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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

ANATOMIA FUNCIONAL

DANIEL AUGUSTO DE SOUZA PEREIRA

NEUROPLASTICIDADE: EFEITOS DO EXERCÍCIO FÍSICO NO


TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA EM COCAÍNA

Belo Horizonte - MG

2018
DANIEL AUGUSTO DE SOUZA PEREIRA

NEUROPLASTICIDADE: EFEITOS DO EXERCÍCIO FÍSICO NO


TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA EM COCAÍNA

Monografia apresentada à Faculdade UnYleYa


como exigência parcial à obtenção do título de
Especialista em Anatomia Funcional.

Orientador: Profº Ms. Igor Duarte.

Belo Horizonte – MG

2018
DANIEL AUGUSTO DE SOUZA PEREIRA

NEUROPLASTICIDADE: EFEITOS DO EXERCÍCIO FÍSICO NO


TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA EM COCAÍNA

Monografia apresentada à Faculdade UnYleYa


como exigência parcial à obtenção do título de
Especialista em Anatomia Funcional.

Orientador: Profº Ms. Igor Duarte.

Aprovado pelos membros da banca examinadora em __/__/__


com menção __ (_________________)

Banca Examinadora

Belo Horizonte - MG

2018
Dedicatória

Dedico este trabalho a meu pai que, apesar de todos os devaneios adolescentes
que possam ter nos acometido, sempre acreditou que seria possível.
Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar a Deus, por ter me guiado até aqui.


Agradeço a minha querida e amada companheira, Mariana Alice P. Condé, por
acreditar, confiar e contribuir diretamente para a concretização desta etapa.
Agradeço ao professor Igor Duarte de Almeida, pela orientação competente a que
foste destinado.
Agradeço também a todo corpo docente e colaboradores da Faculdade Unyleya, por
possibilitar a educação continuada e, a especialização no âmbito acadêmico,
contribuindo de forma efetiva na formação de profissionais mais capacitados e
preparados.
E por fim, não poderia deixar de citar em agradecimento, essa “nova” metodologia
de ensino, a Educação à Distância (EaD), que junto à expansão das tecnologias de
informação, cresce cada dia mais, porém de forma organizada e estruturada,
tornando realidade o que, para muitos, seria somente um sonho.
‘Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em
profundo silêncio – e eis que a verdade se me revela.’
Albert Einstein
Resumo

Existem evidências de que células nervosas centrais podem se regenerar ou até


mesmo se formar de novo. Um consenso na literatura sobre a plasticidade cerebral,
é que a prática de tarefas induz mudanças plásticas e dinâmicas no sistema nervoso
central (SNC). A dependência de substâncias é um transtorno que envolve os
sistemas motivacionais do cérebro. A cocaína é uma droga psicoativa estimulante do
SNC, sua molécula age inibindo a recaptura e intensificando a ação dos
neurotransmissores dopamina, serotonina e noradrenalina. Quando ocorre a
diminuição do uso da droga as neuroadaptações entram em desequilíbrio levando a
uma síndrome de abstinência. O exercício físico funciona como um mecanismo de
neuroadaptação. Estimula os neurônios do hipocampo e do sistema de recompensa,
provoca o aumento de monoaminas cerebrais como, serotonina, noradrenalina,
dopamina e fatores neurotróficos promovendo a sobrevivência celular (neurônios) e
plasticidade neural. O objetivo deste trabalho é demonstrar que as neuroadaptações
provocadas pelo exercício físico são determinantes no tratamento da dependência
de cocaína. Para atender aos objetivos desta pesquisa, foi realizado um
levantamento dos dados de natureza descritiva através de revisão bibliográfica
baseada em obras publicadas até o ano de 2018. A atividade física pode auxiliar de
forma contundente no tratamento da dependência química, pois sem a substância, o
dependente precisa suprir a falta dessa no organismo. Os dados aqui apresentados
podem concluir que o exercício físico, por si só, não é capaz de recuperar o
dependente do vício, porém, se mostra determinante para a manutenção da
abstinência ao uso da droga, durante e após a intervenção clínica.

Palavras-chave: neuroadaptação, dependência, cocaína, exercício físico.


