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CADERNO DE TEXTOS:

- A época da I Internacional - do livro: "A história social do movimento


02 trabalhista europeu", de Wolfgang Abendroth, editora Paz e Terra, 1977;

- Mensagem inaugural da Associação Internacional dos


05 Trabalhadores
Karl Marx

10 - Estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT)


Karl Marx

12 - As pretensas cisões na Internacional


K. Marx e F. Engels

- A Segunda Internacional - do livro: "A história social do movimento trabalhista


36 europeu", de Wolfgang Abendroth, editora Paz e Terra, 1977;

39 - A Guerra Mundial e a Revolução - do livro: "A história social do movimento


trabalhista europeu", de Wolfgang Abendroth, editora Paz e Terra, 1977;

- Congresso de Stuttgart do Partido Social Democrata Alemão (1898)


41 - Discurso sobre Tática
Rosa Luxemburgo

43 - O oportunismo e a falência da II Internacional


V. I. Lênin

49 - Estalinismo e Bolchevismo - Sobre as raízes históricas e teóricas da IV


Internacional
Leon Trotsky

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Lassalle conseguiu facilmente conquistar a admiração
A época da I Internacional de seus contemporâneos, mas nunca olhes inspirou
confiança. Estava-lhe o caráter muito aquém de seu
do livro: "A história social do movimento nível intelectual. Nascera para o sucesso imediato e
trabalhista europeu", de Wolfgang Abendroth, não para o martírio. Conquanto em muitos pontos se
editora Paz e Terra, 1977; achasse de acordo com Marx, cuja superioridade inte-
lectual reconhecia, Lassalle sustentava uma concep-
ção do Estado, como Hegel e Fichte. Foi sempre, no
1.Lassalle e a União Geral fundo, um velho hegeliano. Como Hegel, considerava
dos Operáríos Alemães os fenômenos materiais e os acontecimentos da histó-
ria manifestações externas do futuro divino. Acredita-
Em Leipzig, onde as idéias sociais de 1848 a va, também, na imortalidade da alma. Durante toda a
1849 sempre se conservaram vivas, foi que surgiram sua vida, procurou conquistar a amizade de Marx, por
as primeiras manifestações do movimento operário quem nutria profunda admiração. Nunca, porém, con-
independente. Os elementos operários descontentes seguiu manter com ele relações amistosas. Teve mais
com a política liberal, desejando uma política indepen- sorte com Rodbertus, Alexandre de Humboldt e outros
dente, fundaram, em 1862, um comitê central, desti- sábios prussianos. Bismarck também lhe dedicava
nado a convocar um congresso operário, e dirigiramse grande estima pessoal. Em resumo: Lassalle era um
a várias personalidades pedindo-lhes conselhos judeu prussiano, na melhor acepção da palavra. Seu
inclusive a Lassalle, que se tornara conhecido pela drama Franz von
conferência que realizara sobre o tema "Relações Sickingen é um vibrante apelo em prol da unidade
entre o período histórico atual e a ideologia da classe alemã.
operária". Em resposta aos operários, Lassalle publi- De suas relações com o comitê central de Leipzig
cou a sua famosa Carta aberta, na qual declarava que nasceu, em 1863, a União Geral dos Trabalhadores
os operários deviam organizar um partido indepen- Alemães. Lassalle foi eleito seu presidente. Quando
dente, capaz de encabeçar a luta pelo sufrágio univer- morreu, um ano depois, a União já possuía 4 mil mem-
sal e pela criação de cooperativas, com o auxílio do bros. Substitui-o J. B. von Schweitzer, jurista e político
Estado, uma vez que os meios propostos pelos libera- hábil, com o qual Guilherme Liebknecht (1826-1900) e
is não poderiam de modo algum melhorar a situação Augusto Bebel (1840-1913), que defendiam as idéias
da classe operária. Enquanto existir trabalho assalari- de Marx, entraram logo em conflito. Como seu prede-
ado, afirmava Lassalle, os operários não poderão sair cessor, J. B. von Schweitzer queria manter a União
da miséria, porque a impiedosa lei dos salários aniqui- Operária dentro dos quadros prusso-alemães. Os par-
la todas as tentativas de melhora. tidários de Marx, ao contrário, eram, acima de tudo,
Fernando Lassalle (1825-1864) descendia de internacionalistas e inimigos da Prússia. Depois de
uma família de comerciantes judeus de Breslau. Depo- vários anos de luta, Liebknecht e Bebel criaram, em
is de iniciar os estudos no colégio de sua cidade natal, Eisenach, em 1869, um partido diferente, denominado
ingressou na escola de comércio de Leipzig. Lá esteve o partido dos "eisenachianos", que se apoiou na Asso-
apenas alguns meses. Matriculou-se em seguida, na ciação Internacional dos Trabalhadores, fundada em
Universidade de Berlim, onde estudou filosofia e filolo- Londres, em 1864.
gia clássica. Lassalle distinguiu-se pelos seus raros Quando a guerra franco-alemã de 1870 estalou,
dotes intelectuais. esses dois partidos adotaram atitudes opostas. No
Possui a grande energia e temperamento extre- Reichstag, da Alemanha do Norte, os lassalleanos
mamente fogoso. Era, incontestavelmente, um socia- Schweitzer, Fritsche e Mende votaram os créditos de
lista convicto, embora possuísse tendências naciona- guerra, ao passo que os eisenachianos Liebknecht e
is alemãs e inclinações ditatoriais. Em países como a Bebel se abstiveram. Só depois da vitória de Sedan,
Inglaterra ou França, quiçá chegasse a desempenhar quando compreenderam que a Alemanha enveredava
importantíssimos papéis políticos. Teria sido, talvez, por uma política de conquistas, é que os representan-
um Disraeli ou um Gambetta. Mas, nas condições da tes de ambos os partidos resolveram votar contra os
Alemanha do seu tempo, não podia desempenhar créditos. Em virtude de sua atitude contra a guerra e
senão o papel de agitador socialista e de aventureiro de sua adesão à Associação Internacional dos Traba-
intelectual. Seus discursos e escritos, embora conte- lhadores, Bebel e Liebknecht foram processados e
nham passagens velhas demais para os dias presen- condenados à prisão em fortaleza. O terceiro acusa-
tes, exercem ainda hoje poderoso efeito de agitação. do, Adolpho Kepner, foi absolvido.
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pela atividade de Bakunin, no Congresso de Haia,
2. Fundaçāo e desenvolvimento verificou-se a cisão. A sede da Liga foi transferida para
da Primeira internacional Nova York e, em 1876, a organização dissolvia-se.
A AIT contribuiu consideravelmente para a exten-
Assim como na Alemanha, na França e na Ingla- são do movimento sindical e preparou a vitória do mar-
terra, de 1861 a 1864, observa-se também o despertar xismo.
do movimento operário. A visita de uma delegação ope- A luta entre os elementos marxistas, de um lado, e
rária francesa à Exposição de Londres de 1862, que a os bakunistas e proudhonianos, de outro, fez surgir
pôs em contacto com os líderes operários ingleses, a grande número de mal entendidos. As discussões
simpatia que o proletariado francês e inglês manifes- entre os dois grupos freqüentemente degeneravam
tou pela insurreição polonesa de 1863 e a campanha em ataques pessoais contra os seus mais destacados
empreendida pelos operários ingleses em prol do dirigentes, o que, sobremodo, prejudicou o esclareci-
sufrágio universal, foram os fatos que determinaram a mento das questões em litígio. No fundo, as duas ten-
fundação da Associação Internacional dos Trabalha- dências eram comunistas. Tanto assim que, logo depo-
dores, em 25 de setembro de 1864. A manifestação is, a doutrina proudhoniana desaparecia da cena his-
pública, que devia se celebrar em comemoração tórica. Os marxistas eram pela ação sindical, pela
desse acontecimento, realizou-se em 28 de setembro, ação política e pela conquista do poder. Por esses mei-
com a participação de delegados de organizações ope- os, esperavam chegar ao comunismo. Os bakuninis-
rárias inglesas, francesas, italianas e alemãs. Entre os tas, ao contrário, achavam que o melhor caminho para
delegados alemães, achava-se Karl Marx. A direção o comunismo era o sindicalismo-parlamentar antimili-
intelectual da Associação foi a ele confiada. Marx redi- tarista. Dirigidos por Bakunin e Guilherme Ruis,
giu o manifesto (Mensagem inaugural) e os seus esta- baseavam-se na teoria liberal e, como ela, consi-
tutos. Eis as idéias fundamentais expostas na Men- deravam o indivíduo uma potência soberana. Para
sagem inaugural: organização do proletariado em eles, o Estado e, de um modo geral, qualquer direção
partido de classe, luta pela legislação social, cria- autoritária e centralizadora deveria ser combatida. Os
ção de cooperativas operárias, luta contra a diplo- bakuninistas só se afastavam da teoria liberal nos dois
macia secreta, união dos proletários de todos os pontos seguintes: 1. em vez da propriedade privada,
países, extinção do domínio de classe, libertação desejavam a propriedade coletiva; 2. submetiam os
econômica da classe operária. interesses do indivíduo aos interesses da coletivida-
A sede da associação era em Londres, e dirigia-a de autônoma dos trabalhadores.
um conselho geral composto principalmente de líde- Os marxistas, ao contrário, sustentavam que o
res operários ingleses e alemães. A associação nunca indivíduo social é o resultado do meio social, de tal
foi verdadeiramente uma organização de massa. Só modo que ele não pode agir senão dentro das formas
conseguiu agrupar os chefes e os operários mais ati- políticas e econômicas existentes. Os bakuninistas fri-
vos. Foi antes uma espécie de academia, na qual se savam energicamente a necessidade de garantir a
procurava elaborar uma concepção comum sobre a liberdade individual no seio da comunidade. Marx inte-
tática e o objetivo do movimento operário. Mas nem ressava-se principalmente pela organização da clas-
isso foi possível, porque Marx teve de lutar contra os se operária ao mesmo tempo em partidos e em sindi-
proudhonianos e os bakunistas. A Associação cele- catos, a fim de levá-la à luta de classe, à conquista do
brou 5 congressos, nos quais foram debatidas as poder e à instauração da ditadura proletariado, duran-
seguintes questões: legislação operária, cooperati- te o período de transição para o comunismo, no fim do
vas, questão sindical, guerra, movimento operário e qual o Estado desapareceria, para dar lugar à admi-
reforma agrária. Esses congressos reuniram-se em nistração democrática da sociedade, organizada em
Genebra (1866), Lausane (1867), Bruxelas (1868) e bases cooperativistas. Do mesmo modo que Proud-
Basiléia (1869). Até 1867, dominou a influência dos hon e Bakunin, Marx também não era adorador do
proudhonianos e, de 1867 a 1869, a influência marxis- Estado. Como eles, Marx considerava o Estado um
ta. Adotaram-se resoluções sobre a socialização do organismo de opressão a serviço das classes domi-
solo e dos meios de transporte. nantes, para a defesa da sua propriedade privada con-
Em 1868, o revolucionário russo Miguel Bakunin tra os ataques dos que nada possuem. Marx, entre-
aderiu à Associação e logo começou a lutar contra tanto, dizia que o Estado, produto da propriedade
Marx. Dentro da AIT, fundou uma organização secreta, privada só poderia desaparecer quando esta últi-
a Aliança Internacional, que não foi reconhecida pelos ma desaparecesse. Proudhon e Bakunin, ao con-
dirigentes da AIT. Em virtude do conflito provocado trário, viam no Estado um mal evidente, que torna-
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va impossível qualquer transformação social e ções gerais para a Assembléia Nacional.
que, por isso, era mister suprimir quanto antes. Foi eleita uma maioria reacionária. Essa maioria
Bakunin acreditava que o melhor meio para a levou ao governo um ministério reacionário, dirigido
supressão do Estado era a conspiração secreta e a por Thiers. A Assembléia Nacional reuniu-se, primeiro
insurreição armada. em Bordéus, depois em Versalhes. Foi dali que
A Comuna de Paris (1871) é o mais importante empreendeu a luta contra o proletariado parisiense.
acontecimento da história da Primeira Internacional. No dia 26 de fevereiro, começaram as negocia-
ções preliminares para a conclusão da paz. 0 tratado
3. A Comuna de Paris de paz que entregava a Alsácia-Lorena à Prússia foi
considerado por todo o país como uma humilhação ina-
O aparecimento da Comuna de Paris teve três udita. Esse tratado indignou profundamente todo o
causas principais: 1. a guerra franco-alemã, provoca- povo de França, especialmente o parisiense. A guarda
da pela política francesa, orientada no sentido de impe- nacional, que havia sido organizada para manter a
dir a formação da unidade alemã; 2. as tradições da ordem em Paris, nos últimos dias de fevereiro, elegeu
Revolução Francesa, na qual a municipalidade um comitê central que, depois de repelir as tentativas
de Paris desempenhou papel de grande importân- do governo de Thiers, que procurava se apoderar da
cia; 3. os progressos realizados pela Internacional em artilharia da guarda nacional assestada nos arredores
Paris e nas principais cidades das províncias, assim de Montmartre, tomou posição contra ele e, em 18 de
como o desenvolvimento das idéias socialistas em março de 1871, proclamou a Comuna de Paris. O comi-
geral. tê central transformou-se em governo provisório, isto
As vitórias militares obtidas pela Prússia em 1864 é, numa ditadura. Mas, 8 dias depois, ele apelou para
e 1866, a fundação da federação germânica do Norte, o sufrágio universal de Paris, depondo assim o poder
em 1867, a aproximação da Alemanha do Sul, em nas mãos da população parisiense. A Comuna de
1848, suscitaram grandes dificuldades à diplomacia Paris, eleita a 26 de março de 1871, funcionou até a
francesa. Quando se ofereceu a coroa da da Espanha sua derrota definitiva, em fins de maio.
a um príncipe da casa de Hohenzollern-Sigmaringen e Ela não foi, evidentemente, uma ditadura, porque
este aceitou (1870), a França sentiu-se ameaçada e havia sido o resultado de uma eleição regular. Era um
caiu na cilada que Bismarck lhe armara. De fato, a governo de coalizāo, que englobava membros da
Prússia estava bem preparada para a guerra, tanto do Internacional, blanquistas, proudhonianos, republica-
ponto de vista militar quanto do ponto de vista diplo- nos burgueses e patriotas exaltados. A Comuna teria
mático e não esperava senão o momento oportuno sido uma ditadura se o comitê central da guarda nacio-
para romper as hostilidades com a França. A guerra nal se tivesse conservado no poder até o último
estalou no dia 19 de julho de 1870. Durante o mês de momento, sem apelar para o sufrágio universal. Na
agosto, o exército francês sofreu grande número de realidade foi, portanto, um governo de coalizão, no
reveses e, nos primeiros dias de setembro, já estava qual os principais elementos estavam em completo
completamente derrotado. Em 4 de setembro de desacordo em quase todos os pontos. Sustentavam
1870, ao ter notícia do desastre de Sedan, Paris suble- opiniões opostas sobre a tática a adotar e o objetivo a
vou-se, derrubou o império, proclamou a república e atingir. A censura que Marx dirigiu ao comitê central da
nomeou um governo provisório de defesa nacional. guarda nacional foi moderada, mas justíssima. Marx
Nesse governo, só Gambetta estava à altura de sua criticou-lhe o excessivo respeito pelas formas demo-
missão. 0 general Trochu, que acumulava as funções cráticas, respeito que o levou a apelar para o sufrágio
de presidente do Conselho e de governador militar de universal.
Paris, e cujo ódio pelo inimigo interno não era menor "Em vez de marchar contra os versalhenses
que pelo inimigo externo, teve, desde logo, uma atitu- que naquele momento se encontravam completa-
de equívoca. Em 31 de outubro, Blanqui tentou depor mente desamparados diz Marx eles, promovendo
o governo republicano para substituí-lo por um gover- as eleições da Comuna no dia 26 de março, permi-
no socialista. Mas sua tentativa fracassou. As circuns- tiram que o partido da ordem exibisse, ainda uma
tâncias eram inteiramente desfavoráveis para qual- vez, as suas forças. Nesse dia, nos postos eleito-
quer ensaio de reorganização interna. Os exércitos for- rais, os homens da ordem trocaram benévolas
mados por Gambetta foram, um por um, destroçados. palavras de reconciliação com os seus magnâni-
A situação tornou-se de tal modo grave que, nos últi- mos vencedores. Mas, nesse mesmo momento,
mos dias de janeiro de 1871, foi necessário negociar o eles estavam prometendo solenemente a si mes-
armistício. Em 8 de fevereiro, realizaram-se as elei- mos praticar a mais
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espetacular das vinganças no momento opor- 1850, um órgão moderado da classe média britânica,
tuno." de informação superior à média, predizia que se as
Em carta ao seu amigo Kugelmann, Marx diz que exportações e as importações da Inglaterra viessem a
o comitê central cometera erros gravíssimos, tão gra- elevar-se 50 por cento, o pauperismo inglês cairia
ves que deveriam fatalmente levá-lo à derrota. O pri- para zero. Infelizmente, em 7 de Abril de 1864, o Chan-
meiro erro diz Marx foi não ter feito a guarda nacional celer do Tesouro Público [Chancellor of the Exche-
marchar contra Versalhes para se apoderar do gover- quer](1*) deliciava a sua audiência parlamentar com a
no, logo depois do malogrado ataque das tropas ver- afirmação de que o comércio total de importação e
salhenses contra Montmartre. O segundo, foi abando- exportação da Inglaterra se tinha elevado em 1863 «a
nar o poder para entrega-lo à Comuna de Paris. Sem- 443 955 000 libras! soma assombrosa cerca de três
pre por excesso de escrúpulos. vezes superior ao comércio da época comparativa-
Esses mesmos erros já haviam sido cometidos mente recente de 1843!». Apesar de tudo isto, foi elo-
pelo proletariado em 1848. O proletariado alemão iria, quente acerca da «pobreza». «Pensai», exclamava
por sua vez, cometê-los em 1918-1919. De fato, em ele, «nos que estão na fronteira dessa região», nos
ambos os casos, a insurreição vitoriosa abandonou a «salários. . . não aumentados»; na «vida humana. . .
ditadura depressa demais e apelou para o sufrágio uni- que em nove casos sobre dez não é senão uma luta
versal. E, ainda em ambos os casos, o socialismo aca- pela existência!» Não falou do povo da Irlanda, gradu-
bou sendo vencido. Pelo que dissemos, vê-se que almente substituído pela maquinaria no Norte e por
Engels não tem razão quando diz que a Comuna de pastagens de carneiros no Sul, ainda que mesmo os
Paris foi uma ditadura proletária. carneiros, nesse país infeliz, estejam a diminuir, é ver-
Os projetos de espetacular vingança que os parti- dade que não a uma taxa tão rápida como os homens.
dários da ordem faziam intimamente, em 16 de março Não repetiu o que tinha então acabado de ser denunci-
de 1871, quando exerciam o direito de voto que lhes ado, num súbito acesso de terror, pelos mais altos
havia sido concedido pelos vencedores, foram realiza- representantes dos dez mil da alta. Quando o pânico
dos, de maneira terrível, no fim do mês de maio. Depo- da garrotte[N2] alcançou um certo auge, a Câmara
is da derrota da Comuna, os comunardos foram impla- dos Lordes ordenou que se fizesse um inquérito e que
cavelmente massacrados e todos os elementos sus- se publicasse um relatório acerca da deportação e ser-
peitos deportados. A burguesia francesa conseguiu, vidão penal. A verdade veio ao de cima no volumoso
assim, se livrar do espectro socialista por uma dezena Livro Azul de 1863[N3], e ficou provado por factos e
de anos. Só por volta de 1880 é que o socialismo des- números oficiais que os piores criminosos condena-
pertou na França. Em 1889, fundava-se em Paris a dos, os forçados de Inglaterra e Escócia, trabalhavam
Segunda Internacional. muito menos arduamente e passavam de longe
melhor do que os trabalhadores agrícolas da Inglater-
(negritos meus - RM) ra e da Escócia. Mas, isto não foi tudo. Quando, em
consequência da Guerra Civil na América[N4], os ope-
rários do Lancashire e do Cheshire foram lançados
para as ruas, a mesma Câmara dos Lordes enviou
Mensagem Inaugural da para os distritos manufactureiros um médico encarre-
gado de investigar qual a mais pequena quantidade
Associação Internacional dos possível de carbono e de nitrogénio a ser ministrada
Trabalhadores da forma mais barata e mais simples que, em média,
Fundada em 28 de Setembro de 1864 numa pudesse apenas bastar para «prevenir doenças [cau-
reunião pública, realizada em St. Martin's Hall, sadas] pela fome». O Dr. Smith, o delegado médico,
averiguou que 28 000 grãos de carbono e 1330 grãos
Long Acre, Londres[N1]
de nitrogénio eram o abono semanal que manteria um
Kark Marx adulto médio. . . apenas acima do nível das doenças
21 - 27 de Outubro de 1864 [causadas] pela fome e descobriu, além disso, que
essa quantidade estava muito perto de coincidir com a
Operários, alimentação escassa a que a pressão de uma miséria
É um facto assinalável que a miséria das massas extrema tinha efectivamente reduzido os operários do
operárias não tenha diminuído de 1848 a 1864; e, con- algodão(2*). Mas, vede agora! O mesmo sábio doutor
tudo, este período não tem rival quanto ao desenvolvi- foi, mais tarde, delegado de novo pelo alto funcionário
mento da indústria e ao crescimento do comércio. Em
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médico do Conselho Privado[N5] para examinar a ali- observação do Relatório oficial sobre a Saúde Públi-
mentação das classes trabalhadoras mais pobres. Os ca:
resultados das suas investigações estão contidos no «A saúde pública de um país significa a saúde das
Sixth Report on Public Health [Sexto Relatório sobre suas massas, e as massas dificilmente serão saudá-
Saúde Pública] publicado por ordem do Parlamento veis, a menos que, até na sua própria base, sejam pelo
no decurso do presente ano. O que é que o doutor des- menos moderadamente prósperas.»
cobriu? Que os tecelãos de sedas, as costureiras, os Deslumbrado pelo «Progresso da Nação», com
luveiros de pelica, os tecelãos de meias, etc, nem as estatísticas a dançar diante dos seus olhos, o Chan-
sequer recebiam, em média, a ração miserável dos celer do Tesouro Público exclama num êxtase impetu-
operários do algodão, nem sequer [recebiam] o mon- oso:
tante de carbono e nitrogénio «apenas suficiente para «De 1842 a 1852 o rendimento colectável do país
prevenir as doenças [causadas] pela fome». aumentou 6 por cento; nos oito anos de 1853 a 1861,
«Além disso,» citamos o relatório, «no que toca aumentou 20 por cento, na base tomada em 1853! o
às famílias da população agrícola examinadas, verifi- facto é tão espantoso que é quase inacreditável!. . .
ca-se que mais de um quinto tinha menos do que a esti- Este inebriante aumento de riqueza e poder», acres-
mada suficiência de alimentação carbonada, que mais centa o Sr. Gladstone, «está inteiramente confinado
de um terço tinha menos do que a suficiência estimada às classes possidentes!»
de alimentação nitrogenada e que em três condados Se se quiser saber em que condições de saúde
(Berkshire, Oxfordshire e Somersetshire) a insuficiên- arruinada, de moral manchada e de ruína mental esse
cia de alimentação nitrogenada era a dieta local «inebriante aumento de riqueza e poder inteiramente
média.» «É preciso não esquecer», acrescenta o rela- confinado às classes possidentes» foi e está a ser pro-
tório oficial, «que a privação de alimentação é muito duzido pelas classes do trabalho, olhe-se para o qua-
relutantemente aguentada e que, em regra, uma gran- dro das oficinas de alfaiates, impressores e costurei-
de pobreza de dieta só sobrevirá quando outras priva- ras traçado no último Relatório sobre a Saúde Pública!
ções a precederam. . . Mesmo a limpeza terá sido con- Compare-se com o Report of the Children's Employ-
siderada cara ou difícil e, se ainda houver esforços de ment Commission(3*) de 1863, onde é afirmado, por
respeito por si próprio para a manter, cada esforço des- exemplo, que:
ses representará tormentos de fome adicionais.» «Os oleiros como classe, tanto os homens como as
«Estas são reflexões dolorosas, especialmente, se mulheres, representam uma população muito dege-
não nos esquecermos de que a pobreza a que aludem nerada, tanto fisicamente como mentalmente», que
não é a pobreza merecida pela ociosidade; em todos «a criança não saudável é, por sua vez, um pai não
os casos, é a pobreza de populações trabalhadoras. saudável», que «uma deterioração progressiva da
De facto, o trabalho que fornece a escassa ração de raça tem de continuar» e que «a degenerescência da
alimento é, para a maior parte, excessivamente pro- população de Staffordshire ainda seria maior se não
longado.» fosse o recrutamento constante da região adjacente e
O relatório exibe o facto estranho, e bastante os casamentos mistos com raças mais saudáveis.»
inesperado, de que: «De entre as partes do Reino Uni- Dê-se uma olhadela ao Livro Azul do Sr. Treme-
do», Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda, «a popula- nheere sobre os «Agravos de que se queixaram os ofi-
ção agrícola da Inglaterra», a parte mais rica, «é consi- ciais de padaria»! E quem é que não estremeceu com
deravelmente a mais mal alimentada»; mas, de que a declaração paradoxal feita pelos inspectores de
mesmo os operários agrícolas do Berkshire, Oxford- fábricas, e ilustrada pelo Registrar General(4*), de
shire e Somersetshire passam melhor do que grande que os operários do Lancashire estavam efectivamen-
número de hábeis operários do Leste de Londres que te a melhorar em saúde, quando ficaram reduzidos à
trabalham a domicílio. ração miserável de alimento, em virtude da sua exclu-
São estas as declarações oficiais publicadas por são temporária da fábrica de algodão por falta de algo-
ordem do Parlamento em 1864, durante o milénio do dão e de que a mortalidade das crianças estava a dimi-
comércio livre, numa altura em que o Chanceler do nuir porque agora, enfim, era às suas mães permitido
Tesouro Público disse à Câmara dos Comuns que darem-lhes em vez do cordial de Godfrey(5*), os seus
«a condição média do trabalhador inglês melhorou próprios peitos.
num grau que sabemos que é extraordinário e sem Veja-se mais uma vez o reverso da medalha! Os
exemplo na história de qualquer país ou qualquer ida- Relatórios do Imposto sobre Rendimento e Proprieda-
de». de, apresentados perante a Câmara dos Comuns em
Destas congratulações oficiais destoa a seca 20 de Julho de 1864, mostram-nos que às pessoas
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com rendimentos anuais avaliados pelo colector de ção, nenhuns inventos de comunicação, nenhumas
impostos em 50 000 libras e mais se tinham juntado, novas colónias, nenhuma emigração, nenhuma aber-
de 5 de Abril de 1862 a 5 de Abril de 1863, uma dúzia tura de mercados, nenhum comércio livre, nem todas
mais uma, tendo o seu número crescido nesse único estas coisas juntas, farão desaparecer as misérias
ano de 67 para 80. Os mesmos Relatórios desvendam das massas industriosas; mas que, na presente base
o facto de que cerca de 3000 pessoas dividem entre si falsa, qualquer novo desenvolvimento das forças pro-
um rendimento [income] anual de cerca de 25 000 000 dutivas do trabalho terá de tender a aprofundar os con-
de libras esterlinas, bastante mais do que o rendimen- trastes sociais e a agudizar os antagonismos sociais.
to [revenue] total repartido anualmente por toda a A morte por fome, na metrópole do Império Britânico,
massa dos trabalhadores agrícolas de Inglaterra e elevou-se quase ao nível de uma instituição, durante
Gales. Abri o censo de 1861, e descobrireis que o esta época inebriante de progresso económico. Essa
número dos proprietários de terras masculinos de época fica marcada nos anais do mundo pelo regresso
Inglaterra e Gales diminuiu de 16 934 em 1851 para 15 acelerado, pelo âmbito crescente e pelo efeito mais
066 em 1861, de tal modo que a concentração de ter- mortífero da peste social chamada crise comercial e
ras cresceu em dez anos 11 por cento. Se a concentra- industrial.
ção do solo do país em poucas mãos se processar à Após o fracasso das Revoluções de 1848, todas
mesma taxa, a questão da terra ficará singularmente as organizações partidárias e jornais partidários das
simplificada, tal como ficou no Império Romano, quan- classes operárias foram, no Continente, esmagados
do Nero sorriu com a descoberta de que metade da pela mão de ferro da força, os mais avançados filhos
Província de África era possuída por seis senhores. do trabalho fugiram desesperados para a República
Insistimos tanto tempo nestes «factos tão espantosos Transatlântica e os sonhos efémeros de emancipação
que são quase inacreditáveis », porque a Inglaterra desvaneceram-se ante uma época de febre industrial,
está à cabeça da Europa do comércio e da indústria. de marasmo moral e de reacção política. A derrota das
Estaremos lembrados de que, há uns meses atrás, um classes operárias continentais, em parte, devida à
dos filhos refugiados de Louis Philippe felicitou publi- diplomacia do Governo inglês, agindo, então tal como
camente o trabalhador agrícola inglês pela superiori- agora, em solidariedade fraterna com o Gabinete de
dade da sua sorte sobre a do seu camarada menos flo- Sampetersburgo[N6], cedo espalhou os seus efeitos
rescente do outro lado do Canal. Na verdade, com as contagiosos para este lado do Canal. Enquanto a der-
cores locais alteradas e numa escala algo contraída, rota dos seus irmãos continentais desanimou as clas-
os factos ingleses reproduzem-se em todos os países ses operárias inglesas e quebrou a sua fé na sua pró-
industriosos e progressivos do Continente. Em todos pria causa, restaurou para o senhor da terra e para o
eles, teve lugar, desde 1848, um inaudito desenvolvi- senhor do dinheiro a sua confiança algo abalada. Reti-
mento da indústria e uma inimaginável expansão das raram insolentemente concessões já anunciadas. As
importações e exportações. Em todos eles, «o aumen- descobertas de novas terras auríferas conduziram a
to de riqueza e poder inteiramente confinado às clas- um imenso êxodo, que deixou um vazio irreparável
ses possidentes» foi verdadeiramente «inebriante». nas fileiras do proletariado britânico. Outros dos seus
Em todos eles, tal como em Inglaterra, uma minoria membros anteriormente activos foram apanhados
das classes operárias viu os seus salários reais algo pelo suborno temporário de mais trabalho e salários
aumentados; embora, na maioria dos casos, a subida melhores e tornaram-se «fura-greves políticos» [politi-
monetária dos salários denotasse tanto um acesso cal blacks]. Todos os esforços feitos para manter ou
real ao conforto como o facto do hóspede do asilo de remodelar o Movimento Cartista[N7] falharam assina-
mendicidade ou do orfanato da metrópole, por exem- lavelmente; os órgãos de imprensa da classe operária
plo, em nada ser beneficiado por os seus meios de pri- foram morrendo um a um pela apatia das massas e, de
meira necessidade custarem 9£ 15s. e 8d. em 1861 facto, nunca antes a classe operária inglesa tinha pare-
contra 7£ 7s. e 4d. em 1852. Por toda a parte, a grande cido tão inteiramente reconciliada com um estado de
massa das classes operárias se estava a afundar nulidade política. Se, então, não tinha havido qualquer
mais, pelo menos à mesma taxa que as acima delas solidariedade de acção entre as classes operárias bri-
subiam na escala social. Em todos os países da Euro- tânica e continental, havia, para todos os efeitos, uma
pa, tornou-se agora uma verdade demonstrável a todo solidariedade de derrota.
o espírito sem preconceitos e apenas negada por E, contudo, o período que passou desde as Revo-
aqueles cujo interesse está em confinar os outros a luções de 1848 não deixou de ter os seus aspectos
um paraíso de tolos que nenhum melhoramento da compensadores. Apontaremos aqui apenas para dois
maquinaria, nenhuma aplicação da ciência à produ- grandes factos.
7
Após uma luta de trinta anos, travada com a nio sobre e de extorsão contra o próprio trabalhador; e
mais admirável perseverança, as classes operárias que, tal como o trabalho escravo, tal como o trabalho
inglesas, aproveitando uma discórdia momentânea servo, o trabalho assalariado não é senão uma forma
entre os senhores da terra e os senhores do dinheiro, transitória e inferior, destinada a desaparecer ante o
conseguiram alcançar a Lei das Dez Horas[N8]. Os trabalho associado desempenhando a sua tarefa com
imensos benefícios físicos, morais e intelectuais daí uma mão voluntariosa, um espírito pronto e um cora-
resultantes para os operários fabris, semestralmente ção alegre. Em Inglaterra, os gérmenes do sistema
registados nos relatórios dos inspectores de fábricas, cooperativo foram semeados por Robert Owen; as
de todos os lados são agora reconhecidos. A maioria experiências dos operários, tentadas no Continente,
dos governos continentais teve de aceitar a Lei Fabril foram, de facto, o resultado prático das teorias, não
[Factory Act] inglesa em formas mais ou menos modifi- inventadas, mas proclamadas em alta voz, em 1848.
cadas e o próprio Parlamento inglês foi cada ano com- Ao mesmo tempo, a experiência do período de
pelido a alargar a sua esfera de acção. 1848 a 1864 provou fora de qualquer dúvida que o tra-
Mas, para além do seu alcance prático, havia balho cooperativo por mais excelente que em princí-
algo mais para realçar o maravilhoso sucesso desta pio [seja] e por mais útil que na prática [seja] , se manti-
medida dos operários. Através dos seus órgãos de do no círculo estreito dos esforços casuais de operári-
ciência mais notórios tais como o Dr. Ure, o Professor os privados, nunca será capaz de parar o crescimento
Sénior e outros sábios desse cunho , a classe média em progressão geométrica do monopólio, de libertar
tinha predito, e a contento dos seus corações, prova- as massas, nem sequer de aliviar perceptivelmente a
do, que qualquer restrição legal às horas de trabalho carga das suas misérias. É talvez por esta precisa
teria de dobrar a finados pela indústria britânica que, razão que nobres bem-falantes, filantrópicos decla-
qual vampiro, não podia senão viver de chupar san- madores da classe média e mesmo agudos economis-
gue, e ainda por cima sangue de crianças. Em tempos tas políticos, imediatamente se voltaram todos com
idos, o assassínio de crianças era um rito misterioso cumprimentos nauseabundos para o preciso sistema
da religião de Moloch, mas só era praticado em algu- de trabalho cooperativo que em vão tinham tentado
mas ocasiões muito solenes, uma vez por ano, talvez, matar à nascença, ridicularizando-o como Utopia do
e, mesmo assim, Moloch não tinha uma propensão sonhador ou estigmatizando-o como sacrilégio do
exclusiva para os filhos dos pobres. Esta luta acerca Socialista. Para salvar as massas industriosas, o tra-
da restrição legal das horas de trabalho enfureceu-se balho cooperativo deveria ser desenvolvido a dimen-
tanto mais ferozmente quanto, à parte a avareza sões nacionais e, Consequentemente, ser alimentado
assustada, ela se referia, na verdade, à grande con- por meios nacionais. Contudo, os senhores da terra e
tenda entre o domínio cego das leis da oferta e da pro- os senhores do capital sempre usarão os seus privilé-
cura que formam a economia política da classe média gios políticos para defesa e perpetuação dos seus
e a produção social controlada por previsão social, monopólios económicos. Muito longe de promover,
que forma a economia política da classe operária. continuarão a colocar todo o impedimento possível no
Deste modo, a Lei das Dez Horas não foi apenas um caminho da emancipação do trabalho. Lembremo-nos
grande sucesso prático; foi a vitória de um princípio; foi do escárnio com o qual, na última sessão, Lord Pal-
a primeira vez que em plena luz do dia a economia polí- merston deitou abaixo os defensores da Lei dos Direi-
tica da classe média sucumbiu à economia política da tos dos Rendeiros Irlandeses [Irish Tenants' Right Bill].
classe operária. A Câmara dos Comuns, gritou ele, é uma casa de pro-
Mas, estava reservada uma vitória ainda maior prietários de terras.
da economia política do trabalho sobre a economia Conquistar poder político tornou-se, portanto, o
política da propriedade. Falamos do movimento coo- grande dever das classes operárias. Parecem ter com-
perativo, especialmente, das fábricas cooperativas preendido isto, porque em Inglaterra, Alemanha, Itália
erguidas pelos esforços, sem apoio, de algumas e França tiveram lugar renascimentos simultâneos e
«mãos» ousadas. O valor destas grandes experiênci- estão a ser feitos esforços simultâneos para a reorga-
as sociais não pode ser exagerado. Mostraram com nização política do partido dos operários.
factos, em vez de argumentos, que a produção em Possuem um elemento de sucesso o número;
larga escala e de acordo com os requisitos da ciência mas o número só pesa na balança se unido pela com-
moderna pode ser prosseguida sem a existência de binação e guiado pelo conhecimento. A experiência
uma classe de patrões empregando uma classe de passada mostrou como a falta de cuidado por este
braços; que, para dar fruto, os meios de trabalho não laço de fraternidade, que deve existir entre os operári-
precisam de ser monopolizados como meios de domí- os de diferentes países e incitá-los a permanecer fir-
8
memente ao lado uns dos outros em toda a sua luta (4*) Registrar General: funcionário que na Grã-Bretanha tinha
pela emancipação, será castigada pela derrota a superintendência do sistema de registo de nascimento, mortes e
casamentos. (Nota da edição portuguesa.)
comum dos seus esforços incoerentes. Este pensa- (5*) Nome de um licor tónico, reconstituinte. (Nota da edição
mento incitou os operários de diferentes países, con- portuguesa.)
gregados em 28 de Setembro de 1864 numa reunião Notas de fim de tomo:
pública em St. Martin's Hall, a fundar a Associação [N1] Em 28 de Setembro de 1864 teve lugar uma grande reu-
nião pública internacional de operários no St. Martin's Hall de Lon-
Internacional.
dres; nela foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhado-
[Uma] outra convicção influenciou [ainda] esta res (mais tarde conhecida como Primeira Internacional) e eleito
reunião. um Comité provisório, que contava Karl Marx entre os seus mem-
Se a emancipação das classes operárias requer bros. Marx foi depois eleito para a comissão designada a 5 de Outu-
o seu concurso fraterno, como é que irão cumprir essa bro, na primeira sessão do Comité, para redigir os documentos
programáticos da Associação. A 20 de Outubro a comissão encar-
grande missão, com uma política externa que perse- regou Marx de rever o documento por ela preparado durante a
gue objectivos criminosos, joga com preconceitos naci- doença de Marx e redigido no espírito das ideias de Mazzini e
onais e dissipa em guerras piratas o sangue e o tesou- Owen. Em lugar desse documento, Marx escreveu de facto dois
ro do povo? Não foi a sabedoria das classes dominan- textos inteiramente novos a Mensagem inaugural da Associação
Internacional dos Trabalhadores e os Estatutos Provisórios da
tes, mas a resistência heróica das classes operárias
Associação , que foram aprovados na sessão da comissão de 27
de Inglaterra à sua loucura criminosa, que salvou o Oci- de Outubro. Em 1 de Novembro de 1864 a Mensagem e os Estatu-
dente da Europa de mergulhar de cabeça numa cruza- tos foram ratificados por unanimidade pelo Comité provisório, que
da infame pela perpetuação e propagação da escra- se constituiu em órgão dirigente da Associação. Este órgão, que
vatura do outro lado do Atlântico. A aprovação desa- entrou na história como Conselho Geral da Internacional, foi pre-
dominantemente denominado Conselho Central até finais de
vergonhada, a simpatia trocista ou a indiferença idiota 1866. Karl Marx foi de facto o dirigente do Conselho Geral. Foi o
com que as classes superiores da Europa assistiram a seu verdadeiro organizador, o seu cnefe, o autor de numerosas
que a fortaleza de montanha do Cáucaso caísse como mensagens, declarações, resoluções e outros documentos do
presa da Rússia e a heróica Polónia fosse assassina- Conselho. Na Mensagem Inaugural, primeiro documento progra-
mático, Marx conduz as massas operárias à ideia da necessidade
da pela Rússia; as imensas e irresistidas usurpações
de tomar o poder político, de fundar um Partido proletário indepen-
desse poder bárbaro, cuja cabeça está em Sampe- dente e de assegurar a união fraterna entre os operários dos dife-
tersburgo e cujos braços estão em todos os Gabinetes rentes países. Publicada pela primeira vez em 1864, a Mensagem
da Europa, ensinaram às classes operárias o dever de Inaugural foi muitas vezes reeditada ao longo de toda a história da
dominarem elas próprias os mistérios da política inter- Primeira Internacional, que deixou de existir em 1876.
[N2] Em francês no texto: garrote. Garroters era o nome dado
nacional, de vigiarem os actos diplomáticos dos seus aos bandidos que estrangulavam as suas vítimas. No início dos
respectivos Governos, de os contra-atacarem, se anos 60 do século XIX tais agressões começaram a repetir-se fre-
necessário, por todos os meios ao seu dispor, [o dever quentemente em Londres e foram objecto de uma discussão espe-
de,] quando incapazes de o impedirem, se juntarem cial no Parlamento.
[N3] Livros Azuis (Blue Books): denominação geral devida à
em denúncias simultâneas e de reivindicarem as sim-
cor da capa da publicações dos materiais do Parlamento britânico
ples leis da moral e da justiça, que deveriam governar e dos documentos diplomático do Foreign Office (Ministério dos
as relações dos indivíduos privados, como as regras Negócios Estrangeiros). São editados em Inglaterra desde o sécu-
supremas do comércio das nações. lo XVII e constituem a principal fonte oficial sobre a história econó-
O combate por semelhante política externa faz mica e diplomática do país. Trata-se na p. 6 do Report of the Com-
missioners Appointed to Inquire into the Operation of the Acts Rela-
parte da luta geral pela emancipação das classes ope- ting to Transportation and Penal Servitude (Relatórios dos Comis-
rárias. sários Nomeados para Inquirir acerca das Leis Que Se Relacio-
Proletários de todos os países, uni-vos! nam com a Deportação e a Servidão Penal), t. 1, Londres, 1863.
[N4] A Guerra Civil na América (1861-1865) opôs, nos Estados
Unidos, os Estados industriais do Norte e os Estados escravistas
Notas de rodapé: do Sul, que se rebelaram contra a abolição da escravatura. A clas-
(1*) William Gladstone se operária da Inglaterra opôs-se à política da burguesia inglesa,
(2*) Quase não precisamos de lembrar ao leitor que, à parte os que apoiava os plantadores escravistas, e impediu a ingerência da
elementos de água e certas substâncias inorgânicas, o carbono e Inglaterra na Guerra Civil nos Estados Unidos.
o nitrogénio formam a matéria em bruto da alimentação humana. [N5] O Conselho Privado (Privy Council) surgiu em Inglaterra
Todavia, para alimentar o sistema humano, aqueles constituintes no século XIII e era composto inicialmente por representantes da
químicos simples têm de ser fornecidos sob a forma de substânci- nobreza feudal e do alto clero. Sendo o mais alto órgão consultivo
as vegetais ou animais. As batatas, por exemplo, contêm principal- do rei, o Conselho Privado desempenhou até ao século XVII um
mente carbono, enquanto o pão de trigo contém substâncias car- importante papel na governação do Estado. Com o desenvolvi-
bonadas e nitrogenadas numa proporção devida. (Nota de Marx.) mento do parlamentarismo e o reforço do poder do gabinete de
(3*) Relatório da Comissão sobre o Emprego de Crianças. ministros o Conselho Privado perde gradualmente a sua importân-
Marx refere-se aqui ao primeiro relatório desta comissão. (Nota da cia.
edição portuguesa.) [N6] Referência ao governo tsarista da Rússia, cuja capital foi,
9
a partir do século XVIII, a cidade de Sampetersburgo. Que todos os esforços tendentes a esse grande
[N7] Movimento revolucionário de massas dos operários ingle- fim têm até aqui falhado por falta de solidariedade
ses nos anos 30-40 do século XIX. Os cartistas elaboraram em
1838 uma petição (Carta do Povo) ao Parlamento, a qual continha
entre as múltiplas divisões do trabalho em cada país e
as reivindicações do sufrágio universal para os homens de mais de pela ausência de um laço fraterno de união entre as
21 anos, o voto secreto, a abolição das restrições censitárias para classes operárias de diferentes países;
os candidatos a deputados ao Parlamento, etc. O movimento Que a emancipação do trabalho não é nem um
começou com grandes comícios e manifestações e decorreu sob a
problema local nem um problema nacional, mas um
palavra de ordem de luta pela aplicação da Carta do Povo. Em 2 de
Maio de 1842 foi entregue ao Parlamento uma segunda petição problema social, abarcando todos os países em que a
dos cartistas, incluindo já uma série de reivindicações de carácter sociedade moderna existe e dependendo para a sua
social (redução da jornada de trabalho, aumento dos salários, etc). solução do concurso prático e teórico dos países mais
Esta petição, tal como a primeira, foi rejeitada pelo Parlamento. avançados;
Em resposta a isto, os cartistas realizaram uma greve geral. Em
1848 os cartistas marcaram um desfile de massas para o Parla-
Que o presente renascimento das classes operá-
mento com uma terceira petição, mas o governo concentrou tro- rias nos países mais industriosos da Europa, ao
pas e dispersou desfile. A petição foi rejeitada. Depois de 1848 o mesmo tempo que desperta uma nova esperança, dá
movimento cartista entrou em declínio. A causa principal do insu- um solene aviso contra uma reincidência em velhos
cesso do movimento cartista foi a ausência de programa e táctica
erros e exige a imediata combinação dos movimentos
precisos e de uma direcção consequentemente revolucionaria.
Mas os cartistas exerceram uma grande influência tanto na histó- ainda desconexos. Por estas razões
ria política da Ingaterra como no desenvolvimento do movimento Foi fundada a Associação Internacional dos Tra-
operário internacional. balhadores.
[N8] A luta da classe operária por uma redução legislativa da Declara:
jornada de trabalho para dez horas foi travada em Inglaterra desde
os finais do século XVIII, e a partir do começo dos anos 30 do sécu-
Que todas as sociedades e indivíduos que a ela
lo XIX ganhou vastas massas do proletariado. A lei sobre a jornada adiram reconhecerão a verdade, a justiça e a morali-
de trabalho de dez horas (Ten Hour's Bill), extensiva apenas a dade como base da sua conduta para com os outros e
mulheres e adolescentes, foi aprovada no Parlamento em 8 de para com todos os homens, sem olhar a cor, credo ou
Junho de 1847. Todavia, na prática, numerosos industriais não res-
nacionalidade;
peitavam esta lei.
Que não reconhece direitos sem deveres, nem
deveres sem direitos ;
E neste espírito foram redigidos os seguintes
Estatutos Gerais da Estatutos:
Associação Internacional dos 1)Esta Associação é estabelecida para fornecer um
meio central de comunicação e cooperação entre as
Trabalhadores [N9] Sociedades de Trabalhadores existentes em diferen-
tes países e tendentes ao mesmo fim, a saber: a pro-
Karl Marx tecção, o progresso [advancement] e a completa
emancipação das classes operárias.
24 de Outubro de 1871
2)O nome da Sociedade será «A Associação Inter-
nacional dos Trabalhadores».
Considerando,
Que a emancipação das classes operárias tem de 3)Reunirá anualmente um Congresso Geral de Tra-
ser conquistada pelas próprias classes operárias; que balhadores composto por delegados dos ramos da
a luta pela emassípação das classes operárias signifi- Associação. O Congresso terá de proclamar as aspi-
ca não uma luta por privilégios e monopólios de clas- rações comuns da classe operária, tomar as medidas
se, mas por direitos e deveres iguais e pela abolição requeridas para o funcionamento bem sucedido da
de toda a dominação de classe; Associação Internacional e nomear o Conselho Geral
Que a sujeição económica do homem de trabalho da Sociedade.
ao monopolizador dos meios de trabalho, isto é, das
fontes de vida, está na base da servidão em todas as 4)Cada Congresso fixa a data e o lugar de reunião
suas formas, de toda a miséria social, degradação do Congresso seguinte. Os delegados concentram-se
mental e dependência política; na data e lugar fixados sem qualquer convite especial.
Que a emancipação económica das classes ope- O Conselho Geral pode, em caso de necessidade,
rárias é, portanto, o grande fim ao qual todo o movi- mudar o lugar, mas não tem poderes para adiar a data
mento político deve estar subordinado como um meio; da reunião. O Congresso anualmente fixa a sede e
10
elege os membros do Conselho Geral. O Conselho 7.a) Em sua luta contra o poder coletivo das classes
Geral assim eleito terá poderes para aumentar o núme- possuidoras, o proletariado só pode atuar como clas-
ro dos seus membros. Nas suas reuniões anuais, o se constituindo-se em um partido político distinto, em
Congresso Geral receberá contas públicas dos traba- oposição a todos os velhos partidos constituídos pelas
lhos anuais do Conselho Geral. O último pode, em classes possuidoras.
casos de emergência, convocar o Congresso Geral Essa constituição do proletariado em partido polí-
para antes do Prazo anual regular. tico é indispensável para assegurar o triunfo da revolu-
ção social e de seu objetivo supremo: a abolição de
5)O Conselho Geral será composto por operários classes.
dos diferentes Países representados na Associação A coligação de forças da classe operária, já alcan-
Internacional. Elegerá de entre os seus próprios mem- çada pela luta econômica, deverá também servir, nas
bros os funcionários necessários para o tratamento mãos dessa classe, como uma alavanca em sua luta
dos seus assuntos, tais como um tesoureiro, um contra o poder político de seus exploradores.
secretário-geral, secretários correspondentes para os Tendo em vista que os senhores da terra e do capi-
diferentes países, etc. tal sempre utilizam seus privilégios políticos para
defender e perpetuar seu monopólio econômico e
6)O Conselho Geral funcionará como agência para escravizar o trabalho, a conquista do poder políti-
internacional entre os diferentes grupos nacionais e co tornar-se a tarefa primordial do proletariado.
locais da Associação, de tal modo que os operários de 8)Cada secção tem o direito de nomear o seu pró-
um país estejam constantemente informados dos prio secretário correspondente com o Conselho Geral.
movimentos da sua classe em todos os outros países;
que um inquérito acerca do estado social dos diferen- 9)Quem quer que reconheça e defenda os princípi-
tes países da Europa seja feito simultaneamente e sob os da Associação Internacional dos Trabalhadores é
uma direcção comum; que as questões de interesse elegível para seu membro. Cada ramo é responsável
geral debatidas numa sociedade sejam ventiladas por pela idoneidade [integrity] dos membros que admite.
todas; e que, quando forem necessários passos práti- 10)Cada membro da Associação Internacional, ao
cos imediatos como, por exemplo, em caso de quere- mudar de domicílio de um país para outro, receberá o
las internacionais , a acção das sociedades associa- apoio fraterno dos Trabalhadores Associados.
das seja simultânea e uniforme. Sempre que parecer
oportuno, o Conselho Geral tomará a iniciativa de pro- 11)Embora unidas por um laço perpétuo de coope-
postas a serem apresentadas perante diferentes soci- ração fraternal as sociedades de operários ao aderi-
edades nacionais ou locais. Para facilitar a comunica- rem à Associação Internacional conservarão intactas
ção, o Conselho Geral publicará relatórios periódicos. as suas organizações existentes.

