia entre
responsabilidade contratual e extracontratual é tradicional e encontra abrigo na
legislação brasileira. Seu reflexo na disciplina da prescrição deve, assim, ser respeitado.
5 Conclusão

Na interpretação do Código Civil (LGL\2002\400) é passo preliminar e inafastável a


compreensão de suas diretrizes fundamentais e a atenção ao seu “travamento valorativo
e técnico” exposto com tanta clareza pelos autores do Anteprojeto. A segurança jurídica
passa pela correta aplicação das regras do ordenamento e pela acurada atenção às
múltiplas distinções que permeiam os institutos jurídicos, viabilizando a tarefa de
qualificar os diferentes fenômenos da vida social com atenção à concretude das
circunstâncias que os discernem. Para tanto, é imprescindível ao intérprete considerar –
na qualificação dos fenômenos – a diversidade dos elementos fáticos e valorativos que
se apresentam no sistema.

A segurança jurídica implica, também, uma linha de coerência decisória que, ao menos
tendencialmente, afaste mudanças bruscas de orientação, em atenção ao princípio da
50
confiança do cidadão, estribado, justamente, na continuidade da jurisprudência , já que
51
da instabilidade decisória resulta grande abalo para a vida jurídica da comunidade .
Para atender o direito e garantia fundamental da segurança jurídica aos jurisdicionados
(art. 5º, caput, da Constituição Federal), o Superior Tribunal de Justiça tem
52
autovinculação aos seus próprios precedentes , só se justificando a alteração quando,
para tanto, houver fundadas razões, apresentando-se a mudança do entendimento como
53
via para a melhor conjugação entre o Direito e a realidade . Do contrário, se recairá na
“anarquia interpretativa” por meio da qual “nem mesmo se consegue respeitar a história
54
institucional da solução de um caso dentro de um mesmo tribunal” , sendo este o
principal fator a suscitar insegurança jurídica.
55
Durante dez anos, período “ de caráter tão alongado ” , o Superior Tribunal de Justiça
firmou orientação majoritária no sentido de que a responsabilidade contratual está
sujeita à prescrição decenal constante do art. 205 do Código Civil (LGL\2002\400).
Recentemente, no entanto, foi proferido aresto que, com o propósito de uniformizar o
entendimento da Corte, decidiu pela aplicação do prazo trienal, previsto para a
“reparação civil” no art. 206, § 3º, inc. V, do mesmo texto legal.

A viragem jurisprudencial pretendida pelo aresto não tem razão de ser. Em primeiro
lugar, sua leitura não encontra abrigo no texto normativo, que somente emprega
“reparação civil” no âmbito da responsabilidade extracontratual. Em segundo lugar, sua
orientação põe em xeque a coerência do ordenamento, ao sugerir que o credor disporia
do prazo de dez anos para reclamar a execução específica, a execução pelo equivalente
ou, se cabível, a resolução, mas apenas de três para exigir o pagamento de indenização
devida pela mora ou pelo inadimplemento definitivo. Em terceiro lugar, a equiparação de
regime por ele proposta desrespeita as escolhas valorativas levadas a efeito pelo
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

legislador que, na esteira da tradição, diferencia a responsabilidade contratual da


extracontratual, fundadas que são em suportes fáticos distintos.

A consideração do texto normativo, das normas relacionadas e dos valores subjacentes


às normas é imprescindível à devida compreensão de dado ordenamento jurídico. No
Direito brasileiro, a apreciação das regras relevantes evidencia que, à diferença da
responsabilidade extracontratual, o prazo prescricional geral para a responsabilidade
contratual é de dez anos, conforme disposto na regra geral constante do art. 205 do
Código Civil (LGL\2002\400). Substituí-lo pelo prazo trienal, aplainando em um mesmo
molde diferentes espécies de danos, provindos de diferentes fatos e cujas consequências
são regidas por diferentes valores e regimes, não atende às diretrizes que travejam o
Código Civil (LGL\2002\400).

1 REALE, Miguel. Estrutura e Espírito do Novo Código Civil. In: REALE, Miguel;
MARTINS-COSTA, Judith (coord.). História do novo Código Civil. Biblioteca de direito
civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 40.

2 Assim explicou Miguel Reale em: Estrutura e Espírito do Novo Código Civil. In: REALE,
Miguel; MARTINS-COSTA, Judith (coord.). História do novo Código Civil. Biblioteca de
direito civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 40. Como também asseverou Moreira Alves, à diferença do diploma
precedente, o Código Civil de 2002 empenhou-se em deixar marcada a diferença entre
prescrição e decadência. Nesse sentido, optou por tratar no Título IV da Parte Geral
somente dos prazos prescricionais e disciplinar de maneira individualizada os casos de
decadência e respectivos prazos. Moreira Alves, José Calos. A parte geral do projeto de
Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro (subsídios históricos para o novo Código Civil
brasileiro). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 190-191.