Abstract

There is evidence that central nerve cells can regenerate or even re-form. A
consensus in the literature on brain plasticity is that the practice of tasks induces
plastic and dynamic changes in the central nervous system (CNS). Substance
dependence is a disorder that involves the brain's motivational systems. Cocaine is a
psychoactive drug that stimulates CNS, its molecule acts by inhibiting recapture and
enhancing the action of the neurotransmitters, dopamine, serotonin and
noradrenaline. When drug use decreases, neuroadaptations go into imbalance
leading to a withdrawal syndrome. Physical exercise functions as a mechanism of
neuroadaptation. It stimulates the hippocampal neurons and the reward system,
causes an increase in brain monoamines such as serotonin, noradrenaline,
dopamine and neurotrophic factors promoting cell survival (neurons) and neural
plasticity. The aim of this study is to demonstrate that the neuroadaptations caused
by physical exercise are determinant in the treatment of cocaine dependence. To
meet the objectives of this research, a survey of the descriptive data was carried out
through a bibliographic review based on works published up to the year 2018.
Physical activity can help decisively in the treatment of chemical dependence,
because without the substance, the dependent needs to supply the lack of it in the
body. The data presented here can conclude that physical exercise alone is not able
to recover addiction dependent, but it is determinant for the maintenance of
abstinence from drug use during and after clinical intervention.

Key words: neuroadaptation, dependence, cocaine, physical exercise.


Lista de Ilustrações

Figura-1 Divisão funcional do Sistema Nervoso ........................................................ 17


Figura-2 Neurônio ..................................................................................................... 18
Figura-3 Produção do potencial de ação no botão terminal ...................................... 19
Figura-4 Núcleo Accumbens ..................................................................................... 20
Figura-5 Ação da molécula de cocaína na fenda sináptica ....................................... 26
Lista de Abreviações

RMf- Ressonância Magnética funcional


PET- Tomografia por Emissão de Pósitrons
EEG- Eletroencefalograma
SN- Sistema Nervoso
SNC- Sistema Nervoso Central
OMS- Organização Mundial da Saúde
ATV- Área Tegumentar Ventral
NE- Norepinefrina
BDNF (neurotróficos)- Brain Derived Neurotrophic Factor
ROS- Espécies Reativas de Oxigênio
DNA- Ácido Desoxirribonucleico
Sumário

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12

JUSTIFICATIVA ................................................................................................................... 14

OBJETIVO GERAL .............................................................................................................. 15

REVISÃO DE LITERATURA

NEUROPLASTICIDADE ............................................................................................. 16

SISTEMA NERVOSO................................................................................................... 17

NEUROCIÊNCIA DO USO E DA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS


PSICOATIVAS.............................................................................................................. 19

EFEITOS NEUROFISIOLÓGICOS DA COCAÍNA....................................................... 22

EFEITOS NEUROFISIOLÓGICOS DO EXERCÍCIO FÍSICO...................................... 28

METODOLOGIA.................................................................................................................. 32

DISCUSSÃO.......................................................................................................................... 33

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 38


12

Introdução

O desenvolvimento deste trabalho partiu da necessidade em demonstrar,


através do conceito da neuroplasticidade, os efeitos do exercício físico como parte
funcional no mecanismo de tratamento da dependência em cocaína, contribuindo de
forma determinante no controle do “desejo” pela droga em períodos de abstinência.
O conceito de neuroplasticidade ou plasticidade cerebral está relacionado ao
fato de que a estrutura do sistema nervoso central (SNC) é influenciada pelo
ambiente e pelos padrões de atividade funcional que, segundo Haase (2007), tal fato
é resumido sob a forma da expressão “plasticidade dependente de atividade”. Ao
que tudo indica, tanto o abuso de substâncias, quanto a prática regular de exercício
físico, podem produzir mudanças plásticas estruturais no mapeamento cortical.
A reorganização cortical é considerada, segundo Borella e Sacchelli (2009),
uma base potencial para a recuperação de doenças neurodegenerativas.
O consumo de substâncias psicoativas, de acordo com Pratta e Santos
(2009), cresceu assustadoramente a partir da segunda metade do século XX,
configurando-se nas últimas décadas desse século como uma questão de saúde
pública. Portanto, a dependência química é algo atual para se discutir, uma vez que
seu conceito deixou de ser enfocado como um desvio de caráter para ganhar
contornos de transtorno mental com características específicas.
As substâncias psicoativas, mais comumente conhecidas como drogas
psicoativas, de acordo com a OMS (2006), são as que quando utilizadas, têm a
habilidade de mudar os processos de consciência, humor e pensamento individuais.
Dentre as drogas mais consumidas temos a cocaína como uma droga
alcaloide estimulante altamente viciante. O seu consumo, de acordo com Queiroz
(2008), leva a grande aceleração do envelhecimento e profundos danos cerebrais
irreversíveis, entre outros problemas de saúde.
Além dos efeitos anestésico local e vasoconstritor, Muakad (2011) diz que, a
cocaína também amplia os efeitos dos neurotransmissores responsáveis pela
ativação do sistema nervoso simpático. Os neurônios simpáticos ativados liberam o
neurotransmissor norepinefrina (NE) que atua sobre os receptores especializados de
outros neurônios colocando-os em atividade, isto é, atua como um estimulante.
13