7)Uma vez que o sucesso do movimento dos ope- 12)Os presentes Estatutos podem ser revistos por
rários em cada país não poderá ser assegurado a não cada Congresso, desde que dois terços dos delega-
ser pelo poder da união e da combinação, enquanto, dos presentes sejam a favor de tal revisão.
por outro lado, a utilidade do Conselho Geral da Inter-
nacional terá, em grande parte, de depender da cir- 13)Tudo o que não estiver previsto nos presentes
cunstância de se ele tem de lidar com poucos centros Estatutos será provido por regulamentos especiais,
nacionais de associações de operários ou com um sujeitos à revisão de cada Congresso.
grande número de pequenas e desconexas socieda-
des locais, os membros da Associação Internacional 2 5 6 , H i g h H o l b o r n , W . C ,
empregarão todos os seus esforços para combinar as London, 24 de Outubro de 1871.
sociedades de operários desconexas dos seus res-
pectivos países em corpos nacionais, representados Notas de fim de tomo:
por órgãos nacionais centrais. Subentende-se, contu- [N1] Em 28 de Setembro de 1864 teve lugar uma grande reu-
do, que a aplicação desta regra dependerá das leis nião pública internacional de operários no St. Martin's Hall de Lon-
dres; nela foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhado-
peculiares de cada país e que, à parte os obstáculos
res (mais tarde conhecida como Primeira Internacional) e eleito
legais, nenhuma sociedade local independente será um Comité provisório, que contava Karl Marx entre os seus mem-
impedida de se corresponder directamente com o Con- bros. Marx foi depois eleito para a comissão designada a 5 de Outu-
selho Geral. bro, na primeira sessão do Comité, para redigir os documentos
programáticos da Associação. A 20 de Outubro a comissão encar-

11
regou Marx de rever o documento por ela preparado durante a acto do Conselho Geral foi o de publicar o seu Mani-
doença de Marx e redigido no espírito das ideias de Mazzini e
Owen. Em lugar desse documento, Marx escreveu de facto dois
festo sobre «a Guerra civil em França», no qual se
textos inteiramente novos a Mensagem inaugural da Associação tornou solidário de todos os actos da Comuna que,
Internacional dos Trabalhadores e os Estatutos Provisórios da justamente nesse momento, serviam à burguesia, à
Associação , que foram aprovados na sessão da comissão de 27 imprensa e aos governos da Europa para cobrir com
de Outubro. Em 1 de Novembro de 1864 a Mensagem e os Estatu-
tos foram ratificados por unanimidade pelo Comité provisório, que
as calúnias mais infames os vencidos de Paris.
se constituiu em órgão dirigente da Associação. Este órgão, que Mesmo uma parte da classe operária não tinha ainda
entrou na história como Conselho Geral da Internacional, foi pre- compreendido que a sua bandeira acabava de sucum-
dominantemente denominado Conselho Central até finais de bir. O Conselho adquiriu uma prova disso, entre
1866. Karl Marx foi de facto o dirigente do Conselho Geral. Foi o
outras, pelas demissões de dois dos seus membros,
seu verdadeiro organizador, o seu cnefe, o autor de numerosas
mensagens, declarações, resoluções e outros documentos do os cidadãos Odger e Lucraft, que repudiaram qual-
Conselho. Na Mensagem Inaugural, primeiro documento progra- quer solidariedade com esse Manifesto. Pode dizer-
mático, Marx conduz as massas operárias à ideia da necessidade se que da sua publicação em todos os países civiliza-
de tomar o poder político, de fundar um Partido proletário indepen-
dente e de assegurar a união fraterna entre os operários dos dife-
dos data a unidade de vistas da classe operária sobre
rentes países. Publicada pela primeira vez em 1864, a Mensagem os acontecimentos de Paris.
Inaugural foi muitas vezes reeditada ao longo de toda a história da Por outro lado, a Internacional encontrou um meio
Primeira Internacional, que deixou de existir em 1876. de propaganda dos mais poderosos na imprensa bur-
[N9] Os Estatutos Gerais foram adoptados em Setembro de
1871 na Conferência de Londres da Associação Internacional dos
guesa e, sobretudo, na grande imprensa inglesa, for-
Trabalhadores. Na sua base encontravam-se os Estatutos Provi- çada por este Manifesto a envolver-se numa polémi-
sórios elaborados por Marx em 1864 ao ser fundada a Primeira ca sustentada pelas réplicas do Conselho Geral.
Internacional (ver nota 1). Em Setembro de 1872, o Congresso da A chegada a Londres de numerosos refugiados da
H a i a a d o p t o u u m a
resolução, redigida por Marx e Engels, sobre a inclusão nos Esta- Comuna obrigou o Conselho Geral a constituir-se em
tutos, depois do artigo 7, do artigo adicional, 7a, «Sobre a acção Comité de Socorro e a exercer durante mais de oito
política da classe operária». meses essa função, completamente fora das suas atri-
buições regulares. É desnecessário dizer que os ven-
cidos e os exilados da Comuna nada tinham a espe-
rar da burguesia. Quanto à classe operária, os pedi-
dos de socorro vinham num momento difícil. A Suíça e
As Pretensas Cisões a Bélgica tinham recebido já o seu contingente de refu-
na Internacional giados que tinham de sustentar ou a quem tinham de
facilitar a passagem para Londres. As somas recolhi-
Karl Marx e Friedrich Engels das na Alemanha, na Áustria e em Espanha eram envi-
adas para a Suíça. Em Inglaterra, a grande luta pela
jornada de 9 horas de trabalho, cuja batalha decisiva
se travou em Newcastle,[N212] havia absorvido tanto
Até hoje, o Conselho Geral impôs a si próprio uma as contribuições individuais dos operários como os fun-
reserva absoluta quanto às lutas internas da Interna- dos organizados de Trade Unions(2*), fundos que, de
cional e nunca respondeu publicamente aos ataques resto, segundo os próprios estatutos, não podem ser
públicos, lançados durante mais de dois anos contra afectados senão às lutas de ofício. No entanto, por dili-
ele por membros da Associação. gências e correspondências incessantes, o Conselho
Mas, se a persistência de alguns intriguistas em pôde reunir, em pequenas somas, o dinheiro que dis-
manter deliberadamente uma confusão entre a Inter- tribuía cada semana. Os operários americanos res-
nacional e uma sociedade(1*) que, desde a sua ori- ponderam mais largamente ao seu apelo. Ainda se o
gem, lhe foi hostil, poderia permitir ficar calado durante Conselho tivesse podido realizar os milhões que a ima-
mais tempo, o apoio que a reacção europeia encontra ginação aterrada da burguesia deposita tão generosa-
nos escândalos provocados por essa sociedade, num mente no cofre-forte internacional!
Depois de Maio de 1871, um certo número de refu-
momento em que a Internacional atravessa a crise
giados da Comuna foram chamados a substituir no
mais séria desde a sua fundação, obrigaria o Conse-
lho Geral a fazer a história de todas estas intrigas. Conselho o elemento francês que, em consequência
I da guerra, já aí se não encontrava representado. Entre
os membros assim adjuntos, havia antigos internacio-
Após a queda da Comuna de Paris, o primeiro
nais e uma minoria composta por homens conhecidos
12
pela sua energia revolucionária, e cuja eleição foi uma vocadas para a Conferência que, embora não sendo
homenagem prestada à Comuna de Paris. um Congresso público, encontrou sérias dificuldades.
É no meio destas preocupações que o Conselho É desnecessário dizer que a França, no estado em
tem de fazer os trabalhos preparatórios para a Confe- que se encontrava, não podia eleger delegados. Na
rência dos Delegados que acabava de convo- Itália, a única secção então organizada era a de Nápo-
car.[N213] les: no momento de nomear um delegado, foi dissolvi-
As medidas violentas tomadas contra a Internaci- da pela força armada. Na Áustria e na Hungria, os
onal pelo governo bonapartista tinham impedido a reu- membros mais activos estavam na prisão. Na Alema-
nião do Congresso em Paris, prescrita pelo Congres- nha, alguns dos membros mais conhecidos eram per-
seguidos por crime de alta traição, outros estavam na
so de Basileia[N108]. Usando do direito conferido
prisão e os meios pecuniários do partido estavam
pelo artigo 4 dos estatutos, o Conselho Geral, na sua
absorvidos pela necessidade de ajudar as suas famíli-
circular de 12 de Julho de 1871, convocou o Congres-
as. Os Americanos, ao mesmo tempo que dirigiam à
so para Mainz. Nas cartas dirigidas ao mesmo tempo
Conferência um Memorando pormenorizado sobre a
às diferentes federações(3*), propôs-lhes transferir a
situação da Internacional no seu país, empregaram
sede do Conselho Geral de Inglaterra para um outro
os custos da delegação para apoio dos refugiados. De
país e pediu que se munissem os delegados de man-
resto, todas as federações reconheceram a necessi-
datos imperativos a este propósito. As federações pro-
dade de substituir o Congresso público pela Conferên-
nunciaram-se por unanimidade pela sua manutenção
cia privada.
em Londres. A guerra franco-alemã, ao rebentar pou-
A Conferência, depois de ter reunido em Londres
cos dias depois, tornou qualquer congresso impossí-
de 17 a 23 de Setembro de 1871, deixou ao Conselho
vel. Foi então que as federações consultadas nos
Geral o cuidado de publicar as suas resoluções, de
deram o poder de fixar a data do próximo congresso
codificar os regulamentos administrativos e de os
consoante os acontecimentos.
publicar com os Estatutos Gerais, revistos e corrigi-
Logo que a situação política pareceu permiti-lo, o
Conselho Geral convocou uma Conferência privada, dos, em três línguas, de executar a resolução substitu-
convocação apoiada nos precedentes da Conferência indo os cartões de membro por selos de adesão, de
de 1865[N42] e das sessões administrativas privadas reorganizar a Internacional em Inglaterra[N216] e,
de cada Congresso. Um Congresso público era por último, de acorrer às despesas necessitadas por
impossível e apenas teria denunciado os delegados estes diversos trabalhos.
continentais num momento em que a reacção europe- Desde a publicação dos trabalhos da Conferência,
a imprensa reaccionária, de Paris a Moscovo, de Lon-
ia celebrava as suas orgias; em que Jules Favre
dres a Nova Iorque, denunciou a resolução sobre a
pedia a todos os governos, mesmo ao da Inglaterra, a
política da classe operária(4) como encerrando desíg-
extradição dos refugiados como criminosos de direito
comum; em que Dufaure propunha à assembleia nios tão perigosos o Times[N179] acusou-a de «uma
audácia friamente calculada» que era urgente pôr
rural[N165] uma lei que punha a Internacional fora
fora da lei a Internacional. Por outro lado, a resolução
da lei[N214] e de que Malou, mais tarde, servia aos
que ajustava contas com as secções sectárias intru-
Belgas uma contrafacção hipócrita; em que, na Suíça,
sas [interlopes][N217] foi o pretexto para a polícia
um refugiado da Comuna era preso preventivamente,
internacional à espreita reivindicar barulhentamente a
à espera da decisão do governo federal sobre o pedi-
liberdade autónoma dos operários, seus protegidos,
do de extradição; em que a caça aos Internacionais
contra o despotismo aviltante do Conselho Geral e da
era a base ostensiva de uma aliança entre Beust e Bis-
Conferência. A classe operária sentia-se tão «pesada-
marck, de que Vítor Manuel se apressou a adoptar a mente oprimida» que o Conselho Geral recebeu da
cláusula dirigida contra a Internacional; em que o Europa, da América, da Austrália e mesmo das índias
governo espanhol, pondo-se inteiramente à disposi- Orientais adesões e anúncios de formação de novas
ção dos carrascos de Versalhes, forçava o Conselho secções.
Federal de Madrid a procurar refúgio em Portu- II
gal[N215]; no momento, enfim, em que a Internacio- As denúncias da imprensa burguesa assim como
nal tinha como dever primeiro reestreitar a sua organi- as lamentações da polícia internacional encontravam
zação e aceitar o desafio lançado pelos governos. um eco simpático, mesmo na nossa Associação. Intri-
Todas as secções que tinham relações regulares gas, dirigidas na aparência contra o Conselho Geral e
com o Conselho Geral foram em tempo oportuno con- na realidade contra a Associação, foram tramadas no

13
seu seio. No fundo destas intrigas encontra-se a inevi- dando-se por «missão especial estudar as questões
tável Aliança Internacional da Democracia Socialista, políticas e filosóficas na base mesma deste grande
parida pelo Russo Mikhaíl Bakúnine. No seu regres- princípio da igualdade, etc...»
so da Sibéria, pregou, no Kolokol de Herzen, como O programa e o regulamento impressos deste
fruto da sua longa experiência, o pan-eslavismo e a Comité iniciador só foram comunicados ao Conselho
guerra das raças.[N218] Mais tarde, durante a sua Geral da Associação Internacional dos Trabalha-
estada na Suíça, foi nomeado para o Comité director dores em 15 de Dezembro de 1868. Segundo estes
da «Liga da Paz e da Liberdade»[N219], fundada em documentos, a dita Aliança está «inteiramente fundida
oposição à Internacional. Como os negócios desta na Internacional», ao mesmo tempo que está inteira-
sociedade burguesa iam de mal a pior, o seu presiden- mente fundada fora desta Associação. Ao lado do Con-
te, o Sr. G. Vogt, a conselho de Bakúnine, propôs selho Geral da Internacional, eleito pelos Congressos
uma aliança ao Congresso Internacional reunido em sucessivos de Genebra[N222], Lausanne[N223] e
Bruxelas em Setembro de 1868.[N220] O Congresso Bruxelas, haverá, segundo o regulamento iniciador,
declarou por unanimidade que das duas uma: ou a um outro Conselho Geral em Genebra que se nomeou
Liga perseguia o mesmo objectivo que a Internacio- a si próprio. Ao lado dos grupos locais da Internacio-
nal e, nesse caso, não tinha qualquer razão de ser ou nal, haverá grupos locais da Aliança que, por intermé-
o seu objectivo era diferente e, então, a aliança era dio dos seus bureaux nacionais funcionando fora dos
impossível. No Congresso da Liga que se realizou em bureaux nacionais da Internacional, «solicitarão ao
Berna alguns dias mais tarde, Bakúnine operou a sua Bureau Central da Aliança a sua admissão na Interna-
conversão. Propôs aí um programa de ocasião cujo cional», arrogando-se assim o Comité Central da Ali-
valor científico pode ser julgado por esta única frase: a ança o direito de admissão na Internacional. Em último
igualização económica e social das classes[N221]. lugar, o Congresso Geral da Associação Internacio-
Apoiado por uma minoria ínfima, rompeu com a Liga nal dos Trabalhadores encontrará ainda o seu duplo
para entrar para a Internacional, determinado a subs- no Congresso Geral da Aliança, pois, diz o regulamen-
to iniciador, no Congresso anual dos trabalhadores a
tituir os estatutos gerais da Internacional pelo seu pro-
delegação da Aliança Internacional da Democracia
grama de circunstância, rejeitado pela Liga, e o Con-
Socialista, como ramo da Associação Internacional
selho Geral pela sua ditadura pessoal. Com este fim,
criou para si próprio um instrumento especial, a Alian- dos Trabalhadores, «realizará as suas sessões
ça Internacional da Democracia Socialista, destinada públicas num local separado».
a tornar-se uma Internacional na Internacional. Considerando:
 que a presença de um segundo corpo interna-
Bakúnine encontrou os elementos necessários
cional funcionando dentro e fora da Associação
para a formação dessa sociedade nas relações que
tinha estabelecido durante a sua estada em Itália e Internacional dos Trabalhadores seria o meio mais
num núcleo de russos exilados, que lhe serviam de infalível de a desorganizar;
emissários e de recrutadores entre os membros da  que qualquer outro grupo de indivíduos resi-
Internacional na Suíça, em França e em Espanha. No dindo numa localidade qualquer teria o direito
entanto, foi só perante as recusas reiteradas dos Con- de imitar o Grupo iniciador de Genebra e, sob
selhos federais belga e parisiense em reconhecer a pretextos mais ou menos ostensivos, de fazer
«Aliança» que ele se decidiu a submeter à aprovação entrar para a Associação Internacional dos
do Conselho Geral os estatutos da sua nova socieda- Trabalhadores outras associações internaci-
de, os quais não eram senão a reprodução fiel do pro- onais com outras missões especiais;
grama «incompreendido» de Berna. O Conselho res-  que, desta maneira, a Associação Internaci-
pondeu pela seguinte circular, com data de 22 de onal dos Trabalhadores se tornaria em breve
Dezembro de 1868: o joguete de intriguistas de qualquer nacionali-
dade e de qualquer partido;
O CONSELHO GERAL A ALIANÇA  que, além disso, os estatutos da Associação
INTERNACIONAL DA DEMOCRACIA SOCIALISTA Internacional dos Trabalhadores não admi-
tem no seu quadro senão ramos locais e ramos
Há cerca de um mês que um certo número de cida- nacionais (ver o art. I e o art. VI dos estatutos);
dãos se constituiu em Genebra como Comité Central  que é proibido às Secções da Associação
Iniciador de uma nova sociedade internacional, dita a Internacional dos Trabalhadores darem-se
«Aliança Internacional da Democracia Socialista»,
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estatutos e regulamentos administrativos con- rária.
trários aos estatutos gerais e aos regulamen- Encontrando-se as secções da classe operária
tos administrativos da Associação Internaci- colocadas nos diversos países em condições diversas
onal dos Trabalhadores (ver o art. XII dos de desenvolvimento, segue-se necessariamente que
regulamentos administrativos); as suas opiniões teóricas, que reflectem o movimento
 que os estatutos e os regulamentos adminis- real, também são divergentes.
trativos da Associação Internacional dos No entanto, a comunidade de acção estabelecida
Trabalhadores não podem ser revistos senão pela Associação Internacional dos Trabalhadores,
por um Congresso Geral em que dois terços a troca das ideias facilitada pela publicidade feita
dos delegados presentes votassem a favor de pelos órgãos das diferentes secções nacionais, enfim,
uma tal revisão (ver o art. XIII dos regulamen- as discussões directas nos Congressos Gerais, não
tos administrativos); deixarão de gerar gradualmente um programa teórico
 que a questão foi prejudicada pelas resoluções comum.
contra a Liga da Paz, adoptadas por unanimi- Deste modo, está fora das funções do Conselho
dade no Congresso Geral de Bruxelas; Geral fazer o exame crítico do Programa da Aliança.
 que nessas resoluções o Congresso declara Não temos de investigar se sim ou não ele é uma
que a Liga da Paz não tinha qualquer razão de expressão adequada do movimento proletário. Para
ser, uma vez que, segundo as suas declara- nós, trata-se apenas de saber se ele não contém nada
ções recentes, o seu objectivo e os seus princí- de contrário à tendência geral da nossa Associação,
pios eram idênticos aos da Associação Inter- isto é, a emancipação completa da classe operária. Há
uma frase no vosso programa que, deste ponto de vis-
nacional dos Trabalhadores;
ta, falha. No artigo 2, lê-se:
 que vários membros do Grupo Iniciador da Ali-
«Ela» (a Aliança) «quer antes do mais a igualização
ança na sua qualidade de delegados ao Con-
política, económica e social das Classes.»
gresso de Bruxelas votaram essas resoluções;
A igualização das Classes, interpretada literalmen-
O Conselho Geral da Associação Internacional dos
te, resulta na harmonia do Capital e do Trabalho, tão
Trabalhadores, na sua sessão de 22 de Dezembro de
importunamente pregada pelos socialistas burgue-
1868, resolveu por unanimidade:
ses. Não é a igualização das Classes contra-senso
1. Todos os artigos do Regulamento da Aliança
lógico, impossível de realizar mas, pelo contrário, a
Internacional da Democracia Socialista, estatuindo
abolição das Classes, esse verdadeiro segredo do
sobre as suas relações com a Associação Internaci-
movimento do proletário, que forma o grande objectivo
onal dos Trabalhadores, são declarados nulos e
da Associação Internacional dos Trabalhadores.
sem efeito;
No entanto, considerando o contexto em que essa
2. A Aliança Internacional da Democracia Socia-
frase Igualização das Classes se encontra, ela pare-
lista não é admitida como ramo da Associa-
ce ter-se introduzido aí como um simples erro de pena.
ção Internacional dos Trabalhadores. O Conselho Geral não duvida de que quereis de facto
G. Odger, presidente da sessão eliminar do vosso programa uma frase que se presta a
R . S h a w , s e c r e t á r i o - g e r a l mal-entendidos tão perigosos. Com reserva dos
Londres, 22 de Dezembro de 1868. casos em que a tendência geral da nossa Associação
Alguns meses depois, a Aliança dirigiu-se de novo seria contradita, corresponde aos seus princípios dei-
ao Conselho Geral e perguntou-lhe se, sim ou não, ele xar a cada secção formular livremente o seu programa
admitia os princípios dela. Em caso afirmativo, a Alian- teórico.
ça declarava-se pronta a dissolver-se em secções Não existe, portanto, qualquer obstáculo para a con-
internacionais(5*). Recebeu em resposta a seguinte versão das secções da Aliança em secções da Asso-
circular, de 9 de Março de 1869: ciação Internacional dos Trabalhadores.
Se a dissolução da Aliança e a entrada das secções
O CONSELHO GERAL AO COMITÉ CENTRAL DA para a Internacional fossem definitivamente decidi-
ALIANÇA INTERNACIONAL DA DEMOCRACIA das, tornar-se-ia necessário, segundo os nossos regu-
SOCIALISTA lamentos, informar o Conselho do lugar e da força
Segundo o artigo I dos nossos Estatutos, a Associ- numérica de cada nova secção.
ação admite todas as sociedades operárias que aspi-
rem ao mesmo objectivo, a saber: o concurso mútuo, o S e s s ã o d o C o n s e l h o G e r a l
progresso e a emancipação completa da classe ope- de 9 de Março de 1869.
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obrigações, com o artigo primeiro do regulamento: O
A Aliança, tendo aceite estas condições, foi admiti- Conselho Geral é obrigado a executar as resoluções
da na Internacional pelo Conselho Geral que, induzi- do Congresso, etc.... Teríamos perguntas suficientes a
do em erro por algumas assinaturas do programa fazer ao Conselho Geral para que as suas respostas
Bakúnine, a supôs como reconhecida pelo Comité constituíssem um boletim bastante longo. Elas virão
Federal romando de Genebra que, pelo contrário, mais tarde... Aguardando, etc..."
nunca deixou de a manter à margem. Doravante ela «O Conselho Geral não conhece qualquer artigo,
tinha atingido o seu objectivo imediato: fazer-se repre- quer nos estatutos quer nos regulamentos, que o obri-
sentar no Congresso de Basileia. A despeito dos gue a entrar em correspondência ou em polémica com
meios desleais de que os seus partidários se serviram o Egalité ou a dar "respostas às perguntas" dos jorna-
meios empregues nessa ocasião, e só dessa vez, num is. Só o Comité federal de Genebra representa, peran-
Congresso da Internacional , Bakúnine ficou decep- te o Conselho Geral, os ramos da Suíça romanda.
cionado na sua expectativa de ver o Congresso trans- Quando o Comité federal romando nos dirigir pedidos
ferir para Genebra a sede do Conselho Geral e sancio- ou reprimendas pela única via legítima, isto é, pelo seu
nar oficialmente a velharia saint-simoniana, a aboli- secretário, o Conselho Geral estará sempre pronto a
responder. Mas o Comité federal romando não tem o
ção imediata do direito de herança, de que Bakúnine
direito nem de abdicar das suas funções nas mãos dos
tinha feito o ponto de partida prático do socialismo. Foi
redactores do Egalité e do Progrès nem de deixar
o sinal para a guerra aberta e incessante que a Aliança
esses jornais usurpar as suas funções. De um modo
fez, não apenas ao Conselho Geral mas ainda a todas
geral a correspondência administrativa do Conselho
as secções da Internacional, que recusaram adoptar
Geral com os comités nacionais e locais não poderia
o programa dessa capelinha sectária e, sobretudo, a
ser publicada sem trazer um grande prejuízo ao inte-
doutrina da abstenção absoluta em matéria política.
resse geral da Associação. Portanto, se os outros
Já antes do Congresso de Basileia, tendo Net-
órgãos da Internacional imitassem o Progrès e o Ega-
cháev vindo a Genebra, Bakúnine entrou em rela- lité, o Conselho Geral ver-se-ia colocado na alternati-
ções com ele e fundou na Rússia uma sociedade va ou de se desacreditar perante o público calando-se
secreta entre os estudantes. Escondendo sempre a ou de violar os seus deveres respondendo publica-
sua própria pessoa sob o nome de diferentes «comités mente. O Egalité juntou-se ao Progrès para convidar o
revolucionários», reivindicou poderes autocráticos,
Travail[N226] (jornal parisiense) a pelo seu lado ata-
eivados de todos os embustes e mistificações do
car o Conselho Geral. É quase uma Liga do bem públi-
tempo de Cagliostro. O grande meio de propaganda
co[N227].»
dessa sociedade consistia em comprometer pessoas
No entanto, antes de ter conhecimento desta circu-
inocentes perante a polícia russa, dirigindo-lhes de
lar, o Comité federal romando tinha já afastado da
Genebra comunicações em envelopes amarelos,
redacção do Egalité os partidários da Aliança.
revestidos no exterior, em língua russa, da estampilha
A circular de 1 de Janeiro de 1870, assim como a de
do «comité revolucionário secreto». Os relatos públi-
22 de Dezembro de 1868 e a de 9 de Março de 1869,
cos do processo Netcháev provam que foi feito um
foram aprovadas por todas as secções da Internacio-
abuso infame do nome da Internacional(6*).
nal.
A Aliança começou nesse tempo uma polémica
É desnecessário dizer que nenhuma das condi-
pública contra o Conselho Geral, primeiro no
ções aceites pela Aliança alguma vez foi cumprida. As
Progrès[N225] de Locle, depois no Egalité[N116] de
suas pretensas secções permaneciam um mistério
Genebra, jornal oficial da federação romanda, onde se
para o Conselho Geral. Bakúnine procurava manter
tinham infiltrado alguns membros da Aliança na estei-
sob a sua direcção pessoal os poucos grupos espar-
ra de Bakúnine. O Conselho Geral, que havia desde-
sos em Espanha e em Itália e a secção de Nápoles
nhado os ataques do Progrès, órgão pessoal de Bakú- que ele tinha desligado da Internacional. Nas outras
nine, não podia ignorar os do Egalité, que devia crer cidades italianas, correspondia-se com pequenos
aprovados pelo Comité federal romando. Publicou núcleos, compostos não de operários mas de advoga-
então a circular de 1 de Janeiro de 1870(7*), onde se dos, de jornalistas e outros burgueses doutrinários.
diz: «Lemos no Egalité, n.° de 11 de Dezembro de Em Barcelona, alguns amigos mantinham a sua
1869: influência. Em algumas cidades do Sul da França, a
« "É certo que o Conselho Geral descura coisas Aliança esforçava-se por fundar secções separatistas
extremamente importantes. Lembramos-lhe as suas sob a direcção de Albert Richard e de Gaspard