3 REALE, Miguel. Estrutura e espírito do Novo Código Civil. In: REALE, Miguel e
MARTINS-COSTA, Judith (coord.). História do novo Código Civil. Biblioteca de direito
civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 41.

4 REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. em


22.11.2016.

5 REALE, Miguel. O projeto de Código Civil (LGL\2002\400)– Situação atual e seus


problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 5.

6 Código Civil (LGL\2002\400), exemplificativamente, art. 206, § 1º, inciso II; § 3º,
inciso I; § 5º, inciso II.

7 Os autores agradecem à advogada Letícia Rocha Gouveia pela realização do


levantamento jurisprudencial que serviu de base à elaboração do presente artigo.
Também agradecem ao advogado Gustavo Haical pela colaborativa revisão do texto.

8 REsp 822.914/RS. Terceira Turma. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. j. em


01.06.2006. O acórdão tratava de um contrato de mandato, considerando que a
prescrição era “vintenária (art. 177 do Código Bevilacqua), até a entrada em vigor do
novo Código Civil (em 11.01.2003). A partir de então, passou a ser trienal (art. 206, §
3º, V, do Código Civil (LGL\2002\400)/2002) ”.

9 Trata-se do REsp 1.033.241/RS. Segunda Seção. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. j.
em 22.10.2008, no qual se entendeu que, em contrato de participação financeira
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

firmado com sociedade anônima, “o direito é de natureza pessoal obrigacional, de sorte


que a pretensão se submete à regra do art. 177 do Código Civil (LGL\2002\400)
anterior, que fixava em 20 (vinte) anos o lapso prescricional, agora 10 (dez) anos,
segundo a lei substantiva civil em vigor (art. 205)”.

10 AgRg no Ag 1.085.156/RJ. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. j. em


03.03.2009, no qual, ao analisar um contrato de locação, afirmou-se que, diante da
pretensão de “reparação de dano por ato ilícito contratual”, “é aplicável a regra do art.
206, § 3º, V”.

11 O REsp 616.069/MA. Quarta Turma. Rel. Min. João Otávio de Noronha. j. em


26.02.2008, que tratava de contrato de consumo de transporte aéreo de mercadorias,
considerou que “em casos como o dos presentes autos, que versa sobre
responsabilidade contratual” não se aplicava o Código Brasileiro de Aeronáutica, de
modo que foi decidida “a questão pela aplicação do Código Civil (LGL\2002\400) para
definição do prazo prescricional”; na sequência, ao confrontar o Código de 1916 e o novo
diploma, conclui que “houve redução do prazo prescricional pela nova lei – de 20 para 10
anos, art. 205 – aplicável ao caso o Código Civil de 2002”, de modo a afastar a
ocorrência de prescrição no caso concreto. Também o REsp 1.121.243/PR. Quarta
Turma. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. j. em 25.08.2009, que versava sobre o
inadimplemento de uma operadora de planos de saúde, firmou que “a pretensão deriva
do não cumprimento de obrigação e deveres constantes de contrato firmado com a ré,
prestadora de serviços, de natureza pessoal e, consequentemente, está sujeita ao prazo
prescricional decenal”. Ainda, o REsp 1.222.423/SP. Quarta Turma. Rel. Min. Luis Felipe
Salomão. j. em 15.09.2011, no qual foi discutido o inadimplemento de operação com
sociedade encarregada de promover a distribuição de títulos mobiliários, afirmou-se que
o “montante decorrente do não cumprimento de obrigação contratual, isto é, que não se
trata de responsabilidade civil extracontratual”, não está sujeito ao “prazo de prescrição
previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil (LGL\2002\400)”; nesse mesmo julgado,
houve declaração de voto da Min. Maria Isabel Gallotti, para ressaltar que “a obrigação
tem natureza contratual, mesmo que, além da prestação inadimplida, esteja sendo
postulada também indenização por perdas e danos; não havendo regra especial para
esse contrato, é a regra de dez anos pelo Código Civil (LGL\2002\400) atual”. Do mesmo
modo, no REsp 1.276.311/RS. Quarta Turma. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. j. em
20.09.2011, julgou-se, em demanda fundada em dado contrato de empréstimo, que
“como no caso trata-se de dano oriundo de inobservância de dever contratual, não é
aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil
(LGL\2002\400)”. Por sua vez, o REsp 1.150.711/MG. Quarta Turma. Rel. Min. Luis
Felipe Salomão. j. em 06.12.2011, que tratava de contrato de serviços advocatícios,
julgou não se aplicar ao caso “o art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002, (...)
haja vista que o mencionado dispositivo possui incidência apenas quando se tratar de
responsabilidade civil aquiliana. (...). No caso, a alegada responsabilidade civil decorre
de mau cumprimento do mandato, ou seja, cuida-se de ação de indenização do
mandante contra o mandatário, hipótese sem previsão legal específica, circunstância que
faz incidir a prescrição geral de 10 (dez) anos do art. 205 do Código Civil de 2002”. No
mesmo sentido, decidiu-se pelo prazo decenal no Ag no REsp 1.057.248/PR. Terceira
Turma. Rel. Min. Sidnei Beneti. j. em 26.04.2011 e no Ag no AREsp 14.637/RS. Quarta
Turma. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. j. em 27.09.2011.