A cocaína acentua a ação pincipalmente da dopamina e da noradrenalina.


Como esses neurotransmissores são excitatórios, o resultado da ação da cocaína é
a estimulação do SNC, produzindo euforia, ansiedade, estado de alerta etc., [...]
porém, após o uso intenso e repetitivo, o usuário experimenta sensações muito
desagradáveis como cansaço e intensa depressão (CARLINI et al., 2001).
A cocaína quando absorvida alcança imediatamente o SNC e age, sobretudo,
no sistema dopaminérgico, despertando sua hiperestimulação, intensificando a
liberação e ampliando o tempo de ação dos neurotransmissores dopamina,
noradrenalina e serotonina (FERREIRA et al., 2017).
Contrapondo o fenômeno de degeneração celular (aceleração do
envelhecimento) relacionado ao uso constante de cocaína, tem-se conhecimento de
que praticar atividade física ajuda na melhoria da qualidade de vida do indivíduo,
pois além de proporcionar ganhos fisiológicos também contribui para o seu bem-
estar mental (FERREIRA, 2012).
O corpo é capaz de se adaptar ao estresse provocado pelo exercício físico
por meio de ajustes metabólicos, coordenados pelos sistemas nervoso e endócrino,
necessários para o equilíbrio funcional (FERREIRA S. E et al., 2017). A hipótese
mais encontrada na literatura de acordo com Moraes et al. (2007), é a de um
aumento na liberação de monoaminas, como serotonina, dopamina e noradrenalina.
Dessa forma, para que aconteça a desintoxicação do organismo dependente
de cocaína, o exercício físico tem papel determinante em controlar a necessidade
fisiológica do organismo pela substância, ou seja, suprir o “desejo” do usuário pela
droga em período de abstinência.
Alicerçado pelo conceito da neuroplasticidade, a intensão desta revisão é
destacar a relação entre doenças degenerativas do SNC, intensificadas pela
dependência de cocaína, e os efeitos neurofisiológicos do exercício físico como fator
determinante no tratamento da dependência química em questão.
14

JUSTIFICATIVA

A dependência química é uma das doenças psiquiátricas mais


frequentes da atualidade e representa um grave problema de saúde pública,
onde temos a cocaína, em suas mais variadas formas de administração, como
a substância psicoativa que exige maior atenção, pois o crack e a “farinha”
(cocaína aspirada), ocupam o topo das causas de internação por dependência
química no Brasil.

Estudos envolvendo uso de tecnologias de imagem cerebral como,


tomografias computadorizadas, ressonância magnética nuclear funcional, entre
outras, permitem avaliar os efeitos agudos, assim como as neuroadaptações
do uso constante de substâncias, tal como, estudar os efeitos agudos e
crônicos do exercício físico.

Segundo a OMS (2006), ensaios clínicos de farmacoterapia para


dependência de substância comparam os efeitos de diferentes tratamentos
medicamentosos, e algumas vezes placebos, nos padrões de uso de drogas,
no ajustamento social e no bem-estar de pessoas dependentes de drogas
(Brody, 1998). As drogas que são avaliadas vêm, de maneira crescente, sendo
identificadas como tratamentos potenciais para a dependência de substância
como resultado da pesquisa neurocientífica sobre os mecanismos biológicos
subjacentes a esta dependência. Podem incluir ensaios clínicos de drogas que
auxiliem a atingir a abstinência psicoativa, de drogas que pretendam reduzir a
recaída da dependência de substância após a abstinência e de drogas que
pretendam fornecer manutenção a longo prazo da abstinência ou da
estabilidade psicossocial.