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Blanc, de Lyon, aos quais ainda teremos de voltar. de-Fonds a tomar um nome local. Perante esta deci-
Numa palavra, a sociedade internacional na Interna- são, que frustrava os seus desejos, o Comité de La
cional continuava a agitar-se. Chaux-de-Fonds denunciou o autoritarismo do Con-
O grande golpe da Aliança, a tentativa para se apo- selho Geral, esquecendo que tinha sido ele o primeiro
derar da direcção da Suíça romanda, devia ser vibra- a pedir a sua intervenção. A perturbação que a sua per-
do no Congresso de La Chaux-de-Fonds, aberto a 4 sistência em usurpar o nome do Comité federal
de Abril de 1870. romando lançava na federação suíça obrigou o Con-
A luta travou-se a propósito do direito de admissão selho Geral a suspender quaisquer relações oficiais
dos delegados da Aliança, direito contestado pelos com esse Comité.
delegados da Federação genebrina e das secções de Louis Bonaparte acabava de entregar o seu exér-
La Chaux-de-Fonds. cito em Sedan[N109]. De toda a parte se elevaram os
Ainda que, segundo o seu próprio recenseamento, protestos dos Internacionais contra a continuação da
os partidários da Aliança não fossem senão a repre- guerra. O Conselho Geral, no seu manifesto de 9 de
sentação de um quinto dos membros da federação Setembro, denunciando os projectos de conquista da
conseguiram, graças à repetição das manobras de Prússia, mostrava o perigo do seu triunfo para a causa
Basileia, arranjar uma maioria fictícia de um ou dois do proletário e predizia aos operários alemães que
votos, maioria que, no dizer do seu próprio órgão (ver eles seriam disso as primeiras vítimas. Provocava em
Solidarité[N228] de 7 de Maio de 1870), não repre- Inglaterra meetings(8*) que contrariaram as tendênci-
sentava senão quinze secções, enquanto só em Gene- as prussianas da corte. Na Alemanha, os operários
bra, havia trinta! A propósito desta votação o Congres- internacionais fizeram manifestações reclamando o
so romando dividiu-se em dois partidos que continua- reconhecimento, da República e «uma paz honrosa
ram as suas sessões separadamente. Os partidários para a França...»
da Aliança, considerando-se como os representantes Pelo seu lado, a natureza belicosa do fervilhante
legais de toda a federação, transferiram a sede do Guillaume (de Neuchâtel) sugeriu-lhe a ideia lumino-
Comité federal romando para La Chaux-de-Fonds e sa de um manifesto anónimo, publicado em suple-
fundaram em Neuchâtel o seu órgão oficial, o Solidari- mento e a coberto do jornal oficial Solidarité[N230]
té, redigido pelo cidadão Guillaume. Este jovem pedindo a formação de corpos-francos suíços para
escritor tinha por missão especial difamar «os operári- irem combater os Prussianos, o que ele sempre foi
os de fábrica»[N229] de Genebra, esses odiosos «bur- impedido de fazer, sem qualquer dúvida, pelas suas
gueses», fazer guerra ao Egalité, jornal da federação convicções abstencionistas.
romanda, e pregar a abstenção absoluta em matéria Sobreveio a insurreição de Lyon[N231]. Bakúnine
política. Os artigos mais marcantes relativos a este últi- acorreu e, apoiado em Albert Richard, Gaspard
mo assunto tiveram por autores, em Marselha, Baste- Blanc e Bastelica, instalou-se, a 28 de Setembro, na
lica e, em Lyon, os dois grandes pilares da Aliança: Câmara Municipal, cujos acessos se absteve de guar-
Albert Richard e Gaspard Blanc. dar como de um acto político. Foi lastimosamente
No seu regresso, os delegados de Genebra convo- expulso de lá por alguns guardas nacionais no
caram as suas secções para uma assembleia geral momento em que, após um parto laborioso, o seu
que, apesar da oposição de Bakúnine e dos seus ami- decreto sobre a abolição do Estado acabava enfim de
gos, aprovou os seus actos no Congresso de La Cha- ver a luz do dia.
ux-de-Fonds. Daí a algum tempo, Bakúnine e os seus Em Outubro de 1870, o Conselho Geral, na ausên-
acólitos mais activos foram excluídos da antiga fede- cia dos seus membros franceses, associou a si o cida-
ração romanda. dão Paul Robin, refugiado de Brest, um dos partidári-
Mal o Congresso romando se tinha encerrado, já o os mais conhecidos da Aliança e, para mais, autor dos
novo Comité de La Chaux-de-Fonds apelava para a ataques lançados no Egalité contra o Conselho Geral
intervenção do Conselho Geral numa carta assinada onde, a partir desse momento, não deixou de funcio-
F. Robert, secretário, e Henri Chevalley, presidente, nar como correspondente oficioso do Comité de La
denunciado dois meses mais tarde como ladrão pelo Chaux-de-Fonds. Em 14 de Março de 1871, propôs a
órgão do Comité, o Solidarité de 7 de Julho. Depois de convocação de uma Conferência privada da Interna-
ter examinado as peças justificativas das duas partes, cional para arrumar o diferendo suíço. O Conselho,
o Conselho Geral decidiu, a 28 de Junho de 1870, man- prevendo que grandes acontecimentos se prepara-
ter o Comité federal de Genebra nas suas antigas fun- vam em Paris, recusou de pronto. Robin voltou à
ções e convidar o novo Comité federal de La Chaux- carga por várias vezes e propôs mesmo ao Conselho
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que tomasse uma decisão definitiva sobre o diferendo. «Secção de Propaganda e de Acção Revolucionária
A 25 de Julho, o Conselho Geral decidiu que esse Socialista[N234]». No primeiro artigo dos seus esta-
assunto seria uma das questões submetidas à Confe- tutos ela «declara aderir aos estatutos gerais da Asso-
rência a ser convocada para o mês de Setembro de ciação Internacional dos Trabalhadores, reservan-
1871[N210]. do-se toda a liberdade de acção e de iniciativa que lhe
A 10 de Agosto, a Aliança, pouco desejosa de ver as é dada como consequência lógica do princípio de auto-
suas actuações perscrutadas por uma Conferência, nomia e de federação reconhecido pelos estatutos e
declarava que estava dissolvida a partir de 6 do pelos Congressos da Associação».
mesmo mês. Mas, a 15 de Setembro, reaparece e Noutros termos, ela reservou-se toda a liberdade
pede a sua admissão ao Conselho sob o nome de Sec- de continuar a obra da Aliança.
ção dos Ateus Socialistas. Segundo a resolução admi- Numa carta de Malon, de 20 de Outubro de 1871,
nistrativa n.° V do Congresso de Basileia, o Conselho esta nova secção dirigiu ao Conselho Geral pela terce-
não teria podido admiti-la sem ter consultado o Comité ira vez o pedido da sua admissão na Internacional.
federal de Genebra que estava cansado de dois anos Em conformidade com a resolução V do Congresso de
de luta com as secções sectárias. Aliás, o Conselho Basileia, o Conselho consultou o Comité federal de
havia já declarado às sociedades operárias cristãs Genebra, que protestou vivamente contra o reconhe-
inglesas (Young Meris Christian Association(9*) que a cimento pelo Conselho desse novo «foco de intrigas e
Internacional não reconhece secções teológicas. de dissensões». O Conselho foi, com efeito, suficien-
A 6 de Agosto, data da dissolução da Aliança, o temente «autoritário» para não querer impor a toda
Comité federal de La Chaux-de-Fonds, ao mesmo uma federação as vontades de B. Malon e de N.
tempo que renova o seu pedido de entrar em relações Júkovski, ex-secretário da Aliança.
oficiais com o Conselho, declara-lhe que continuará a Tendo o Solidarité deixado de existir, os novos ade-
ignorar a resolução de 28 de Junho e a afirmar-se, rentes da Aliança fundaram La Révolution Socia-
face a Genebra, como Comité federal romando; e
le[N235] sob a superior direcção de Madame Andrée
«que é ao Congresso Geral que pertence julgar este
Léo que, no Congresso da Paz em Lausanne, acaba-
assunto». A 4 de Setembro, o mesmo Comité enviou
va de declarar que
um protesto contra a competência da Conferência, da
«Raoul Rigault e Ferré eram as duas figuras sinis-
qual, todavia, tinha sido o primeiro a pedir a convoca-
ção. A Conferência teria podido perguntar, por sua tras da Comuna que até aí» (até à execução dos
vez, qual era a competência do Conselho federal de reféns) «não tinham deixado, sempre em vão, de
Paris, que esse Comité tinha requerido, antes do cer- reclamar medidas sangrentas».
co, que decidisse sobre o diferendo suíço[N232]. Con- Desde o seu primeiro número, apressou-se a pôr-
tentou-se em confirmar a decisão do Conselho Geral se ao nível do Fígaro, do Gaulois, do Paris-
de 28 de Junho de 1870. (Ver os motivos no Egalité de Journal[N236] e outros órgãos sujos, cujas porcarias
Genebra de 21 de Outubro de 1870. contra o Conselho Geral reeditou. O momento pare-
III ceu-lhe oportuno para acender, mesmo na Internaci-
A presença na Suíça de alguns dos proscritos fran- onal, o fogo dos ódios nacionais. Segundo ele, o Con-
ceses que aí tinham encontrado refúgio veio dar outra selho Geral era um comité alemão, dirigido por um
vez um vislumbre de vida à Aliança. cérebro bismarckiano(11*).
Os internacionais de Genebra fizeram pelos pros- Depois de ter bem estabelecido que certos mem-
critos tudo o que estava ao seu alcance. Assegura- bros do Conselho Geral se não podiam vangloriar de
ram-lhes socorros desde o primeiro momento e impe- serem «Gauleses antes de tudo», a Révolution Socia-
diram, por uma agitação poderosa, as autoridades suí- le não soube senão apropriar-se da segunda palavra
ças de conceder a extradição dos refugiados, recla- de ordem que a polícia europeia fazia circular e denun-
mada pelo governo de Versalhes. Muitos correram gra- ciar o autoritarismo do Conselho.
ves perigos ao irem a França ajudar refugiados a Quais eram, portanto, os factos em que se apoia-
alcançarem a fronteira. Qual não foi, pois, o espanto vam estas berrarias pueris? O Conselho Geral tinha
dos operários genebrinos ao verem alguns dirigentes, deixado morrer a Aliança de morte natural e, de acordo
tais como B. Malon(10*) porem-se imediatamente em com o Comité federal de Genebra, tinha impedido a
relação com os homens da Aliança e com a ajuda de sua ressurreição. Além disso, tinha requerido ao Comi-
N. Júkovski, ex-secretário da Aliança, tentarem fun- té de La Chaux-de-Fonds que tomasse um nome que
dar, em Genebra, fora da federação romanda, a nova lhe permitisse viver em paz com a grande maioria dos
Internacionais romandos.
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Fora destes actos «autoritários», que uso tinha dou afixar nas paredes de Londres que fora dela a
feito o Conselho Geral, desde Outubro de 1869 até Internacional era uma sociedade anti-revolucionária.
Outubro de 1871, dos poderes bastante extensos que A prisão dos internacionais franceses, na véspera do
o Congresso de Basileia lhe tinha conferido? plebiscito[N135], sob o pretexto de uma conspiração,
1) A 8 de Fevereiro de 1870, a «sociedade dos pro- urdida na realidade pela polícia, e à qual os manifestos
letários positivistas» de Paris pediu ao Conselho Geral pyatistas deram um ar de verosimilhança, forçou o
a sua admissão. O Conselho respondeu que os princí- Conselho Geral a publicar na Marseillaise[N138] e no
pios positivistas dizendo respeito ao capital, enuncia- Réveil[N137] a sua resolução de 10 de Maio de 1870,
dos nos estatutos particulares da sociedade, estavam declarando que o pretenso ramo francês já não per-
em flagrante contradição com os considerandos dos
tencia à Internacional há mais de dois anos e que as
estatutos gerais(12*); que era, portanto, preciso riscá-
suas actuações eram obra de agentes policiais. A
los e entrar na Internacional, não como «positivistas» necessidade desta diligência está provada pela decla-
mas como «proletários», permanecendo ao mesmo ração do Comité federal de Paris, nos mesmos jornais,
tempo livres de conciliar as suas opiniões teóricas e pela dos Internacionais parisienses aquando dos
com os princípios gerais da Associação. A secção seus processos apoiando-se ambas na resolução do
tendo reconhecido a justeza desta decisão, entrou na Conselho. O ramo francês desapareceu no começo
Internacional. da guerra, mas, tal como a Aliança na Suíça, viria a rea-
2) Em Lyon, tinha havido uma cisão entre a secção parecer em Londres com novos aliados e sob outros
de 1865 e uma secção de formação recente em que, nomes.
no meio de operários honestos, a Aliança estava Nos últimos dias da Conferência, formou-se em
representada por Albert Richard e Gaspard Blanc. Londres, entre os proscritos da Comuna, uma «sec-
Como é de uso em casos semelhantes, a sentença de ção francesa de 1871» com cerca de 35 membros. O
um tribunal de arbitragem, formado na Suíça, não foi primeiro acto «autoritário» do Conselho Geral foi
reconhecida. A 15 de Fevereiro de 1870, a secção de denunciar publicamente o secretário dessa secção,
formação recente não só pediu ao Conselho Geral Gustave Durand, como espião da polícia francesa.
para estatuir sobre este diferendo em virtude da reso- Os documentos que possuímos provam a intenção da
lução vil do Congresso de Basileia, como lhe enviou polícia de fazer com que Durand assistisse primeiro à
uma sentença já pronta, excluindo e infamando os conferência e de o introduzir mais tarde no seio do Con-
membros da secção de 1865, sentença que ele deve- selho Geral. Impondo os estatutos da nova secção
ria assinar e devolver na volta do correio. O Conselho aos seus membros «que não aceitassem qualquer
censurou este procedimento inaudito e requereu delegação para o Conselho Geral que não fosse a da
peças justificativas. Ao mesmo pedido, a secção de
sua secção», os cidadãos Theisz e Bastelica retira-
1865 respondeu que tendo as peças de acusação con-
ram-se do Conselho.
tra Albert Richard sido submetidas ao tribunal de arbi-
A 17 de Outubro, a secção delegou para o Conse-
tragem, Bakúnine se tinha apropriado delas e se recu- lho dois dos seus membros, portadores de mandatos
sava a devolvê-las e que, por conseguinte, ela não imperativos, não sendo um deles senão o Sr. Chau-
podia satisfazer de uma maneira absoluta os desejos
tard, ex-membro do comité de artilharia que o Conse-
do Conselho Geral. A decisão do Conselho sobre este
lho declinou associar a si antes de ter examinado os
assunto, com data de 8 de Março, não levantou qual-
estatutos da «secção de 1871»(13*). Bastará lembrar
quer objecção nem de um lado nem do outro.
aqui os pontos principais do debate a que estes esta-
3) Tendo o ramo francês de Londres admitido ele-
tutos deram lugar. Incidem sobre o artigo 2:
mentos de um carácter mais do que duvidoso, tinha-se
«Para ser aceite como membro da secção é preci-
pouco a pouco transforma do numa comandita do Sr.
so justificar os seus meios de existência, apresentar
Félix Pyat. Servia-lhe para organizar manifestações
garantias de moralidade, etc.»
comprometedoras a favor do assassinato de L. Bona-
Na sua resolução de 17 de Outubro de 1871, o Con-
parte, etc, e para propagar em França, a coberto da selho propôs que se riscassem as palavras: justificar
Internacional, os seus ridículos manifestos. O Con- os seus meios de existência.
selho Geral limitou-se a declarar nos órgãos da Asso- «Em casos duvidosos», dizia o Conselho, «uma
ciação que, não sendo o Sr. Pyat membro da Interna- secção pode muito bem colher informações sobre os
cional, ela não podia ser responsável pelos actos meios de existência como "garantia de moralidade",
dele. O ramo francês declarou então que não reconhe- enquanto noutros casos, tais como os dos refugiados,
cia nem o Conselho Geral nem os Congressos: man- dos operários em greve, etc, a ausência de meios de
19
existência pode muito bem ser uma garantia de mora- Geral: ou a sua eleição pelo Congresso ou a sua
lidade. Mas pedir aos candidatos para justificarem os adjunção pelo Conselho Geral...» E bem verdade que
seus meios de existência como condição geral para as diferentes secções existentes em Londres tinham
serem admitidos na Internacional seria uma inova- sido convidadas a enviar delegados ao Conselho
ção burguesa, contrária ao espírito e à letra dos esta- Geral que, para não infringir os estatutos gerais, sem-
tutos gerais.» A secção respondeu que pre procedeu da seguinte maneira: Determinou prime-
«os estatutos gerais tornam as secções responsá- iro o número de delegados a enviar por cada secção,
veis pela moralidade dos seus membros e reconhe- reservando-se o direito de os aceitar ou de os rejeitar
cem-lhes, por conseguinte, o direito de tomarem, consoante os julgasse apropriados para as funções
como entenderem, as suas garantias». gerais que eles devem desempenhar. Estes delega-
A isto o Conselho Geral replicava a 7 de Novembro: dos tornavam-se membros do Conselho Geral, não
«Segundo essa maneira de ver, uma secção Interna- em virtude da delegação que tinham recebido das
cional fundada por teetotallers(14*) (sociedade de suas secções mas em virtude do direito que os estatu-
temperança) poderia inserir nos seus estatutos parti- tos gerais dão ao Conselho de associar a si novos
culares um artigo concebido assim: Para se ser aceite membros. Tendo funcionado até à decisão tomada
como membro da secção, é preciso jurar que se abs- pela última Conferência, quer como Conselho Geral
tém de toda a bebida alcoólica. Numa palavra, as con- da Associação Internacional quer como Conselho Cen-
dições de admissão, na Internacional, mais absurdas tral para a Inglaterra, o Conselho de Londres achou útil
e mais díspares poderiam ser impostas pelos estatu- admitir, para além dos membros que associava a si
tos particulares das secções, sempre sob o pretexto directamente, membros delegados em primeiro lugar
de que elas entendem assegurar desse modo a mora- pelas suas secções respectivas. Enganar-nos-íamos
lidade dos seus membros... "Os meios de existência estranhamente querendo assimilar o modo de eleição
dos grevistas", acrescenta a secção francesa de 1871, do Conselho Geral ao do Conselho federal de Paris, o
"consistem na caixa das greves." Pode responder-se qual nem sequer era um Conselho nacional, nomeado
a esta frase, em primeiro lugar, que essa caixa é fre- por um Congresso nacional, como, por exemplo, o
quentemente fictícia... Além disso, inquéritos oficiais Conselho federal de Bruxelas ou o de Madrid. O Con-
ingleses provaram que a maioria dos operários ingle- selho federal de Paris não era senão uma delegação
ses... é forçada quer pela greve ou o desemprego das secções parisienses... O modo de eleição do Con-
quer pela insuficiência dos salários ou em consequên- selho Geral está determinado pelos estatutos gerais...
cia dos prazos de pagamento e por muitas outras cau- e os seus membros não poderiam aceitar outro man-
sas ainda a recorrer constantemente aos montepios e dato imperativo que não fosse o dos estatutos e regu-
às dívidas, meios de existência de que não se poderia lamentos gerais... Se se tomar em consideração o
exigir justificação sem se imiscuir de uma maneira parágrafo que o precede, o art. 11 não tem outro senti-
inqualificável na vida privada dos cidadãos. Ora, das do senão o de mudar completamente a composição
duas uma: ou a secção não procura nos meios de exis- do Conselho Geral e de fazer dele, contrariamente ao
tência senão garantias de moralidade... e então a pro- artigo 3 dos estatutos gerais, uma delegação das sec-
posta do Conselho Geral preenche esse objectivo... ções de Londres em que a influência dos grupos locais
Ou a secção, no artigo 2 dos seus estatutos, falou se substituiria à de toda a Associação Internacional
intencionalmente da justificação dos meios de exis- dos Trabalhadores. Por fim, o Conselho Geral, cujo pri-
tência como condição de admissão,para além, das meiro dever consiste na execução das resoluções dos
garantias de moralidade... e, nesse caso, o Conselho Congressos (ver o artigo 1 do regulamento administra-
afirma que é uma inovação burguesa, contrária à letra tivo do Congresso de Genebra), diz que «considera
como não tendo de modo nenhum a ver com a ques-
e ao espírito dos estatutos gerais.»(15*) No artigo 11
tão... as ideias emitidas pela secção francesa de 1871
dos seus estatutos está dito:
sobre uma mudança radical a introduzir nos artigos
«Um ou vários delegados serão enviados ao Con-
dos estatutos gerais relativos à sua constituição».
selho Geral.»
Aliás, o Conselho declarou que admitiria dois dele-
O Conselho pediu que este artigo fosse riscado,
gados da secção nas mesmas condições de que os
«porque os estatutos gerais da Internacional não
das outras secções de Londres.
reconhecem qualquer direito às secções de enviar
A «secção de 1871», longe de ficar satisfeita com
delegados ao Conselho Geral». «Os estatutos gera-
esta resposta, publicou, a 14 de Dezembro, uma «de-
is», acrescentou ele, «não reconhecem senão dois
claração» assinada por todos os seus membros, cujo
modos de eleições para os membros do Conselho
novo secretário foi pouco tempo depois expulso, como
20
indigno, da sociedade dos refugiados. Segundo esta que ainda há pouco formulava contra ele acusações
declaração, o Conselho Geral, ao recusar-se a usur- muito graves numa carta a um membro do Conselho.
par atribuições legislativas, tornou-se culpado «de De resto, a Secção francesa de 1871 mal tinha acaba-
uma retrogressão completamente naturalista da ideia do de lançar a sua declaração quando a guerra civil
social». rebentou nas suas fileiras. Primeiro, Theisz, Avrial e
Eis agora algumas amostras da boa-fé que presidiu Camélinat retiraram-se dela. A partir daí, ela fragmen-
à elaboração deste documento. tou-se em vários pequenos grupos, em que um é diri-
A Conferência de Londres tinha aprovado a condu- gido pelo senhor Pierre Vésinier, expulso do Conse-
ta dos operários alemães durante a guerra[N237]. Era lho Geral pelas suas calúnias contra Varlin e outros, e
evidente que esta resolução, proposta por um delega- depois posto fora da Internacional pela Comissão bel-
do suíço(16*), apoiada por um delegado belga e vota- ga, que o Congresso de Bruxelas (1868) tinha nomea-
da por unanimidade, não dizia respeito senão aos do. Outro desses grupos é fundado por B. Landeck,
internacionais alemães que expiaram na prisão e expi-
que a fuga imprevista do prefeito de polícia Piétri, em
am ainda a sua conduta anti-chauvinista durante a
4 de Setembro, libertou do seu compromisso
guerra. Além disso, para obviar a qualquer interpreta-
«escrupulosamente respeitado de não mais se ocu-
ção malévola, o secretário do Conselho Geral para a
par de assuntos políticos, nem da Internacional em
França(17*) acabava de explicar numa carta, publica-
França!» (Ver Terceiro Processo da Associação Inter-
da pelo Qui Vive!, pelo Constitution, pelo Radical, pelo
nacional dos Trabalhadores de Paris, 1870, p. 4.)
Emancipation, pelo Europe, etc, o verdadeiro sentido
Por outro lado, a massa dos refugiados franceses
da resolução. Apesar disso, oito dias depois, a 20 de
em Londres formou uma secção que está em comple-
Novembro de 1871, quinze membros da Secção fran-
ta harmonia com o Conselho Geral.
cesa de 1871 inseriam no Qui Vivei um «protesto»
pleno de injúrias contra os operários alemães e
IV
denunciavam a resolução da Conferência como prova
irrecusável de que a «ideia pangermânica» possui o
Os homens da Aliança, escondidos por detrás do
Conselho Geral. Por seu lado, toda a imprensa feudal,
Comité federal de Neuchâtel, querendo tentar um
liberal e policial da Alemanha se apoderou avidamente
novo esforço para desorganizar a Internacional, num
deste incidente para demonstrar aos operários ale-
terreno mais vasto, convocaram um Congresso das
mães o nada dos seus sonhos internacionais. No fim
suas secções em Sonvillier para 12 de Novembro de
disto tudo, o protesto de 20 de Novembro foi endossa-
1871. Já em Julho, duas cartas de mestre Guillaume
do por toda a secção de 1871 na sua declaração de 14
de Dezembro. ao seu amigo Robin ameaçavam o Conselho Geral
Para estabelecer «a vertente indefinida do autorita- com uma campanha semelhante se ele não consentis-
rismo pela qual desliza o Conselho Geral», ela cita «a se em dar-lhes razão «contra os salteadores de Gene-
publicação por este mesmo Conselho Geral de uma bra».
edição oficial dos estatutos gerais por ele revistos». O Congresso de Sonvillier compunha-se de dezas-
Basta deitar uma vista de olhos à nova edição dos esta- seis delegados, pretendendo representar ao todo
tutos para ver que em cada alínea se encontra, no nove secções, entre as quais a nova Secção de Pro-
apêndice, a remissão às fontes que estabelecem a paganda e de Acção Revolucionária Socialista de
sua autenticidade! Quanto às palavras «edição ofici- Genebra.
al», o primeiro Congresso da Internacional tinha deci- Os dezasseis estrearam-se com o decreto anar-
dido que «o texto oficial e obrigatório dos estatutos e quista, declarando dissolvida a federação romanda, a
regulamentos gerais seria publicado pelo Conselho qual se apressou a devolver os Aliancistas à sua «au-
Geral». (Ver Congresso Operário da Associação Inter- tonomia» pondo-os fora de todas as secções.
nacional dos Trabalhadores, realizado em Genebra de De resto, o Conselho deve reconhecer que um lam-
3 a 8 de Setembro de 1866, página 27, nota.) pejo de bom senso os fez aceitar o nome de Federa-
É desnecessário dizer que a secção de 1871 manti- ção Jurassiana que a Conferência de Londres lhes
nha relações contínuas com os dissidentes de Gene- tinha dado.
bra e de Neuchâtel. Um dos seus membros que tinha A seguir, o Congresso dos Dezasseis procedeu à
desenvolvido mais energia a atacar o Conselho Geral «reorganização da Internacional», lançando contra a
do que alguma vez tinha posto a defender a Comuna, Conferência e o Conselho Geral uma Circular a todas
Chalain, viu-se de repente reabilitado por B. Malon, as federações da Associação Internacional dos Tra-
balhadores.
21
Os autores da circular acusam, em primeiro lugar, o uma proposta tendente a confirmar os decretos apro-
Conselho Geral de ter, em 1871, convocado uma con- vados pelos dezasseis de Sonvillier e que continham
ferência em vez de um congresso. Das explicações uma censura contra o Conselho Geral assim como o
dadas precedentemente resulta que estes ataques se repúdio da Conferência. A Conferência tinha decidido
dirigem directamente a toda a Internacional que, no que «as resoluções da Conferência que não são desti-
seu conjunto, tinha aceitado a convocação de uma nadas à publicidade serão comunicadas aos Conse-
conferência na qual, aliás, a Aliança se encontrava lhos federais dos diversos países pelos secretários
convenientemente representada pelos cidadãos correspondentes do Conselho Geral». Esta resolu-
Robin e Bastelica. ção, inteiramente conforme aos estatutos e regula-
Em cada congresso, o Conselho Geral teve os seus mentos gerais, foi falsificada por B. Malon e os seus
delegados; no Congresso de Basileia, por exemplo, amigos da seguinte maneira:
havia seis. Os dezasseis pretendem que «Uma parte das resoluções da Conferência não
«a maioria da Conferência foi falsificada antecipa- será comunicada senão aos conselhos federais e aos
damente pela admissão de seis delegados do Conse- secretários correspondentes.»
lho Geral com voto deliberativo». Acusam ainda o Conselho Geral de ter «faltado ao
Na realidade, entre os delegados do Conselho princípio da sinceridade», ao recusar-se a entregar à
Geral à Conferência, os proscritos franceses não polícia, pela «publicidade», resoluções que têm por
eram senão os representantes da Comuna de Paris, objectivo exclusivo a reorganização da Internacional
enquanto os seus membros ingleses e suíços não nos países em que está proscrita.
puderam senão excepcionalmente tomar parte nas Os cidadãos Malon e Lefrançais queixam-se,
sessões como atestam as actas que serão submeti- além disso, de que
das ao próximo Congresso. Um delegado do Conse- «a Conferência atentou contra a liberdade de pen-
lho tinha um mandato de uma federação nacional. samento e da sua expressão..., ao dar ao Conselho
Segundo uma carta dirigida à Conferência, o mandato Geral o direito de denunciar e de repudiar qualquer
de um outro foi retido por causa do anúncio da sua órgão de publicidade das secções e federações, tra-
morte pelos jornais(18*). Resta um delegado, de tal tando quer dos princípios sobre que a associação
maneira que, só os Belgas, estavam relativamente ao repousa, quer dos interesses respectivos das secções
Conselho como 6 estão para 1. e federações, quer, enfim, dos interesses gerais de
A polícia internacional, mantida afastada na pessoa toda a associação (ver o Egalité de 21 de Dezembro)».
de Gustave Durant, havia-se queixado amargamen- E, o que é que há no Egalité de 21 de Dezembro?
te da violação dos estatutos gerais pela convocação Uma resolução da Conferência em que ela «anuncia
de uma conferência «secreta». Ainda não estava sufi- que doravante o Conselho Geral será obrigado a
cientemente ao corrente dos nossos regulamentos denunciar e a repudiar publicamente todos os jornais
gerais para saber que as sessões administrativas dos que, dizendo-se órgãos da Internacional, seguindo o
Congressos são obrigatoriamente privadas. exemplo dado pelo Progrès e o Solidarité, discutam
As suas queixas, todavia, encontraram um eco sim- nas suas colunas, perante o público burguês, ques-
pático entre os dezasseis de Sonvillier que exclama- tões que não se deve discutir senão no seio dos comi-
ram: tés locais, dos comités federais e do Conselho Geral
«E para coroar o edifício, uma decisão desta confe- ou nas sessões privadas e administrativas dos Con-
rência estabelece que o Conselho Geral fixará ele pró- gressos, quer federais quer gerais».
prio a data e o lugar do próximo Congresso ou da Con- Para apreciar bem a lamentação agridoce de B.
ferência que o substituir: de tal modo que eis-nos ame- Malon, é preciso considerar que esta resolução põe
açados com a supressão dos congressos gerais, fim, de uma vez por todas, às tentativas de alguns jor-
essas grandes sessões públicas da Internacional.» nalistas desejosos de se substituírem aos comités res-
Os dezasseis não quiseram ver que esta decisão ponsáveis da Internacional e de desempenhar, no
não vem senão afirmar, relativamente aos governos, seu meio, o mesmo papel que a boémia jornalística
que, apesar de todas as medidas repressivas, a Inter- desempenha no mundo burguês. Na sequência de
nacional tem a resolução inabalável de realizar as uma tentativa semelhante, o Comité federal de Gene-
suas reuniões gerais de uma maneira ou de outra. bra tinha visto membros da Aliança redigir o órgão ofi-
Na assembleia geral das secções genebrinas de 2 cial da Federação romanda, o Egalité, num sentido
de Dezembro de 1871, que acolhia mal os cidadãos que lhe era inteiramente hostil.
Malon e Lefrançais, estes últimos apresentaram Aliás, o Conselho Geral não precisava da Confe-