12 REsp 1.346.289/PR. Terceira Turma. Rel. Min. Sidnei Beneti. j. em 11.12.2012. Nesse
caso, o prazo prescricional de três anos adotado pelo tribunal de origem não foi
questionado pela recorrente, de modo que o Superior Tribunal de Justiça não chegou a
examinar o ponto.

13 No AgRg no Ag 1.401.863/PR. Quarta Turma. Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. j.


12.11.2013, reafirmou-se que “nas ações declaratórias de ilegalidade em que se
pretenda a revisão dos encargos bancários, o prazo prescricional é o ordinário do art.
205 do CC/2002 (LGL\2002\400)”. O AgRg no AREsp 426.951/PR. Quarta Turma. Rel.
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

Min. Luis Felipe Salomão. j. em 03.12.2013, e o REsp 1.326.445/PR. Terceira Turma.


Rel. Min. Nancy Andrighi. J. 04.02.2014, que também trataram de revisão de contrato
bancário, afirmam, ambos, que o prazo prescricional nesse tipo de ação seria vintenário
no Código anterior e decenal no Código Civil de 2002. Ainda, o REsp 1.159.317/SP.
Terceira Turma. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. j. em 11.03.2014, por considerar
que “o inadimplemento das parcelas devidas a título de direitos autorais (fixadas pelo
ECAD) deve ser equiparado ao inadimplemento de uma obrigação e não a um ato ilícito
clássico”, entende que resta “excluída a incidência do art. 206, § 3º, V, do Código Civil
de 2002”, incidindo, “por subsidiariedade, o artigo 205, do mesmo diploma”. No mesmo
sentido, o AgRg no AREsp 477.387/DF. Quarta Turma. Rel. Min. Raul Araújo. j.
21.10.2014, que tratava de inadimplemento de contrato de distribuição de combustível,
ressaltou ser “forçoso recordar que se aplica o prazo de prescrição decenal (artigo 205
do CC/2002 (LGL\2002\400)) quando o pedido de reparação civil tem por fundamento
contrato celebrado entre as partes. Em verdade, o prazo prescricional previsto no artigo
206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 alcança a pretensão de reparação civil por danos
decorrentes de responsabilidade extracontratual”. Por sua vez, o EDcl no AgRg no REsp
1.436.833/RS. Terceira Turma. Rel. Min. Sidnei Beneti, rel. p/ acórdão Min. Paulo de
Tarso Sanseverino. j. 02.12.2014, que julgou contrato de depósito, suscitou discussões
acerca da prescrição a incidir, se trienal, quinquenal ou decenal; esclareceu-se, então,
que havia, no caso, uma pretensão com fundamento extracontratual, que se dirigiria
contra terceiro, e outra pretensão, com fundamento contratual, dirigida ao réu, sendo
que “essa pretensão, por ter como fundamento o inadimplemento de uma obrigação
decorrente do contrato, está sujeita ao prazo geral de prescrição previsto no art. 205 do
Código Civil (LGL\2002\400)”. No AgRg no REsp 1.485.344/SP. Terceira Turma. Rel. Min.
Marco Aurelio Bellizze. j. 05.02.15, julgou-se inadimplemento de contrato de prestação
de serviços de trabalho temporário e se entendeu que “no caso de inadimplemento de
obrigação contratual não é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 206, § 3º, V,
do Código Civil (LGL\2002\400)”. O AgRg no REsp 1.516.891/RS. Segunda Turma. Rel.
Min. Humberto Martins. j. 28.04.2015, ao colocar em análise um contrato de consumo
de serviços de telefonia, considera que, na ausência de legislação específica, “devem
incidir as normas gerais quanto à prescrição previstas no Código Civil (LGL\2002\400)”,
isto é, aplica-se o prazo “do art. 205 do Código Civil (LGL\2002\400), nascido de
obrigação contratual, uma vez que a lei não regulamentou prazo menor”. Também
decidiram pela prescrição decenal o AgRg no Ag 1.327.784/ES. Quarta Turma. Rel. Min.
Maria Isabel Gallotti. j. 27.08.2013; o AgRg no REsp 1.317.745/SP. Terceira Turma. Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino. j. 06.05.2014; e o AgRg no REsp 1.411.828/RJ.
Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. j. 07.08.2014.