O presente trabalho se justifica ao perceber a preocupação da OMS em


desenvolver uma “pílula mágica” que possa inibir/suprir a necessidade orgânica
do dependente de cocaína pela droga. Enxerga, no entanto, o exercício físico
como mecanismo capaz de exercer tal função, estimulando neurotransmissores
específicos, reduzindo o risco de recaída após abstinência, fornecendo
manutenção a longo prazo da abstinência e, recuperando a capacidade
psicossocial do dependente.
15

3. OBJETIVOS

3.1 Objetivo geral:


Destacar os efeitos neurofisiológicos do exercício físico como mecanismo funcional
e determinante no tratamento da dependência em cocaína.

3.2 Objetivos específicos:


Analisar o conceito de neuroplasticidade;
Averiguar os efeitos neurofisiológicos (neuroadaptações) advindos da dependência
de cocaína;
Verificar a relação entre neuroplasticidade e exercício físico (neurogênese);
Identificar neuroadaptações advindas da prática de exercícios físicos;
Analisar os efeitos neurofisiológicos providos do exercício físico no organismo;
Comparar os efeitos neurofisiológicos do exercício físico com os efeitos
neurofisiológicos da dependência em cocaína;
Avaliar se os efeitos neurofisiológicos do exercício físico são capazes de suprir a
necessidade neurofisiológica pela cocaína, em períodos de abstinência.
16

4. REVISÃO DE LITERATURA

4.1 Neuroplasticidade

Neuroplasticidade ou plasticidade cerebral é, basicamente, a capacidade do


cérebro adulto em modificar seu mapeamento cortical reorganizando suas funções
neuronais.
Existem evidencias de que células nervosas centrais podem se regenerar ou
até mesmo se formar de novo. Segundo Haase e Lacerda (2004), neuroplasticidade
é a capacidade do sistema nervoso (SN) modificar sua estrutura e função em
decorrência dos padrões de experiência podendo ser concebida e avaliada a partir
de uma perspectiva estrutural (configuração sináptica) ou funcional (modificação do
comportamento). Afirmam ainda, que todo processo de reabilitação neuropsicológica
se baseia na convicção de que o cérebro humano é um órgão dinâmico e adaptativo,
capaz de se reestruturar em função de novas exigências ambientais ou das
limitações funcionais impostas por lesões cerebrais. A implicação, então, é que o
cérebro humano parece apresentar uma capacidade plástica e de recuperação
funcional, muito maior do que anteriormente suspeitada. A estrutura do SN é, ao
menos em parte, influenciada pelos padrões de atividade no sistema (HAASE,
2007). O conceito de que os padrões de atividade influenciam a estrutura do SN é
resumido sob a forma da expressão “plasticidade dependente de atividade”.
De acordo com Borella e Sacchelli (2009), um consenso na literatura sobre a
plasticidade cerebral, é que a prática de tarefas motoras induz mudanças plásticas e
dinâmicas no sistema nervoso central (SNC). A reorganização cortical também é
considerada uma base potencial para a recuperação nos estágios precoces e tardios
de doenças neurodegenerativas. A atividade-dependente pode promover
expressões de fatores neurotróficos, neurogênese, sinaptogênese, modulação pré e
pós-sináptica entre outros. Uma das regiões onde esta forma de plasticidade se
expressa com mais frequência é o hipocampo (HAASE, 2007) sendo, as sinapses,
as estruturas com maior potencial para remodelação em função da estimulação
ambiental e do nível de atividade.
17

Para melhor compreendermos a relação entre neuroplasticidade, doenças


neurodegenerativas como a dependência de cocaína, e os efeitos neurofisiológicos
do exercício físico no controle dos sintomas de abstinência, é de fundamental
importância conhecermos o funcionamento básico do SN, como veremos a seguir.

4.2 Sistema Nervoso

Sistema Nervoso é um conjunto de órgãos responsáveis pela coordenação e


integração dos demais sistemas orgânicos relacionando o organismo com as
variações do meio externo e controlando o funcionamento visceral (DÂNGELO;
FATTINI, 2000 apud ALMEIDA, 2018).

