You are on page 1of 7
Os trabalhos de Bion com grupos oeupam lugar de grande relevancia na sua produ- cientifica por duas razbes. Uma é que fo- 6s grupos que Ihe possibilitaram reconhe- ‘a presenga dos mecanismos psicéticos, 0 oalavancou para um aprofundamento no to de pacientes esqutizofrénicos e, por con- aguinte, dos problemas ligados ao pensamen- linguagem e conhecimento. A segunda ra- io consiste no fato de que Bion tornow-se in- acionalmente conhecido através dos seus dos ligados & dindmica dos grupos, 0 que ‘abritt as portas para a divulgagio do de- wolvimento de suas idéias em outras éreas campo psicanalitico. Aliés, durante muito 3p0, 0s inices livros de Bion que conseguiiam ‘ber endidos eram os referentes a grupos, da mesma forma, essa notoriedade pode ser edida pelo fato de que, por ocasigo de sua imeira visita ao Brasil, foi saudado pela im- fensa unicamente como “o pai da psicotera- ia de grupo”. ‘Assim como Freud, também Bion nao se- va de forma radical a psicologia individual ia grupel, pelo contrétio, ele sempre demons- rou uma visio unificadora das duas, transmi- findo a idéia de que a diferenca entre a psico- gia grupal e a individual é o fato de o grupo ferecer wm campo de estudo para captar cer- tos aspectos da psicologia individual mesmo quando, no grupo, a participacao de um indi- I A Dindmica de Grupos viduo consiste em comportar-se como se nio fizesse parte de nenhum grupo. Em plena vigéncia da ll Grande Guerra, a psiquiatria e a psicanilise ascenderam a um plano de muita importancia, porquanto os dis- ttirbios emocionais se constitufam visivelmen- te como a cauisa mais importante da inativagao dos militares. Por isso, as forcas armadas pro- punham programas de reabilitacdo e de rea- daptacao. Bion, ao retomar & atividade mili- tar, em 1940, observou que no servigo de tera- pia do hospital em que ele operava existia um “equilibrio na inseguranca”, uma espécie de conluio inconsciente entre pacientes, corpo mé- dico e instituigéo hospitalar. Por outro lado, 0 exército precisava aumentar muito 0 seu quia- dro de oficiais, e era téo grande o nitmero de candidatos que se impunha um método mais adequado de selecao, Desse modo, premido por essas duas ci cunstiincias, ocorreu a Bion a genial idéia de utilizar o recurso grupal. No tocante ao proje- to de readaptacdo dos militares estressados, Bion executou no hospital militar um plano de reuniées coletivas, nas quais se discutiam os problemas comuns a todos e se estabeleciam programas de exercicios e atividades. Assim, em 1942, no hospital Northfield, que compor- tava com 200 leitos no “pavilhao de tratamen- to” e 400 leitos no “pavilhao de readaptacao”, Bion iniciou os seus experimentos com grtipos. 108 ave. zIMERMAN Ele se reunia diariamente numa sala com 15 pacientes e promovia uma discusséo grupal, com o objetivo precipuo de readapté-los a vida militar ou de julgar se eram capazes de voltar ativamente a essa vida. Um fruto visivel desse trabalho grupal foi Bion ter conseguido resta- belecer a disciplina e manter uma ocupagio ‘itil dos seus homens; com isso, constituiu-se um verdadeiro “espirito de grupo”. Por razées. que nunca ficaram bem esclarecidas (a mais provavel é que a ctipula dos oficiais superiores teria ficado alarmada com a mudanga do cli- ma do hospital), essa experiéncia durou ape- nas seis semanas. Uma das sementes que ger- minou dessa curta experiéncia foi o hospital Northfield tornar-se o bergo da “comunidade terapéutica’, cujo modelo, apés a guerra, ga- nhou uma enorme expansio, principalmente nos Estados Unidos A propésito, merece ser transcrito 0 se- guinte trecho, extraido da conferéncia pronun- ciada por Bion na Sociedade Briténica de Psi- cologia, em 1947, sob o titulo “Psiquiatria em ‘um Tempo de Crise”, na qual ele também abor- dou os problemas de suas experiéncias grupais em tum hospital militar, anteriormente mencio- nados (Gradiva, n. 13, 1981) Quando, alguns anos mais tarde, tive a oportunidade de pér essa iia em prati- ca, 0 resultado foi a liberagéo de uma poderosa emocio que se mostrou, prin cipalmente, na elevagio do moral entre 5 pacientes, atos de indisciplina por parte de dois suboficiais do staff ex- officio, personalidades estéveis, ¢ uma bstrugfoligeia, mas persistente de ori- gem obscura. A experiencia foi encerra- da pelas autoridades,eé que foi impos- sivel investigar 0 estado de espirito das autoridades, nfo posso aventar uma cat- sa para o frecasso. Em relagaoa selecio de oficiais, Bion dei- xou de lado 0 método habitual de priorizar as qualidades militares dos postulantes ao ofi- cialato e propos a técnica de “grupo sem Ii der”, Tal técnica consistia na proposigao de uma tarefa coletiva aos candidatos, como, por exer- plo, a construgio de uma ponte, enquanto os observadores especializados avaliavam nao a capacidade de cada um deles para construir ‘uma ponte, mas sim a aptidéo do homem em estabelecer inter-relacionamentos, em enfren~ tar as tenses geradas nele e nos demais pelo medo do fracasso da tarefa do grupo, e odese- jo do éxito pessoal A aplicagdo dessa técnica trouxe quatro vantagens que foram reconhecidas por todos: economia de um tempo que era habitualmen- te despendido na selegio; possibilidade de uma avaliacao compertilhada coletivamente com. ‘outtos técnicos selecionadores; observagéo de ‘como 05 candidatos interagiam entre sie