DA ROCA A NASHVILLE” José Roberto Zan No Tabariz O-som é que nem os Bee Gees (Chico Buarque) © mercado fonogrifico brasileiro foi marcado, a0 longo dos sltimos anos, pela explosio. da nova misica sertaneja ou, como também é chamada, do. "sertanejo romantico". Na verdade, o apogeu desse "genero" popular ocorren no periodo que vai, aproximadamente, de 1989 a 1992. Durante esses anos, duplas como Chitiozinho ¢ Xorors, Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo ¢ Luciano, juntamente com os intérpretes individuais Sérgio Reis ¢ Roberta Miranda, lideraram a vendagem de discos no pais. Na * Este artigo € sinlese de tés trabalhos sobre midsica sertaneja apresentadas nos. seguintes eventos: 1°. Congresso de Cigncias Humanas, Letras ¢ Artes de Sd0 Joo Del Rei, ocorrido-emt moi de 1993; Especial da Sociedade Brasileira para © Progresso da Ciéncia, realizada cm abril de 1994 no Universidade Federal de Uberlindia ¢ 0 XVII INTERCOM (Congresso Brasileiro de Pesquisadores da Comunicagio), ocorride na Universidade Metodista de Piracieaba em setembro de 1994. Agradego as contribuigies que recebi dos colegas Joo Marcos Alem, Marta Ulhéa © Wolney Honério Filho, durante os dois prim eventos, ¢ dos que participam comigo do: grupo de trabalho dé INTERCOM, ¢m especial da Silvia Borelli, Maria Celeste, Sandra Remi, Enor Paiano, Rafoc! J. dos Santos, Carmem Liicia ¢ Liteia Helena, Reunitio Rua, Campinas, 1:113-136, 19954 Da roga a Nas Me esteira desses grandes asiros, as gravadoras passaram a investir em novas duplas na tentativa de explorar a0 maximo esse novo filio-do mercado de discos. E interessante notar que ao longo desses anos o mereado fonogrifico brasileiro passou por uma crise considerdvel. De 76,9 milhdes de unidades vendidas em 1989 (incluindo LPs, cassetes ¢ CDs), a indlistria da miisica registrou um declinio vertiginoso atingindo, em 1992, a casa dos 32,1 milhdcs!, Entretanto, precisamente nesse periodo, as super- estrelas do sertanejo bateram seus proprios recordes. Leandro ¢ Leonardo, que venderam 1,8 milhoes de cépias em 1989, atingiram a invejavel cifra de 2,8 milhOes no ano seguinte. Em 1992, Zezé di Camargo e Luciano ultrapassaram a marca dos 700 mil discos vendidos, acompanhados de perto por outros grandes nomes desse segmento: Em 1993, 0 mercado fonogrifico apresentou uma sensivel recuperacio, suas vendas em cerca de 57% sobre os mimeros do ano anterior. Essa retomad: numa certa diversificagio dos lancamentos. Registrou-se a partir de entio 0 aparecimento de novos artistas como Daniela Mercury, Edson Cordeiro, Adriana Calcanhoto, Banda Razao Brasileira, dentre outros, o que contribuiu para a projecio de novos géneros ou estilos musicais. Ocorreu, ainda, uma espécie de renascimento de intérpretes mais antigos como Tim Maia e Jorge Benjor que, do alto de suas trés décadas de carreira, mastraram- se capazes de seduzir grande parte do ptiblico jovem dos anos 90. Nao podemos deixar de mencionar ainda o bom desempenho daqueles artistas j4 consagrados como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethania ¢ Roberto Carlos. Este tiltimo teve seu mais recente LP langado jé com 1 milhao de cépias vendidas. Porém, mesmo dentro desse novo contexto, os grandes nomes da nova misica sertaneja permaneceram na ponta do mercado fonogrifico. Zezé di Camargo e Luciano (da Sony) ¢ Chitaozinho e Xororé (da Polygram) venderam nesse ano cerca de 950 ¢ 450 mil discos respectivamente’. Esses dados podem estar indicando que a miisica sertaneja nao é um simples modismo de vida curta, Ao contririo da lambada que foi uma onda passageira, as cangdes 1 Revista Isto é, SSo Paulo, n®, 1221, 24/2/1992, p. 59, 2 Revista Mit, So Paulo, Editora Azul, n° 4, margo de 1992, p. 12. 3 Jomal Fotha de So Paulo, 4/12/1993, 8* Caderno, p. 1 Rua, Campinas, 1:113-136, 1995Jasé Roberto Zan 115 rominticas das duplas de vozes agudas criaram um pablico relativamente fiel. Parece bastante provivel que esse estilo musical permanega como um segmento mais ou menos estivel no mercado fonogréfico brasileira come ocorre, guardadas as devidas proporeoes € peculiaridades, com o country meloso de Kenay Rogers, Willie Nelson e John Denver nos Estados Unidos. Isso tudo nos remete a uma problemdtica bastante complexa relativa aos estudas da dindmica cultural nas sociedades modemas que envolve relacdes entre condicdes de produgao dos bens culturais, géneros ¢ cultura de massa‘, Da Misica Caipira ao Sertanejo Romintico No inicio da déeada de 70, 0 sociélogo José de Souza Martins publicou um artigo que se transformou numa referéneia indispensivel para os estudos da masica caipira e da misica sertaneja®, Preocupado em idemtificar esses géneros a partir de um referens amplo que engloba tanto as caracteristicas musicais quanto. as letras, identificadas como expresses de contextos sociais especificos, Martins procurou ressaltar, com bastante rigor, os elementos que distinguem essas duas modalidades de misica popular. A musica caipira, que segundo ele é origindria dos estados de Sio Paulo, Minas Gerais, Goiis, Mato Grosso do Sul Parana, jamai festa apenas enquanto miisica. Ela esti sempre associada a rituais, sejam religiosos, de trabalho ou de lazer. Mesmo aquelas 4 conceito de género empregado neste artigo esté mais proximo de uma perspectiva antropolbgica sociolégica de que literdria. Estamos trabalhando com a nogio utilizada por Martin-Barbero, ou scja, fenquanto clemento de mediagio entre as condigdes de produgia e de consumo dos bens culturais. "Os sBinetos - diz o autor - sia um dispasitivo por exceléncia do popular ¢ que nfo so 36 modos de escritura sendo também de leitura: um ugar’ a partir do qual se 1é¢ se olha, se decifra e compreende o sentida de um Felato.” Desse modo, sua funcSo é "..anicular a cotidianidade com os arquétipas." Martin-Barbero, Jesis, "Memoria narrative ¢ industria cultural", in Comunicacién y cultura (comunicacién masiva en el proceso politico latinoamericanc), n° 10, agosio de 1983, p. 64. * Mantins, José de Souza. "Viola quebrada", in Revista Debate ce Critica, Sio Paulo, Editora HUCITEC LTDA, a 4, novernbro de 1974. Ruct, Campinas, 1:113-136, 1995