Figura 1: Divisão funcional do sistema nervoso. Fonte: https://www.google.com.br/sistema.nevoso

O Sistema Nervoso Central (SNC):

O sistema nervo central é composto pelos órgãos que compõem o encéfalo e


pela medula espinhal. Esses órgãos monitoram e controlam quase todas as funções
do corpo humano (DÂNGELO; FATTINI, 2000 apud ALMEIDA, 2018).

O Sistema Nervoso Periférico (SNP):

O sistema nervoso periférico é a parte do sistema nervoso que não tem a


proteção óssea. Essa parte está espalhada por todo o corpo e é responsável por
levar a informação eferente até os músculos e trazer a informação aferente até o
cérebro (DÂNGELO; FATTINI, 2000 apud ALMEIDA, 2018).
18

Neurônio

São as células do sistema nervoso, caracterizadas por gerar e conduzir


corrente elétrica. Dessa maneira conseguem se comunicar com outros neurônios,
armazenar informações e controlar os músculos esqueléticos e glândulas. Essas
células não se regeneram, por isso lesões neurológicas são tão complexas de tratar.

Figura 2: Neurônio. Fonte: apostila de neuroanatomia UnyLeya

As terminações nervosas compreendem aos sensores do corpo humano e se


dividem em várias formas e funções. São responsáveis por captar calor, frio, pressão
(na pele) e também sabor, luz, cheiro entre outras. Os nervos são cordas de axônios
que levam os impulsos elétricos do SNC ao SNP e vice e versa (GUYTON;
EDWARD, 2011 apud ALMEIDA, 2018).

ALMEIDA, 2018.
Célula difícil taí. É a estrela do organismo, complicada que só ela. Tem centenas de
ligações a solicitando ao mesmo tempo. Carrega na bolsa substâncias químicas cujos
sutis efeitos os cientistas ainda não entendem bem. Como sempre acontece, essa
condição de prima-dona vem acompanhada de um péssimo temperamento. Ao ser
afetada por qualquer mal, sua recuperação vira um drama. Por fim, como toda
celebridade, ela é insubstituível.
Denis Russo Burgierman

Esse texto foi descrito na matéria de julho de 1999 da revista


Superinteressante. A matéria trata da expectativa de que neurônios possam se
regenerar contrariando uma regra geral da neurologia. Hoje, acredita-se que os
neurônios tenham a capacidade de se multiplicar a partir dos astrócitos e isso é um
grande passo para as futuras pesquisas envolvendo neurociência (ALMEIDA, 2018).
19

Sinapse

Basicamente, a sinapse é a comunicação entre os neurônios. Entre um


neurônio e outro existe um espaço em que as substâncias denominadas
neurotransmissores migram de um neurônio a outro. Esses neurônios se comunicam
por meio de neurotransmissores liberados pelo botão terminal do neurônio anterior
para se ligar no dendrito do neurônio subsequente. A eletricidade percorre todo o
axônio do neurônio até chegar à terminação e botão terminal. Quando chega à
extremidade do neurônio, permite a entrada de cálcio que por sua vez promove a
liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica. Esses neurotransmissores
provocam a despolarização e a produção do Potencial de Ação (eletricidade) no
neurônio pós-sináptico (GUYTON; EDWARD, 2011 apud ALMEIDA, 2018).

Figura 3:Produção do potencial de ação (1), entrada do cálcio no interior do neurônio pré-sináptico (2), vesículas
liberam neurotransmissores na fenda sináptica (3). Fonte: apostila neuroanatomia UnyLeya.

Pois bem, partindo do conhecimento básico sobre como se dá a troca de


informações entre os neurônios (sinapse), seguiremos com informações pertinentes
às alterações que o uso de substâncias provoca no SNC.