14 Trata-se do AgRg no AREsp. 54.771/PR. Quarta Turma. Rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira. j. 05.03.2015: O tribunal de origem concluiu que “por tratar-se de demanda
indenizatória, o prazo prescricional aplicável é o trienal”. Dado que “a tese de violação
dos arts. 205 e 206, § 5º, I, do CC/2002 (LGL\2002\400) não foi levantada em sede de
apelação” o Superior Tribunal de Justiça não chegou a apreciar a questão.

15 Trata-se do AgRg no AREsp 783.719/SP. Quarta Turma. Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti. j. 10.03.2016, no qual se afirmou que “não se divisa a alegada prescrição, pois
não se aplica à hipótese dos autos o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, §
3º, V, do Código Civil (LGL\2002\400), mas sim aquele decenal previsto no art. 205 do
mesmo diploma, por trata-se ação em que se discute obrigação nascida de violação
contratual”. Mais tarde, no AgIn em REsp 1.112.357/SP. Primeira Turma. Rel. Min.
Sérgio Kukina. j. 14.06.2016, a Corte apreciou contrato de empreitada para construção
de um edifício que se deu de modo defeituoso. Nesse caso, o relator entendeu que a
responsabilidade do empreiteiro, de natureza contratual, submete-se ao prazo
prescricional ordinário, de dez anos, previsto pelo art. 205 do Código Civil
(LGL\2002\400): “[V]erifica-se que o presente caso trata de ação de responsabilidade
por inadimplemento contratual. Para esses casos, esta Corte Superior firmou
entendimento no sentido de que ‘Aplica-se o prazo de prescrição decenal (art. 205 do
CC/2002 (LGL\2002\400)) quando o pedido de reparação civil tem por fundamento
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

contrato celebrado entre as partes’”.

16 “A expressão ‘reparação civil’, contida no art. 206, § 3º, V, tem acepção bastante
ampla, mas, de modo geral, designa indenização por perdas e danos, estando associada,
necessariamente, às hipóteses de responsabilidade civil, ou seja, tem por antecedente o
ato ilícito. A pretensão de cobrança fundada em reparação civil deve, portanto, decorrer
de danos sofridos em razão de ato ilícito (em sentido estrito) praticado, estando
associada ao princípio do neminem laedere que serve de lastro para toda a doutrina da
responsabilidade civil” (REsp 1.159.317/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva. j. 11.03.2014).

17 REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016.

18 O voto do relator, acompanhado pelos demais componentes da comissão julgadora,


representou uma alteração do seu posicionamento em relação a julgado datado de 2015.
Nessa oportunidade, o relator prestigiou o acórdão impugnado que aplicou a prescrição
decenal à pretensão de responsabilidade decorrente do descumprimento de contrato de
prestação de serviços: “Tenho, na espécie, que o entendimento sufragado pelo Tribunal
estadual consoa com o deste Superior Tribunal, no sentido de que no caso de
inadimplemento de obrigação contratual não é aplicável o prazo de prescrição previsto
no art. 206, § 3º, V, do Código Civil (LGL\2002\400). Com efeito, a pretensão deriva do
inadimplemento de obrigação nascida de contrato firmado, de natureza pessoal e,
consequentemente, está sujeita ao prazo prescricional decenal” (AgRg no REsp
1.485.344/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurelio Bellizze. j. em 05.02.15). Da
mesma forma, ao acompanharem o voto do relator, os outros três Ministros que
participaram do julgamento reviram as suas posições outrora externadas em casos de
sua relatoria: REsp 1.159.317/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. j.
em 11.03.2014; AgRg no REsp 1.411.828/RJ. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi.
j. em 07.08.2014; e EDcl no AgRg no REsp 1.436.833/RS. Terceira Turma. Rel. Min.
Sidnei Beneti, rel. p/ acórdão, Paulo de Tarso Sanseverino. j. em 02.12.2014, todos a
reconhecer a incidência da prescrição decenal.

19 As expressões entre aspas estão em REALE, Miguel. O projeto de Código Civil


(LGL\2002\400) – situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva,
1986, p. 3.

20 Assim, LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. Portuguesa de


José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 520-521.

21 Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3. ed., 2ª reimp.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 161. t. LIII.

22 Figueiredo, Gabriel Seijo Leal de. Pretensão indenizatória fundada e responsabilidade


contratual: inaplicabilidade do prazo prescricional de três anos. In: LOTUFO, Renan;
NANNI, Giovani Ettore; MARTINS, Fernando Rodrigues (coords.). Temas relevantes do
direito civil contemporâneo: reflexões sobre os 10 anos do Código Civil (LGL\2002\400).
São Paulo: Atlas, 2012, p. 178-180. Trata-se de orientação tradicional entre nós:
Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 167.

