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PARTICIPACAO CIDADA NA SOCIEDADE CIVIL GLOBAL ELENALDO CELSO TEIXEIRA A sociedade civil situa-se num determinado territério onde desenvolve suas relaces ¢ constréi seus espagos puiblicos para expressio € participagdo de seus atores. Com o processo de globalizagdo, torna-se pertinente a indagagdo sobre as tendéncias ) superagio desses limites, estendendo-se a agio para espacos globais. Isto é particularmente impor- tante quando os problemas enfrentados pelas populagGes nos diversos pai- ses agravam-se em decorréncia das polfticas adotadas em nivel mundial, como 0 ajuste fiscal, a privatizagao, a divida piblica, o comércio exterior (Programa das Nagdes Unidas para o Desenvolvimento. PNUD - 1993; Diaz-Salazar 1996). Os cidad&os defrontam-se com realidades que desa- fiam sua capacidade de indignar-se e de intervir para reconquistar direitos que vio sendo eliminados por politicas que atendem ds diretrizes globa- lizadas. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento tecnoldgico cria também oportunidades de entrar em contato mais facilmente com problemas enfrentados por outros povos e com suas reagGes. Muitas ages desen- volvidas pelos cidadios e suas organizagées recebem apoio, orientagdo e recursos de organizagGes internacionais. Por sua vez, os organismos intergovernamentais j4 nfo podem desconhecer ou minimizar esse tecido associativo e buscam sua colabo- ragdo, seja para tornar seus projetos mais eficazes, seja para legitimar cer- tas politicas. Os governos locais, até entiio marginalizados no campo inter- nacional, comegam a ter voz, pois descobriu-se que os efeitos perversos das macropoliticas nao podem ser atenuados sem sua participagdo. As autoridades locais também descobriram que podem tirar proveito da glo- balizacdo, usando o papel estratégico que as cidades passam a ter na 136 LUA NOVA N? 45 —99 atragdo de investimentos ¢ que precisam inserir-se nesse grande espectro de interesses e de competigdo. Esse quadro leva-nos a refletir sobre os indi- cadores de formagao de uma sociedade civil global e sobre as alternativas que se desenham, nio-coincidentes com as do capital globalizado. Descobre-se que no basta “pensar globalmente”, mas também “agir glo- balmente”, mesmo ndo se sabendo ainda como fazé-lo, ¢ que 0 agir local pode interferir no global, questionando seus efeitos e buscando outros ca- minhos e possibilidades de desenvolvimento, Pretendemos discutir neste artigo a nogao de sociedade civil global, a qual engloba uma série de organizagées civis e redes que desen- volvem relagées de critica, proposigiio e colaboragéio com os organismos intergovernamentais. Estes, por sua vez, desenvolvem uma série de proje- tos e politicas que repercutem também nas condigGes de vida e de organi- zagio das comunidades locais. Assim, as agdes locais que, de alguma forma, respondem aos efeitos dessas politicas, serao também objeto de nossa andlise. Da mesma forma, buscaremos entendef o papel de esferas publicas globais — conferéncias internacionais e espacos auténomos cria- dos em paralelo -, de f6runs alternativos e outros espagos que se ampliam, como as comissdes de ligagdo, os grupos de trabalhos, etc. Considerando- se que as organizag6es da sociedade civil com atuag&o internacional, nacional ou local, tentam articular-se por meio de redes internacionais, qual € o significado disso para o fortalecimento dessas organizag6es? Como os governos locais se inserem nesse processo e qual ¢ 0 significado da cooperagio internacional na relagdo com o poder e a sociedade civil local? Enfim, trata-se de examinar a participagao cidada na esfera global ¢ como esta participagao se articula com 0 local. . Tal discussao faz-se necesséria tendo em vista a configuracao do poder-estatal que se amplia através de organismos supranacionais, os quais regulam as atividades dos cidadaos nacionais ¢ realizam projetos que inter- ferem nas vidas destes mesmos cidadaos. Tais projetos nao so submetidos a. um processo de Icgitimagdo democratica e de debate critico dos envolvi- dos. Vérios estudiosos do poder local e da cidadania tém abordado essa questdo. Villasante (1995 p.94), por exemplo, acentuando o papel da comunicagao nesse processo, afirma que hoje é impossfvel falar de parti- cipagdo ou de desenvolvimento sem fazer referéncias aos marcos globais assim como aos locais. Nao se pode, pois, abandonar a dialética existente entre os Ambitos global ¢ local. Daf porque esse autor se dedica a estudar as novas experiéncias do local, sobretudo na Espanha, identificando a potencialidade dessas para darem resposta aos mecanismos de uniformiza- ¢ao do sistema mundial, Algumas revistas de renome internacional, como PARTICIPAGAO CIDADA NA SOCIEDADE CIVIL GLOBAL 137 a Revista Internacional de Ciéncias Sociais (117, 1988), editada pela Unesco, tém reunido especialistas como Hill, Galtung, Alger c outros, para debater em profundidade os nexos dos processos locais e mundiais. De igual forma, a revista Transnational Associations vem dedicando, desde 1993, alguns dos seus ndmeros as questdes relacionadas a sociedade civil global, as organizagées internacionais ndo-governamentais ¢ as relagdes com o Banco Mundial. Autores cléssicos da sociologia urbana e especia- listas no tema do poder local e dos movimentos sociais urbanos, Jordi Borja e Manuel Castells langaram, nao faz muito tempo, um livro exata- mente com este t{tulo: Local y Global (1996). No Brasil essa discussdo € ainda muito incipiente, dando-se mais énfase aos efeitos econémicos da globalizagao (Ianni 1992) e suas implicacées no planejamento urbano e na gestao (Santos 1994; Fischer 1996). Relativamente as organizagdes da sociedade civil, o tema esta presente na agenda de semindrios, encontros publicagdes (Fernandes 1994; revista Proposta 64, 1995; revista Democracia 114, 1995). Em termos empiricos, tal problemdtica torna-se crucial para atores como as ONGs. Estas sofrem uma crise séria em relagdo a restrigaio de recursos oriundos de governos que se submetem as diretrizes das politi- cas de ajuste e a certos condicionamentos em relagdo a temas dos projetos e as exigéncias de produtividade. Tudo isso tem efeitos diretos sobre as sociedades locais em que esses projetos se realizam, cuja implementagio é delegada as ONGs locais ou as organizagées de base. Do ponto de vista dos governos locais, a quantidade de projetos de organismos internacionais que carreiam recursos por intermédio de érgdos ptiblicos estaduais leva-os a novas atitudes em face das organizagées locais que se tornam mais criticas e comegam a questionar as diretrizes desses projetos. Como se percebe, a articulagdo entre o global eo local se evidencia sob vérias formas. Importa, pois, analisar em que medida tal articulagao contribui ou nao para o for- talecimento da sociedade civil e do proceso de democratizacao. EXISTE UMA SOCIEDADE CIVIL GLOBAL? Se 0 conceito de sociedade civil jé é bastante complexo, maior dificuldade ainda se tera com o de sociedade civil global. Perez-Diaz (1997) adota uma concepgdo mais ampla, observando que o crescimento da sociedade civil internacional implica um tecido associativo mais denso, uma autoridade publica capaz de aplicar uma legislagdo internacional e 0 desenvolvimento de uma esfera piblica internacional com intenso debate,

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