22
rência de Londres para «denunciar e repudiar publica- Na realidade, o verdadeiro móbil de todos estes ata-
mente» os abusos do jornalismo, pois o Congresso de ques contra a Conferência é de uma natureza mais ínti-
Basileia decidiu (Res. II) que: ma. Em primeiro lugar, pelas suas resoluções, ela aca-
«Todos os jornais contendo ataques contra a Asso- bava de frustrar as intrigas práticas dos homens da Ali-
ciação devem imediatamente ser enviados ao Conse- ança na Suíça. Além disso, os promotores da Aliança,
lho Geral pelas secções.» na Itália, em Espanha, numa parte da Suíça e da Bélgi-
«E evidente», diz o Comité federal romando na sua ca, tinham criado e mantido com uma maravilhosa per-
declaração de 20 de Dezembro de 1871 (Egalité de 24 sistência uma confusão calculada entre o programa
de Dez.), «que este artigo não estava redigido com a de circunstância de Bakúnine e o programa da Asso-
intenção de o Conselho Geral guardar nos seus arqui- ciação Internacional dos Trabalhadores.
vos os jornais que atacam a Associação, mas para res- A Conferência pôs em relevo este mal-entendido
ponder e destruir, se necessário, o efeito pernicioso intencional pelas suas duas resoluções sobre a políti-
das calúnias e dos denegrimentos maldosos. É evi- ca proletária e sobre as secções sectárias. A primeira,
dente também que este artigo se refere em geral a refutando a abstenção política pregada pelo programa
todos os jornais e que, se não queremos tolerar gratui- Bakúnine, está plenamente justificada pelos seus
tamente os ataques dos jornais burgueses, por maio- considerandos, apoiados nos estatutos gerais, na
ria de razão, devemos repudiar pelo órgão da nossa resolução do Congresso de Lausanne e noutros pre-
delegação central, pelo Conselho Geral, os jornais cedentes(19*).
cujos ataques contra nós se fazem a coberto do nome Passemos agora às secções sectárias:
da nossa Associação.» A primeira fase na luta do proletariado contra a bur-
Observemos, de passagem, que o Times, esse guesia está marcada pelo movimento sectário. Tem
Leviatã da imprensa capitalista, o Progrès (de Lyon), razão de ser numa época em que o proletariado ainda
jornal da burguesia liberal, e o Journal de Genè- não está suficientemente desenvolvido para agir
ve[N238], jornal ultra-reaccionário, cobriram a Confe- como classe. Pensadores individuais fazem a crítica
rência com as mesmas censuras e se serviram quase dos antagonismos sociais e dão-lhes soluções fantás-
dos mesmos termos que os cidadãos Malon e Lefran- ticas que a massa dos operários não tem senão de ace-
çais. itar, de propagar e de pôr em prática. Pela sua própria
Depois de se ter levantado contra a convocação da natureza, as seitas formadas por estes iniciadores são
Conferência, em seguida, contra a sua composição e abstencionistas, estranhas a toda a acção real, à polí-
o seu carácter preten-samente secreto, a circular dos tica, às greves, às coalizões, numa palavra, a todo o
dezasseis atira-se às próprias resoluções. movimento de conjunto. A massa do proletariado per-
Constatando, em primeiro lugar, que o Congresso manece sempre indiferente ou mesmo hostil à sua pro-
de Basileia tinha abdicado paganda. Os operários de Paris e de Lyon não queri-
«ao dar ao Conselho Geral o direito de recusar, de am saber mais dos Saint-Simonianos, dos Fourrie-
admitir ou de suspender secções da Internacional», ristas, dos Icários[N239], do que os cartistas[N7] e os
imputa, mais adiante, este pecado à Conferência: trade-unionistas ingleses queriam saber dos Owenis-
«Esta Conferência... tomou resoluções... que ten- tas. Estas seitas, alavancas do movimento na sua ori-
dem a fazer da Internacional, livre federação de sec- gem, fazem-lhe obstáculo logo que ele as ultrapassa;
ções autónomas, uma organização hierárquica e auto- então, tornam-se reaccionárias; testemunhos: as sei-
ritária de secções disciplinadas, colocadas inteira- tas em França e na Inglaterra e ultimamente os Las-
mente sob a mão de um Conselho Geral que pode a sallianos na Alemanha que, depois de terem entrava-
seu prazer recusar a sua admissão ou então suspen- do durante anos a organização do proletariado, aca-
der a sua actividade!!» baram por se tornar simples instrumentos de polícia.
Mais adiante, volta ao Congresso de Basileia que Enfim, é esta a infância do movimento proletário,
teria «desnaturado as atribuições do Conselho como a astrologia e a alquimia são a infância da ciên-
Geral». cia. Para que a fundação da Internacional fosse pos-
Todas estas contradições da circular dos dezasseis sível, era preciso que o proletariado tivesse ultrapas-
se resumem a isto: a Conferência de 1871 é responsá- sado esta fase.
vel pelo voto do Congresso de Basileia de 1869, e o Face às organizações fantasistas e antagónicas
Conselho Geral é culpado de ter observado os estatu-
das seitas, a Internacional é a organização real e mili-
tos que o obrigam a executar as resoluções dos con-
tante da classe proletária em todos os países, ligados
gressos.
uns com os outros na sua luta comum contra os capita-
23
listas, os proprietários fundiários e o seu poder de clas- a sua maioria e as suas tendências».
se organizado no Estado. Por isso, os estatutos da Parece que, para eles, o simples facto de homens
Internacional não conhecem senão simples socieda- pertencerem ao Conselho Geral é suficiente para des-
des «operárias» prosseguindo todas o mesmo objecti- truir, não apenas a sua moralidade mas também o seu
vo e aceitando todas o mesmo programa, que se limita senso comum. De outro modo, como é que se poderia
a traçar o grande traço do movimento proletário e supor que uma maioria se transforma a si própria em
deixa a sua elaboração teórica à impulsão dada pelas minoria por adjunções voluntárias?
necessidades da luta prática e à troca das ideias que De resto, os próprios Dezasseis não parecem
se faz nas secções, admitindo indistintamente todas muito convencidos de tudo isto; pois, mais adiante,
as convicções socialistas nos seus órgãos e nos seus queixam-se de que o Conselho Geral foi
congressos. «composto durante cinco anos seguidos pelos mes-
Assim como em toda a nova fase histórica, os mos homens, sempre reeleitos»,
velhos erros reaparecem um instante para logo desa- e imediatamente a seguir eles repetem:
parecerem em seguida, assim também a Internacio- «a maior parte dos quais não são mandatários regu-
nal viu renascer no seu seio secções sectárias, embo- lares nossos, não tendo sido eleitos por um Congres-
ra sob uma forma pouco acentuada. so».
A Aliança, considerando como um progresso imen- O facto é que o pessoal do Conselho Geral mudou
so a ressurreição das seitas, é uma prova concludente constantemente, se bem que alguns dos fundadores
de que o seu tempo passou. Pois, enquanto na sua ori- aí tenham permanecido, como nos Conselhos federa-
gem ela representava elementos do progresso, o pro- is belga, romando, etc.
grama da Aliança, a reboque de um «Maomé sem O Conselho Geral está submetido a três condições
Corão»[N240], não representa senão um apanhado essenciais para o cumprimento do seu mandato. Em
de ideias de além-túmulo, disfarçadas sob frases sono- primeiro lugar, exige um pessoal bastante numeroso
ras, não podendo assustar senão burgueses idiotas para executar a multiplicidade dos seus trabalhos; em
ou servir aos procuradores, bonapartistas ou outros, seguida, uma composição de «trabalhadores perten-
de peças de culpa contra os internacionais(20*). centes às diferentes nações representadas na Asso-
A Conferência, em que estavam representados ciação Internacional» e, por fim, a predominância do
todos os matizes socialistas, aclamou por unanimida- elemento operário. Como é que, uma vez que as exi-
de a resolução contra as secções sectárias, convenci- gências do trabalho são para o operário uma causa
da de que esta resolução, reconduzindo a Internacio- incessante de mudança no pessoal do Conselho
Geral, ele poderia reunir estas condições indispensá-
nal ao seu verdadeiro terreno, marcaria uma nova
veis sem o direito de adjunção? Não obstante, uma
fase da sua marcha. Os partidários da Aliança, sentin-
definição mais exacta deste direito parece-lhe neces-
do-se atingidos de morte por esta resolução não viram
sária, como disso exprimiu desejo na última Conferên-
nela senão uma vitória do Conselho Geral sobre a
cia.
Internacional, pela qual, como a sua circular diz, ele
A reeleição do Conselho Geral, tal como estava
fez «predominar o programa especial» de alguns dos
composto, pelos Congressos sucessivos, e nos quais
seus membros, a «sua doutrina pessoal», a «doutrina
a Inglaterra mal estava representada, pareceria pro-
ortodoxa», «a teoria oficial, única a ter direito de cida-
var que ele cumpriu o seu dever dentro dos limites dos
de na Associação». De resto, a culpa não era de
seus meios. Os Dezasseis, pelo contrário, não vêem
alguns dos seus membros, era a consequência neces-
nisso senão a prova da «confiança cega dos Congres-
sária, o «efeito corruptor» do facto de que eles faziam
sos», confiança levada, em Basileia,
parte do Conselho Geral, pois
«até uma espécie de abdicação voluntária nas
«é absolutamente impossível que um homem que
mãos do Conselho Geral».
tem poder» (!) «sobre os seus semelhantes permane-
Segundo eles, o «papel normal» do Conselho deve
ça um homem moral. O Conselho Geral torna-se um
ser «o de uma simples repartição de correspondência
foco de intrigas».
e de estatística». Apoiam esta definição com vários
Segundo a opinião dos Dezasseis, podia já censu-
artigos tirados de uma tradução errada dos estatutos.
rar-se aos estatutos gerais uma falta grave, a de dar
Em oposição aos estatutos de todas as sociedades
ao Conselho Geral o direito de associar a si novos
burguesas, os estatutos gerais da Internacional mal
membros. Munido deste poder, dizem eles,
afloram a sua organização administrativa. Deixam o
«o Conselho podia, posteriormente, associar a si
seu desenvolvimento à prática e a regularização aos
todo um pessoal que teria modificado completamente
congressos futuros. Não obstante, como só a unidade
24
e o conjunto de acção das secções dos diversos paí- encarregaria fora do objectivo comum prosseguido
ses lhes poderiam conferir o carácter distintivo de por todos os grupos da Internacional. Trata-se muito
internacionalidade, os estatutos ocupam-se mais do simplesmente do direito das secções de adaptarem os
Conselho Geral do que das outras partes da organiza- estatutos e regulamentos gerais «às circunstâncias
ção. locais e às leis do seu país».
O artigo 5 dos estatutos originais[N242] diz: «O Em segundo lugar, por quem deveria a conformida-
Conselho Geral funcionará como agente Internacio- de dos estatutos particulares com os estatutos gerais
nal entre os diferentes grupos nacionais e locais» e ser constatada? Evidentemente, se não houvesse «au-
dá, em seguida, alguns exemplos da maneira como toridade» encarregada dessa função, a resolução
ele deve agir. Entre esses mesmos exemplos, encon- seria nula e de nenhum efeito. Não apenas se poderi-
tra-se a instrução para o Conselho fazer de modo a am formar secções policiais ou hostis mas também a
que «sendo reclamada a acção imediata, como no intrusão de sectários desclassificados e de filantropos
caso das querelas internacionais, todos os grupos da burgueses na Associação poderia desnaturar o seu
Associação possam agir simultaneamente e de uma carácter e, pelo seu número, nos congressos, esma-
maneira uniforme». O artigo continua: «Segundo jul- gar os operários.
gar oportuno, o Conselho Geral tomará a iniciativa das Desde a sua origem, as federações nacionais ou
propostas a submeter às sociedades locais e naciona- locais atribuíram a si próprias nos seus países respec-
is.» Além disso, os estatutos definem o papel do Con- tivos este direito de admitir ou de recusar novas sec-
selho na convocação e preparação dos congressos e ções, consoante os estatutos destas estavam ou não
encarregam-no de certos trabalhos que lhes deverá estavam conformes aos estatutos gerais. O exercício
submeter. Os estatutos originais põem tão pouco em da mesma função pelo Conselho Geral está previsto
oposição a acção espontânea dos grupos com a uni- pelo artigo 6 dos estatutos gerais, ao deixar às socie-
dade de acção da Associação que o artigo 6 diz: «Uma dades locais independentes isto é, a sociedades cons-
vez que o movimento operário em cada país não pode tituindo-se fora dos laços federais dos seus países o
ser assegurado senão pela força resultante da união e direito de se porem em relação directa com ele. A Ali-
da associação; uma vez que, por outro lado, a acção ança não desdenhou exercer este direito, a fim de
do Conselho Geral será mais eficaz..., os membros da estar nas condições requeridas para enviar delegados
Internacional deverão fazer todo o possível para reu- ao Congresso de Basileia.
nir as sociedades operárias ainda isoladas dos seus O art. 6 dos estatutos prevê também os obstáculos
respectivos países em associações nacionais, repre- legais que se opõem à formação das federações naci-
sentadas por órgãos centrais.» onais em certos países onde, por consequência, o
A primeira resolução administrativa do Congresso Conselho Geral é chamado a funcionar como Conse-
de Genebra (art. 1.º) diz: lho federal (ver Actas do Congresso, etc, de Lausan-
«O Conselho Geral é obrigado a executar as Reso- ne, 1867, p. 13[N243]).
luções dos congressos.» Desde a queda da Comuna, estes obstáculos lega-
Esta resolução legalizou a posição mantida pelo is não deixaram de aumentar em diferentes países e
Conselho Geral desde a sua origem: a de delegações de tornar aí mais indispensável ainda a acção do Con-
executivas da Associação. Seria difícil executar selho Geral, para manter os elementos suspeitos [vé-
ordens sem «autoridade» moral à falta de qualquer reux] fora da Associação. É assim que, ultimamente,
outra «autoridade livremente consentida». O Con- Comités em França pediram a intervenção do Conse-
gresso de Genebra, ao mesmo tempo, encarrega o lho Geral para se desembaraçarem de bufos e que,
Conselho Geral de publicar «o texto oficial e obrigató- num outro grande país(21*), os Internacionais lhe
rio dos estatutos». requereram que não reconhecesse nenhuma secção
O mesmo Congresso resolveu (Res. Admin, de que não estivesse fundada por mandatários directos
Genebra, art. 14): seus ou por eles próprios. Motivavam o seu pedido
«Cada secção tem o direito de redigir os seus esta- pela necessidade de afastar assim agentes provoca-
tutos e regulamentos particulares, adaptados às cir- dores cujo zelo ruidoso se manifestava pela formação
cunstâncias locais e às leis do seu país; mas eles não rápida de secções de um radicalismo sem igual. De
devem ser contrários em nada aos estatutos e regula- um outro lado, secções pretensamente antiautoritári-
mentos gerais.» as não hesitam em apelar para o Conselho logo que
Observemos, em primeiro lugar, que não há a míni- um diferendo surge no seu seio nem mesmo em lhe
ma alusão a declarações particulares de princípios pedir para dar com força nos seus adversários, como
nem a missões especiais de que tal ou tal secção se aconteceu com o diferendo de Lyon. Mais recente-
25
mente, desde a Conferência, a Federação operária de bel, F. Robert, Guillaume e outros delegados da Ali-
Turim resolveu declarar-se secção da Internacional. ança, que o pediram em grandes gritos? Acusar-se-
Na sequência de uma cisão, a minoria fundou a socie- iam eles, por acaso, de «confiança cega» no Conselho
dade: «Emancipação do Proletário»[N244]. Aderiu à Geral de Londres?
Internacional e estreou-se com uma resolução a Eis duas resoluções do Congresso de Basileia:
favor dos Jurassianos. O seu jornal Il Proletário formi- «IV. Cada nova secção ou sociedade que se forme
ga de frases indignadas contra todo o autoritarismo. e queira fazer parte da Internacional deve anunciar
Ao enviar as quotizações da sociedade, o seu secretá- imediatamente a sua adesão ao Conselho Geral,»
rio(22*) previne o Conselho Geral de que a antiga fede- e «V. O Conselho Geral tem o direito de admitir ou
ração enviaria provavelmente também as suas quoti- de recusar a filiação de todas as novas sociedades ou
zações. Depois, continua: grupos, sem prejuízo de apelo para o próximo Con-
«Como teríeis lido no Proletário, a sociedade Eman- gresso.»
cipação do Proletário... declarou... recusar toda a soli- Quanto às sociedades locais independentes, que
dariedade com a burguesia mascarada de operária se formam fora dos laços federativos, estes artigos
que compõe a federação operária», não fazem senão confirmar a prática observada desde
e ele pede ao Conselho Geral para a origem da Internacional e cuja manutenção é uma
«comunicar esta resolução a todas as secções e questão de vida ou de morte para a Associação. Mas
para recusar os 10 cêntimos de quotizações, no caso ia-se muito longe generalizando a prática e aplicando-
de eles lhe serem enviados»(23*). a indistintamente a toda a secção ou sociedade em
À semelhança de todos os grupos internacionais, o vias de formação. Estes artigos dão, com efeito, ao
Conselho Geral tem o dever de fazer propaganda. Conselho Geral o direito de se imiscuir na vida interna
Cumpriu-o com os seus manifestos e com os seus das federações; mas, por isso, nunca foram aplicados
mandatários que lançaram os primeiros alicerces da nesse sentido pelo Conselho Geral. Ele desafia os
Internacional na América do Norte, na Alemanha e Dezasseis a citar um único caso em que se tenha imis-
em muitas cidades de França. cuído nos assuntos de novas secções que se queriam
Uma outra função do Conselho Geral consiste em filiar em grupos ou em federações existentes.
prestar auxílio às greves, assegurando-lhes o socorro As resoluções que acabamos de citar referem-se
de toda a Internacional. (Ver os relatórios do Conse- às secções em vias de formação e as resoluções
seguintes às secções já reconhecidas:
lho Geral aos diferentes congressos.) Entre outros, o
«VI. O Conselho Geral tem igualmente o direito de
facto seguinte prova de que peso foi a sua intervenção
suspender até ao próximo Congresso uma secção da
nas greves. A sociedade de resistência dos fundidores
de ferro ingleses é por si própria uma trade union inter- Internacional.
nacional, possuindo ramos noutros países, designa- «VII. Quando surgirem dissensões entre socieda-
damente nos Estados Unidos. Não obstante, numa des ou ramos de um grupo nacional ou entre grupos
greve de fundidores americanos, estes últimos acha- de diferentes nacionalidades, o Conselho Geral terá o
ram necessário invocar a intercessão do Conselho direito de decidir sobre o diferendo, sem prejuízo de
Geral para impedir a importação de fundidores ingle- apelo para o próximo Congresso que decidirá definiti-
ses para o seu país. vamente.»
O desenvolvimento da Internacional impôs ao Estes dois artigos são necessários para casos
extremos, se bem que até agora o Conselho Geral
Conselho Geral assim como aos Conselhos federais a
nunca tenha tido de recorrer a eles. O historial feito
função de árbitro.
mais acima prova que ele não suspendeu nenhuma
O Congresso de Bruxelas resolveu:
secção e que, em caso de diferendos, nunca agiu
«Os Conselhos federais são obrigados a enviar
senão como árbitro invocado pelas duas partes.
cada trimestre ao Conselho Geral um relatório sobre a
Chegamos, por fim, a uma função imposta ao Con-
administração e o estado financeiro das secções da
selho Geral pelas necessidades da luta. Por muito que
sua competência.» (Resol. Administ. n." 3.)
doa aos partidários da Aliança, o Conselho Geral, pela
Por fim, o Congresso de Basileia, que provoca o
própria persistência dos ataques de que é objecto por
furor bilioso dos Dezasseis, não fez mais do que regu-
parte de todos os inimigos do movimento proletário,
larizar as relações administrativas nascidas do desen-
encontra-se colocado na vanguarda dos defensores
volvimento da Associação. Se ele estendeu excessi-
vamente os limites das atribuições do Conselho Geral, da Associação Internacional dos Trabalhadores.
de quem é a culpa, senão de Bakúnine, Schwizgue- V

26
Depois de terem refutado a Internacional tal como Eis a ideia que daí se «extrai»!
ela é, os Dezasseis dizem-nos o que ela deveria ser. «Semelhante empreendimento... dará aos demo-
Em primeiro lugar, o Conselho Geral seria nominal- cratas socialistas sinceros da Europa e da América o
mente uma simples repartição de correspondência e meio de se entenderem e de afirmarem as suas idei-
de estatística. Cessando as suas funções administra- as.»(24*)
tivas, as suas correspondências reduzir-se-iam Deste modo, por confissão própria, a minoria de
necessariamente à reprodução das informações já uma sociedade burguesa não se introduziu na Inter-
publicadas nos jornais da Associação. A repartição de nacional, algum tempo antes do Congresso de Basi-
correspondência seria, portanto, torneada. Quanto à leia, senão para se servir dela como meio para se colo-
estatística, é um trabalho irrealizável sem uma pode- car, perante as massas operárias, como hierarca de
rosa organização e, sobretudo, como dizem expressa- uma ciência oculta, ciência de quatro frases, cujo
mente os Estatutos originais, sem uma direcção ponto culminante é «a igualdade económica e social
comum. Ora, como tudo isto cheira fortemente a «au- das classes».
toritarismo», haverá talvez uma repartição, mas certa- Fora desta «missão teórica», a nova organização
mente não haverá estatística. Numa palavra, o Conse- proposta para a Internacional tem também o seu lado
lho Geral desaparece. A mesma lógica atinge Conse- prático.
lhos federais, Comités locais e outros centros «autori- «A sociedade futura», diz a circular dos Dezasseis,
tários». Ficam apenas as secções autónomas. «não deve ser nenhuma outra coisa senão a universa-
Qual será agora a missão destas «secções autóno- lização da organização que a Internacional a si pró-
mas», livremente federadas e felizmente desembara-
pria tiver dado. Devemos, portanto, ter o cuidado de
çadas de toda a autoridade, «mesmo que essa autori-
aproximar o mais possível esta organização do nosso
dade tenha sido eleita e constituída pelos trabalhado-
ideal»
res»?
«Como pretender que uma sociedade igualitária e
Aqui torna-se necessário completar a circular com
livre saia de uma organização autoritária? É impossí-
o relatório do Comité federal jurassiano submetido ao
vel. A Internacional, embrião da futura sociedade
Congresso dos Dezasseis.
humana, é obrigada a ser, desde agora, a imagem fiel
«Para fazer da classe operária a verdadeira repre-
dos nossos princípios de liberdade e de federação.»
sentante dos interesses novos da humanidade», é pre-
Por outras palavras, assim como os conventos da
ciso que a sua organização seja «guiada pela ideia
Idade Média representavam a imagem da vida celes-
que deve triunfar. Extrair essa ideia das necessidades
te, a Internacional deve ser a imagem da nova Jeru-
da nossa época, das tendências íntimas da humanida-
salém, de que a Aliança traz o «embrião» nos flancos.
de, por um estudo continuado dos fenómenos da vida
Os federados de Paris não teriam sucumbido se, com-
social, fazer em seguida essa ideia penetrar no seio
das nossas organizações operárias, tal deve ser o preendendo que a Comuna era «o embrião da futura
objectivo, etc, Por fim, é preciso formar no seio das sociedade humana», se tivessem desembaraçado de
nossas populações operárias uma verdadeira escola toda a disciplina e de todas as armas, coisas que
socialista revolucionária.» devem desaparecer, uma vez que não haverá mais
Deste modo, as secções autónomas de operários guerras!
convertem-se de repente em escola, de que estes Mas, para estabelecer bem que, apesar dos seus
senhores da Aliança serão os mestres. Eles extraem a «estudos continuados», os Dezasseis não chocaram
ideia pelos «estudos continuados», que não deixam o este lindo projecto de desorganização da Internacio-
mínimo rasto. Eles «fazem-na em seguida penetrar no nal no momento em que ela combate pela sua existên-
seio das nossas organizações operárias». Para eles, cia, Bakúnine acaba de publicar o seu texto original
a classe operária é uma matéria bruta, um caos, que, na sua dissertação sobre a organização da Internaci-
para tomar forma, precisa do sopro do Espírito Santo onal. (Ver Almanach du Peuple pour 1872 [Almana-
deles. que do Povo para 1872], Genebra.)
Tudo isto não é senão uma paráfrase do antigo pro- VI
grama da Aliança, que começa por estas palavras: Lede agora o relatório apresentado pelo Comité
«Tendo-se a minoria socialista da Liga da Paz e jurassiano ao Congresso dos Dezasseis.
da Liberdade separado desta Liga», propõe-se fun- «Esta leitura», diz o seu jornal oficial a Révolution
dar «uma nova Aliança da Democracia Socialista... sociale (16 de Novembro), «dará a medida exacta do
que se dá por missão especial estudar as questões que se pode esperar de devotamento e de inteligência
políticas e filosóficas...» prática por parte dos aderentes à federação jurassia-
27
na.» Courtelary, após três anos de perseverança obstina-
Começa por atribuir a «estes terríveis aconteci- da... neste momento... constitui-se em sociedade de
mentos» a guerra franco-alemã e a guerra civil em resistência»
França uma influência «em parte desmoralizadora... fora da Internacional, o que de modo nenhum os
sobre a situação das secções da Internacional». impede de se fazerem representar por dois delegados
Se, com efeito, a guerra franco-alemã teve de levar no Congresso dos Dezasseis. Vêm, então, quatro sec-
à desorganização das secções, ao alistar um grande ções bem mortas:
número de operários nos dois exércitos, não é menos «A secção central de Bienne caiu momentanea-
verdade que a queda do Império e a proclamação aber- mente; um dos seus membros devotados escrevia-
ta da guerra de conquista por Bismarck provocaram nos, todavia, ultimamente, que não estava perdida
na Alemanha e na Inglaterra uma luta apaixonada toda a esperança de ver renascer a Internacional em
entre a burguesia, tomando partido pelos prussianos, Bienne. «A secção de Saint-BIaise caiu.
e o proletariado, afirmando mais do que nunca os seus «A secção de Catébat, depois de ter tido uma exis-
sentimentos internacionais. Por isto mesmo, a Inter- tência brilhante, teve de ceder perante as intrigas urdi-
nacional viria a ganhar terreno nestes dois países. Na das pelos senhores» (!) «desta localidade para dissol-
América, o mesmo facto [effet] produziu uma cisão na ver esta valente» (!) «secção.
imensa emigração proletária alemã; o partido interna- «Por fim, a secção de Corgémont, ela também, foi
cional separou-se nitidamente do partido chauvinista. vítima das intrigas patronais .»
Por outro lado, o advento da Comuna de Paris pro- Vem a seguir a secção central do distrito de Courte-
duziu um surto sem precedentes no desenvolvimento lary que
exterior da Internacional e na reivindicação viril dos «tomou uma medida sábia: suspendeu a sua
seus princípios pelas secções de todas as nacionali- acção,»
dades excepto, todavia, as jurassianas, cujo relatório o que não a impede de enviar dois delegados ao
continua assim: desde «o começo da luta gigantes- Congresso dos Dezasseis.
ca... a reflexão está imposta... Uns fogem, a esconder Vêm agora quatro secções de uma existência mais
a sua fraqueza... Para muitos, esta situação (nas suas do que problemática.
fileiras) é um sinal de decrepitudes», mas «é, pelo con- «A secção do Grange encontra-se reduzida a um
trário, uma situação própria para transformar comple- pequeno núcleo de operários socialistas... A sua
acção local encontra-se paralisada pelo seu número
tamente a Internacional» à imagem deles. Compre-
restrito.
ender-se-á este desejo modesto depois de um exame
«A secção central de Neuchâtel veio a sofrer consi-
mais aprofundado de uma situação tão propícia.
deravelmente com os acontecimentos e, se não tives-
Deixando de lado a Aliança, dissolvida e substituí-
se sido o devotamento, a actividade de alguns dos
da a partir daí pela secção Malon, o Comité tinha de
seus membros, a queda era certa.
justificar a situação de vinte secções. De entre elas,
«A secção central do Locle, entre a vida e a morte
sete voltam-lhe muito simplesmente as costas; eis o
durante alguns meses, tinha acabado por se dissolver.
que o relatório diz acerca disso:
Muito recentemente reconstituiu-se,»
«A secção de montadores de caixas e a de grava-
evidentemente, com o único objectivo de enviar
dores e guilhochadores de Bienne nunca responde-
dois delegados ao Congresso dos Dezasseis.
ram a nenhuma das comunicações que lhes dirigimos.
«A secção de propaganda socialista de La Chaux-
«As secções dos ofícios de Neuchâtel, seja carpin-
de-Fonds está numa situação crítica... A sua posição,
teiros, montadores de caixas gravadores e guilhocha-
longe de melhorar, tende antes a piorar.»
dores não deram nenhuma resposta às comunicações
Depois, vêm duas secções, os círculos de estudos
do Comité federal.
de Saint-Imier e de Sonvillier, que não são menciona-
«Não pudemos obter nenhuma notícia da secção
dos senão de passagem e sobre cuja condição não se
do Val-de-Ruz.
diz uma palavra.
«A secção dos gravadores e guilhochadores do
Resta a secção modelo que, a julgar pelo seu nome
Locle não deu nenhuma resposta às comunicações do
de secção central, não é ela própria senão o resíduo
Comité federal.»
de outras secções desaparecidas.
Eis o que se chama um comércio livre de secções
«A secção central de Moutier é certamente aquela
autónomas com o seu Comité federal. Uma outra sec-
que menos sofreu... O seu comité esteve em relação
ção, a
contínua com o Comité federal... Ainda não estãofun-
«de gravadores e guilhochadores do distrito de
da-das secções...»
28
Isso explica-se: eles se viram imediatamente reduzidos a falsificar um
«A acção da secção de Moutier encontra-se muito voto do último Congresso belga. Eles dizem no seu
particularmente favorecida pelas excelentes disposi- órgão oficial (Révolution Sociale, 4 de Janeiro de
ções de uma população operária... de costumes popu- 1872):
lares; gostaríamos de ver a classe operária desta «Por fim, coisa mais grave, as secções belgas reu-
região tornar-se ainda mais independente dos ele- niram-se no Congresso, em Bruxelas, a 24 e 25 de
mentos políticos.» Dezembro, e votaram por unanimidade uma resolu-
Vemos, com efeito, que este relatório ção idêntica à do Congresso de Sonvillier sobre a
«dá a medida exacta do que se pode esperar do urgência de provocar um Congresso Geral.»
devotamente e da inteligência prática da parte dos ade- Importa constatar que o Congresso belga votou
rentes à Federação Jurassiana». exactamente o contrário. Encarregou o Congresso bel-
Teriam podido completá-lo acrescentando que os ga, cuja reunião não terá lugar senão em Junho, de ela-
operários de La-Chaux-de-Fonds, sede primitiva do borar um projecto de novos estatutos gerais para ser
seu comité, sempre repudiaram toda a relação com submetido ao próximo Congresso da Internacional.
eles. Recentemente ainda, na assembleia geral de 18 De acordo com a imensa maioria da Internacional, o
de Janeiro de 1872, responderam à circular dos Conselho Geral não convocará o Congresso anual
Dezasseis com votos unânimes confirmando as reso- senão para Setembro de 1872.
luções da Conferência de Londres assim como a reso- VII
lução do Congresso romando de Maio de 1871: Algumas semanas depois da Conferência, chega-
«de excluir para sempre da Internacional os Bakú- ram a Londres os senhores Albert Richard e Gas-
nine, Guillaume e seus adeptos». pard Blanc, membros mais influentes e mais ardentes
Será ainda preciso acrescentar uma única palavra da Aliança, encarregados de recrutar entre os refugia-
sobre o valor deste pretenso Congresso de Sonvillier dos franceses auxiliares prontos a trabalhar para a res-
que, segundo as suas próprias palavras, fez «rebentar tauração do Império, único meio, segundo eles, de se
a guerra, a guerra aberta, no seio da Internacional»? desembaraçar de Thiers e de não ficar de bolso vazio.
Certamente, estes homens que fazem mais baru- O Conselho Geral avisou os interessados e, entre
lho do que o peso que têm tiveram um sucesso incon- outros, o Conselho federal de Bruxelas das suas mano-
testável. Toda a imprensa liberal e policial tomou aber- bras bonapartistas.
tamente o partido deles; foram secundados nas suas Em Janeiro de 1872, tiraram a máscara ao publica-
calúnias pessoais contra o Conselho Geral e nos seus rem a brochura: L'Empire et la France nouvelle. Appel
ataques anódinos contra a Internacional pelos pre- du peuple et de la jeunesse à la conscience française
tensos reformadores de todos os países em Inglater- [O Império e a França Nova. Apelo do Povo e da
ra, pelos republicanos burgueses, cujas intrigas o Con- Juventude à Consciência Francesa], por Albert
selho Geral desmanchou; em Itália, pelos livre- Richard e Gaspard Blanc, Bruxelas, 1872.
pensadores dogmáticos que, sob a bandeira de Ste- Com a modéstia ordinária dos charlatães da Alian-
fanoni, acabam de fundar uma «sociedade universal ça, recitam assim a sua pantominice:
de racionalistas», tendo sede obrigatória em Roma, «Nós que havíamos formado o grande exército do
organização «autoritária» e «hierárquica», conventos proletariado francês... nós, os chefes mais influentes
de frades e de freiras ateus, e cujos estatutos atribuem da Internacional em França(25*)... felizmente, não
um busto em mármore, colocado na sala do Congres- estamos fuzilados, nós, e nós estamos aqui para arvo-
so, a todo o burguês doador de dez mil francos[N245]; rar, em frente deles (os parlamentares ambiciosos, os
por fim, na Alemanha, pelos socialistas bismarckianos republicanos de barriga cheia, os pretensos democra-
que, fora do seu jornal policial, o Neuer Social- tas de toda espécie), a bandeira à sombra da qual com-
Demokrat[N246], fazem de camisas brancas[N247] batemos, e para lançar à Europa admirada, apesar
do império prusso-alemão. das calúnias, apesar das ameaças, apesar dos ata-
O conclave de Sonvillier pede a todas as secções ques de toda a espécie que nos esperam, este grito
internacionais, num apelo patético, para insistir sobre que sai do fundo da nossa consciência e que ecoará
a urgência de um Congresso imediato «para reprimir», em breve no coração de todos os franceses: "Viva o
como dizem os cidadãos Malon e Lefrançais, «as Imperador!"
usurpações sucessivas do Conselho de Londres» na «Para Napoleão III, infamado e conspurcado, é
realidade, para substituir a Internacional pela Alian- preciso uma reabilitação esplêndida,»
ça. Este apelo recebeu um eco tão encorajador que e os senhores Albert Richard e Gaspard Blanc,
29
pagos pelos fundos secretos de Invasão III, estão A Anarquia, eis o grande cavalo-de-batalha do seu
especialmente encarregues desta reabilitação. mestre Bakúnine que dos sistemas socialistas não
De resto, confessam eles: tomou senão as etiquetas. Todos os socialistas enten-
«é a progressão normal das nossas ideias que nos dem por Anarquia isto: o objectivo do movimento pro-
tornaram imperialistas(26*)». letário, uma vez alcançada a abolição das classes, o
Eis uma confissão que deve agradavelmente fazer poder do Estado, que serve para manter a grande mai-
cócegas aos seus correligionários da Aliança. Como oria produtora sob o jugo de uma minoria exploradora
nos belos dias do Solidarité, A. Richard e G. Blanc pouco numerosa, desaparece, e as funções governa-
debitam as suas velhas frases sobre o «abstencionis- mentais transformam-se em simples funções adminis-
mo político» que, segundo os dados da sua «progres- trativas. A Aliança toma as coisas às avessas. Procla-
são normal», não se torna uma realidade senão sob o ma a anarquia nas fileiras proletárias como o meio
despotismo mais absoluto onde, então, os trabalhado- mais infalível para quebrar a poderosa concentração
res se abstêm de toda a ingerência política, como o pri- das forças sociais e políticas nas mãos dos explorado-
sioneiro se abstém de todo o passeio ao sol. res. Sob este pretexto, ela pede à Internacional, no
«O tempo dos revolucionários», dizem eles, «pas- momento em que o mundo velho procura esmagá-la,
sou... o comunismo está relegado à Alemanha e à para substituir a sua organização pela anarquia. A polí-
Inglaterra, à Alemanha sobretudo. Foi aí, aliás, que ele cia internacional não pede mais do que isso para eter-
se elaborou seriamente, desde há muito, para se espa- nizar a república Thiers cobrindo-a com o manto impe-
lhar em seguida por toda a Internacional e esta pro- rial(28*).
gressão inquietante da influência alemã na Associa-
ção não contribuiu pouco para parar o seu desenvolvi- London, 5 de Março de 1872 33, Rathbone Place,
mento, ou antes, para lhe dar um novo curso nas sec- W.
ções do Centro e do Sul da França, que nunca recebe- Escrito por Marx e Engels
ram palavras de ordem de nenhum alemão.»
Não julgaríamos ouvir o grande Hierofante ele pró- Notas de rodapé:
prio(27*) a atribuir-se, desde a fundação da Aliança, (1*) Aliança Internacional da Democracia Socialista.
na sua qualidade de Russo, a missão especial de (retornar ao texto)
(2*) Em inglês no texto: sindicatos. (Nota da edição por-
representar as raças latinas? ou os «verdadeiros mis-
tuguesa) (retornar ao texto)
sionários» da Révolution Sociale (2 de Novembro de
(3*) K. Marx, Comunicação Confidencial a Todas as Sec-
1871) a denunciarem ções. (retornar ao texto)
«a marcha atrás que os miolos alemães e bismarc- (4*)Ver o Discurso Sobre a Acção Política da Classe Ope-
kianos trabalham para imprimir à Internacional»? rária. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
Mas felizmente que a verdadeira tradição não está (5*) No presente texto, «internacionais» e «internacio-
nal» têm por vezes o sentido de «da Internacional» ou
perdida e que os senhores Albert Richard e Gaspard
«membros da Internacional». (Nota da edição portuguesa
Blanc não estão fuzilados! Por isso, o «trabalho» .) (retornar ao texto)
deles consiste em «dar um novo curso» à Internacio- (6*) Um extracto do processo Netcháev '" será publica-
nal, no Centro e no Sul da França, tentando fundar sec- do proximamente[N224]. O leitor encontrará aí uma amos-
ções bonapartistas, por isso mesmo essencialmente tra das máximas ao mesmo tempo idiotas e infames, cuja
«autónomas». Quanto à constituição do proletariado responsabilidade os amigos de Bakúnine fizeram pesar
sobre a Internacional. (Nota dos Autores.) (retornar ao tex-
em partido político, recomendada pela Conferência de
to)
Londres,
(7*) Ver K. Marx, O Conselho Geral ao Conselho Federal
«depois da restauração do Império, nós» Richard da Suíça Romanda. (retornar ao texto)
e Blanc «nós em breve teremos acabado, não só com (8*) Em inglês no texto: comícios. (Nota da edição por-
as teorias socialistas mas com o começo de realiza- tuguesa.) (retornar ao texto)
ção que elas revelam pela organização revolucionária (9*) Associação dos Jovens Cristãos. (Nota da edição
portuguesa.) (retornar ao texto)
das massas». Numa palavra, explorando o grande
(10*) Os amigos de B. Malon que, num reclamo esteri-
«princípio de autonomia de secções» que «constitui a
otipado, lhe chamam, desde há três meses, fundador da
verdadeira força da Internacional... especialmente Internacional, que anunciam o seu livro[N233] como a
nos países de raça latina (Révolution Sociale de 4 de única obra independente sobre a Comuna, sabem eles da
Janeiro),» atitude tomada pelo adjunto das Batignolles na véspera
estes senhores especulam sobre a anarquia na das eleições de Fevereiro? Nesta época, B. Malon, que não
Internacional. previa ainda a Comuna e que não tinha em vista senão o