23 “O novo Código Civil primou pela redução dos lapsos prescricionais, antes tão
alargados no Diploma de 1916 (...). É inegável que a redução drástica dos prazos
prescricionais foi uma das tônicas implementadas pelo novo Código Civil. A revolução
tecnológica operada nos meios de comunicação e de informação desde a edição do
Código Civil de 1916 reduziu as distâncias também dos marcos prescricionais. É
importante destacar que, ao contrário do que à primeira vista possa parecer, prazos
processuais mais elásticos não significam maior exercício de cidadania ou da defesa de
direitos. Ao revés, impedem a desejada estabilização das relações jurídicas consolidadas
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

pelo tempo; dificultam a produção da prova, tornando-a dispersa ou ainda mais


perecível; postergam o exercício dos direitos e, com isso, diminuem a sua efetividade;
agravam o passivo das condenações; obstruem o sistema judiciário mediante a
propositura tardia de milhares de demandas de massa” (REsp 1.281.594/SP. Terceira
Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016).

24 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 2011, p. 106.

25 Martins-Costa, Judith. O árbitro e o cálculo do montante da indenização, p. 5 (Texto


ainda não publicado). No mesmo sentido, Zanetti, Cristiano de Sousa. A transformação
da mora em inadimplemento absoluto. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, abril/2014, v. 942, p. 13-14; e Zanetti, Ana Carolina Devito Dearo. Contrato
de distribuição. O inadimplemento recíproco. São Paulo: GEN-Atlas, 2015, p. 121 e ss.

26 Como já se anotou em outra sede, não sendo possível especificar o prazo


prescricional de cada espécie contratual (o que seria impossível em face do princípio da
atipicidade, art. 425) é preciso supor a existência de uma regra geral, para os casos não
apreendidos nas regras especiais. Esta é a do prazo comum, de dez anos, previsto no
art. 205: sendo o dever de indenizar pelo inadimplemento substitutivo ao cumprimento
contratual (consistindo no “segundo momento” da relação obrigacional) participa
ontológica e funcionalmente, do mesmo fenômeno, razão pela qual, logicamente, há de
ser seguido o mesmo prazo previsto para as ações de cumprimento do negócio, isto é,
dez anos. (Martins-Costa, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do inadimplemento
das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. V, t. II. p. 160-162. No mesmo
sentido: Theodoro Jr., Humberto. Comentários ao novo Código Civil: dos atos jurídicos
lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e decadência. Da prova. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, v. III, t. II. p. 310 e 332-334.

27 “Ora, o sistema jurídico, trabalhado por elementos históricos e críticas doutrinárias,


chegou exatamente a soluções entre si inconfundíveis: a do recebimento da prestação
mais as perdas e danos decorrentes da mora, que é cumprimento do contrato; a da
rejeição da prestação, pela superveniência da falta de interesse do credor, consequente
à mora, e indenização pelo inadimplemento mais perdas e danos decorrentes da mora,
que também é cumprimento do contrato; e a da resolução do contato, em que não se
cumpre o contrato. Aqui, sim, se restitui, se repete, se deixa de contraprestar, com
perdas e danos a favor do que exerceu direito de resolução” (Pontes de Miranda,
Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1984, t. XXIII. p. 194; itálicos originais).

28 “Quando a norma do art. 206, § 3º, inciso V, fala em prescrição da ‘pretensão de


reparação civil’, está cogitando da obrigação que nasce do ato ilícito stricto sensu. Não
se aplica, portanto, às hipóteses de violação do contrato, já que as perdas e danos, em
tal conjuntura, se apresentam com função secundária. O regime principal é o do
contrato, ao qual deve aderir o dever de indenizar como acessório, cabendo-lhe função
própria do plano sancionatório. Enquanto não prescrita a pretensão principal (a referente
à obrigação contratual), não pode prescrever a respectiva sanção (a obrigação pelas
perdas e danos). Daí que, enquanto se puder exigir a prestação contratual (porque não
prescrita a respectiva pretensão), subsistirá a exigibilidade do acessório (pretensão ao
equivalente econômico e seus acréscimos legais). É, então, a prescrição geral do art.
205, ou outra especial aplicável in concreto, como a quinquenal do art. art. 206, § 5º,
inciso I, que, em regra, se aplica à pretensão derivada do contrato, seja originária ou
subsidiária a pretensão” (THEODORO JR., Humberto. Comentários ao novo Código Civil:
dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e decadência. Da prova. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. III, t. II. p. 333). No mesmo sentido: Maluf, Carlos
Alberto Dabus. Código Civil comentado: artigos 189 a 232. Atlas: São Paulo, 2009, p.
111-112 e Carneiro, Athos Gusmão. Prescrição trienal e “reparação civil”. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./set.
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

2010, v. 13, n. 49, p. 18-19.

