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BIBLIOTECA PIONEIRA DE CIENCIAS SOCIAIS i ROGER BASTID Ez ae atta Conselho Diretor: o ie Py As Religides Africanas Ruy COELHO no Brasil Contribuigéo a Uma Sociologia, das Interpenetragdes de Civilizagdes Luiz Pereira (in memoriam) José be SOUZA MARTINS Tradugdio de MARIA BLOISA CAPELLATO OLIVIA KRAHENBORL 3S" -Ecicao aati ea a OP a LIVRARIA PIONEIRA EDITORA i sro fugitivo levaré 20s indios de Mato Grosso, em lugares jamais tocados pelas missGes ctistas, o8 rudimentos do catolicismo, ‘Todos os fendmenos religiosos africanos da época colo- nial, ou quase todos, devem ser interpretados através desse lima de resisténcia cultural; mas a resisténcia nfo é um fend- ‘meno normal: produz distoredes, cria estados patologicos, en- Gurece tanto os espiritos quanto as instituigdes, Uma certa interpretagao marxista do estado de escravo fugitive nfo nos pareceu possivel; a resisténcia mio foi apenas essencialmente dima resisténcia econdmica contra um determinado regime de trabalho, mas a resisténcia de toda a civilizagio africana da qual 2 dureza do trabalho servil inten : a prova esté em que a religiio aqui nfo aparece, como hoje, separada do resto da vida social, mas, sim, como no pafs dos ancestrais, ein estreita interpenetragio.’ F por meio da concep~ go marxista da luta de classes, porém, que se pode melhor compreender a matureza do estado do escravo fugitive com a condigao de definir a classe em toda a sua complexidade, néo 56 pelo regime de produgéo, mas pela sua cultura propria, Deste ponto de vista, constitui a primeira etapa desta luta a segregagéo da plebe no monte Aventino. Uma segunda etapa eve seguir: a da revolugdo armada; se os quilombos definem melhor as formas de resisténcia dos séculos XVII e XVIII, as revoltas constituem, por sta vez, a. forma caracteristica do século XIX. Capiruto IV O Elemento Religioso da Luta Racial Vimos 0 lugar que ocupava a religifo nas insurreig6es dos escravos contra o regime servil. Mas nem todos os ho- mens de cor eram escravos. Nas cidades priacipalmente for- mou-se pouco a pouco uma plebe composta de negros liber- tos dos mulatos artesfios, milicianos, soldados dos regimentos dos Henriques... e, se bem que ela constituisse a camada mais baixa da populacdo livre, formava, em relagéo aos escravos, uma camada superior na escala social Esta populagao urbana era uma poptlacio marginal. De um lado, pelo trabalho livre, aproximava-se dos brancos e, de outro, pela cor, era rejeitada da verdadeira sociedade. Devia, portanto, scfrer por causa de sua condigio racial, c, jncidente, todo © ressentimento recaleado, todas as, suportadas em silencio, 6 explodir em insurreigdes cadticas, Nesse que vamos agora estudar, pode parecer fo cxerga grande funcdo. A simples pase sagem do regime s a a plebe urbana era, no fundo, uma ascensiio, ¢ numa s je onde os brancos dominavam, subir era forgosamente assimilar-se a eles, perder, sob a cor, tudo 0 que 08 antepassados tinham trazido consigo da Africa “barbara”. ausente dessas insurreigGes? 1798 e € conhecide como “Conspir porque alguns de seus membros ¢ seu chefe cram alfaiates, ou ainda “Conspiragio dos Biizios”, porque seus membros se Feconheciam por essa concha africana que traziam pendurada num colar.