faci litagao da importante observacao dos tipos de liderancas. ‘A filosofia dessa selegdo grupal era sin- tetizada por Bion com uma frase: “Se um ho- mem nao consegue ser amigo de seus ami- {g05, tampouco poderd ser inimigo de seus ini- migos”, Ao fim da guerra, Bion retornou & ‘Tavistock Clinic, com o propésito de promover mudancas estruturais. Assim, iniciow um gru- o composto por uns dez diretores de servigos da clinica e trabalhou com eles em um clima de alta tensao grupal, com objetivos algo inde- finidos, ja que esse grupo era, a um sé tempo, tanto de integracdo institucional como de for- magao técnica e de finalidade psicoterapéuti- ca, Essa experiéncia ndo durou muito tempo, porém teve o dom de mobilizar fortemente os articipantes, a ponto de alguns deles procu- tarem andlise individual ‘Apés algum tempo, Bion compés um novo grtpo, com analistas que jd tivessem tra- balhado com grupos. O aspecto inovador é que cada um desses participantes poderia funcio- nar como paciente ou como analista dos de- mais, em uma forma pela qual todos se bene- ficiariam simultaneamente. Essas reuniées também néo tiveram pleno éxito: ao final de ‘um ano, o grupo se extinguiu por falta de par- ticipantes. Noinicio de 1948, Bion organizou os seus ‘grupos unicamente terapéuticos, a partir dos ‘quais fez importantes observagées e contribui- ‘ges que permanecem vigentes e inspiradoras na atualidade. Dentre as concepedes originais acerca da dindmica do campo grupal, além das que jé ferimos em relacdo aos grupos de reabilita- ‘ede selecdo, aos grupos sem lider e & aber- para a comunidade, vale a pena destacar ainda as seguintes, e hoje cldssicas, conceitua- Ges e designacdes. 1. Espirito de grupo: no livro Experién- as em grupos, Bion destacou uma série de ca- ae determina a dinémica do campo grupal. destacar as seguintes cito caracteristicas: objetivo comum de todos os componentes; Teconhecimento dos limites do grupo e das ges e funcdes do grupo em relacao a ou- ‘grupos; a capacidade para absorver e per- ‘membros; a liberdade ¢ o valor em relagio ‘subgrupos que se formam: a valorizacao das dividualidades dentro do grupo; a capacida- para enfrentar o descontentamento interno; ‘radicio do grupo como possivel oposigo ao -gimento de idéias novas deste grupo; olider (© grupo comungando uma mesma “fé”. 2. Mentalidade grupal: alude ao fato de ie um grupo adquire uma unanimidade de snsamento ¢ de objetivo, a qual transcende individuos e se institui como uma entida- a parte. 3. Cultura do grupo: resulta do conflito le uma oposigao entre as necessidades da entalidade grupal” e as de cada individuo particular, 4. Valéncia: é um termo, extraido da qui- ica (o mtimero de combinacées que um ato- 0 estabelece com outros dtomos), que desig- a aptiddo de cada individuo combinar-se os demais, em funcao dos fatores incons- jentes de cada um. Bion alertava para o fato je que “sempre teria que haver algumas féncias disponiveis para ligar-se a algo que nda nao aconteceu”, 5. Cooperagdo: designa a combinacio tre duas ou mais pessoas que interagem sob égide da razo; logo, é prépria do funciona- nto do que Bion denomina como “grupo de balho”. 6. Grupo de trabalho (GT): Bion afirma que todo grupo opera sempre em dois niveis que S40 simulténeos, opostos ¢ interativos, BION-DATEORIAAPRATICA 109 embora bem delimitados entre si. Um nivel 80 ‘que ele denomina como “grupo de trabalho”, €0 outro € 0 “grupo de base” (ou de “pressu- postos bdsicos") (0 “grupo de trabalho” esta voltado para os aspectos conscientes de uma determinada tarefa combinada por todos os membros do {ETUpO, e, se quisermos comparar com o fun- cionamento de um individuo, equivale as fun- ges do ego consciente operando em um nivel secundério do pensamento (conforme a con- cepgao de Freud). 7..Grupo de (pré)supostos bdsicos (SB): (no original: basic assumption) é, certamente, na dea grupal, a concepgio mais original de Bion e amais largamente conhecida e diftndi- da. (Os supostos basicos (SB) funcionam nos moldes do proceso primédrio do pensamento ‘, portanto, obedecem primordialmente as leis. do inconsciente dinAmico. Assim, os supostos basicos ignoram a nogao de temporalidade, de relagio causa-efeito, ou se opdem a todo 0 pro- cesso de desenvolvimento e conservam as mes mas caracteristicas que as reagdes defensivas mobilizadas pelo ego primitivo contra as ansie- ‘dades psicéticas. Bion descreveu trés modalidades de supas- tos basicos, denominadas, respectivamente: su- ‘postos bsicos de “dependéncia”, de “luta efuga” e de “acasalamento” (ou “pareamento"). E claro queas emosées bésicas, como amor, dio, medo, ansiedades, etc, estao presentes em ‘qualquer situagao. Porém, o que caracteriza par- ticularmente cada uni dos trés supostos bisicos a forma como esses sentimentos vém combi- rads e estruturados; por isso, exigem um tipo de lider especifico apropriado para preencher ‘5 requisites do suposto basico predominante e vigente no grupo, © suposto basic de “dependéncia” de- signa 0 fato de que o funcionamento do nivel mais primitivo do todo grupal necessita e cle- ge um lider de caracteristicas carisméticas em razio da busca do recebimento de protecio, seguranga e de uma alimentago material e es- piritual. Os vinculos com o Hider tendem a ad- ‘quirir uma natureza parasitaria ou simbidtica, voltados para um mundo ilusério.

You might also like