30
sucesso da sua eleição para a Assembleia, fez intrigas para sos estatutos, certamente que todas as nossas secções,
ser admitido na lista dos quatro comités como Internacio- em Inglaterra, no Continente e na América têm a missão
nal. Com este objectivo, negou descaradamente a existên- especial, não apenas de servir de centro à organização mili-
cia do Conselho federal parisiense e submeteu aos comités tante da classe operária mas também de apoiar, nos seus
a lista de uma secção fundada por ele nas Batignolles, respectivos países, todo o movimento político tendente à
como emanando de toda a Associação. Mais tarde, em 19 realização do nosso objectivo final: a emancipação econó-
de Março, insultava num documento público os promoto- m i c a d a c l a s s e o p e r á r i a " ;
res da grande Revolução realizada na véspera. Hoje, este «atendendo a que traduções infiéis dos Estatutos originais
anarquista dos sete costados imprime ou deixa imprimir deram lugar a interpretações falsas que foram prejudiciais
aquilo que dizia há já um ano aos quatro comités: A Inter- para o desenvolvimento e a acção da Associação Internaci-
nacional, sou eu! B. Malon encontrou maneira de parodiar, o n a l d o s T r a b a l h a d o r e s ;
ao mesmo tempo, Luís XIV e o chocolateiro Preron. Só que «em presença de uma reacção sem freio que asfixia vio-
este não declara que o seu chocolate é o único... comestí- lentamente todo o esforço de emancipação por parte dos
vel! (Nota dos Autores.) (retornar ao texto) trabalhadores e pretende manter pela força brutal a distin-
(11*) Eis qual a composição, por nacionalidades, deste ção das classes e a dominação política das classes possi-
Conselho: 20 Ingleses, 15 Franceses, 7 Alemães (em que d e n t e s q u e d e l a r e s u l t a ;
cinco são fundadores da Internacional), dois Suíços, dois « c o n s i d e r a n d o , a l é m d i s s o :
Húngaros, um Polaco, um Belga, um Irlandês, um Dina- «que contra este poder colectivo das classes possidentes o
marquês e um Italiano. (Nota dos Autores.) (retornar ao proletariado não pode agir como classe senão constituin-
texto) do-se ele próprio em partido político distinto, oposto a
(12*) Ver Estatutos Gerais da Associação Internacional todos os antigos partidos formados pelas classes possi-
dos Trabalhadores. (Nota da edição portuguesa.) (retornar d e n t e s ;
ao texto) «que esta constituição do proletariado em partido político
(13*) Pouco tempo depois, este Chautard que tinham é indispensável para assegurar o triunfo da revolução soci-
querido impor ao Conselho Geral era expulso da sua sec- al e do seu objectivo supremo: a abolição das classes;
ção como agente da polícia de Thiers. Era acusado por «que a coalizão das forças operárias já obtida pelas lutas
aqueles mesmos que o tinham julgado digno entre todos económicas deve também servir de alavanca nas mãos
para os representar no Conselho Geral. (Nota dos Auto- desta classe na sua luta contra o poder político dos seus
res.) (retornar ao texto) e x p l o r a d o r e s ;
(14*) Em inglês no texto: abstémios. (Nota da edição «a Conferência lembra aos membros da Internacional:
portuguesa.) (retornar ao texto) «que, no estado militante da classe operária, o seu movi-
(15*) K. Marx, Projecto de Resolução do Conselho mento económico e a sua acção política estão indissoluvel-
Geral sobre a Secção Francesa de 1871. (retornar ao tex- mente unidos.» (Nota dos Autores.) (retornar ao texto)
to) (20*) Os trabalhos policiais publicados nestes últimos
(16*) N. Utine. (retornar ao texto) tempos sobre a Internacional sem exceptuar nem a circu-
(17*) A. Serrailler. (retornar ao texto) lar de Jules Favre às potências estrangeiras nem o relatório
Notas de rodapé: do rural Sacaze sobre o projecto Dufaure formigam de cita-
(18*) Trata-se de Marx. (retornar ao texto) ções tiradas dos pomposos manifestos da Aliança[N241].
(19*) Eis as resoluções da Conferência sobre a acção A fraseologia destes sectários, cujo radicalismo todo está
p o l í t i c a d a c l a s s e o p e r á r i a : nas palavras, serve às maravilhas os desejos da reacção.
«Tendo em conta os considerandos dos Estatutos originais (Nota dos Autores.) (retornar ao texto)
onde é dito: "A emancipação económica dos Trabalhadores (21*) A Áustria. (retornar ao texto)
é o grande objectivo ao qual todo o movimento político (22*) C. Terzaghi.(retornar ao texto)
deve estar subordinado como meio"; (23*) Tais eram, nesta época, as opiniões aparentes da
«tendo em conta a Mensagem Inaugural da Associação sociedade Emancipação do Proletário, representada pelo
Internacional dos Trabalhadores (1864) que diz: "Os seu secretário correspondente, amigo de Bakúnine. Na rea-
senhores da terra e os senhores do capital servir-se-ão lidade, as tendências desta secção eram completamente
sempre dos seus privilégios políticos para defenderem e diferentes. Depois de ter expulso, por desvio de fundos e
perpetuarem o seu monopólio económico. Muito longe de também pelas suas relações amigáveis com o chefe da polí-
levarem à emancipação do trabalho, continuarão a opor- cia de Turim, este representante duplamente infiel, esta
lhe o maior número de obstáculos possíveis... a conquista sociedade prestou esclarecimentos que fizeram desapare-
do poder político tornou-se, portanto, o primeiro dever da cer qualquer mal-entendido entre ela e o Conselho Geral.
c l a s s e o p e r á r i a " ; (Nota dos Autores.) (retornar ao texto)
«tendo em conta as resoluções do Congresso de Lausanne (24*) Os homens da Aliança que não cessam de censu-
(1867) para este efeito: "A emancipação social dos Traba- rar ao Conselho Geral a convocação de uma Conferência
lhadores é inseparável da sua emancipação política"; privada num momento em que a reunião de um Congresso
«tendo em conta a declaração do Conselho Geral sobre a público teria sido o cúmulo da traição ou do disparate,
pretensa conjura dos Internacionais franceses na véspera estes partidários absolutos da claridade e da luz do dia,
do plebiscito (1870), onde é dito: "Segundo o teor dos nos- organizaram, com desprezo pelos nossos estatutos, no

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seio da Internacional, uma verdadeira sociedade oculta, balhos do congresso seguinte. A Conferência de Londres,
dirigida contra a própria Internacional, com o objectivo de preparada e realizada sob a direcção de Marx, desempe-
colocar as suas secções, sem o saberem, sob a direcção nhou um grande papel na época da constituição e organi-
s a c e r d o t a l d e B a k ú n i n e . zação da Internacional. (retornar ao texto)
O Conselho Geral propõe-se reclamar do próximo Con- [N108] Trata-se do Congresso de Basileia da Internaci-
gresso um inquérito sobre esta organização secreta e os onal, realizado em 6-11 de Setembro de 1869, no qual, a
seus promotores em certos países, por exemplo, em Espa- 10 de Setembro, foi aprovada a seguinte proposta dos par-
nha. (Nota dos Autores.) (retornar ao texto) tidários de Marx sobre a propriedade fundiária:
(25*) Sob o título «Ao pelourinho!» o Egalité (de Gene- «1) A sociedade tem o direito de abolir a propriedade pri-
bra), de 15 de Fevereiro de 1872, diz: vada da terra e de a transformar em propriedade social.
«Ainda não chegou o dia para contar a história da derrota «2) É indispensável abolir a propriedade privada da terra e
do movimento comunalista no Sul da França; mas, o que transformá-la em Propriedade social.»
podemos anunciar desde hoje, nós, que na maior parte No Congresso foram também adoptadas resoluções sobre
fomos testemunhas da deplorável derrota da insurreição a unificação dos sindicatos à escala nacional e internacio-
de 30 de Abril em Lyon, é que esta insurreição fracassou nal e uma série de resoluções com vista ao reforço orgâni-
em parte graças à cobardia, à traição, ao roubo de G. co da Internacional e ao alargamento dos poderes do Con-
Blanc, que se intrometia em todo o lado, executando as selho Geral. (retornar ao texto)
ordens de A. Richard, que se mantinha na sombra. [N109] A 2 de Setembro o exército francês foi derrota-
«Pelas suas manobras intencionais, estes miseráveis con- do em Sedan e feito prisioneiro, juntamente com o impera-
seguiram comprometer vários nomes daqueles que toma- dor. Entre 5 de Setembro de 1870 e 19 de Março de 1871
vam parte nos trabalhos preparatórios dos Comités insur- Napoleão III e os comandantes do exército estiveram pre-
r e c c i o n a i s . sos em Wilhelmshöle (perto de Kassel), num castelo do rei
«Além disso, estes traidores conseguiram desacreditar a da Prússia. A catástrofe de Sedan acelerou a derrocada do
Internacional em Lyon a tal ponto que, no momento da Segundo Império e levou à proclamação da república em
revolução parisiense, a Internacional inspirava aos operá- França a 4 de Setembro de 1870. Foi formado um novo
rios de Lyon a maior desconfiança. Daí, a ausência total de governo, o chamado «governo da defesa nacional». (re-
organização; daí, a derrota da insurreição, derrota que tornar ao texto)
teve necessariamente de arrastar a queda da Comuna, [N116] L'Egalité (A Igualdade): semanário suíço, órgão
abandonada às suas forças isoladas! Não foi senão depois da Federação Romanda da Internacional. Publicou-se em
desta sangrenta lição que a nossa propaganda soube rea- Genebra, em francês, de Dezembro de 1868 a Dezembro
grupar os operários de Lyon em torno da bandeira da de 1872. O jornal esteve durante um certo tempo sob a
I n t e r n a c i o n a l . influência de Bakúnine. Em Janeiro de 1870, o Conselho
«Albert Richard foi o menino bonito, o profeta de Bakúnine Federal Romando conseguiu que os bakuninistas saíssem
e consortes. » (Nota dos Autores.) (retornar ao texto) da redacção, após o que o jornal passou a apoiar a linha do
(26*) Isto é, partidários do Império. (Nota da edição Conselho Geral. (retornar ao texto)
portuguesa.) (retornar ao texto) [N135] O plebiscito foi organizado por Napoleão III em
(27*) M. Bakúnine. (retornar ao texto) Maio de 1870, pretensamente para que as massas popula-
(28*)No relatório sobre a lei Dufaure, o rural Sacase res manifestassem a sua posição em relação ao império.
atira-se antes de tudo à «organização da Internacional». As questões colocadas à votação estavam formuladas de
Esta organização é o seu pesadelo. Depois de ter constata- tal modo que não era possível desaprovar a política do
do a marcha ascendente desta formidável Associação, ele Segundo Império sem exprimir uma opinião contrária a
continua: «Esta Associação rejeita... as práticas tenebro- todas as reformas democráticas. As secções da I Interna-
sas das seitas que a precederam. A sua organização fez-se cional em França desmascararam esta manobra demagó-
e modificou-se à luz do dia. Graças ao poder desta organi- gica e propuseram aos seus membros que se abstivessem
zação... ela estendeu sucessivamente a sua esfera de da votação. Na véspera do plebiscito os membros da Fede-
acção e de influência. Todos os territórios se lhe abrem.» ração de Paris foram presos sob a acusação de conspira-
Depois, descreve «sumariamente» a sua «organização» e rem para matar Napoleão III; a acusação foi utilizada pelo
conclui: «Tal é, na sua sábia unidade,... o plano desta governo para organizar uma vasta campanha de persegui-
vasta organização. A sua força está nesta própria concep- ções contra os membros da Internacional em diferentes
ção. Está também na massa dos seus aderentes, ligados a cidades da França. No julgamento dos membros da Fede-
uma acção simultânea, e, por fim, na invencível impulsão ração de Paris, que decorreu de 22 de Junho a 5 de Julho de
que pode fazê-los mover.» (Nota dos Autores.) (retornar 1870, foi completamente demonstrada a falsidade da acu-
ao texto) sação de conspiração; no entanto vários membros da
Notas de fim de tomo: Internacional foram condenados a penas de prisão apenas
[N42] Trata-se da Conferência de Londres, que se reali- por pertencerem à Associação Internacional dos Trabalha-
zou de 25 a 29 de Setembro de 1865, com a participação dores. As perseguições à Internacional em França provo-
de membros do Conselho Geral e dos dirigentes de diver- caram protestos maciços por parte da classe operária. (re-
sas secções. A conferência ouviu o relatório do Conselho tornar ao texto)
Geral, aprovou o seu balanço financeiro e a ordem de tra- [N137] Le Réveil (O Despertar): jornal francês, órgão

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dos republicanos de esquerda; publicou-se em Paris de vo, com vista à preparação da conferência: estabeleceram
Julho de 1868 a Janeiro de 1871, sob a direcção de Louis o programa de trabalhos e projectos de resoluções, que
Charles Delescluze. O jornal publicou documentos da foram discutidos nas reuniões do Conselho Geral e depois
Internacional e materiais sobre o movimento operário. (re- propostos à Conferência de Londres (ver a nota 210). (re-
tornar ao texto) tornar ao texto)
[N138] La Marseillaise (A Marselhesa): jornal diário [N214] A circular de J. Favre de 26 de Maio de 1871
francês, órgão dos republicanos de esquerda; publicou-se prescrevia aos representantes diplomáticos franceses no
em Paris de Dezembro de 1869 a Setembro de 1870. Publi- estrangeiro que obtivessem dos governos europeus a pri-
cava materiais sobre a actividade da Internacional e sobre são e a entrega dos refugiados da Comuna como simples
o movimento operário. (retornar ao texto) criminosos de direito comum. Dufaure propôs um projecto
[N165] «Câmara de latifundiários», «assembleia de de lei, elaborado por uma comissão especial da Assemble-
rurais»: designações desdenhosas da Assembleia Nacio- ia Nacional francesa e aprovado a 14 de Março de 1872,
nal de 1871, que se reuniu em Bordéus e que era composta que tornava passível de prisão a adesão à Internacional.
na sua maioria por monárquicos reaccionários: latifundiá- (retornar ao texto)
rios da província, funcionários, rentiers e negociantes, elei- [N215] No Verão de 1871, Bismarck e Beust, chanceler
tos em círculos eleitorais rurais. Dos 630 deputados à da Áustria-Hungria, empreenderam diligências com vista
Assembleia, cerca de 430 eram monárquicos. (retornar ao a uma luta comum contra o movimento operário. A 17 de
texto) Junho de 1871, Bismarck enviou a Beust um memorando
[N179] The Times (Os Tempos); grande jornal inglês, comunicando as medidas tomadas na Alemanha e em Fran-
de tendência conservadora; publica-se em Londres desde ça contra a actividade da Internacional. A questão da luta
1785. (retornar ao texto) comum contra a Internacional foi debatida no decorrer dos
[N210] A Conferência de Londres da I Internacional encontros dos imperadores alemão e austríaco em Gaste-
teve lugar entre 17 e 23 de Setembro de 1871. Foi convo- in, em Agosto de 1871, e, em Setembro de 1871, em Salz-
cada sob o clima de repressão brutal que se abateu sobre burg. O governo italiano juntou-se à campanha geral con-
os membros da Internacional após a queda da Comuna de tra a Internacional, ao proibir a secção de Nápoles em Agos-
Paris, e o número de participantes foi bastante restrito: 22 to de 1871 e ao lançar perseguições contra os membros da
delegados com voto deliberativo e 10 com voto consultivo. A s s o c i a ç ã o , d e s i g n a d a m e n t e T. C u n o .
Os países que não puderam enviar delegados seus foram No decurso da Primavera e do Verão de 1871, o governo
representados pelos secretários correspondentes do Con- espanhol decreto" medidas de repressão contra as organi-
selho Geral. Marx representava a Alemanha, Engels a Itá- zações operárias e as secções da Internacional. Mora,
l i a . Morago e Lorenzo, membros do Conselho Federal Espa-
A questão da acção política da classe operária foi o princi- nhol, tiveram de emigrar para Lisboa. (retornar ao texto)
pal tema dos trabalhos da Conferência de Londres e foi ana- [N216] Por proposta de Marx, a Conferência de Londres
lisada em todos os aspectos nos discursos de Marx e encarregou o Conselho Geral de criar um Conselho Federal
Engels. A Conferência aprovou a resolução «Sobre a Acção para a Inglaterra. Até ao Outono de 1871, essas funções
Política da Classe Operária», cuja parte principal foi, por eram desempenhadas pelo próprio Conselho Geral. Em
decisão do Congresso da Haia, incluída nos Estatutos Gera- Outubro de 1871, foi criado, com representantes das sec-
is da Associação Internacional dos Trabalhadores. Várias ções inglesas da Internacional, o Conselho Federal Britâni-
resoluções da Conferência visavam os bakuninistas, que co. Mas, desde o início surgiu na sua direcção um grupo de
tentavam cindir a Internacional. (retornar ao texto) reformistas, conduzido por Hales, que desenvolveu uma
[N212] Desde o fim dos anos 50, a jornada de trabalho luta contra o Conselho Geral e a sua política de intemacio-
de nove horas constituiu uma das reivindicações essencia- nalismo proletário na questão irlandesa. Hales e outros
is dos operários ingleses. Em Maio de 1871 os operários da fizeram bloco com os anarquistas suíços, com elementos
construção civil e das construções mecânicas de Newcas- reformistas burgueses nos Estados Unidos, etc. Após o
tle desencadearam uma grande greve dirigida pela Liga a Congresso da Haia, a parte reformista do Conselho Federal
favor da jornada de nove horas (Nine Hour's League) e que Britânico recusou-se a reconhecer as decisões do congres-
pela primeira vez associou à luta operários não sindicaliza- so e empreendeu, em combinação com os bakuninistas,
dos. Barnett, presidente da Liga, pediu ao Conselho Geral uma campanha de calúnias contra o Conselho Geral e
da Internacional para impedir a entrada em Inglaterra de contra Marx. A outra parte do Conselho Federal Britânico
fura-greves, o que foi conseguido graças à acção enérgica apoiou energicamente Marx e Engels. No começo de
do Conselho Geral. Em Outubro de 1871 a greve de New- Dezembro de 1872, o Conselho Federal Britânico cindiu-
castle foi coroada de êxito: os operários obtinham a sema- se; a parte que tinha permanecido fiel às decisões do Con-
na de trabalho de cinquenta e quatro horas. (retornar ao gresso da Haia constituiu-se em Conselho Federal Britâni-
texto) co e estabeleceu contactos directos com o Conselho Geral,
[N213] Em 25 de Julho de 1871, o Conselho Geral apro- cuja sede havia sido transferida para Nova Iorque. Os
vou a proposta de Engels de convocar para Londres, em reformistas fracassaram nas suas tentativas para arrastar
Setembro de 1871, uma conferência privada da Internaci- atrás de si a Federação Britânica da Internacional.
onal. Desde então Marx e Engels efectuaram um grande O Conselho Federal Britânico existiu de facto até 1874. Dei-
trabalho, tanto no plano teórico como no plano organizati- xou de funcionar em ligação com a cessação da actividade

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da Internacional e também com a vitória provisória do maior parte dos seus pontos, apesar da oposição dos
oportunismo no movimento operário inglês. (retornar ao proudhonistas que participavam no Congresso, foram apro-
texto) vados como resoluções do Congresso. Este aprovou igual-
[N217] Trata-se da resolução II da Conferência de Lon- mente os Estatutos e o Regulamento da Associação Inter-
dres de 1871 Designations of National Councils, etc. (De- nacional dos Trabalhadores. (retornar ao texto)
signações de Conselhos Nacionais, etc), que impedia a [N223] O Congresso de Lausanne da Internacional rea-
admissão na Internacional de diversos grupos sectários. lizou-se entre 2 e 8 de Setembro de 1867. Nele foi apre-
(retornar ao texto) sentado o relatório do Conselho Geral e relatórios de dife-
[N218] Trata-se da proclamação de Bakúnine «Aos ami- rentes delegados locais, que testemunhavam o reforço da
gos russos, polacos e todos os eslavos», publicada em organização da Internacional em diversos países. Contra o
suplemento ao Kólokol, n.° 122-123, de 15 de Fevereiro de Conselho Geral, os proudhonistas impuseram ao Congres-
1 8 6 2 . so a sua ordem de trabalhos: foram novamente discutidas
Kólokol (O Sino): jornal revolucionário-democrata russo, as questões da cooperação, do trabalho feminino, da edu-
editado entre 1857 e 1867 por Herzen e Ogariov em russo cação, assim como uma série de questões menores, que
e em 1868-1869 em francês com suplementos em russo; desviaram a atenção do Congresso da discussão das ques-
publicou-se até 1865 em Londres e depois em Genebra. tões realmente vitais propostas pelo Conselho Geral. Os
(retornar ao texto) proudhonistas conseguiram fazer adoptar várias resolu-
[N219] Liga da Paz e da Liberdade: organização pacifis- ções suas. Contudo, não conseguiram tomar a direcção da
ta burguesa criada em 1867 na Suíça por vários republica- Internacional. O Congresso reelegeu o Conselho Geral
nos burgueses e pequeno-burgueses e liberais. (retornar com a sua anterior composição e conservou a sua sede em
ao texto) Londres. (retornar ao texto)
[N220] O Congresso de Bruxelas da Internacional reali- [N224] Processo Netcháev: processo contra estudan-
zou-se entre 6 e 13 de Setembro de 1868. Marx participou tes acusados de actividade revolucionária secreta, julgado
directamente na preparação do Congresso, mas não assis- em Sampetersburgo em Julho-Agosto de 1871. Netcháev
tiu a ele. No Congresso participaram 100 delegados, estabeleceu, já em 1869, relações com Bakúnine e desen-
representando os operários da Inglaterra, França, Alema- volveu actividade para criar em diversas cidades da Rússia
nha, Bélgica, Suíça, Itália e Espanha. O Congresso adop- a organização conspirativa Naródnaia Rasprava (Represá-
tou uma decisão muito importante sobre a necessidade da lia do Povo), que defendia as ideias anarquistas da «des-
passagem para a propriedade pública dos caminhos-de- truição total». Jovens estudantes de tendências revolucio-
ferro, do subsolo, das minas, das florestas e das terras ará- nárias e representantes dos raznotchínets (intelectuais
veis. Esta decisão, que testemunhava que a maioria dos não pertencentes à nobreza), aderiam a esta organização
proudhonistas franceses e belgas havia adoptado as posi- atraídos pela sua crítica aguda do regime tsarista e pelos
ções do colectivismo, marcou a vitória na Internacional apelos à luta decidida contra ele. Utilizando o mandato de
das ideias do socialismo proletário sobre o reformismo representante da União Revolucionária Europeia que rece-
pequenoburguês. O Congresso adoptou igualmente as bera de Bakúnine, Netcháev procurava fazer-se passar por
resoluções propostas por Marx sobre a jornada de trabalho representante da Internacional, induzindo assim em erro
de oito horas, sobre o emprego das máquinas, sobre a ati- os membros da organização por si criada. Em 1871 a orga-
tude em relação ao Congresso de Berna (1868) da Liga da nização foi desmantelada, e no processo intentado contra
Paz e da Liberdade (ver nota 219), assim como a resolução ela revelaram-se os métodos aventureiristas empregados
proposta por Lessner, em nome da delegação alemã, reco- por Netcháev para atingir os seus objectivos.
mendando aos operários de todos os países que estudas- A Conferência de Londres encarregou Útine de elaborar
sem O Capital de Marx, e contribuíssem para a sua tradu- um relatório sucinto sobre o processo. Em vez do relatório,
ção para outras línguas. (retornar ao texto) Útine enviou a Marx, em fins de Agosto de 1872, para o
[N221] Trata-se da tentativa de Bakúnine para fazer Congresso da Haia, um longo relatório confidencial sobre a
adoptar no Congresso de Berna da Liga da Paz e da Liber- actividade hostil à Associação Internacional dos Trabalha-
dade (ver nota 219), em Setembro de 1868, o confuso pro- dores de Bakúnine e de Netcháev. (retornar ao texto)
grama socialista de que era autor («igualização social e [N225] Le Progrès (O Progresso): jornal bakuninista;
económica das classes» supressão do Estado e do direito publicou-se em francês em Locle, de Dezembro de 1868 a
de herança, etc). Tendo o seu projecto sido rejeitado pela Abril de 1870, sob a direcção de Guillaume. (retornar ao
maioria dos votos, Bakúnine abandonou a Liga da Paz e da texto)
Liberdade e fundou a Aliança Internacional da Democracia [N226] Le Travail (O Trabalho): semanário francês,
Socialista. (retornar ao texto) órgão das secções parisienses da Internacional; publicou-
[N222] O Congresso de Genebra da Internacional reali- se de 3 de Outubro a 12 de Dezembro de 1869 em Paris.
zou-se de 3 a 8 de Setembro de 1866. A ele assistiram 60 (retornar ao texto)
delegados do Conselho Geral, das secções e de associa- [N227] Ligue du bien public (Liga do Bem Público):
ções operárias da Inglaterra, França, Alemanha e Suíça. união da nobreza feudal, fundada nos finais de 1464 em
As Instruções para os Delegados do Conselho Geral Provi- França e dirigida contra a política de Luís XI de unificação
sório. As Diferentes Questões, redigidas por Marx, foram aí da França num Estado centralizado. Os participantes na
apresentadas como relatório oficial do Conselho Geral. A Liga afirmavam combater pelo «bem público» da França.