@) Os conjurados cram todos pessons humildes, alfaiates, carpinteiros, pedreiros, obrei- ros, mulatos ou negros livres e mesmo escravas; destacam-se sOmente-desse-fundoescuro um notério, um professor de latim, «@ priori que a religi 7, Ve CORREA, Mate po Bit's, Peimcipelmente 44L ‘um tenente de artilharia, talvez sacerdotes estes foram soltos por falta de-provas. Os conspiradores de cor nfo eram igno- tes: dos 9 eseravos detidos, um s6 era analfabeto; os mu- 10s € 08 negros Ii sm todos ler; conheciam as idéias Ga Revolugio através dos oficiais franceses que estavam na prisio, mas com direito de sai, © com os quais se encontravam vin agapes fraternais; o escravo mestico Luiz Pires tinha um fivro manusorito para “desiludic as pessoas da reli divida tradugdo-de algum filésofo do século XVILL. ‘Nao obstante a posicfo do homem de cor, a nao é uma revolta de raga, mas de classe. & uma re dos deserdados da vide contra a ordem existente. Os atos de poahora mostram que ti vvelhos, roupas uusadas e seus instru yuidagio| nfo ul ‘trapassou a quantia © nico que possuia ‘um ponco de dinheiro liquide nfo.tinha.raais de 8§000; elguns Viviam mesmo da caridade piblica. O que desejavam era um regime de liberdade e de igualdade para todos: ‘Tomai coragem, povo da Babia, dizia proclamagéo que tinham afixado nas pragas ¢ naa igrejas, o dia feliz de nossa liberdade Jhepe’o momanto em que seremos todos irmdos, em que seremos ‘todos igual Mas, na medida em que a classe dos arteséos pobres era reerutada entre as pessoas de cor, a reivindicagdo racial se-fazia Juntamente com a reivindicacio social. & por isso que. po- demos perguntar se algum elemento religioso néo se introduziu em seu protesto, "A impresso que se tem, quando s¢ 16 03 documentos do ‘processo que pés fim A trama, 6 a extrema confusio dos pen- Eamentos entre os préprios conjurados, alguns ateus, ov, no i tacos nas fontes da filosofia do Tu- vom-digeridas, outros camo Manuel fom quem se encontrou, ao lado de tiberais, uma considerdvel coleefo de oracées, profun- Gamente religiosa. Eniretanto, parcee ter sido uma idéi ‘num a todos, a da separaco da igreja brasileira da igreja de Roma, a fundagéo de uma igreja nacional independent chamavam de “Amerina”, O que a caracterizaria soria de estar aberta ao homem de cor e nfo unicamente aos brancos. 0s brasileiros escuros podiam ter suas confrarias: porém, essa separagio de céres sciéacia de igualdade dos cons- piradores, que protestam, num documento encontrado com Luiz Gonzaga das Virgens, contra o fato de mulatos ow negros “nio serem admitidos nas corporagdes da igreja pliblica”, a eles somente sendo permitida a formaco de suas proprias “ca- ares feitas com seu proprio dinheiro © & custa de trabalho” e que ndo séo reconhecidas “da mesma essén- cia” que as confrarias do Santo Sacramento, 2s ordens segun- dase terceiras dos Franciscanos, “Domi pretendia dar as pessaas de cor “o seatimento de espi consciéncia de raga. ‘A Conspiragao dos Alfaiates malogrou. Porém, 0 protesto jombolas ao da insurrei¢ao po- te nessa linha. Encoatramo-lo vvinte anos depois, na agitaclo comecada em Pernambuco em 1817 e que devia continuar até 1824, originar a proclamagfo da “Confederagio do Equador”, o primeiro grande movimento de independéncia dos brasileitos contra o regime absolutista do Império, ‘A revolugéo de 1817 foi uma revolucdo politica © no social. Proclamou a inviolabilidade da propriedade privada, tu proprietérios de escravos e brancos nativos contra ". Todavia, alguns homens de cor, de tendén- ic”, a lado para Portugal mudado, organizou com os brancos 0 partido do: * que assumiu a lideranca da revolta de 18: era muito popular eutre as yossoas bumildes © os soldados de cor, arrastou para 0 movimento batalhGes de mulatos © de nogros. Uma junta popular foi designada, mas bem depressa transformar a Tuta Manuscrtto do Arquivo de Bente, tneonstti: “Grasp. ose vale avant. AVALMO, Retudor Permambucaros, p epee eegn Pde AMARALy Bic

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