4.3 Neurociência do Uso e da Dependência de Substâncias


Psicoativas

A dependência química é um problema que vem recebendo crescente


atenção, mobilizando tanto o sistema de saúde, quanto a sociedade de uma forma
geral. De acordo com Pratta e Santos (2009), o consumo de substâncias psicoativas
cresceu assustadoramente a partir da segunda metade do século XX, configurando-
se nas últimas décadas desse século como um fenômeno de massa e como uma
questão de saúde pública.
20

As informações a seguir se baseiam em estudos realizados pela organização


mundial da saúde (OMS, 2006), definindo a dependência de substâncias como um
transtorno que envolve os sistemas motivacionais do cérebro. Como o cérebro
produz comportamentos e pensamentos, transtornos do cérebro podem resultar em
sintomas comportamentais altamente complexos. Com os avanços recentes da
neurociência, está claro que a dependência é um transtorno do cérebro como
qualquer outra doença neurológica ou psiquiátrica.
Uma área chave para dependência de substância e para a motivação é
conhecida como nucleus accumbens, região na qual substâncias psicoativas
aumentam a produção de dopamina, o que é considerado um evento significante no
reforço da droga.
A região do cérebro conhecida como mesencéfalo contém a área tegumentar
ventral (ATV), muito importante na dependência de substâncias, pois é rica em
corpos celulares dopaminérgicos e se projeta para o sistema límbico e regiões do
prosencéfalo. Muitas drogas psicoativas têm efeitos intensos nessa região cerebral,
a qual contribui para dependência ao sinalizar para o cérebro que as substâncias
psicoativas são muito importantes de uma perspectiva motivacional. As projeções
dopaminérgicas da ATV para o nucleus accumbens são conhecidas como sistema
dopaminérgico mesolímbico e, é o sistema neurotransmissor mais fortemente
implicado no potencial de produção de dependência das drogas psicoativas (WISE,
1998; apud OMS, 2006), se tornando o sistema de maior relevância para o
desenvolvimento deste trabalho.

Figura 4: Núcleo Accumbens representado pelo número 1. Fonte: Apostila de neuroanatomia UnyLeya.

A comunicação no cérebro se dá entre as células nervosas ou neurônios por


meio de neurotransmissores específicos. Os mecanismos de ação das substâncias
psicoativas alteram vários aspectos dessa comunicação, modificando a liberação ou
21

a recaptura desses neurotransmissores. A cocaína, por exemplo, bloqueia a


recaptura de dopamina e noradrenalina prolongando as ações desses
neurotransmissores.
A mensagem química precisa terminar de algum modo e isso ocorre por
vários mecanismos. Um dos mecanismos de ação da cocaína é bloquear a
recaptura de neurotransmissores aumentando, dessa forma, suas concentrações na
fenda sináptica e seus efeitos. Existem receptores específicos para cada
neurotransmissor encontrado no cérebro. Quando o neurotransmissor se liga ao seu
receptor na célula pós-sináptica, esta pode se tornar tanto mais como menos
excitável e, portanto, mais ou menos provável de desencadear um potencial de
ação. Esses são conhecidos como potenciais pós-sinápticos excitatórios e inibitórios
respectivamente.
Os receptores, tem papel não apenas nos efeitos imediatos reforçadores das
substâncias psicoativas, mas também nos processos de tolerância e abstinência. O
receptor se adapta à presença da substância, provocando tolerância. Dessa forma,
doses mais altas são necessárias para se obter o efeito. Quando a substância é
retirada, sintomas de abstinência surgem em consequência dessa mudança
estrutural que ocorre para acomodar a presença da substância. A estimulação
repetitiva de receptores por drogas pode provocar alterações no número e na função
dos receptores, aumentando a probabilidade de mudanças duradouras nos circuitos
neurais, influenciadas pela remodelagem e reestruturação dos neurônios, como
consequência das mudanças moleculares induzidas (OMS, 2006).

Plasticidade Sináptica

A reorganização dos circuitos neurais pelas substâncias psicoativas pode


ocorrer pelas mudanças na liberação de neurotransmissores, no status dos
receptores de neurotransmissores, na sinalização mediada pelos receptores, ou no
número de canais iônicos regulando a excitabilidade neuronal (HYMAN e
MALENKA, 2001; NESTLER, 2001; apud OMS, 2006). Alterações estruturais em
diversas regiões cerebrais como consequências do uso de substâncias têm sido
mostradas. Os neurônios têm processos multiplamente ramificados chamados
dendritos e, de acordo com Robinson e Kolb (1999 apud OMS, 2006), após a
ativação de um neurônio particular, o aumento de espículas dendríticas é indicativo
22