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(retornar ao texto) [N237] Trata-se da resolução 2 do capítulo «Resolu-
[N228] La Solidarité (A Solidariedade): diário bakuni- ções Especiais da Conferência» que assinalava que os ope-
nista publicado em francês em Neuchâtel (de Abril a rários alemães tinham cumprido o seu dever internacio-
Setembro de 1870) e em Genebra (de Março a Maio de nal; sobre a Conferência de Londres, ver a nota 210. (re-
1871). (retornar ao texto) tornar ao texto)
[N229] Fábrica: na época designava-se por este termo [N7] Movimento revolucionário de massas dos operári-
a produção de relógios e de artigos de ourivesaria em gran- os ingleses nos anos 30-40 do século XIX. Os cartistas ela-
des e pequenas manufacturas de Genebra e dos seus arre- boraram em 1838 uma petição (Carta do Povo) ao Parla-
dores e também por operários que trabalhavam em casa. mento, a qual continha as reivindicações do sufrágio uni-
(retornar ao texto) versal para os homens de mais de 21 anos, o voto secreto,
[N230] Trata-se do apelo «Às secções da Internacio- a abolição das restrições censitárias para os candidatos a
nal», de 5 de Setembro de 1870, redigido pelos bakuninis- deputados ao Parlamento, etc. O movimento começou
tas J. Guillaume e G. Blanc e publicado em Neuchâtel como com grandes comícios e manifestações e decorreu sob a
suplemento ao n.° 22 do jornal La Solidarité. (retornar ao palavra de ordem de luta pela aplicação da Carta do Povo.
texto) Em 2 de Maio de 1842 foi entregue ao Parlamento uma
[N231] A insurreição de Lyon começou em 4 de Setem- segunda petição dos cartistas, incluindo já uma série de
bro de 1870, quando se soube da notícia da derrota de reivindicações de carácter social (redução da jornada de
Sedan (ver nota 109). Chegado a Lyon em 15 de Setem- trabalho, aumento dos salários, etc). Esta petição, tal
bro, Bakúnine tentou tomar nas suas mãos a direcção do como a primeira, foi rejeitada pelo Parlamento. Em respos-
movimento e realizar o seu programa anarquista. Em 28 ta a isto, os cartistas realizaram uma greve geral. Em 1848
de Setembro os anarquistas tentaram levar a cabo um os cartistas marcaram um desfile de massas para o Parla-
golpe de Estado. A tentativa fracassou por falta de um mento com uma terceira petição, mas o governo concen-
plano definido de acção e de ligações de Bakúnine e dos trou tropas e dispersou o desfile. A petição foi rejeitada.
anarquistas com os operários. (retornar ao texto) Depois de 1848 o movimento cartista entrou em declínio.
[N232] Em Abril de 1870 o bakuninista Paul Robin pro- A causa principal do insucesso do movimento cartista foi a
pôs ao Conselho Federal de Paris que reconhecesse o Comi- ausência de programa e táctica precisos e de uma direcção
té Federal formado pelos anarquistas no Congresso de La consequentemente revolucionaria. Mas os cartistas exer-
Chaux-de-Fonds como Comité Federal romando. Depois ceram uma grande influência tanto na história política da
de o Conselho Geral ter explicado aos membros do Conse- Inglaterra como no desenvolvimento do movimento ope-
lho Federal de Paris o sentido da cisão na Suíça, este resol- rário internacional. (retornar ao texto)
veu que não tinha o direito de se imiscuir neste assunto, [N214] A circular de J. Favre de 26 de Maio de 1871
que era da competência do Conselho Geral. (retornar ao prescrevia aos representantes diplomáticos franceses no
texto) estrangeiro que obtivessem dos governos europeus a pri-
[N233] B. Malon, La troisième défaite du prolétariat- são e a entrega dos refugiados da Comuna como simples
français (A Terceira Derrota do Proletariado Francês), Neu- criminosos de direito comum. Dufaure propôs um projecto
châtel, 1871. (retornar ao texto) de lei, elaborado por uma comissão especial da Assemble-
[N234] A Secção de Propaganda e de Acção Revolucio- ia Nacional francesa e aprovado a 14 de Março de 1872,
nária Socialista foi criada em 6 de Setembro de 1871 para que tornava passível de prisão a adesão à Internacional.
substituir a secção de Genebra, Aliança da Democracia (retornar ao texto)
Socialista, dissolvida em Agosto. Para além de antigos [N238] Journal de Genève national, politique et littérai-
membros da secção, como Júkovski, Perron, etc, partici- re (Jornal de Genebra nacional, político e literário): jornal
param na sua organização alguns exilados franceses, conservador; publica-se desde 1826. (retornar ao texto)
nomeadamente Jules Guesdes e Benoít Malon. (retornar [N239] Icários: seguidores do comunista utópico fran-
ao texto) cês Cabet, autor do romance Viagem a Icária. (retornar ao
[N235] La Révolution Sociale (A Revolução Social): diá- texto)
rio publicado em Genebra, em francês, de Outubro de [N240] Trata-se de M. A. Bakúnine. (retornar ao texto)
1871 a Janeiro de 1872; desde Novembro de 1871, órgão [N241] Trata-se da circular do ministro dos Negócios
oficial da Federação do Jura, anarquista. (retornar ao tex- Estrangeiros aos representantes diplomáticos franceses,
to) datada de 6 de Junho de 1871, na qual Jules Favre exorta-
[N236] Le Figaro (O Fígaro): jornal reaccionário fran- va todos os governos a uma luta comum contra a Interna-
cês; publica-se em Paris desde 1854. Esteve ligado ao cional. Trata-se também do relatório feito por Sacaze em 5
g o v e r n o d o S e g u n d o I m p é r i o . de Fevereiro de 1872 em nome da comissão que examinou
Le Gaulois (O Gaulês): diário de tendência monárquica con- o projecto de lei de Dufaure (ver nota 214). (retornar ao
servadora, órgão da grande burguesia e da aristocracia. texto)
Publicou-se em Paris de 1867 a 1929. [N242] Aqui e mais adiante Marx cita os Estatutos da
Paris-Journal (Paris-Jornal): diário reaccionário, ligado à Internacional aprovados no Congresso de Genebra e edi-
polícia; foi editado por Henri de Pene em Paris de 1868 a tados em Londres, em inglês (Rules of the International
1874. Difundia calúnias grosseiras contra Internacional e a Working Men's Association [Estatutos da Associação Inter-
Comuna de Paris. (retornar ao texto) nacional dos Trabalhadores], 1867). (retornar ao texto)

35
[N243] Isto é um lapso. O artigo 6 dos Estatutos Gerais
foi adoptado no Congresso de Genebra da Internacional A Segunda Internacional
em 1866. Ver Congrès ouvrier de VAssociation Internatio-
nale des Travailleurs tenu à Genève du 3 au 8 septembre - do livro: "A história social do movimento
1866, Genève, 1866, pp. 13-14 (Congresso Operário da
trabalhista europeu",
Associação Internacional dos Trabalhadores realizado em
Genebra de 3 a 8 de Setembro de 1866, Genebra, 1866,
pp. 13-14). (retornar ao texto) de Wolfgang Abendroth, editora Paz e
[N244] A Federação Operária foi fundada em Turim no Terra, 1977;
Outono de 1871 e encontrava-se sob a influência dos maz-
zinistas. Em Janeiro de 1872 os elementos proletários saí-
ram da Federação e fundaram a sociedade Emancipação
do Proletário, reconhecida mais tarde como secção da
Internacional. Até Fevereiro de 1872 a sociedade foi dirigi-
1. Os principais congressos
da pelo agente secreto da polícia Terzaghi.
Il Proletário (O Proletário): jornal italiano publicado em No período que separa a fundação da Pri-
Turim de 1872 a 1874; defendeu os bakuninistas contra o meira Internacional da fundação da Segunda,
Conselho Geral e as decisões da Conferência de Londres. celebraram-se vários congressos operários,
(retornar ao texto)
socialistas e sindicais. Esses congressos,
[N245] Em Novembro de 1871 o democrata burguês
Stefanoni formulou o projecto de criação de uma «Socie-
porém, não possuíam nenhuma base comum.
dade Universal de Racionalistas», cujo programa apresen- Só em 1889, por ocasião da Exposição Interna-
tava uma mistura de ideias democráticas burguesas e de cional de Paris, é que se realizaram nessa cida-
socialismo utópico pequeno-burguês (criação de colónias de dois congressos socialistas, um convocado
agrícolas para resolver o problema social, etc). A Socieda-
pelos possibilistas, o outro pelos marxistas. Fun-
de tinha por objecto desviar os operários da Internacional
e impedir a difusão da sua influência em Itália; ao mesmo dou-se, assim, a Segunda Internacional. Nesse
tempo, Stefanoni declarava a sua solidariedade com a Ali- congresso, o 1° de maio ficou consagrado como
ança da Democracia Socialista. As denúncias feitas por o "Dia do Trabalhador".
Marx e Engels dos verdadeiros objectivos de Stefanoni e
A Segunda Internacional realizou Congres-
dos laços directos dos anarquistas com os democratas bur-
gueses, assim como as declarações de vários militantes do
sos em Bruxelas (1891), Zurique (1893), Lon-
movimento operário italiano contra o projecto de Stefano- dres (1896), Paris (1900), Amsterdã (1904),
ni, fizeram abortar as suas tentativas de submeter o movi- Stuttgart (1907), Copenhague (1910) e Basi-
mento operário italiano à influência burguesa. (retornar ao léia (1912). Ao todo, 8 congressos. Depois de
texto)
1900, sua sede era Bruxelas. Aí se achava o
[N246] Neuer Social-Demokrat (Novo Social-
Democrata): jornal alemão publicado em Berlim de 1871 a Bureau Socialista Internacional, presidido por
1876; órgão da Associação Geral de Operários Alemães, Emílio Vandervelde e secretariado por Camilo
criada por Lassalle. O jornal lutou contra a direcção mar- Huysmans. Cada país aderente enviava 2 dele-
xista da Internacional e do Partido Operário Social-
gados. Os delegados dos diferentes países reu-
Democrata alemão; apoiou os bakuninistas e os represen-
tantes de outras correntes antiproletárias. (retornar ao tex-
niam-se periodicamente para discutir os assun-
to) tos mais importantes e preparar os Congressos.
[N247] Chamava-se camisas brancas ou blusas bran- A história da Segunda Internacional pode
cas aos bandos formados pela prefeitura de polícia do ser dividida em 3 períodos: 1. de 1889 a 1896;
Segundo Império. Compostos por elementos desclassifi-
2. de 1896 a 1904; 3. de 1904 a 1914. No pri-
cados, estes bandos, fazendo-se passar por operários,
organizavam manifestações provocatórias, criando assim meiro período, procurou-se estabelecer uma
pretextos para repressões contra as verdadeiras organiza- linha divisória entre o socialismo e o anarquis-
ções operárias. (retornar ao texto) mo. No segundo, procurou-se fixar os princípios
da luta de classe e a atitude dos partidos socia-
listas em face dos governos burgueses. Final-
mente, no terceiro, procurou-se chamar a aten-
ção dos povos para as crescentes ameaças de
uma guerra imperialista e fixar a posição da
Internacional em face do perigo de guerra.
Na verdade, o único resultado positivo obti-
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do pela ação da Segunda Internacional foi a crata saiu vencedora. No Congresso de Stutt-
exclusão dos anarquistas, no Congresso de Lon- gart, os socialistas franceses haviam colocado
dres (1896). No Congresso de Paris (1900), foi na ordem do dia a questão da guerra. Os recen-
resolvido que só seriam aceitas, no seio da tes acontecimentos de Marrocos haviam feito o
Internacional, as organizações que reconheces- mundo ver, como à luz de um relâmpago, a guer-
sem os princípios do socialismo e a necessidade ra que se estava preparando. No seio da delega-
da luta política. ção francesa, distinguiam-se três diferentes ten-
De 1900 até 1904, a Segunda Internacio- dências: uma, dirigida por Gustavo Hervé, pre-
nal resolveu proibir que os socialistas entras- conizava a greve geral e a insurreição, em caso
sem para governos burgueses, salvo em "cir- de guerra; a segunda, representada por Eduar-
cunstâncias excepcionais". Muitos pensa- do Vaillant e João Jaurès, sustentava a proposi-
vam que, desse modo, a questão do ministeria- ção de Hervé apenas como recurso extremo da
lismo que surgira na França em 1898, quando luta contra a guerra. Uma terceira tendência,
Millerand entrou para o governo Waldeck- representada por Júlio Guesde, julgava que,
Rousseau, após o "caso Dreyfus" ― ficaria definiti- sendo a guerra conseqüência inevitável do regi-
vamente resolvida. Em vista dessa resolução, Mille- me capitalista, qualquer agitação antiguerreira
rand foi expulso do partido. Idêntica resolução seria sempre vã e utópica. Na opinião de Gues-
foi tomada em 1906, em relação a Viviani e Bri- de, a melhor propaganda contra a guerra era a
and. Mas, a exceção das "circunstâncias educação socialista.
extraordinárias”, previstas pela decisão Em nome da delegação da Bélgica, Vander-
do congresso de Amsterdã, foi a porta por velde manifestou-se a favor da proposição de
onde o ministerialismo tornou a entrar Vaillant e Jaurès, porque, segundo ele, até os
durante e depois da guerra, quando gran- pequenos países tinham interesse na manuten-
de número de partidos socialistas resolve- ção da paz. "Nossa neutralidade não tem peso
ram formar governos de coalizão com os muito grande. Em caso de guerra, nosso país
partidos burgueses. pode dar passagem aos exércitos em luta". Em
A ação empreendida pela Internacional con- nome da delegação alemã, Bebel e Vollmar com-
tra os perigos de guerra fracassou completa- bateram a proposição de Gustavo Hervé, decla-
mente. rando-a absolutamente inaplicável, e falaram
enaltecendo a importância cultural da idéia naci-
2. A Segunda Internacional e a luta con- onal. Bebel frisou ainda que, em caso de guerra,
tra os perigos de guerra a exaltação dos sentimentos patrióticos torna-
Entretanto, depois do Congresso de Stutt- ria extremamente difícil qualquer oposição à
gart, a questão da luta contra a guerra foi sem- defesa nacional.
pre colocada na ordem do dia dos diferentes con- A discussão foi longa. Mas não foi possível
gressos. Infelizmente, a Internacional não che- esgotar o assunto. A imensa maioria do Con-
gou a adotar uma posição definida a esse respe- gresso pronunciou-se ao mesmo tempo a
ito. A partir de 1900, as causas das guerras favor da defesa nacional e da luta de clas-
não eram mais os conflitos nacionais ou as se. "Não trairemos nem a pátria nem o soci-
ambições dinásticas, mas os conflitos alismo”. Num comício realizado em Paris,
imperialistas e coloniais. Por duas vezes, a Jaurès usou da palavra e discursou sobre a reso-
corrente socialdemocrata e a corrente sindica- lução do Congresso de Stuttgart. Era essa,
lista chocaram-se no seio da lnternacional. O pri- aliás, a idéia que havia guiado a maioria dos
meiro choque verificou-se no Congresso de Bru- membros do congresso. Mas ela não podia eli-
xelas, em 1891, no qual a corrente sindicalista minar a contradição resultante do seguinte
estava representada por Domela Nieuwenhuis; fato: enquanto existirem propriedade privada,
e o segundo, no Congresso de Stuttgart, em capitalismo e concorrência, os interesses das
1907, onde ela esteve representada por Hervé. diferentes pátrias não se poderão harmonizar
Nesses dois embates, a concepção socialdemo- com os interesses do socialismo internacional.
37
O congresso esperava que essa contradição mascarar o caráter de classe da sociedade bur-
fosse resolvida pela vitória da classe operária guesa, mas também, ao mesmo tempo, comba-
nos principais países. Por fim, ele adotou uma ter os armamentos de terra e mar, recusar os
resolução, redigida por Augusto Bebel, com o créditos que a isso se destinarem e pleitear
acréscimo de 2 parágrafos propostos por Rosa medidas para a educação da juventude proletá-
Luxemburgo, Lenin e Martov. Essa resolução ria no espírito da fraternização dos povos e do
dizia o seguinte: socialismo, incutindo-lhe, ao mesmo tempo,
"O congresso confirma as resoluções dos uma nítida consciência de classe. 0 congresso
precedentes congressos internacionais contra o vê na organização democrática do exérci-
militarismo e o imperialismo e novamente veri- to, na substituição dos exércitos perma-
fica que a luta contra o militarismo não pode ser nentes por milícias populares, a garantia
separada da luta de classes em geral. As guer- fundamental da supressão das futuras
ras entre os Estados capitalistas não são mais guerras de agressão, da fácil solução dos
que conseqüências de sua concorrência no mer- conflitos nacionais. A Internacional não pode
cado mundial, porque cada Estado procura não fixar de maneira rígida a atitude que a classe
só conservar seus próprios mercados, mas tam- operária deverá adotar contra o militarismo, por-
bém conquistar novos, submetendo povos e que essa atitude será naturalmente diferente
apossando-se de territórios de outros países. em cada país. Mas o seu dever é reforçar o mais
Essas guerras, além disso, são também a con- possível e coordenar a luta da classe operária
seqüência dos armamentos incessantes do mili- contra o militarismo e a guerra. Quanto mais os
tarismo, que é o principal instrumento da domi- espíritos forem preparados por incessante agi-
nação da classe burguesa e da escravidão eco- tação, e quanto mais os partidos operários dos
nômica e política da classe operária. diferentes países tiverem sido estimulados e
As guerras são facilitadas pelos precon- grupados pela classe operária, mais eficaz pode-
ceitos nacionalistas, que as classes domi- rá ser a ação da classe operária. O congresso
nantes sistematicamente entretêm para está convencido de que, sob a pressão do
afastar as massas proletárias de seus pró- proletariado, a utilização criteriosa dos tri-
prios deveres de classe e de solidariedade bunais de arbitragem poderá substituir as
internacional. As guerras são, por conseqüên- lamentáveis instituições governamentais
cia, parte integrante da essência do capitalis- dos dias presentes e assegurar aos povos o
mo. Não poderão desaparecer senão quando o benefício do desarmamento, mediante o
próprio regime capitalista desaparecer, ou quan- qual será possível consagrar à cultura as
do os imensos sacrifícios de homens e de dinhe- formidáveis somas e a imensa energia que
iro, necessários ao desenvolvimento do milita- atualmente são absorvidas pelos arma-
rismo, e a indignação provocada pela corrida mentos e pela guerra.
armamentista, levarem os povos a suprimi-lo. É Em caso de ameaça de guerra, as classes
na classe operária que se recruta a maioria dos laboriosas e seus representantes nos parlamen-
soldados. É ela também que suporta a maior tos deverão, com o apoio do Bureau Socialista
parte dos pesados tributos materiais do milita- Internacional, fazer os maiores esforços para
rismo. evitar que ela estale, empregando, para esse
Eis porque a classe operária tem parti- fim, todos os meios que puderem ser úteis,
cular interesse em suprimir as guerras, meios esses que, evidentemente, deverão ser
que, além disso, se opõem ao seu objetivo adaptados ao grau de intensidade da luta de
fundamental: a criação de uma ordem eco- classe e à situação política geral.
nômica baseada no socialismo, capaz de Se a guerra, apesar de tudo, estalar, seu
realizar a solidariedade entre os povos. Por dever será recorrer a todos os processos para
esses motivos, o congresso julga que o dever fazê-la cessar tão depressa quanto possível, e
das classes laboriosas e, em particular, dos seus aproveitar a crise econômica e política pro-
representantes no Parlamento é, não só des- vocada pela guerra para sublevar o povo e
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precipitar a queda do regime capitalista.” Durante mais de 4 anos, terrível tempesta-
As decisões dos congressos internacionais de desabou sobre a terra. A luta entre a Entente
de Copenhague (1910) e de Basiléia (1912) (Inglaterra-França-Rússia) e a Dúplice (Alema-
foram redigidas com o espírito dessa resolução nha-Áustria), iniciada em agosto de 1914,
e reproduziram-lhe textualmente os dois últi- transformou-se rapidamente numa guerra mun-
mos parágrafos. dial, que arrastou, uma por uma, na sua órbita,
Infelizmente, a psicose guerreira, que ata- todas as potências do mundo. E, nessa loucura
cou os dirigentes e as massas nos primeiros dias geral, nesse desmoronamento de uma civiliza-
de agosto de 1914, foi mais forte que todas as ção inteira, as massas populares encontraram-
decisões dos congressos. Só algumas pequenas se repentinamente sem guias e sem capacidade
frações do movimento operário começaram para se orientarem, para fazer ouvir sua voz,
pouco a pouco a aplicar os princípios da luta de porque a Segunda Internacional, em que
classe. elas haviam confiado, ruíra lamentavel-
Mas só os bolcheviques russos aplica- mente ao primeiro embate.
ram tais princípios de modo conseqüente e Nesse momento, os povos já não se dividi-
enérgico. A guerra mundial (1914-1918) des- am em capitalistas e proletários, em explorado-
pedaçou a Segunda lnternacional. Ou melhor: a res e explorados, mas em partidários da Enten-
Segunda Internacional foi vítima da contradição te e partidários da Dúplice. De um lado, os alia-
entre o patriotismo e o internacionalismo, que dos; de outro, os impérios centrais. Extinta a
trazia em si mesma. luta de classe, a luta pelas reivindicações operá-
rias, pelo socialismo! No interior, a união sagra-
(Negritos meus - RM) da entre os adversários de véspera, enquanto
os povos, até então unidos no mesmo ideal, se
chacinavam mutuamente nos campos de bata-
lha!
A linha divisória até ali estabelecida, basea-
da na luta de classes, foi deslocada, posta à
A Guerra Mundial e a mercê dos interesses dos imperialismos em
Revolução luta. Ao receber tal choque, a Segunda Interna-
cional desmoronou. Na verdade, ela nem
do livro: "A história social do movimento sequer tentou lutar. O nacionalismo e o revisio-
trabalhista europeu", nismo, que a infectavam, ligaram-na intima-
mente ao regime existente, atrelaram-na ao
de Wolfgang Abendroth, editora Paz e carro do capitalismo com o qual ela foi arrastada
Terra, 1977; no tumulto da guerra.
Parte da Bélgica havia sido ocupada pelos
1. A Segunda Internacional e a guerra exércitos alemães no mês de agosto de 1914 e,
As contradições cada vez mais graves do por isso, o Bureau socialista não podia continuar
regime capitalista acabaram provocando um em Bruxelas. Seu secretario, Huysmans, partiu
incêndio mundial tão grande, tão violento e tão para Haia e lá reorganizou o Bureau com os
terrível que a mais fértil das imaginações não membros dirigentes do Partido Socialista
poderia dele fazer qualquer idéia aproximada. Holandês. Entretanto, Vandervelde entrava
Em julho de 1812, Henrique Heine previa o para o governo belga. Huysmans tentou convo-
seguinte para a geração que viria depois dele: car uma conferência internacional, mas sem
"Tempos sombrios se aproximam. E o profeta resultado. A essa conferência, que se reuniu em
que quiser escrever um novo Apocalipse terá de 1917, em Copenhague, só compareceram
inventar novos monstros tão horríveis que, a representantes dos países neutros. A conferên-
seu lado, os animais simbólicos de São João cia dirigiu aos socialistas dos países beligeran-
serão meigas pombas ou lindos querubins". tes um apelo a favor da paz. No dia 17 de feve-
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reiro de 1918, os socialistas dos países aliados pouco depois, a Liga Espártaco. Um ano decorri-
realizaram uma conferência em Londres e exigi- do, o Partido Socialdemocrata alemão cindiu-
ram a continuação da guerra. Os bolcheviques e se. Dezoito deputados da fração parlamentar,
os mencheviques dela não quiseram participar. dirigidos por Haase, fundaram a Comunidade
Nos dias 12 e 13 de abril do mesmo ano, os soci- de Trabalho Socialista, que, em abril de 1917,
alistas alemães e austríacos reuniram-se, por deu origem ao Partido Socialista Independente.
sua vez, na conferência de Viena. Mas, pouco a Este, em colaboração com a Liga Espártaco, tra-
pouco, grande número de socialistas começa- balhou para mobilizar as massas contra a políti-
ram a compreender que trilhavam por um cami- ca de guerra do velho partido.
nho errado, que traíam as suas convicções, e, Na França, formou-se também uma oposi-
por isso, procuraram voltar a um ponto de vista ção, sob a direção de João Longuet. Durante
internacionalista. muito tempo, essa oposição lutou contra a maio-
Os primeiros sintomas da cisão no campo ria, até que um dia a minoria tornou-se maioria
socialista internacional foram as conferências no congresso de Paris (18 de outubro de 1918).
de Zimmerwald e de Kienthal. Em setembro de Mas a oposição francesa era muito menos revo-
1915, os socialistas revolucionários russos (Le- lucionária que a do Partido Independente Ale-
nin, Trotsky, Zinoviev, Radek), alemães (Lede- mão e, sobretudo, do que a Liga Espártaco.
bour, Hoffmann), franceses (Blanc, Brizon, Lori- Entretanto, à esquerda de Longuet, havia ain-
ot), italiano (Modigliani), búlgaro (Rakovski), da, em franco desenvolvimento, uma fração
assim como os representantes do movimento comunista dirigida por Loriot e Luiza Saumomi-
socialista de alguns países neutros, reuniram- eau.
se em Zimmerwald, na Suíça, denunciaram Na Inglaterra, uma parte da Federação Soci-
energicamente o caráter imperialista da guerra aldemocrata constituiu um grupo independente
mundial, a traição dos socialistas de guerra e exi- e começou a defender pontos de vista internaci-
giram a aplicação prática das decisões dos con- onalistas, tendo, por último, aderido ao comu-
gressos internacionais. Uma conferência análo- nismo.
ga reuniu-se em Kienthal (Suíça) no mês de Nos Estados Unidos, a maioria do Partido
abril de 1916. Essa conferência lançou um apelo Socialista era contraria à entrada da América na
aos trabalhadores dos países beligerantes, con- guerra. Quando a Revolução Russa irrompeu,
vidando-os a lutar para pôr termo à guerra. Os parte dessa maioria se pronunciou a favor do
delegados ingleses não compareceram a comunismo e organizou um partido indepen-
nenhuma dessas duas conferências porque o dente.
governo inglês lhes recusou os passaportes. Em
março de 1917, quando a Revolução Russa esta- (Negritos meus - RM)
lou, Huysmans convidou a Segunda Internacio-
nal a se reunir em conferência na cidade de Esto-
colmo. Mas, como os governos franceses e
ingleses não quiseram fornecer passaportes aos
delegados, a conferência não se realizou.
Nesse ínterim, as correntes oposicionistas
reforçavam-se cada vez mais nos países belige-
rantes. Na Alemanha, Carlos Liebknecht e Oto
Ruhle foram os primeiros que se pronunciaram
contra a União Sagrada (dezembro de 1914) e
que se ergueram contra a política guerreira do
Partido Socialdemocrata.
Eram apoiados por Rosa Luxemburgo, Léo
Jogiches e Francisco Mehring, que, em março de
1915, fundaram a revista A Internacional e,
40
Congresso de Stuttgart do sa luta socialista e a faz uma luta de classe. E
por objetivo final nós não devemos entender, co-
Partido Social Democrata
mo disse Heine, tal ou qual representação da
Alemão (1898) sociedade futura, mas o que deve preceder a so-
- Discurso sobre Tática ciedade futura, ou seja, a conquista do poder po-
lítico. (Interrupção: Estamos de acordo !)
Rosa Luxemburgo Esta concepção de nossa tarefa tem rela-
ção estreita com nossa concepção da sociedade
1. Discurso sobre tática capitalista, segundo a qual esta sociedade se en-
Os discursos de Heine e de certo número volve em contradições insolúveis que levam fi-
de outros oradores sobre um ponto extrema- nalmente a uma explosão necessária, uma ca-
mente importante, sobre a compreensão da re- tástrofe na qual nos faremos o papel do síndico
lação entre nosso objetivo final e a luta cotidia- encarregado de liquidar a sociedade em falên-
na, demonstraram que existe em nosso partido cia. Mas, se nós pensamos que é apenas pela re-
uma certa confusão. volução que podemos fazer triunfar os interes-
Declara-se: o que se diz do objetivo final ses do proletariado, concepções como aquelas
constitue uma bela passagem do nosso progra- que foram difundidas nos últimos tempos por
ma, que certamente não se deve esquecer, mas Heine, segundo as quais nós também podemos
que não tem nenhuma relação direta com nossa fazer concessões no âmbito do militarismo, são
luta prática. Talvez se encontre um certo núme- inadmissíveis. Da mesma forma a declaração
ro de camaradas que pensem que uma discus- feita por Conrad Schimidt no orgão central da
são sobre o objetivo final é apenas uma discus- maioria socialista no Parlamento e as declara-
são acadêmica. Eu sustento, ao contrário, que ções como quela de Bernstein, segundo o qual,
não existe para nós enquanto partido revolucio- uma vez chegando ao poder nós não poderemos
nário, proletário, questão mais prática que a prescindir do capitalismo.
questão do objetivo final. Pois, reflitam: em que Quando li isso eu disse para mim mesma:
consiste, de fato, o caráter socialista de nosso Que felicidade que em 1871 os operários fran-
movimento? A luta prática propiamente dita se ceses não eram tão sábios, pois, nesse caso teri-
divide em três partes principais: a luta sindical, am dito: Amigos, fiquemos na cama, nossa hora
a luta pelas reformas e a luta pela democratiza- ainda não soou, a produção ainda não está sufi-
ção do Estado capitalista. Será que estas três cientemente concentrada para que possamos
formas de nossa luta pertencem, de fato, ao so- nos manter no poder. Mas então teríamos tido,
cialismo? em lugar do espetáculo grandioso de sua luta he-
Absolutamente não! róica, outro espetáculo diferente, e neste caso
Vejamos para começar o movimento sindi- os operários não teriam sido os heróis. mas ve-
cal. Vejam a Inglaterra! Naquele pais o movi- lhas comadres. Eu considero que a questão de
mento sindical não somente não é socialista saber se nós poderemos, uma vez no poder, soci-
mas é até mesmo, em parte, um obstáculo ao alizar a produção e se ela já se encontra sufici-
movimento socialista. No que se refere às refor- entemente concentrada para tal, uma discussão
mas sociais, os "socialistas de cátedra", os so- acadêmica. Para nós não há nenhuma dúvida
cialistas nacionais e outros do mesmo calibre, que devemos nos orientar para a tomada do po-
as preconizam também. Quanto à democratiza- der político. Um partido socialista deve estar
ção, ela é especificamente burguesa. A burgue- sempre a altura da situação. Ele não deve jama-
sia antes de nós já tinha inscrito a democracia is recuar diante de suas própias tarefas. É por
em suas bandeiras. O que faz de nós então, em isso que devemos clarificar completamente nos-
nossa luta cotidiana, um partido socialista? Ape- sa concepção do objetivo final. Nós o realizare-
nas a relação destas três formas de luta prática mos acima e contra tudo. (Aplausos)
com nosso objetivo final. É unicamente o objeti-
vo final que dá seu espírito e seu conteúdo à nos- 2. Réplica a Vollmar
41
Vollmar me recriminou amargamente de não dei, nem em minhas declarações nem em
querer, eu, uma jovem iniciante no movimento, meus artigos sobre Bernstein na Gazeta Popu-
dar lições aos antigos veteranos. Não se trata lar de Leipzig, o menor motivo para tal afirma-
disso. Isto seria redundante já que estou firme- ção. Eu penso, ao contrário, que a única violên-
mente convicta de que os veteranos comparti- cia que nos levará à vitória é a educação socia-
lham de meu ponto de vista. Não se trata de dar lista da classe operária na luta cotidiana.
lições a quem quer que seja mas de exprimir, de Não se poderia fazer, em relação às minhas
uma maneira clara e inequívoca, uma certa táti- declarações, maior elogio do que dizer que elas
ca. Eu sei nperfeitamente que ainda tenho que são simplesmente evidentes. Com certeza, de-
ganhar minhas divisas no movimento alemão. vem ser simplesmente evidentes para um soci-
Mas eu quero fazê-lp na ala esquerda, onde se al-democrata mas não o são para todos aqueles
quer lutar contra o inimigo, e não na ala direita, que estão neste congresso (Oh!), por exemplo,
onde se quer firmar compromissos com ele. para o camarada Heine, com sua política de
(Protestos) Mas quando Vollmar responde aos compensação. Como conciliá-la com a conquis-
meus argumentos dizendo: “Fedelha, eu pode- ta do poder? Em que pode consistir a política de
ria ser seu avô!”, é para mim uma prova que ele compensação? Nós exigimos a ampliação dos
não tem mais argumentos. (Risos) De fato, ele direitos do povo, das liberdades democráticas.
fez em seu discurso toda uma série de declara- O Estado capitalista exige, por sua vez, a ampli-
ções que são, no mínimo, estranhas na boca de ação dos seus meios de coerção, o aumento do
um veterano. A sua citação esmagadora de seu número de canhões. Suponham a situação
Marx sobre a legislação trabalhista, eu oporia mais favorável, onde o acordo é concluido e ob-
uma outra declaração de Marx, pela qual a in- servado honestamente por ambas as partes. O
trodução da legislação trabalhista na Inglaterra que nós obtemos só existe no papel. Boerne já
significava, de fato, a salvação para a sociedade dizia: «Eu não aconselho ninguém a fazer uma
burguesa. Vollmar declarou também que é erra- hipoteca sobre a constituição alemã, já que to-
do pretender que que o movimento sindical não das as constituições alemãs são bens móveis».
seja um movimento socialista e invocou o exem- Para que tenham qualquer valor as liberdades
plo das trade-unions inglesas. Vollmar ignora, constitucionais devem ser obtidas através da lu-
ta e não por causa de um contrato. Mas o que o
então, a diferença entre o antigo e o novo trade-
Estado capitalista receberia de nós em troca te-
unionismo? Não sabe ele que os antigos trade-
ria uma existência firme, brutal. Os canhões, os
unionistas compartilham inteiramente o ponto
soldados que nós lhe concedemos modificam de
de vista burguês mais tacanho? Não sabe ele
forma desvantajosa para nós a relação objetiva,
que foi próprio Engels que expressou a espe-
material, das forças existentes. É o próprio Las-
rança de que daí em diante o movimento socia-
lista se desenvolveria na Inglaterra, pois esta salle que declarava: a verdadeira Constituição
perdera sua supremacia sobre o mercado mun- de um país não consiste na Constituição escrita,
dial e, por conseguinte, o movimento das trade- mas na relação real das forças existentes. O re-
unions deve trilhar novos caminhos? sultado da política de compensação consiste,
Vollmar evoca aqui o fantasma do blan- portanto, em sempre modificar a situação em
nosso favor apenas no papel mas em mudar, na
quismo. Ignora ele a diferença que existe entre
realidade objetiva, em favor dos nossos adver-
o blanquismo e a social-democracia? Não sabe
sários; no fim das contas, em enfraquecer nos-
que para os blanquistas é um punhado de mili-
sas posições enquanto reforçamos as de nossos
tantes que deve tomar o poder em nome da clas-
adversários. Eu pergunto se um homem que faz
se operária e que, para a social-democracia, é a
tal proposta deseja realmente a conquista do po-
própia classe operária? Esta é uma diferença
der político. É por isso que eu acredito que a in-
que não se deveria esquecer quando se é um ve-
dignação com a qual o camarada Fendrich enfa-
terano do movimento social-democrata. Enfim,
tizou o caráter natural de nossa luta pela toma-
ele me acusou de ser partidária da violência. Eu
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da do poder me foi endereçada erroneamente. O oportunismo e a
Era para Heine que ela se endereçava na reali-
dade; ela era apenas a expressão do antagonis-
falência da II Internacional
mo brutal em que Heine se colocou em relação
à consciência proletária de nosso partido quan- V. I. Lênin
do ousou falar de uma política de concessão pa-
ra com o Estado capitalista.
Em seguida vem a declaração de Conrad
Schimidt, segundo o qual a anarquia capitalista
poderá ser superada através da luta sindical. Se
I
alguma coisa deu pretexto à frase do progama
A II Internacional deixou realmente de existir? Os
referenta á necessidade da conquista do poder seus representantes mais autorizados, como
político foi precisamente a idéia de que, sobre o Kautsky e Vandervelde, negam-no obstinadamente.
solo da sociedade capitalista, nenhuma planta Nada aconteceu além de uma ruptura das relações;
cresce que suprima a anarquia capitalista. A ca- tudo está bem; tal é o seu ponto de vista.
da dia aumenta a anarquia, os sofrimentos es- A fim de esclarecer a verdade, vejamos o mani-
pantosos da classe operária, a insegurança da festo do congresso de Basileia de 1912, que se refe-
existência, a exploração, a diferença entre po- re precisamente à atual guerra mundial imperialista e
bres e ricos. Pode-se dizer de um homem, que foi adotado por todos os partidos socialistas do mun-
quer obter a solução por meios capitalistas, que do. Deve-se assinalar que nenhum socialista ousará,
ele considera como necessária a conquista do em teoria, negar a necessidade de uma avaliação his-
poder político pela classe operária? Consequen- tórica concreta de cada guerra.
Agora que a guerra eclodiu, nem os oportunistas
temente, aqui também, a indignação de Fen-
declarados nem os kautskistas se resolvem nem a
drich e Vollmar não se endereça a mim mas a
negar o manifesto de Basileia nem a confrontar com
Conrad Schimidt. E, por fim, a declaração no Ne- as suas exigências o comportamento dos partidos
ue Zeit: «O objetivo final, qualquer que seja, socialistas durante a guerra. Porquê? Pois porque o
não é nada para mim; o movimento é tudo.» Qu- manifesto os desmascara inteiramente a uns e a
em diz isto não está também convencido da ne- outros.
cessidade da conquista do poder político. Nele não há nem uma única palavrinha sobre a
Vocês veem que um certo número de nos- defesa da pátria, nem sobre a diferença entre a guerra
sos camaradas não se colocam no campo do ob- ofensiva e a guerra defensiva, nem uma palavra sobre
jetivo final de nosso movimento. E é por isso tudo que afirmam agora aos quatro ventos os oportu-
que é necessário dizê-lo claramente e sem equí- nistas e os kautskistas(1) da Alemanha e da quádru-
voco. É hoje necessário mais que nunca. Os gol- pla Entente. O manifesto não podia falar disso, dado
pes da reação caem sobre nós duros como gra- que aquilo que ele diz exclui absolutamente qualquer
emprego desses conceitos. Ele indica de maneira
nizo. Nós devemosa responder ao último discur-
absolutamente concreta uma série de conflitos econô-
so do imperador. Nós devemos declarar, de uma
micos e políticos que prepararam esta guerra durante
maneira clara e franca, como o velho Catão: “ decênios, que se tinham revelado plenamente em
Eu penso que é preciso destruir este Estado.” A 1912 e provocaram a guerra de 1914. O manifesto
conquista do poder político permanece nosso recorda o conflito russo-austríaco a propósito da "he-
objetivo final e o objetivo final permanece a al- gemonia nos Balcãs", o conflito entre a Inglaterra, a
ma de nossa luta. A classe operária não deve se França e a Alemanha (entre todos estes países!) a pro-
colocar sob o ponto de vista decadente do filó- pósito da sua "política de conquista na Ásia Menor", o
sofo: "O objetivo final não é nada, o movimento conflito austro-italiano a propósito da "aspiração ao
é tudo.” Não, ao contrário, o movimento en- domínio" na Albânia, etc. O manifesto define numa
palavra todos esses conflitos como conflitos no terre-
quanto tal, sem relação com o objetivo final,
no do "imperialismo capitalista". Deste modo, o mani-
não é nada, o objetivo final é que é tudo! (Apla-
festo reconhece com toda a clareza o caráter espolia-
usos.)
dor, imperialista, reacionário, escravista desta guerra,
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isto é, o caráter que transforma a admissibilidade da uma mentira afirmar, como faz Kautsky, que a atitude
defesa da pátria numa insensatez do ponto de vista do socialismo para com esta guerra não foi esclareci-
teórico e num absurdo do ponto de vista prático. Está da. Esta questão não só foi discutida como foi decidida
em curso uma luta dos grandes tubarões para devorar em Basileia, onde foi adotada a tática da luta proletária
"pátrias" estrangeiras. O manifesto tira as conclusões revolucionária de massas.
inevitáveis de fatos históricos indiscutíveis: esta guer- É uma revoltante hipocrisia passar em silêncio,
ra não pode ser "justificada por qualquer pretexto de totalmente ou nas partes mais essenciais, o manifes-
interesse popular"; ela é preparada "a bem dos lucros to de Basileia e em lugar dele citar discursos de diri-
dos capitalistas e das ambições das dinastias". Seria gentes ou resoluções de certos partidos que, em pri-
"um crime" se os operários "começassem a disparar meiro lugar, foram proferidos antes de Basileia, em
uns contra os outros". Assim diz o manifesto. segundo lugar não eram decisões dos partidos de
A época do imperialismo capitalista é a época do todo o mundo, em terceiro lugar referiam-se a diferen-
capitalismo maduro e mais que maduro, do capitalis- tes guerras possíveis, mas não à presente guerra. O
mo que está em vésperas da sua derrocada, que ama- fundo da questão está em que a época das guerras
dureceu o suficiente para dar lugar ao socialismo. O nacionais entre as grandes potências européias foi
período de 1789 a 1871 foi a época do capitalismo pro- substituída pela época das guerras imperialistas entre
gressista, em que na ordem do dia da história estava o elas e em que o manifesto de Basileia teve pela pri-
derrube do feudalismo e do absolutismo, a libertação meira vez de reconhecer oficialmente esse fato.
do jugo estrangeiro. Nesse terreno, e só nele era
Seria um erro pensar que o manifesto de Basile-
admissível a "defesa da pátria", isto é, a defesa contra
ia é uma declamação oca, uma fraseologia oficial,
a opressão. Este conceito poderia ainda hoje ser apli-
uma ameaça pouco séria. É assim que gostariam de
cado a uma guerra contra as grandes potências impe-
apresentar a questão aqueles que esse manifesto des-
rialistas, mas seria absurdo aplicá-lo à guerra entre as
mascara. Mas isso é falso. O manifesto é apenas o
grandes potências imperialistas, à guerra na qual se
resultado de um grande trabalho de propaganda de
trata de saber quem pilhará mais os países balcâni-
toda a época da II Internacional, é apenas um resumo
cos, a Ásia Menor, etc. Não é por isso de espantar que
de tudo aquilo que os socialistas lançaram entre as
os "socialistas" que reconhecem a "defesa da pátria"
massas em centenas de milhares de discursos, arti-
na presente guerra evitem o manifesto de Basileia
gos e apelos em todas as línguas. Ele apenas repete
como o ladrão evita o lugar do roubo. É que o manifes-
aquilo que escreveu, por exemplo, Jules Guesde em
to demonstra que eles são sociais-chauvinistas, isto é,
1899, quando fustigava o ministerialismo(2)dos socia-
socialistas em palavras e chauvinistas na realidade,
listas em caso de guerra: ele falava da guerra provoca-
que ajudam a "sua" burguesia a pilhar países estran-
da pelos "piratas capitalistas" (En garde!, p. 175); ape-
geiros, a subjugar outras nações. O que é essencial na
noção de "chauvinismo" é a defesa da "sua" pátria nas repete aquilo que escreveu Kautsky em 1909 em
mesmo quando as ações desta visam escravizar as O Caminho do Poder, onde reconhecia o fim da época
pátrias alheias. "pacifica" e o inicio de uma época de guerras e revolu-
Do reconhecimento de uma guerra como guerra ções. Apresentar o manifesto de Basileia como fra-
de libertação nacional decorre uma tática, do seu reco- seologia ou como um erro significa considerar como
nhecimento como guerra imperialista decorre outra. O fraseologia ou como um erro todo o trabalho socialista
manifesto aponta claramente essa outra tática. A guer- nos últimos 25 anos. A contradição entre o manifesto e
ra "provocará uma crise econômica e política" que a sua não aplicação é tão intolerável para os oportu-
deverá ser "aproveitada": não para atenuar a crise, nistas e kautskistas porque ela revela a profundíssima
não para defender a pátria mas, pelo contrário, para contradição no trabalho da II Internacional. O caráter
"sacudir" as massas, para "apressar a queda do domí- relativamente "pacifico" do período de 1871 a 1914 ali-
nio do capital". Não se pode apressar aquilo cujas con- mentou o oportunismo primeiro como estado de espí-
dições históricas ainda não amadureceram. O mani- rito, depois como tendência e finalmente como grupo
festo reconhecia que a revolução social é possível, ou camada da burocracia operária e dos companhei-
que as premissas para ela amadureceram, que ela ros de jornada pequeno-burgueses. Estes elementos
virá precisamente em relação com a guerra: as "clas- só podiam submeter o movimento operário reconhe-
ses dominantes" temem "a revolução proletária", cendo em palavras os objetivos revolucionários e a táti-
declara o manifesto, invocando o exemplo da Comu- ca revolucionária. Eles só podiam conquistar a confi-
na de Paris e da revolução de 1905 na Rússia, isto é, ança das massas através da afirmação solene de que
os exemplos das greves de massas, da guerra civil. É todo o trabalho "pacifico" constitui apenas uma prepa-
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ração para a revolução proletária. Esta contradição do bernsteinianismo(4)
era um abcesso que alguma vez haveria de rebentar, e A luta entre as duas tendências fundamentais no
rebentou. Toda a questão consiste em saber se se movimento operário, o socialismo revolucionário e o
deve tentar, como fazem Kautsky e C.a, reintroduzir socialismo oportunista, abrange toda a época de 1889
de novo esse pus no organismo em nome da "unida- a 1914. E também hoje existem em todos os países
de" (com o pus) ou se, para ajudar à completa cura do duas correntes principais quanto à questão da atitude
organismo do movimento operário, se deve, o mais para com a guerra. Deixemos a maneira burguesa e
depressa possível e o mais cuidadosamente possível, oportunista de invocar os indivíduos. Tomemos as ten-
livrá-lo desse pus, apesar da temporária dor aguda dências numa série de países. Tomaremos dez Esta-
causada por esse processo. dos europeus: Alemanha, Inglaterra, Rússia, Itália,
E evidente a traição ao socialismo por parte Holanda, Suécia, Bulgária, Suiça, Bélgica e França.
daqueles que votaram pelos créditos de guerra, entra- Nos primeiros oito países a divisão em tendências
ram para os ministérios e advogaram a idéia da defesa oportunista e revolucionária corresponde à divisão em
da pátria em 1914-1915. Só os hipócritas podem sociais-chauvinistas e internacionalistas. Na Alema-
negar este fato. É necessário explicá-lo. nha os pontos de apoio do social-chauvinismo são os
II Sozialistische Monatshefte e Legien e C.a; na Ingla-
Seria absurdo encarar toda a questão como uma terra os fabianos e o Partido Trabalhista (o ILP fez
questão de pessoas. Que relação tem isso com o opor- sempre bloco com eles, apoiou o seu órgão e sempre
tunismo se pessoas como Plekhánov e Guesde, foi mais fraco nesse bloco do que os sociais-
etc.? - interrogava Kautsky (Neue Zeit, 28 de Maio de chauvinistas, enquanto no BSP os internacionalistas
1915). Que relação tem isso com o oportunismo se constituem três sétimos); na Rússia essa corrente é
Kautsky, etc.? - respondia Axelrod em nome dos representada pela Nacha Zariá (agora Nache Delo),
oportunistas da quádrupla Entente (Die Krise der Sozi- pelo Comitê de Organização, pela fração da Duma diri-
aldemokratie(3), Zurique, 1915, p. 21). Tudo isso é gida por Tchkheidze; na Itália pelos reformistas enca-
uma comédia. Para explicar a crise de todo o movi- beçados por Bissolati; na Holanda pelo partido de Tro-
mento é necessário examinar, em primeiro lugar, o sig- elstra; na Suécia pela maioria do partido, dirigida por
nificado e c o n ó m i c o desta política, em segundo Branting; na Bulgária pelo partido dos "amplos" (5);
lugar as ideias que estão na sua base, e em terceiro na Suiça por Greulich e C.ª Foi precisamente entre os
lugar a sua ligação coma história das tendências no sociais-democratas revolucionários de todos estes
socialismo. países que se ergueu já um protesto mais ou menos
Em que consiste a essência econômica do defen- vivo contra o social-chauvinismo. Apenas dois países
sismo durante a guerra de 1914-1915? A burguesia de constituem excepção: a França e a Bélgica, onde no
todas as grandes potências trava a guerra com o fim entanto o internacionalismo também existe, mas é
de partilhar e explorar o mundo, com o fim de oprimir muito fraco.
os povos. Um pequeno circulo da burocracia operária, O social-chauvinismo é o oportunismo acabado.
da aristocracia operária e de companheiros de jornada Ele amadureceu para uma aliança aberta, freqüente-
pequeno-burgueses podem receber algumas miga- mente vulgar, com a burguesia e os estados-maiores.
lhas dos grandes lucros da burguesia. A causa de clas- E é precisamente essa aliança que lhe dá uma grande
se profunda do social-chauvinismo e do oportunismo força e o monopólio da imprensa legal e da mistifica-
é a mesma: a aliança de uma pequena camada de ope- ção das massas. E absurdo considerar ainda hoje o
rários privilegiados com a "sua" burguesia nacional oportunismo como um fenômeno interno do partido.
contra as massas da classe operária, a aliança dos É absurdo pensar em aplicar a resolução de Basileia
lacaios da burguesia com esta última contra a classe em conjunto com David, Legien, Hyndman, Plekhá-
por ela explorada.
nov e Webb. A unidade com os sociais-chauvinistas é
O conteúdo político do oportunismo e do social- a unidade com a sua "própria" burguesia nacional, que
chauvinismo é o mesmo: a colaboração das classes, a explora outras nações, é a cisão do proletariado inter-
renúncia à ditadura do proletariado, a renúncia às nacional. Isso não significa que a ruptura com os opor-
ações revolucionárias, o reconhecimento sem reser- tunistas é imediatamente possível em toda a parte, sig-
vas da legalidade burguesa, a falta de confiança no nifica apenas que ela amadureceu historicamente,
proletariado, a confiança na burguesia. O social- que ela é necessária e inevitável para a luta revolucio-
chauvinismo é a continuação direta e o coroamento da nária do proletariado, que a história, que conduziu do
política operária liberal inglesa, do millerandismo e capitalismo "pacifico" ao capitalismo imperialista, pre-
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parou essa ruptura. Volentem ducunt fata, nolentem da guerra? N. L.) as contradições de classe agudizar-
trahunt. (6) se-ão de tal modo que o radicalismo entre as massas
III se imporá." "Depois da guerra (só depois da guerra?
Os representantes inteligentes da burguesia com- N. L.) arriscamo-nos a que os elementos radicais
preenderam-no muito bem. Por isso elogiam tanto os fujam do partido e refluam para um partido de ações
atuais partidos socialistas, à frente dos quais se de massas antiparlamentares (entenda-se: extrapar-
encontramos "defensores da pátria", isto é, os defen- lamentares)." "Assim, o nosso partido decompõe-se
sores da pilhagem imperialista. E por isso que os em dois campos extremos, que nada têm de comum
governos gratificam os chefes sociais-chauvinistas entre si." A fim de salvar a unidade, Kautsky procura
ora com postos ministeriais (em França e Inglaterra) convencer a maioria no Reichstag a autorizar a mino-
ora com o monopólio da existência legal sem obstácu- ria a pronunciar alguns discursos parlamentares radi-
los (na Alemanha e na Rússia). É por isso que na Ale- cais. Isto significa que Kautsky quer, por meio de
manha, onde o partido social-democrata era o mais alguns discursos parlamentares radicais, reconciliar
forte e onde a sua transformação em partido operário as massas revolucionárias com os oportunistas, que
nacional-liberal contra-revolucionário foi mais eviden- "nada têm de comum" com a revolução, que já há
te, as coisas chegaram a tal ponto que o ministério muito dirigem os sindicatos e que agora, apoiando-se
público vê na luta entre a "minoria" e a "maioria" uma na sua estreita aliança com a burguesia e com o
"incitação ao ódio de classe"! Por isso os oportunistas governo, se apoderaram também da direção do parti-
inteligentes se preocupam acima de tudo com a pre- do.
servação da anterior "unidade" dos velhos partidos, Em que é que isto difere, no fundo, do "programa"
que prestaram tão grandes serviços à burguesia em de Monitor? Em nada a não ser nas frases melosas
1914-1915. Um dos membros da social-democracia que prostituem o marxismo.
alemã, que publicou em Abril de 1915, sob o pseudôni- Na reunião da fração do Reichstag de 18 de
mo de Monitor, um artigo na revista reacionária Preus- Março de 1915, o kautskista Wurm "preveniu" a fração
sische Jahrbucher, exprime com uma franqueza digna para não "esticar demasiado a corda; nas massas ope-
de agradecimento as concepções desses oportunis- rárias cresce a oposição contra a maioria da fração; é
tas em todos os países do mundo. Monitor considera necessário manter-se no centro marxista" (?! sem dúvi-
que para a burguesia seria muito perigoso que a soci- da uma gralha: deve ler-se "monitoria") (Klassen-
al-democracia se deslocasse ainda mais para a direi- kampf gegen den Krieg! Material zum "Fali Liebk-
ta: "Ela deve manter o caráter de partido operário com necht". Ais Manuskript gedruckt(8), p. 67). Deste
ideais socialistas. Porque no dia em que ela renunciar modo, vemos que o fato de que as massas são revolu-
a isso, surgirá um novo partido, que adotará o progra- cionárias foi reconhecido em nome de todos os kauts-
ma rejeitado pelo velho partido anterior e lhe dará uma kistas (o chamado "centro") já em Março de 1915!! E
formulação ainda mais radical" (Preussische Jahrbu- oito meses e meio mais tarde Kautsky de novo apre-
cher, 1915, n.0 4, pp. 50-51). senta a proposta de "reconciliar" as massas, que que-
Monitor acertou em cheio. Os liberais ingleses e rem lutar, com o partido oportunista, contra-
os radicais franceses sempre quiseram precisamente revolucionário, e isto com a ajuda de algumas frases
isso: frases de ressonância revolucionária, para enga- de sonoridade revolucionária!!
nar as massas, para que estas tenham confiança em A guerra tem muitas vezes a utilidade de pôr a nu
Lloyd George, Sembat, Renaudel, Legien e a podridão e rejeitar o convencionalismo.
Kautsky, em homens capazes de pregar a "defesa da Comparemos os fabianos ingleses com os
pátria" na guerra de rapina. kautskistas alemães. Eis o que escrevia acerca dos
Mas Monitor representa apenas uma das varieda- primeiros um verdadeiro marxista, Friedrich Engels,
des do oportunismo: aberta, grosseira, cínica. As em 18 de Janeiro de 1893: "... um bando de ambicio-
outras atuam dissimuladamente, subtilmente, "hones- sos que têm entendimento suficiente para verem a ine-
tamente". Engels disse uma vez: os oportunistas "ho- vitabilidade do revolucionamento social, mas para
nestos" são os mais perigosos para a classe operá- quem é, no entanto, impossível confiar este trabalho
ria...(7) Eis um exemplo: gigantesco ao proletariado imaturo... medo da revolu-
Kautsky escreve na Neue Zeit (de 26 de Novem- ção é o seu princípio fundamental..." (Correspondên-
bro de 1915): cia com Sorge, p. 390).
"Cresce a oposição contra a maioria; o espírito das E em 11 de Novembro de 1893 escreve: ..... estes
massas é de oposição." "Depois da guerra (só depois burgueses enfatuados que querem por benevolência