29 “Enquanto não prescrita a obrigação principal (isto é, a referente à obrigação


contratual), não pode prescrever a respectiva sanção (a obrigação pelas perdas e
danos). Seria ilógico que se pudesse exigir a pretensão contratual e não subsistisse a
exigibilidade do que lhe é secundário (pretensão ao equivalente econômico e seus
acréscimos legais), como entende parte da jurisprudência” (Martins-Costa, Judith.
Comentários ao Novo Código Civil. Do inadimplemento das obrigações. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2009, v. V, t. II. p. 160-162).

30 “Quanto à reparação civil, considero que a melhor interpretação é, pois, aquela que,
observando a lógica e a coerência do sistema estabelecido pelo Código de 2002 para as
relações civis, dá tratamento unitário ao prazo prescricional, quer se trate de
responsabilidade civil contratual, quer se trate de responsabilidade extracontratual,
reconhecendo, assim, em caráter uniforme, o prazo prescricional trienal para todas essas
espécies de pretensões” (REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze. j. 22.11.2016).

31 “Por fim, um último registro com relação às obrigações de fazer inadimplidas, nas
quais o credor pode optar por exigir o cumprimento da obrigação ou a resolução do
contrato, cabendo, em ambos os casos, indenização por perdas e danos, conforme
dicção do art. 475 do CC/2002 (LGL\2002\400). Nessas hipóteses, optando o credor pela
resolução do contrato, com pleito de indenização por perdas e danos, a pretensão estará
sujeita à regra prescricional trienal da reparação civil (art. 206, § 3º, V). Entretanto,
ainda que escoado esse prazo, poderá exigir o credor o cumprimento da obrigação de
fazer pelo devedor no prazo decenal do art. 205, o qual, mesmo assim, poderá ser
convertido em reparação por perdas e danos, desde que verificada a impossibilidade de
cumprimento da obrigação (nesse caso não estará prescrita a pretensão indenizatória
porque ela só tem lugar em função da impossibilidade de cumprimento da obrigação,
não mais se constituindo em faculdade do credor)” (REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma.
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016). O acórdão procura apoio sobre o
assunto na doutrina: “A propósito, o Prof. Gustavo Tepedino, em artigo no qual analisa
com percuciência o prazo prescricional aplicável às pretensões de reparação civil, (...)
[pondera]: ‘Além disso, como se sabe, o Código Civil de 2002 dá especial ênfase à
execução específica das obrigações, sendo inteiramente coerente com o sistema
atribuir-se o prazo quinquenal [do art. 206, § 5º, inciso I] para o seu cumprimento,
quando ainda há interesse útil do credor; e reservando-se o prazo trienal para o credor
que, uma vez frustrada a possibilidade de cumprimento específico (por perda da
utilidade da prestação em decorrência do comportamento moroso do devedor), se
encontra apto a promover, imediatamente, a ação de ressarcimento de danos. Enquanto
há interesse útil na prestação, há ainda, de ordinário, diálogo entre os interessados e o
prazo trienal nem sempre é suficiente para ajustar a complexa gama de interesses
colidentes no âmbito da qual, com freqüência, purga-se a mora, acomodam-se as
desavenças, cumpre-se afinal a prestação. O legislador prestigia e incentiva, por
diversos expedientes, o adimplemento ainda plausível. Daí o prazo quinquenal nessa
hipótese. Uma vez, contudo, caracterizado o inadimplemento, não interessa ao sistema e
à segurança jurídica postergar a desavença. Nada justifica a delonga. Impõe-se ao
credor, como dispõe o art. 206, ajuizar, em três anos, a ação de danos.’” (REsp
1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016).

32 Acerca da correlação entre o culturalismo tridimensional de Miguel Reale e o Código


Civil (LGL\2002\400), permitimo-nos reenviar a MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO,
Gerson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

33 Nesse sentido: LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad.


Portuguesa de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 594.

34 Grosso, Giuseppe. Il sistema romano dei contratti. 3. ed. Torino: Giappichelli, 1963,
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

p. 3 e ss.

35 “Certamente, o contrato e o ato ilícito são as fontes principais das obrigações”


(Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3. ed., 2. reimp.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, t. XXII p. 53).

36 COUTO E SILVA, Clóvis. Principes fondamentaux de la responsabilité civile en droir


brésilien et comparé. Cours fait à la Faculté de Droit et des Sciences Politiques de St.
Maur (Paris XII). Paris: [s.n], 1988.

37 Explicitou-se essa ideia em: MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado:


critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 240-245.

38 “Também o critério axiológico indica a necessidade de tratamento diverso para a


incidência da prescrição caso as partes tenham entrado em contato em virtude de um
ato único, atomizado e recortado no tempo (como pode ser o dano, na responsabilidade
extracontratual) ou, diversamente, por uma sucessão de atos e atividades dispostos no
tempo como um processo em vista do pretendido adimplemento (responsabilidade
negocial). É inegável que a relação contratual, como ‘organismo vivo’, tem um
dinamismo próprio, comportando negociações, ajustes e transações diversas que se
podem estender no tempo, mormente quando se tratam de relações duradouras”
(Martins-Costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Do inadimplemento das
obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. V, t. II. p. 160-162).