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condescender em libertar o proletariado de cima para onárias de massas "ainda teria alguma justificação se
baixo, desde que este queira ser tão inteligente para estivéssemos imediatamente em vésperas de uma
assim compreender que uma massa bruta inculta não revolução social, como aconteceu, por exemplo, na
pode libertar-se a si própria e não chega a nada a não Rússia, onde as manifestações estudantis de 1901
ser pela benevolência desses advogados, literatos, anunciavam a aproximação de batalhas decisivas con-
atemorizados e destas comadres sentimentais..." (ibi- tra o absolutismo". Mas no presente momento tudo
dem, p. 401). isso é uma "utopia", "bakuninismo", etc., inteiramente
Em teoria Kautsky olha os fabianos com despre- no espírito de Kolb, David, Sudekum e Legien.
zo, como o fariseu o pobre publicano. Porque ele jura O inefável Axelrod esquece simplesmente que
pelo "marxismo". Mas qual é na prática a diferença em 1901 na Rússia ninguém sabia nem podia saber
entre eles? Assinaram ambos o manifesto de Basile- que a primeira "batalha decisiva" teria lugar quatro
ia e atuaram ambos em relação a ele como Guilherme anos mais tarde - não esqueça: quatro anos mais
II em relação à neutralidade belga. Enquanto Marx tarde - e não seria "decisiva". E no entanto só nós, mar-
durante toda a sua vida fustigou as pessoas que pro- xistas revolucionários, tínhamos razão nessa altura:
curam abafar o espírito revolucionário dos operários. nós ridicularizámos os Kritchevski e os Martinov,
Kautsky opôs aos marxistas revolucionários a que apelavam imediatamente ao assalto. Nós apenas
nova teoria do "ultra-imperialismo". Por ultra- aconselhávamos os operários a expulsarem por toda
imperialismo ele entende a eliminação da "luta dos a parte os oportunistas e a apoiar, intensificar e alargar
capitais financeiros nacionais entre si" e a sua substi- com todas as suas forças as manifestações e outras
tuição pela "exploração conjunta do mundo pelo capi- ações revolucionárias de massas. A situação atual na
tal financeiro internacional" (N. Z., 30 de Abril de Europa é perfeitamente análoga: seria insensato ape-
1915). Mas acrescenta: "ainda não dispomos das pre- lar ao assalto "imediato". Mas seria vergonhoso intitu-
missas suficientes para decidir se esta nova fase do lar-se social-democrata e não aconselhar os operários
capitalismo é realizável". Assim, é com base apenas a romper com os oportunistas e consolidar, aprofun-
em suposições sobre uma "nova fase", sem ousar dar, alargar e intensificar com todas as suas forças o
declarar abertamente que ela é "realizável", que o movimento revolucionário e as manifestações que se
inventor dessa "fase" rejeita as suas próprias declara- iniciam. A revolução nunca cai do céu já pronta, e no
ções revolucionárias, rejeita as tarefas revolucionári- início da efervescência revolucionária nunca ninguém
as e a tática revolucionária do proletariado agora, na sabe se esta conduzirá e quando a uma revolução "ver-
"fase" da crise já iniciada, da guerra, de uma agudiza- dadeira", "autêntica". Kautsky e Axelrod dão aos ope-
ção maldita das contradições de classe! Não será isto rários conselhos velhos, gastos, contra-
o mais ignóbil fabianismo? revolucionários. Kautsky e Axelrod alimentam as
O líder dos kautskistas russos, Axelrod, vê "o cen- massas com a esperança de que a futura Internacio-
tro de gravidade do problema da internacionalização nal será já certamente revolucionária - trata-se apenas
do movimento libertador do proletariado na internacio- de presentemente proteger, encobrir e embelezar a
nalização da prática quotidiana": por exemplo, "a dominação dos elementos contra-revolucionários: os
legislação sobre a proteção do trabalho e a legislação Legien, os David, os Vandervelde, os Hyndman.
do seguro social devem ser objeto de ações e da orga- Pois não é evidente que a "unidade" com Legien e C.a
nização internacionais dos operários" (Axelrod, A constitui o melhor meio de preparar a "futura" Interna-
Crise da Social-Democracia, Zurique, 1915, pp. 39- cional revolucionária?
40). É perfeitamente claro que não só Legien, David, "A aspiração de transformar a guerra mundial em
os Webb, mas também o próprio Lloyd George, Nau- guerra civil seria uma loucura", declara o líder dos opor-
mann, Briand e Miliukov aderirão inteiramente a esse tunistas alemães, David (Die Sozialdemokratie und
"internacionalismo". Tal como em 1912, Axelrod está der Weltkrieg - A Social-Democracia e a Guerra Mundi-
disposto, em nome de um futuro muito, muito distante, al, 1915, p. 172), respondendo ao manifesto do Comi-
a proferir as frases mais revolucionárias, se a futura tê Central do nosso partido de 1 de Novembro de 1914
Internacional "atuar (contra os governos, em caso de (9). Nesse manifesto diz-se, entre outras coisas:
guerra) e levantar uma tempestade revolucionária". "Por maiores que pareçam as dificuldades dessa
Vejam lá como nós somos corajosos! Mas quando se transformação num ou noutro momento, os socialistas
trata de apoiar e desenvolver agora a efervescência nunca renunciarão a um trabalho preparatório siste-
revolucionária que começa entre as massas, então mático, perseverante, constante nesse sentido, desde
Axelrod responde que essa tática das ações revoluci- que a guerra se tornou um fato."
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(Também citado por David, p. 171.) Um mês antes aparelho organizativo, é possível, muito mais facil-
da publicação do livro de David o nosso partido publi- mente que no tempo da lei contra os socialistas, difun-
cou resoluções nas quais a "preparação sistemática" dir brochuras e panfletos ilegais e realizar "reuniões
era explicada do seguinte modo: não autorizadas"". "Não nos faltam meios nem vias,
1. Recusa dos créditos. 2. Ruptura da paz civil. 3. mas, visivelmente, falta a vontade" (Berner Tag-
Criação de organizações ilegais. 4. Apoio às manifes- wacht, 1915, n.0 271).
tações de solidariedade nas trincheiras. 5. Apoio a Será que estas más camaradas foram desviadas
todas as ações revolucionárias de massas. David é do bom caminho pelos "sectários" russos, etc.? Será
quase tão corajoso como Axelrod: em 1912 não con- que as verdadeiras massas são representadas não
siderava "loucura", em caso de guerra, a referência à por estas camaradas mas por Legien e Kautsky? Por
Comuna de Paris. Legien, que no seu relatório de 27 de Janeiro de 1915
Plekhánov, representante típico dos sociais- fulminava a idéia "anarquista" de criação de organiza-
chauvinistas da Entente, raciocina sobre a tática revo- ções ilegais; por Kautsky, que se tornou a tal ponto
lucionária do mesmo modo que David. Chama-lhe contra-revolucionário que em 26 de Novembro, quatro
"alucinofarsa". Mas ouçamos Kolb, oportunista con- dias antes da manifestação em Berlim de dez mil pes-
fesso, que escreveu: "O resultado da tática das pesso- soas, qualificou as manifestações de rua como uma
as que rodeiam Liebknecht seria uma luta levada até "aventura"!!
ao ponto de ebulição no seio da nação alemã" (Die Basta de frases, basta de "marxismo" prostituído
Sozialdemokratie am Scheidewege - A Social- à la Kautsky! Depois de 25 anos de existência da II
Democracia na Encruzilhada, p. 50). Internacional, depois do manifesto de Basileia, os
Mas o que é uma luta levada até ao ponto de ebu- operários não acreditarão mais em frases. O oportu-
lição, senão uma guerra civil? nismo mais do que amadureceu, passou definitiva-
Se a tática do nosso CC, que nos seus traços fun- mente para o campo da burguesia, transformando-se
damentais coincide com a tática da esquerda de Zim- em social-chauvinismo: ele rompeu espiritual e politi-
merwald, fosse uma "loucura", "um sonho", "uma aven- camente com a social-democracia. Romperá com ela
tura", "bakuninismo" - como afirmaram David, Plek- também organizativamente. Os operários reclamam
hánov, Axelrod, Kautsky, etc. -, ela nunca poderia já uma imprensa "sem censura" e reuniões "não auto-
conduzir à "luta no seio da nação", e muito menos ser rizadas", isto é, organizações clandestinas para apoi-
levada até ao ponto de ebulição. As frases anarquistas ar o movimento revolucionário das massas. Só uma tal
em parte nenhuma do mundo conduziram à luta no "guerra à guerra" é uma causa social-democrata e não
seio de uma nação. Em contrapartida, os fatos mos- uma frase. E a despeito de todas as dificuldades, das
tram que precisamente em 1915, em conseqüência da derrotas temporárias, dos erros, dos enganos, das,
crise suscitada pela guerra, cresce a efervescência essa causa levará a humanidade à revolução proletá-
revolucionária entre as massas, crescem as greves e ria vitoriosa.
as manifestações políticas na Rússia, as greves na Itá-
lia e na Inglaterra, as marchas da fome e as manifesta- Notas:
(1)Não se trata aqui da personalidade dos partidários de
ções políticas na Alemanha. Não será isto o início das
Kautsky na Alemanha, mas desse tipo internacional de falsos mar-
ações revolucionárias de massas? xistas que oscilam entre o oportunismo e o radicalismo mas na rea-
Apoio, desenvolvimento, alargamento, intensifi- lidade servem apenas de folha de parra ao oportunismo.
cação das ações revolucionárias de massas, criação Ministerialismo: o mesmo que millerandismo, tática oportunis-
de organizações ilegais, sem as quais mesmo nos paí- ta de participação dos socialistas em governos burgueses reacio-
nários. O termo surgiu em relação com a participação em 1899 do
ses "livres" não é possível dizer a verdade às massas
socialista francês Millerand no governo burguês de Waldeck-
populares: eis todo o programa prático da social- Rousseau.
democracia nesta guerra. Tudo o resto é mentira ou (2) A questão do millerandismo foi discutida em 1900 no con-
fraseologia, sejam quais forem as teorias oportunistas gresso de Paris da II Internacional. O congresso aprovou uma reso-
lução conciliatória proposta por K. Kautsky, a qual condenava a
ou pacifistas com que se enfeite (10).
participação dos socialistas no governo burguês , mas admitia a
Quando nos dizem que essa "tática russa" (ex- possibilidade dessa participação em casos "excepcionais". Os
pressão de David) não convém à Europa, nós respon- socialistas franceses utilizaram esta ressalva para justificar a sua
demos habitualmente indicando fatos. Em 30 de Outu- participação no governo da burguesia imperialista no período da
Primeira Guerra Mundial.
bro, em Berlim, apresentou-se na direção do partido
(3) A Crise da Social-Democracia.
uma delegação de camaradas, mulheres de Berlim, e (4) Bernsteinianismo: corrente oportunista na social-
declarou "que agora, com a existência de um grande democracia internacional surgida no fim do século XIX na Alema-
48
nha e designada segundo o nome de E. Bernstein, o mais aberto
representante do revisionismo. Bernstein pronunciava-se contra a Estalinismo e Bolchevismo
doutrina da revolução socialista e a ditadura do proletariado,
declarando como única tarefa do movimento operário a luta por Sobre as raízes históricas e teóricas da IV
reformas, pela melhoria da situação econômica dos operário no Internacional
quadro da sociedade capitalista.
Nos congressos do Partido Social Democrata Alemão K. Leon Trotsky
Kautsky criticou o bernsteinianismo, mas não colocou decidida-
mente a questão da incompatibilidade da revisão do marxismo
com a permanência de fileiras nas fileiras da social-democracia.
(5) Socialistas "amplos": na Bulgária o mesmo que "Obsche- As épocas reacionárias como a que estamos viven-
deltsi" . Corrente oportunista do Partido Social-democrata Búlga-
do não somente desintegram e debilitam a classe ope-
ro, que desde 1900 editou a revista Obscho Delo. Depois da cisão
do X Congresso (1903) do Partido Social-Democrata, os "obsche- rária e sua vanguarda, mas também rebaixam o nível
delsi" formaram o Partido Social-Democrata Búlgaro, reformista. ideológico geral do movimento e retroage o pensa-
Durante a Primeira Guerra Mundial os "obschedeltsi" tiveram uma mento político a etapas já amplamente superadas.
posição chauvinista.
Nestas circunstâncias, a tarefa mais importante da
(6) O destino conduz aquele que consente, arrasta aquele que
resiste. vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressi-
(7) F. Engels, Para a Crítica do Projeto de Programa Social- vo, e sim nadar contra a corrente. Se a relação de for-
Democrata de 1891. ças desfavorável impede manter as posições conquis-
(8) Luta de Classe contra a Guerra! Materiais para o "Caso tas, ao menos se deve aferrar a suas posições ideoló-
Liebknecht". Publicado como Manuscrito.
gicas, porque estas expressam as custosas experiên-
(9) Em 1º de Novembro d 1914 foi publicado no jornal Sotsial-
Demokrat o manifesto do CC do POSDR A Guerra e a Social- cias do passado. Os imbecis qualificarão esta política
Democracia Russa, escrito Lenin. O manifesto definiu o caráter da de "sectária". Na realidade, é a única maneira de pre-
Primeira Guerra Mundial como guerra imperialista e elaborou a parar um novo e enorme avanço quando se produzir o
tática dos bolcheviques: transformação da guerra imperialista em
próximo ascenso da maré histórica.
guerra civil. O manifesto condenou o social-chauvinismo dos diri-
gentes da II Internacional. A Reação Contra o Bolchevismo e o Marxis-
(10) No congresso internacional de mulheres em Berna, em mo
Março de 1915, as representantes do CC do nosso partido indica- As grandes derrotas políticas provocam inevita-
ram a necessidade absoluta de criar organizações ilegais. Isto foi velmente uma reconsideração dos valores, que geral-
rejeitado. As inglesas riram-se dessas propostas e enalteceram a
mente procede de duas direções. Por um lado, a ver-
"liberdade" inglesa. Mas alguns meses mais tarde foram recebidos
jornais ingleses, como por exemplo o Labour Leader *, com espa- dadeira vanguarda, enriquecida pela experiência da
ços em branco, e posteriormente chegaram notícias de buscas derrota, defende a herança do pensamento revolucio-
policiais, de confiscação de brochuras, prisões e sentenças draco- nário com unhas e dentes e, sobre esta base, trata de
nianas contra camaradas que na Inglaterra falavam da paz e só da
educar aos novos quadros para as próximas lutas de
paz!
*The Labour Leader (O Dirigente Operário): jornal semanal massas. Distintamente, os rotineiros, os centristas e
inglês, publica-se desde 1891. A partir de 1893 foi órgão do Partido os diletantes fazem todo o possível para destruir a
Trabalhista Independente da Inglaterra. Desde 1946 publica-se autoridade da tradição revolucionária e se voltam à
com o nome de Socialist Leader (Dirigente Socialista). busca do "novo verbo".
Poderíamos assinalar uma enorme quantidade
de exemplos de reação ideológica, a maioria dos
quais assume a forma da prostração. Toda a literatura
das internacionais Segunda e Terceira e de seus saté-
lites do Burô de Londres consiste essencialmente em
tais exemplos. Nem sombra de análise marxista.
Nenhuma tentativa séria de explicar as causas da der-
rota. Nem uma palavra nova acerca do futuro. Nada
mais que lugares-comuns, conformismo, mentira e,
acima de tudo, preocupação pela sobrevivência da
burocracia. Basta cheirar dez linhas de Hilferding ou
de Otto Bauer para sentir o odor de podridão [1].
Quanto aos teóricos da Comintern, nem sequer vale
a pena mencioná-los. O célebre Dimitrov é tão igno-
rante e trivial como um vendeiro com uma caneca de
cerveja. Os intelectos desta gente são demasiado pre-

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guiçosos para renunciar ao marxismo: o prostituem. eis aqui o resultado da dialética e da luta de classes! E,
Porém, estes não são os que nos interessam aqui. dado que a eleição de revelações está restrita pela
Vamos aos "inovadores". experiência histórica e... pelo conhecimento pessoal,
O ex-comunista austríaco Willi Shclamm publicou nosso reformador e perseguidor do Verbo se encontra
um folheto sobre os processos de Moscou sob o título com uma trouxa de roupa velha e a opõe valentemen-
sugestivo de "A ditadura da mentira" [2]. Schlamm é te ao bolchevismo e ao marxismo em seu conjunto.
um jornalista de talento que se ocupa principalmente À primeira vista, dir-se-ia que a reação ideológica
dos acontecimentos políticos do momento. Sua crítica tipo Schlamm é muitíssimo grosseira (de Marx a...
das fraudes judiciais de Moscou, assim como sua Kerenski!) para deter-se nela. Na realidade, é muito
denúncia do mecanismo psicológico das "confissões instrutiva: pelo seu primitivismo, representa o denomi-
voluntárias" é excelente. Entretanto, não se limita a nador comum da reação em todas suas formas, princi-
isso: pretende criar uma nova teoria do socialismo que palmente daquelas expressadas na condenação total
nos imunize contra novas derrotas e fraudes, no futu- ao bolchevismo.
ro. Porém, visto que Schlamm não é um teórico e, apa-
rentemente, não conhece bem a história do socialis- “De Volta ao Marxismo"?
mo, retorna completamente ao socialismo pré- O marxismo encontrou sua expressão histórica
marxista, principalmente à sua variante alemã, a mais mais elevada no bolchevismo. Sob a bandeira bolche-
atrasada, sentimental e simplista de todas. Schlamm vique se realizou a primeira vitória do proletariado e se
renuncia à dialética e à luta de classes, para não falar instaurou o primeiro estado operário. Contudo, visto
da ditadura do proletariado. Para ele, a questão da que na etapa atual a Revolução de Outubro conduziu
transformação da sociedade se reduz à realização de ao triunfo da burocracia, com seu sistema de repres-
certas verdades morais "eternas", com as quais quise- são, pilhagem e fraude - a ditadura da mentira, na feliz
ra imbuir a humanidade, inclusive sob o capitalismo. expressão de Schlamm -, muitas mentes formais e sim-
A tentativa de Willi Schlamm de salvar o socialis- plistas chegam à mesma conclusão sumária: não se
mo mediante o transplante de uma glândula moral foi pode lutar contra o stalinismo sem renunciar ao bol-
recebido com alvoroço e orgulho na revista Novaia chevismo. Como vimos, Schlamm vai, todavia, mais
Rossiia (velha revista provinciana russa que agora é longe: o bolchevismo, que degenerou em stalinismo,
publicada em Paris) de Kerenski: como era de espe- surgiu do marxismo, por conseguinte, não se pode
rar, a chefia da redação proclama que Schlamm che- combater o stalinismo com as bases assentadas pelo
gou aos princípios do autêntico socialismo russo, o marxismo. Outros indivíduos, menos conseqüentes
qual muito tempo atrás contrapôs os sagrados precei- porém mais numerosos, dizem o contrário: "devemos
tos de fé, esperança e caridade à austeridade e rigor retornar do bolchevismo ao marxismo". Como? A qual
da luta de classes. A "nova" doutrina dos social- marxismo? Antes de cair na "bancarrota", sob a forma
revolucionários russos é, em suas premissas "teóri- de bolchevismo, o marxismo já havia degenerado em
cas", um simples retorno ao socialismo alemão anteri- social-democracia. Significa, então, que "o retorno ao
or a março... de 1848! [3] Entretanto, seria injusto exi- marxismo" é um salto por cima das Segunda e Tercei-
gir de Kerenski um conhecimento mais profundo que ra internacionais... à Primeira Internacional? Porém,
o de Schlamm da história das idéias. É muito mais esta também se desmoronou em seu tempo. Portanto,
importante assinalar que este Kerenski, que se soli- em última instância, trata-se de voltar... às obras com-
dariza com Schlamm, quando dirigiu o governo acu- pletas de Marx e Engels. Qualquer um pode realizar
sou os bolcheviques de agentes do estado-maior ale- este salto mortal sem abandonar seu escritório, sem
mão e os perseguiu. Vale dizer que organizou as mes- sequer tirar os chinelos. Porém, como faremos para
mas fraudes judiciais contra as quais Schlamm mobili- passar dos nossos clássicos (Marx morreu em 1883,
za seus gastos absolutos metafísicos. Engels em 1895) às tarefas do nosso tempo, saltando
Não é difícil desentranhar o mecanismo psicológi- várias décadas de lutas teóricas e políticas, incluído o
co da reação ideológica representada por Schlamm e bolchevismo e a Revolução de Outubro? Nenhum dos
outros de sua espécie. É gente que participou durante que propõe renunciar ao bolchevismo como tendência
um tempo num movimento político que jurava fidelida- histórica "em bancarrota" mostrou outro caminho. Con-
de à luta de classes e apelava, se não nos fatos ao seqüentemente, o problema se reduz a estudar O
menos nas palavras, ao materialismo histórico. Tanto Capital. De nossa parte nenhuma objeção. Todavia,
na Áustria quanto na Alemanha o assunto culminou também os bolcheviques estudaram O Capital, e não
numa catástrofe. Schlamm tira uma conclusão global: com os olhos fechados. O que não impediu a degene-