39 “É imperioso salientar, no ponto, a lição de Sérgio Cavalieri Filho que, a despeito de


trazer em seus ensinamentos a distinção entre responsabilidade contratual e
extracontratual, não deixa de fazer alusão às críticas feitas pela doutrina a esta divisão
conceitual. Nas palavras do doutrinador: ‘Em suma: tanto na responsabilidade
extracontratual como na contratual há a violação de um dever jurídico preexistente. A
distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever
jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A
norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o dever específico a
cuja observância ficam adstritos. E como o contrato estabelece um vínculo jurídico entre
os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual já há uma
relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica, e não dever jurídico,
preexistente, porque este sempre se faz presente em qualquer espécie de
responsabilidade). Haverá, por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever
jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas na lei ou na ordem jurídica. (...).
Os adeptos da teoria unitária, ou monista, criticam essa dicotomia, por entenderem que
pouco importam os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade no cenário
jurídico, já que seus efeitos são uniformes” (REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016).

40 “(...). Contudo, nos códigos dos países em geral, inclusive no Brasil, tem sido
acolhida a tese dualista ou clássica [da responsabilidade civil]” (Cavalieri Filho, Sérgio.
Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 16).

41 Esses critérios estão discriminados em: Martins-Costa, Judith. Comentários ao Novo


Código Civil. Do inadimplemento das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v.
V, t. II. p. 157-160.

42 Figueiredo, Gabriel Seijo Leal de. Pretensão indenizatória fundada e responsabilidade


contratual: inaplicabilidade do prazo prescricional de três anos. In: LOTUFO, Renan;
NANNI, Giovani Ettore; MARTINS, Fernando Rodrigues (coords.). Temas relevantes do
direito civil contemporâneo: reflexões sobre os 10 anos do Código Civil (LGL\2002\400).
São Paulo: Atlas, 2012, p. 183.

43 “Art. 2946. Prescrizione ordinaria. Salvi i casi in cui la legge dispone diversamente i
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

diritti si estinguono per prescrizione con il decorso di dieci anni”. “Art. 2947. Prescrizione
del diritto al risarcimento del danno. Il diritto al risarcimento del danno derivante da
fatto illecito si prescrive in cinque anni dal giorno in cui il fatto si è verificato. (...)”.

44 “Artículo 1964. La acción hipotecaria prescribe a los veinte años, y las personales que
no tengan señalado término especial de prescripción a los quince”. “Artículo 1968.
Prescriben por el transcurso de un año: 1. La acción para recobrar o retener la posesión.
2. La acción para exigir la responsabilidad civil por injuria o calumnia, y por las
obligaciones derivadas de la culpa o negligencia de que se trata en el artículo 1902,
desde que lo supo el agraviado”.

45 “Artigo 498º 1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar


da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com
desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem
prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto
danoso. 2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o
direito de regresso entre os responsáveis. 3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual
a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. 4. A
prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação
nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a
outra”.

46 “Artigo 309º O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos”.

47 “Diante da falta de orientação uniformizadora, o prazo prescricional das pretensões


deduzidas em Juízo estaria sujeito a variações de 1 a 10 anos simplesmente pelo fato de
o autor denominar a ação ora de enriquecimento sem causa (ou locupletamento ilícito),
ora de responsabilidade ou reparação civil, ora de repetição do indébito, ora de
revisional de contrato, ora de cobrança. Esse tipo de flanco deve ser repelido pelo
sistema, porquanto catalisador de profunda insegurança jurídica e por vezes de sérias
injustiças, na medida em que, para situações de mesmo substrato fático, o prazo
prescricional, em tese garantidor da isonomia de tratamento jurídico, poderia sofrer
significativas e indesejáveis variações ao talante do nomen juris porventura atribuído à
ação na petição inicial, apesar de sua irrelevância jurídica. (...). Acredito que seria
possível estancar essa abertura se fosse adotada a tese de unificação do prazo
prescricional trienal, sugerida no tópico anterior do meu voto, tanto das pretensões
fundadas na alegação de enriquecimento sem causa quanto naquelas em que se postula
a reparação civil, qualquer que seja a natureza” (REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma.
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016).

48 “O Código do Consumidor, como se verá, superou essa clássica distinção entre


responsabilidade contratual e extracontratual no que respeita à responsabilidade do
fornecedor de produtos e serviços. Ao equiparar ao consumidor todas as vítimas do
acidente de consumo (Código de Defesa do Consumidor, art. 17), submeteu a
responsabilidade do fornecedor a um tratamento unitário, tendo em vista que o
fundamento dessa responsabilidade é a violação do dever de segurança – o defeito do
produto ou serviço lançado no mercado e que, numa relação de consumo, contratual ou
não, dá causa a um acidente de consumo”. (Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de
responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 16).