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ração do estado soviético e a realização dos proces- tava claro desde o começo: que a conquista do poder,
sos de Moscou. Então, o que fazer? por importante que seja, de nenhuma maneira trans-
forma o partido em soberano do processo histórico. O
O Bolchevismo é o Responsável pelo Estalinis- partido que se apodera do estado pode, por certo, exer-
mo? cer sua influência sobre o desenvolvimento da socie-
É certo que o stalinismo é um produto legítimo do dade com um poder que antes lhe era inacessível,
bolchevismo, como sustentam todos os reacionários, porém, em troca, se decuplica a influência que os
como jura o próprio Stalin, como crêem os menchevi- demais elementos da sociedade exercem sobre ele.
ques, anarquistas e certos doutrinários de esquerda Um ataque direto das forças hostis pode retirá-lo do
que se consideram marxistas? "Sempre previmos - poder. Se o ritmo do processo é mais lento pode dege-
afirmam - ... ao proibir os demais partidos socialistas, nerar internamente sem perder o poder. Esta é preci-
reprimir os anarquistas e impor a ditadura bolchevique samente a dialética do processo histórico que escapa
nos soviets, a Revolução de Outubro somente podia aos lógicos sectários para os quais a decadência do
culminar na ditadura da burocracia. Stalin é a continu- stalinismo constitui um argumento aniquilador contra
ação e, por sua vez, a bancarrota do leninismo". o bolchevismo.
A falha neste raciocínio está na tácita identifica- Em essência, o que dizem esses cavalheiros é: o
ção do bolchevismo, a Revolução de Outubro e a partido que não contém em si mesmo a garantia con-
União Soviética. Substitui-se o processo histórico do tra sua própria degeneração é ruim. Com esse critério,
choque de forças hostis pela evolução do bolchevismo o bolchevismo está condenado, pois não tem talis-
no vazio. Entretanto, o bolchevismo é apenas uma ten- mãs. Porém, o critério é errôneo. O pensamento cien-
dência política, estreitamente fundida com a classe tífico exige uma análise concreta: como e por que o
operária, mas não idêntica à mesma. E na União partido degenerou? Até o momento, apenas os bol-
Soviética, ademais da classe operária, existem cem cheviques têm feito esta análise. E não lhes foi neces-
milhões de camponeses, várias nacionalidades e uma sário romper com o bolchevismo: seu arsenal lhes
herança de opressão, miséria e ignorância. O estado supriu de todas as ferramentas necessárias para acla-
construído pelos bolcheviques reflete não somente o rar sua mente. Chegaram à seguinte conclusão: é
pensamento e a vontade do bolchevismo, mas tam- certo que o stalinismo "adveio" do bolchevismo, mas
bém o nível cultural do país, a composição social da não de maneira mecânica e sim dialética, não como
população, a pressão de um passado bárbaro e um afirmação revolucionária, mas como negação termi-
imperialismo mundial não menos bárbaro. Apresentar doriana. Não é o mesmo.
o processo de degeneração do estado soviético como
a evolução do bolchevismo puro é ignorar a realidade O Prognóstico Fundamental do Bolchevismo
social em nome de apenas um elemento, isolado, Entretanto, os bolcheviques não tiveram que
mediante um ato de lógica pura. Basta chamar este esperar os processos de Moscou para explicar as
erro elementar por seu verdadeiro nome para destrui- razões da desintegração do partido governante da
lo sem deixar vestígios. URSS. Há muito tempo já previam e descreviam a pos-
Seja como for, o bolchevismo jamais se identifi- sibilidade teórica desse processo. Recordemos esse
cou com a Revolução de Outubro, nem com o estado prognóstico que os bolcheviques formularam não só
surgido desta. O bolchevismo sempre se considerou nas vésperas como também muitos anos antes da
um fator da histórica, o fator "consciente", importante Revolução de Outubro. É possível que, em virtude de
mas de nenhuma maneira o decisivo. Jamais caímos um determinado alinhamento de forças nacionais e
no pecado do subjetivismo histórico. Para nós, o fator internacionais, o proletariado conquiste o poder em
decisivo - sobre a base das forças produtivas existen- um país atrasado como a Rússia. Porém, o mesmo ali-
tes - era a luta de classes, não a escala nacional mas nhamento de forças demonstra de antemão que, sem
internacional. uma vitória mais ou menos rápida do proletariado nos
Ao fazer concessões à propriedade privada cam- países adiantados, o governo russo não sobreviverá.
ponesa, estabelecer regras estritas para o ingresso e O regime soviético abandonado a sua própria sorte
participação no partido, limpar o partido dos elemen- degenerará ou cairá. Mais precisamente, degenerará
tos estranhos, proibir outros partidos, introduzir a e depois cairá. Eu mesmo escrevi a respeito, a partir
NEP, entregar a concessão de empresas a setores de 1905. Em minha História da revolução russa (veja-
privados, firmar acordos diplomáticos com os gover- se o apêndice do último tomo: "O socialismo num só
nos imperialistas, os bolcheviques tiravam conclusões país") estão as declarações formuladas pelos dirigen-
parciais de um fato que, no terreno teórico, lhes resul- tes bolcheviques entre 1917 e 1923. Todas levam à
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mesma conclusão: sem revolução no ocidente o bol- perigo. Ao registrar os sintomas de degeneração, dia a
chevismo será liquidado pela contra-revolução inter- dia, tratou de opor a vontade consciente da vanguarda
na, a intervenção estrangeira ou uma combinação de proletária ao termidor crescente. Entretanto, o fator
ambas. Lênin sublinhou mais de uma vez que a buro- subjetivo se mostrou insuficiente. As "grandes mas-
cratização do estado soviético não era um problema sas" que, segundo Lênin, definem o resultado da luta,
teórico ou organizativo mas o começo potencial da se cansaram das privações internas e de aguardar a
degeneração do estado operário. revolução mundial. Seu estado de ânimo decaiu. A
No décimo primeiro congresso do partido (março burocracia se impôs. Atemorizou a vanguarda proletá-
de 1922) Lênin falou do apoio que certos políticos bur- ria, pisoteou o marxismo, prostituiu o Partido Bolchevi-
gueses, como o professor liberal Ustrialov, ofereciam que. O stalinismo triunfou. O bolchevismo, sob a forma
à Rússia soviética sob a NEP. "Estou a favor de apoiar da Oposição de Esquerda, rompeu com a burocracia
o governo soviético, disse Ustrialov, apesar de ter sido soviética e sua Comintern. Assim foi o verdadeiro pro-
um democrata constitucional, burguês e partidário da cesso.
intervenção.[4] Estou a favor de apoiar o governo É certo que, no sentido formal, o stalinismo surgiu
soviético porque tem tomado um rumo que o conduzi- do bolchevismo. Até o dia de hoje a burocracia de Mos-
rá ao estado burguês comum". Lênin preferia a cínica cou continua se intitulando Partido Bolchevique. Utili-
voz do inimigo às "sentimentais mentiras comunistas". za o velho rótulo do bolchevismo para melhor enganar
Sóbria e asperamente, advertia o partido do perigo: as massas. Ainda mais dignos de lástima são os teóri-
"Devemos dizer francamente que as coisas que disse cos que confundem a casca com o miolo, a aparência
Ustrialov são possíveis. A histórica conhece todo tipo com a realidade. Ao identificar o stalinismo com o bol-
de metamorfoses. Confiar na firmeza das convicções, chevismo rendem os melhores préstimos aos termido-
na lealdade e em outras magníficas qualidades morais rianos e, justamente por isso, desempenham um
é tudo, menos uma atitude séria em política. Alguns papel evidentemente reacionário.
poucos possuirão qualidades morais magníficas, Eliminados todos os demais partidos da cena polí-
porém os problemas históricos são resolvidos pelas tica, os interesses e tendências políticas antagônicas
grandes massas, as quais tratam aos poucos sem con- dos diversos extratos da população devem se expres-
siderar se estes não lhes gostam" (Lênin, Obras com- sar, em maior ou menor medida, no partido governan-
pletas, vol. 33, pp. 286-287). Enfim, o partido não é o te. Na medida em que o centro de gravidade político se
único fator do processo e, à escala histórica mais transferiu da vanguarda para a burocracia, foi alterada
ampla, nem sequer é o fator decisivo. tanto a estrutura social quanto a ideologia do partido.
"Uma nação conquista a outra, prossegue Lênin Em quinze anos, o desenvolvimento precipitado do
no mesmo congresso - o último a que assistiu. Isso é processo lhe provocou uma degeneração muito mais
simples, qualquer um pode entender. Porém, o que radical que a sofrida pela social-democracia em meio
sucede com a cultura de ambas as nações? Isso não é século. Depois das expulsões, a linha demarcatória
tão simples. Se a nação conquistadora é mais culta entre o stalinismo e o bolchevismo não é uma linha
que a vencida, aquela impõe sua cultura a esta; se sangrenta e sim um rio de sangue. A aniquilação de
sucede o contrário, os conquistados impõem sua cul- toda a velha geração bolchevique, de um setor impor-
tura ao conquistador. Não ocorreu algo parecido na tante da geração intermediária - a que participou na
capital (da República Russa)? Não sucedeu que 4.700 guerra civil -, e do setor da juventude que assumiu seri-
comunistas (quase uma divisão do exército, e o amente as tradições bolcheviques, demonstra que
melhor deste) se encontram sob a influência de uma entre o bolchevismo e o stalinismo existe uma incom-
cultura alheia?" (Idem, p. 288) patibilidade que não é apenas política mas também
Isso foi dito em princípios de 1922, e não pela pri- diretamente física. Como ignorar isso?
meira vez. A história não é feita por poucos, nem
sequer pelos "melhores". Mais ainda: os "melhores" Estalinismo e “Socialismo de Estado”
podem degenerar no espírito de uma cultura alheia, Por sua parte, os anarquistas querem ver no stali-
isto é, burguesa. Assim como o estado soviético pôde nismo um produto orgânico não somente do bolche-
abandonar o socialismo, o Partido Bolchevique pôde, vismo e do marxismo mas também do "socialismo de
em condições históricas desfavoráveis, perder seu bol- estado" em geral. Estão dispostos a trocar o conceito
chevismo. patriarcal, de Bakunin, de "federação de comunas
A Oposição de Esquerda surgiu definitivamente livres" pelo conceito mais moderno de federação de
em 1923, a partir de uma compreensão clara deste soviets livres. [5] Contudo, hoje como ontem, se
opõem ao poder estatal centralizado. Nos fatos, um
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setor do marxismo "estatal" - a social-democracia -, provavelmente, todavia, existem - que diziam que não
chegou ao poder e se converteu num franco agente do há coisa mais nociva para um exército que a guerra. A
capitalismo. Do outro lado surgiu uma casta privilegia- essa mesma categoria pertencem os revolucionários
da. É evidente que a raiz do mal seja o estado. cuja doutrina é destruída pela revolução.
Desde um ponto de vista histórico amplo, este Os marxistas coincidem plenamente com os anar-
raciocínio contém uma réstia de verdade. O estado, quistas quanto ao objetivo final: a abolição do estado.
enquanto aparato de coerção é, sem dúvida, uma Os marxistas são "estatistas" tão somente na medida
fonte de degeneração política e moral. A experiência em que se torna impossível abolir o estado ignorando-
demonstra que isto também sucede no caso do estado o. A experiência do stalinismo não refuta as lições do
operário. Pode-se dizer, portanto, que o stalinismo é marxismo: as confirma, pela inversão. Evidentemen-
produto de uma situação na qual a sociedade foi inca- te, a doutrina revolucionária que ensina ao proletaria-
paz de livrar-se da camisa-de-força do estado. Toda- do a encontrar a orientação justa e a aproveitar ativa-
via, esta situação não serve para avaliar o marxismo e mente cada situação não contém uma garantia auto-
o bolchevismo: caracteriza tão somente o nível cultu- mática de vitória. Todavia, somente se pode alcançar a
ral geral da humanidade e, sobretudo, a relação de for- vitória mediante a aplicação dessa doutrina. De outra
ças entre o proletariado e a burguesia. Mesmo coinci- parte, não se deve visualizar a vitória como um fato úni-
dindo com os anarquistas em que o estado, incluindo o co. Esta deve ser projetada sobre a perspectiva da
estado operário, é filho da barbárie de classe e que a época histórica. O primeiro estado operário - montado
verdadeira história da humanidade começará com a sobre bases econômicas inferiores às do imperialismo
abolição do estado, ainda resta, com todo vigor, o e cercado por este - se transformou na polícia do stali-
seguinte questionamento: quais serão as "vias e méto- nismo. Porém, o bolchevismo autêntico lançou uma
dos" que conduzirão, por último, à abolição do estado? luta de vida ou morte contra essa polícia. Agora, o sta-
A experiência recente nos demonstra que esses méto- linismo, para se manter no poder, vê-se obrigado a lan-
dos não serão os dos anarquistas, com certeza. çar uma guerra civil aberta contra o bolchevismo, sob
No momento crítico, os dirigentes da CNT - a o rótulo de "trotskismo", não apenas na URSS mas
única organização anarquista importante do mundo - também na Espanha. O velho Partido Bolchevique
entraram para a equipe ministerial burguesa.[6] Para está morto, mas o bolchevismo levanta a cabeça em
justificar sua traição aos princípios do anarquismo todas as partes.
invocaram a pressão das "circunstâncias especiais". Deduzir o stalinismo do bolchevismo ou do mar-
Porém, acaso os dirigentes social-democratas ale- xismo equivale, num sentido mais amplo, a deduzir a
mães não invocaram o mesmo pretexto, em seu contra-revolução da revolução. Esta verdade conheci-
momento? Logicamente, a guerra civil não é uma situ- da tem sido uma característica do pensamento liberal-
ação pacífica, nem comum, mas sim uma "circunstân- conservador e também do reformista. Devido à estru-
cia excepcional". Entretanto, as organizações revolu- tura de classes da sociedade, as revoluções sempre
cionárias sérias se preparam para atuar, justamente, engendram contra-revoluções. Isso não significa - diz
em "circunstâncias excepcionais". A experiência da o lógico - que o método revolucionário tem uma falha
Espanha demonstrou mais uma vez que se pode "ne- intrínseca? Apesar disso, até o momento nem os libe-
gar" o estado em panfletos publicados em "circunstân- rais nem os reformistas descobriram um método mais
cias normais", com a permissão do estado burguês, econômico. Mas, se não é fácil racionalizar o processo
mas que as circunstâncias da revolução não permitem histórico vivido, não é em absoluto difícil encontrar
"negar" o estado; ao contrário, exigem a conquista do uma interpretação racional de suas sucessivas ondas
estado. Não temos a menor intenção de condenar os e deduzir, por pura lógica, o stalinismo do "socialismo
anarquistas por não ter abolido o estado "com um de estado", o fascismo do marxismo, a reação da revo-
golpe de mão". A conquista do poder (que os dirigen- lução, enfim, a antítese da tese. Neste terreno, como
tes anarquistas se mostraram incapazes de realizar, em muitos outros, o pensamento anarquista cai no raci-
apesar do heroísmo demonstrado pelos operários onalismo liberal. Não pode haver pensamento revolu-
anarquistas) de maneira alguma converte o partido cionário autêntico sem dialética.
revolucionário em senhor soberano da sociedade.
Porém, condenamos sim, severamente, a teoria anar- Os "Pecados" Políticos do Bolchevismo:
quista que, mesmo aparentemente apta para épocas Origem do Estalinismo
de paz, teve que ser abandonada rapidamente quan- Em certas ocasiões, os argumentos dos raciona-
do apareceram as "condições excepcionais" da... revo- listas assumem, ao menos em sua forma externa, um
lução. Existiam, nos velhos tempos, certos generais - caráter mais concreto. Não deduzem o stalinismo do
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bolchevismo em sua totalidade, mas de seus pecados unfado tão-somente na Alemanha, houvera desapare-
políticos.[7] Os bolcheviques - segundo Gorter, Pan- cido por completo a necessidade de proibir os partidos
nekoek, certos "espartaquistas" e outros sujeitos [8] - soviéticos. É absolutamente indiscutível que a domi-
substituíram a ditadura do proletariado pela ditadura nação do partido único serviu como ponto de partida
do partido; Stalin trocou a ditadura do partido pela dita- jurídico para o sistema totalitário stalinista. Porém, a
dura de sua burocracia. Os bolcheviques destruíram causa deste processo não está no bolchevismo nem
todos os partidos, menos o próprio; Stalin estrangulou na proibição dos demais partidos, como medida tran-
o Partido Bolchevique com o altar de sua camarilha sitória de guerra, mas sim nas derrotas do proletariado
bonapartista. Os bolcheviques firmaram acordos com na Europa e na Ásia.
O mesmo pode ser dito da luta contra o anarquis-
a burguesia; Stalin se converteu em aliado e apoio da
mo. Durante o período heróico da revolução os bol-
burguesia. Os bolcheviques sustentavam a necessi-
cheviques lutaram ombro a ombro com os anarquistas
dade de participar nos velhos sindicatos e no parla-
autenticamente revolucionários. Muitos passaram
mento burguês; Stalin buscou e conseguiu a amizade
para as fileiras do partido. Mais de uma vez, Lênin e o
da burocracia sindical e da democracia burguesa.
autor destas linhas discutiram a possibilidade de con-
Pode-se fazer comparações semelhantes, à vontade.
ceder aos anarquistas determinados territórios onde,
Com toda sua aparente contundência, seu valor é
com o consentimento da população local, pudessem
nulo.
realizar a experiência de abolir o estado. Porém, a
O proletariado apenas pode conquistar o poder
guerra civil, o bloqueio e a fome não permitiram dar
por intermédio de sua vanguarda. A necessidade do
vazão a tais planos. A insurreição de Kronstadt? Toda-
poder estatal é, por si, um produto do insuficiente nível
via, naturalmente, o governo revolucionário não podia
cultural e da heterogeneidade das massas. A vanguar-
"presentear" a fortaleza que defendia a capital aos
da revolucionária, organizada em partido, cristaliza as
marinheiros insurretos, simplesmente porque alguns
aspirações de liberdade das massas. Se a classe não
anarquistas vacilantes se uniram à rebelião reacioná-
confia na vanguarda, se a classe não apóia a vanguar-
ria dos soldados e dos camponeses. A análise históri-
da, nem sequer se pode falar de conquista do poder.
ca concreta dos acontecimentos reduz a pó todas as
Neste sentido, a revolução e a ditadura proletária é
lendas sobre Kronstadt, Majno e outros episódios da
obra da classe em seu conjunto, porém sob a direção
revolução, baseadas na ignorância e no sentimenta-
da vanguarda. Os soviets são somente a forma orga-
lismo.
nizada do vínculo entre a vanguarda e a classe. Ape-
Resta apenas o fato de que, desde o começo, os
nas o partido pode dar a esta forma o conteúdo revolu-
bolcheviques aplicaram não somente a convicção
cionário, tal como demonstram a experiência da Revo-
mas também a compulsão, freqüentemente da manei-
lução de Outubro e a experiência negativa de outros
ra mais brutal. Também é indubitável que a burocracia
países (Alemanha, Áustria, agora Espanha). Ninguém
que surgiu da revolução posteriormente monopolizou
tem demonstrado na prática, nem tratado de explicar,
o sistema coercitivo para seus próprios fins. Cada
em forma articulada sobre o papel, como o proletaria-
etapa de um processo, inclusive quando se trata
do pode conquistar o poder sem a direção política de
essencialmente da casta de usurpadores, são hostis a
um partido que sabe o que quer. A subordinação políti-
qualquer teoria: não pode prestar contas de seu papel
ca dos soviets aos dirigentes do partido, através do
de mudanças tão catastróficas como a revolução e a
partido, não aboliu o sistema soviético, da mesma
contra-revolução, parte do estado anterior, está enrai-
maneira que a maioria conservadora não tem abolido
zada nele e conserva algumas de suas característi-
o sistema parlamentar britânico.
cas. Os liberais, inclusive os Webb, têm dito sempre a
Quanto à proibição dos demais partidos soviéti-
cos, esta não é produto de uma "teoria" bolchevique, e ditadura bolchevique é uma nova versão do czarismo.
sim uma medida de defesa da ditadura de um país atra- [9] Fecham os olhos para "detalhes" tais como a aboli-
sado e devastado, rodeado de inimigos. Os bolchevi- ção da monarquia e da nobreza, a entrega da terra aos
ques compreenderam claramente, desde o princípio, camponeses, a expropriação do capital, a introdução
que esta medida, complementada posteriormente da economia planificada, a educação atéia etc. Assim
com a proibição de frações no próprio partido gover- mesmo, o pensamento liberal-anarquista esquece
nante, indicava um perigo enorme. Entretanto, o peri- que a revolução bolchevique, com toda sua coerção,
go não estava na doutrina nem na tática, mas sim na significou um revolver de todas as relações sociais a
debilidade material da ditadura e nas dificuldades favor das massas, enquanto que a reviravolta stalinis-
internas e internacionais. Se a revolução houvesse tri- ta termidoriana acompanha a transformação da socie-
dade soviética em favor dos interesses de uma mino-
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ria privilegiada. Evidentemente, o pensamento que seguem pensando que os bolcheviques exageram pro-
identifica o stalinismo com o bolchevismo não contém positalmente as diferenças, que são incapazes de
um grão de critério socialista. colaborar de forma "leal" e que, com suas "intrigas",
rompem a unidade do movimento operário. Por sua
Problemas de Teoria parte, o centrista sensível e melindroso sempre acre-
Uma das marcas mais visíveis do bolchevismo ditou que os bolcheviques o "caluniavam"... simples-
tem sido sua atitude severa, exigente, inclusive irascí- mente porque desenvolviam os vagos pensamentos
vel com respeito às questões teóricas. Os 27 volumes do centrista até o fim: ele jamais pôde fazê-lo. Mas, é
das obras de Lênin permanecerão para sempre como fato que somente a valorosa qualidade de manter uma
um exemplo da mais elevada seriedade teórica. [10] atitude intransigente contra tudo o que seja sofisma e
Sem esta qualidade fundamental, o bolchevismo jama- evasão permitiu ao partido revolucionário se educar e
is houvera realizado sua missão histórica. Nesta esfe- não ser surpreendido por "circunstâncias excepciona-
ra, o stalinismo, grosseiro, ignorante e totalmente is".
empírico, se encontra no pólo oposto. Em última instância, as qualidades morais de qual-
Há mais de dez anos a Oposição declarou em seu quer partido derivam dos interesses históricos que
programa: "Desde a morte de Lênin se criou toda uma este representa. As qualidades morais bolcheviques
série de teorias novas, cuja única finalidade é justificar de abnegação, desinteresse, audácia e desprezo por
o distanciamento dos stalinistas do caminho da revo- todo ornamento e falsidade - as maiores qualidades
lução proletária internacional." [11] Há poucos dias, o do ser humano! - derivam de sua intransigência revo-
autor norte-americano Liston M. Oak, que participou lucionária a serviço dos oprimidos. Neste terreno, a
na revolução espanhola, escreveu o seguinte: "Hoje burocracia stalinista imita os termos e gestos do bol-
em dia os stalinistas são os maiores revisionistas de chevismo. Porém, a "intransigência" e a "inflexibilida-
de", aplicadas por um aparato policial a serviço de
Marx e Lênin: Bernstein não se atreveu a recorrer
uma minoria privilegiada, se convertem em fonte de
nem à metade do caminho que Stalin recorreu na revi-
desmoralização e gangsterismo. Só nos resta sentir
são de Marx." [12] É totalmente certo. Somente falta
desprezo por esses cavalheiros que identificam o hero-
acrescentar que Bernstein devia satisfazer certas
ísmo revolucionário dos bolcheviques com o cinismo
necessidades teóricas: tratou conscientemente de burocrático dos termidorianos.
estabelecer a relação entre a prática reformista e o pro- Hoje em dia, apesar dos acontecimentos dramáti-
grama da social-democracia. A burocracia stalinista, cos do passado recente, o filisteu comum quer crer
ao contrário, é alheia não só ao marxismo mas tam- que o choque entre o bolchevismo ("trotskismo") e o
bém a qualquer doutrina ou sistema. Sua "ideologia" stalinismo é um mero choque de ambições pessoais
está imbuída de subjetivismo policialesco; sua prática ou, no melhor dos casos, entre dois "matizes" do bol-
é o empirismo da violência desnudada. Pela natureza chevismo. Temos a expressão mais grosseira desta
mesma de seus interesses essenciais, esta casta dos
opinião em Norman Thomas, dirigente do Partido
usurpadores é hostil a toda teoria: ela não pode pres-
Socialista norte-americano: "Existem poucas razões
tar contas de seu papel social nem a si mesma nem a
para acreditar - escreve (American Socialist Review,
ninguém. Stalin revisa a Marx e a Lênin não com a
setembro de 1937, p. 6) - que se o ganhador (!) hou-
pena do teórico mas sim com a bota da GPU.
vesse sido Trotsky, no lugar de Stalin, teria terminado
as intrigas, conjuras e o reino do terror na Rússia." O
O Problema Moral
homem que escreve isso se considera ...marxista. Apli-
Os que mais se queixam da "imoralidade" dos bol-
cando o mesmo critério, poderíamos dizer: "Existem
cheviques são essas nulidades presunçosas a quem o
poucas razões para acreditar que se o titular da Santa
bolchevismo arrancou as máscaras baratas. Os círcu-
Sé não fosse Pio XI e sim Norman I, a igreja católica
los pequeno-burgueses, intelectuais, democráticos,
se transformaria num bastião do socialismo."
"socialistas", literários, parlamentares e outros do
Thomas se nega a compreender que não se trata
mesmo calão conservam os valores convencionais,
de uma briga entre Stalin e Trotsky, mas sim do anta-
ou empregam uma linguagem convencional para ocul-
tar sua falta de valores. Essa vasta e colorida coopera- gonismo entre a burocracia e o proletariado. É certo
tiva de proteção mútua - "viver e deixar viver" - não que a burocracia governante se vê obrigada, inclusive
pode suportar o roçar do bisturi marxista em sua pele hoje, a se adaptar à herança da revolução, ainda não
sensível. Esses teóricos, escritores e moralistas que totalmente liquidada, ao mesmo tempo em que prepa-
oscilam entre os distintos campos, pensavam e ra uma mudança no regime social através da guerra
civil ("limpeza" sangrenta: aniquilação em massa dos
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descontentes). Porém, na Espanha a camarilha stali- sará igualmente à história como uma das maiores
nista já atua abertamente como baluarte da ordem bur- lições da humanidade. Somente os sectários desgos-
guesa contra o socialismo. Diante de nossos olhos, a tosos e ofendidos, que deram as costas ao processo
luta contra a burocracia bonapartista se transforma histórico, podem ignorar isso.
em luta de classes: dois mundos, dois programas, Mas isso não é tudo. O Partido Bolchevique pôde
duas morais. Se Thomas pensa que a vitória do prole- realizar sua magnífica obra "prática" porque iluminou
tariado socialista sobre a infame casta de opressores todos seus passos com a teoria. O bolchevismo não
não regeneraria política e moralmente o regime sovié- criou a teoria: essa foi propiciada pelo marxismo.
tico, então demonstra que, apesar de suas reservas, Porém, o marxismo é a teoria do movimento, não do
evasões e suspiros piedosos, se encontra muito mais estancamento. Somente os acontecimentos de gran-
próximo da burocracia stalinista que dos operários. de envergadura histórica poderiam enriquecer a pró-
Thomas, igual a todos os que se enfurecem com a pria teoria. O bolchevismo fez aportes de grande valor
"imoralidade" bolchevique, não está à altura da moral ao marxismo: a análise da época imperialista como
revolucionária. época de guerras e revoluções; a democracia burgue-
sa na era da decadência capitalista; a relação recípro-
As Tradições Bolcheviques e a IV Internaci- ca entre greve geral e insurreição; o papel do partido,
onal os soviets e os sindicatos na época de decadência
Os "esquerdistas" que trataram de "retornar" ao capitalista; por último, a análise da degeneração do
marxismo passando ao largo do bolchevismo, geral- próprio Partido Bolchevique e do estado soviético.
mente caíram em panacéias isoladas: boicote aos Que se nomeie alguma tendência que haja agregado
velhos sindicatos, boicote ao parlamento, criação de algum aporte essencial às conclusões e generaliza-
soviets "autênticos". Tudo isso podia parecer muito ções do bolchevismo. Nos terrenos teórico e político,
profundo ao calor dos primeiros dias do pós-guerra. Vandervelde, De Brouckere, Hilferding, Otto Bau-
Agora, depois das experiências recentes, semelhan- er, León Blum, Zyromsky, sem falar do grande Attlee
tes "enfermidades infantis" nem sequer se mostram e Norman Thomas, vivem dos restos apodrecidos do
interessantes objetos de estudo. Os holandeses Gor- passado. [14] A expressão mais grosseira da degene-
ter e Pannekoek, os "espartaquistas" alemães, os ração da Comintern é seu declínio ao nível teórico da
bordiguistas italianos, quiseram demonstrar sua inde- Segunda Internacional. Os grupos intermediários em
pendência do bolchevismo: exaltaram artificialmente todas suas variantes (Partido Trabalhista Independen-
uma de suas características e a opuseram às demais. te da Grã Bretanha, POUM e outros) adaptam frag-
[13] Porém, nada resta destas tendências de "esquer- mentos tomados aleatoriamente de Marx e Lênin a
da", nem a teoria nem a prática; prova indireta mas con- suas necessidades de cada semana. Nada podem
tundente de que o bolchevismo é o único marxismo ensinar aos operários.
possível para nossa época. Somente os fundadores da IV Internacional, que
O Partido Bolchevique mostrou na ação a combi- têm assumido a tradição de Marx e Lênin, mantêm
nação da maior audácia revolucionária com o realismo uma atitude séria com a teoria. Os filisteus podem zom-
político. Mostrou, pela primeira vez, qual é a única rela- bar dos revolucionários que, vinte anos depois da
ção entre vanguarda e classe capaz de garantir a vitó- Revolução de Outubro, voltam a se converter em
ria. Demonstrou na experiência que a aliança entre o modestos grupos de propaganda e preparação. Neste
proletariado e as massas oprimidas da pequena bur- terreno, como em tantos outros, os grandes capitalis-
guesia rural e urbana requer a prévia derrota política tas demonstram ser muito mais perspicazes que os
dos partidos pequeno-burgueses tradicionais. O Parti- pequenos burgueses que se consideram "socialistas"
do Bolchevique mostrou ao mundo inteiro como se ou "comunistas". Não é casual que o tema da IV Inter-
deve realizar a insurreição armada e a conquista do nacional não desapareça das colunas da imprensa
poder. Quem contrapõe a abstração dos soviets à dita- mundial. A candente necessidade histórica de cons-
dura do partido deve compreender que somente gra- truir uma direção revolucionária assegura à IV Interna-
ças à direção bolchevique os soviets puderam elevar- cional um ritmo de crescimento excepcionalmente rápi-
se do lodo reformista e ascender à forma estatal prole- do. A maior garantia de seu futuro êxito radica em que
tária. Na guerra civil o Partido Bolchevique conseguiu não tenha surgido separada do grande caminho histó-
a justa combinação da arte militar e política marxista. rico, mas como produto orgânico do bolchevismo.
Se a burocracia stalinista conseguir destruir os alicer-
ces econômicos da nova sociedade, a experiência da
economia planificada sob a direção bolchevique pas-
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Notas: gradual do capitalismo, empregando métodos parlamentares; por
[1] Rudolph Hilferding (1877-1941): dirigente social-democrata conseguinte, o movimento operário devia abandonar a política
alemão antes da I Guerra Mundial, foi pacifista durante a mesma. classista e adotar a da colaboração de classes.
Foi ministro da Fazenda nos governos burgueses de 1923 e 1928. [13] Bordiguistas italianos: grupo ultra-esquerdista dirigido por
Morreu num campo de concentração nazista durante a II Guerra Amadeo Bordiga (1889-1970), expulso do PC italiano acusado de
Mundial. ser "trotskista", em 1929. Os trotskistas trataram de trabalhar com
[2] Willi Schlamm (nascido em 1904): um dos fundadores da os bordiguistas, porém não puderam devido ao sectarismo destes
Oposição de Direita austríaca. Com a chegada de Hitler ao poder, últimos: por exemplo, se opunham à frente única por razões princi-
publicou vários artigos importantes de Trotsky na Die Neue Welt- pistas.
buehne, revista que dirigia. Posteriormente, se radicou nos Esta- [14] Emile Vandervelde (1866-1938): dirigente do Partido Tra-
dos Unidos e foi editor da rede de publicações Henry Luce. balhista belga e presidente da Segunda Internacional, 1929-36.
[3] Socialismo anterior a março de 1848: refere-se ao socialis- Foi ministro durante a Primeira Guerra Mundial e firmou o tratado
mo utópico, refutado e repudiado por Marx e Engels quando inicia- de Versalles, em nome da Bélgica. Louis de Brouckere: dirigente
ram a construção do movimento revolucionário. do trabalhismo belga e belicista durante a Primeira Guerra Mundi-
[4] N. V. Ustrialov: membro do Partido Democrata Constitucio- al. Presidiu a Segunda Internacional em 1937-39. Clement Attlee
nal (Cadete), era um liberal, partidário de uma monarquia constitu- (1883-1967): dirigente do Partido Trabalhista inglês a partir de
cional ou de uma república na Rússia. O Cadete era um partido de 1935, ocupou postos no gabinete de Winston Churchill em 1940-
latifundiários, burgueses meios e intelectuais burgueses progres- 45. Quando o trabalhismo ganhou as eleições de 1945, Attlee foi
sivos. Ustrialov se opôs à revolução bolchevique, mas logo traba- nomeado primeiro-ministro e ocupou esse cargo até 1951.
lhou para o governo soviético, acreditando que este seria obrigado
a restaurar o capitalismo. Preso em 1937, foi acusado de realizar
atividades anti-soviéticas e desapareceu.
[5] Mijail Bakunin (1814-1876): contemporâneo de Marx e
membro da I Internacional, foi o fundador do anarquismo. Sua teo-
ria propugnava a abolição do estado e a criação de uma federação
de comunidades livres.
[6] CNT (Confederação Nacional do Trabalho): federação anar-
co-sindicalista espanhola.
[7] Um dos representantes destacados desta corrente de pen-
samento é o francês B. Souvarine, autor de uma biografia de Sta-
lin. O lado fático e documental de sua obra é produto de uma inves-
tigação prolongada e séria. Porém, a filosofia histórica deste autor
brilha por sua vulgaridade. Busca a explicação dos contratempos
históricos posteriores nas falhas intrínsecas do bolchevismo. Para
ele não existem as pressões do verdadeiro processo histórico
sobre o bolchevismo. Tai'ne, com sua teoria do "entorno", se
encontra mais próximo de Marx que Souvarine (Nota de LT). (Hip-
polyte Tai'ne (1929-1893) - filósofo francês cujas teorias determi-
nistas, segundo as quais o homem é produto da herança, do condi-
cionamento histórico e do meio social, se converteram na base da
escola naturalista.
[8] Hermann Gorter (1828-1927) e Anton Pannekoek (1873-
1960): escritores da esquerda social-democrata holandesa.
Durante a I Guerra Mundial foram pacifistas e internacionalistas e
se vincularam à esquerda de Zimmerwald. Ingressaram no PC
holandês em 1918, mas se opuseram à participação dos comunis-
tas nos sindicatos e no parlamento. Criticados por seu ultra-
esquerdismo, se separaram do PC em 1921. Os primeiros espar-
taquistas tomaram o nome do Partido Comunista alemão em
1919. Posteriormente, distintas seitas oportunistas e ultra-
esquerdistas da Alemanha e outros países utilizaram esse nome.
Trotsky se refere, aqui, a estas últimas.
[9] Sydney (1859-1947) e Beatrice (1858-1943) Webb: socia-
listas fabianos ingleses e admiradores da burocracia stalinista.
[10] Para 1977, as Obras completas (edição em inglês) de
Lênin (Moscou, Editorial Progresso), totalizavam 45 volumes.
[11] Veja-se a "Plataforma da Oposição" em The Challenge of
the Left Opposition (1926-27), New York, Pathfinder Press, 1979.
[12] Liston Oak (1895-1970): jornalista, rompeu com os stali-
nistas durante a guerra civil espanhola em 1937. Escreveu durante
um tempo para a imprensa trotskista mas logo se filiou à social-
democracia. Eduard Bernstein (1850-1932): principal teórico do
revisionismo na social-democracia alemã. Sustentava que o mar-
xismo já não era válido e devia ser "revisado": o socialismo não
seria produto da luta de classes e da revolução, mas da reforma
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