49 “A propósito, o Prof. Gustavo Tepedino, em artigo no qual analisa com percuciência o


prazo prescricional aplicável às pretensões de reparação civil, leciona que não se
justificam os argumentos trazidos pela doutrina e jurisprudência para aplicação
diferenciada do prazo geral decenal às hipóteses de reparação civil derivada de
inadimplemento contratual em detrimento do lapso trienal previsto no inciso V do § 3º
do art. 206 do Código Civil de 2002, que se destina, em respeito ao princípio
constitucional da igualdade (art. 5º, II, da CF/88 (LGL\1988\3)), a todas as pretensões
de reparação civil, sejam decorrentes de responsabilidade extracontratual, seja de
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Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

responsabilidade contratual, sempre que não houver previsão legal específica. Pondera:
‘(...). No contrato, assim como na responsabilidade civil objetiva, a prova (que exclui a
responsabilidade pelo inadimplemento) há de ser feita pelo réu. (...). Seria razoável
imaginar que o réu pudesse colher a prova indispensável para excluir sua
responsabilidade nove anos após o evento danoso? A resposta negativa se impõe,
justificando-se, assim, a opção do prazo trienal do codificador civil, cuja aplicação
indistinta às responsabilidades contratual e extracontratual mostra-se consentânea com
o princípio da isonomia. A perda de prazo prescricional, embora dolorosa, é menos
danosa do que a quebra do sistema, propiciada por inconsistente ideologia de ampliação
da reparação dos danos. Os prazos prescricionais associam-se ao conjunto de
mecanismos oferecidos à ação de reparação de danos. Contornar a previsão legal, ou
selecionar do sistema alguns dispositivos (que melhor atendam ao autor da ação) em
detrimento de outros, ameaça a segurança jurídica, a igualdade constitucional e
prejudica, em última análise, a própria vítima de danos, sem saber, ao certo, de qual
prazo afinal dispõe para o ajuizamento da ação indenizatória. Há quem diga que os
grandes eventos danosos decorrem, invariavelmente, de muitas pequenas concausas. Na
teoria da interpretação dá-se o mesmo com a maturação de equívocos hermenêuticos. É
preciso resistir a este conjunto de interesses que convergem para a consagração deste
equívoco anunciado, que viola preceito expresso do Código Civil (LGL\2002\400) e o
princípio constitucional da igualdade’”. (REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze. J. em 22.11.2016).

50 Assim Larenz, como segue: “Toda a interpretação da lei está, até certo ponto,
condicionada pela época. Com isto não se pretende dizer que o intérprete deve seguir a
par e passo cada tendência da época ou da moda. A continuidade da jurisprudência, a
confiança do cidadão, que nela se estriba, de que a sua questão será resolvida de acordo
com as pautas até aí vigentes, é um valor muito específico. Só a uma mutação
fundamental da consciência valorativa geral é o que intérprete se não deve subtrair,
mormente quando ela tenha encontrado expressão em leis mais recente ou assente num
amplo consenso”. (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad.
Portuguesa de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 443).

51 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 2005, p. 151-152., in verbis: “(...), sem estudo sério, motivos poderosos e
bem examinados, não deve o tribunal superior mudar orientação dos seus julgados;
porque da versatilidade a tal respeito decorre grande abalo para toda a vida jurídica da
circunscrição em que ele exerce autoridade. É preciso que os interesses privados possam
contar com a estabilidade: judex ab auctoritate rerum perpetuo similiter judicatarum,
non facile recebere debet – ‘não deve o juiz com facilidade afastar-se da autoridade dos
casos constantemente julgados de modo semelhante’”.

52 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p.
640-641: “Essa autovinculação decorre da exigência de tratar igualmente casos iguais. A
lei deve valer para todos igualmente, mediante a aplicação uniforme a todos os casos
que se enquadrem em seus termos. Portanto, ainda que ‘cada caso seja um caso’,
incumbe ao Poder Judiciário aplicar de modo uniforme os seus próprios precedentes,
estendendo para os casos futuros o mesmo tratamento dado aos passados quando entre
estes existirem as mesmas circunstâncias relevantes de fato. Isso não significa que o
Poder Judiciário não possa afastar-se dos seus precedentes. Significa, tão só, que, tendo
sido adotada a linha decisória, ele só possa dela se afastar quando houver razões
justificadas suficientes para tanto”.

53 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. Portuguesa de José


Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 442-443.

54 Assim, THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves


considerações sobre a politização do judiciário e sobre o panorama de aplicação no
direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos
Página 19
Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez
anos

problemas da padronização decisória. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos


Tribunais, 2010, v. 189, p. 43.

55 REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016.

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