de estado ativado. A administração de cocaína foi associada com um aumento


acentuado no número de espículas dendríticas nos neurônios do nucleus
accumbens e do córtex pré-frontal. Algumas das modificações comportamentais de
longa duração, vistas com o uso crônico de substâncias, irão, de acordo com Hyman
e Malenka (2001 apud OMS, 2006), sem dúvida, se relacionar com essas mudanças
estruturais.
De acordo com Kandel e Schwartz (1985, apud OMS, 2006) Um
neurotransmissor pode ser definido como uma substância química que é liberada na
sinapse por um neurônio e que afeta outra célula de maneira específica, e também
deve atender aos seguintes critérios: ser sintetizado no neurônio, presente no
neurônio pré-sináptico, liberado em quantidade suficiente para ter efeito pós-
sináptico e, ter o mesmo efeito se liberado por meios naturais (endogenamente) ou
se aplicado como uma droga (exogenamente).
Veremos a seguir citações de autores que discorrem sobre o tema e como
estes trabalhos se intercalam explicando os efeitos da cocaína no SNC. Faremos um
contraponto entre estudos que, apesar dos efeitos neurodegenerativos da cocaína,
afirmam que a droga não apresenta sinais físicos de abstinência e, estudos que
dizem o contrário. E, por último, correlacionar os efeitos do exercício físico como
potencial de ativação dos sistemas motivacionais do organismo.

4.4 Efeitos Neurofisiológicos da Cocaína

As substâncias psicoativas, mais comumente conhecidas como drogas


psicoativas, de acordo com a OMS (2006), são as que quando utilizadas, têm a
habilidade de mudar os processos de consciência, humor e pensamento individuais.
As drogas de abuso estão classificadas dentro do grupo dos psicotrópicos que
fazem parte das drogas psicoativas. Agem como estimulantes, depressores e
perturbadores da atividade do SNC (FERREIRA et al., 2017). A cocaína é um
poderoso estimulante do sistema nervoso que pode ser usado por via intranasal,
intravenosa ou fumada. É extraída da folha de Erythroxylon coca. Seu consumo,
segundo Queiros (2008), leva a grande aceleração do envelhecimento e profundos
danos cerebrais irreversíveis, entre outros problemas de saúde. Pode ser consumida
23

de várias formas, mas o modo mais comum é “aspirando” a droga pelo nariz, que
normalmente se apresenta sob forma de um pó.
A cocaína era uma droga cara e seu uso era considerado “um vício elegante”.
Perdeu, no entanto, esse caráter de símbolo de riqueza e de sofisticação devido à
multiplicação dos casos de overdose. Muakad (2011) diz que, além dos efeitos
anestésico local e vasoconstritor, a cocaína também amplia os efeitos dos
neurotransmissores responsáveis pela ativação do sistema nervoso simpático. Os
neurônios simpáticos ativados liberam o neurotransmissor norepinefrina (NE) que
atua sobre os receptores especializados de outros neurônios colocando-os em
atividade, isto é, atua como um estimulante. O efeito da NE sobre os receptores é
bloqueado por um mecanismo que faz o neurotransmissor retornar à célula nervosa
de onde foi liberando inicialmente. A cocaína inibe esse retorno, consequentemente
o efeito estimulante da NE aumenta uma vez que há maior quantidade e por um
período maior de NE presente na área.
Referindo-se ainda ao trabalho de Muakad (2011), pelo exposto nota-se que a
cocaína interfere onde quer que a NE atue. A NE atua não só no sistema nervoso
autônomo, mas também no cérebro e esses efeitos são ampliados pela cocaína,
graças à capacidade que ela possui de bloquear o mecanismo que devolve a NE
para o nervo, além do retorno de outros neurotransmissores para o cérebro, como é
o caso da dopamina. Este fato explica o porquê a cocaína é classificada como um
estimulante psicomotor. Exames de eletroencefalograma (EEG) que gravam
impulsos elétricos do cérebro demonstram que, após o uso de cocaína, ocorre o
aumento da atividade elétrica de parte do cerebelo, de áreas associadas à
disposição, emoção e sensações de prazer, bem como, do sistema límbico
acarretando um espasmo que lembra a epilepsia.
Os efeitos psicológicos da cocaína variam de acordo com o meio ambiente, a
dose, a via de administração, as características e as experiências do usuário e,
apesar do exposto, ainda não foi comprovado cientificamente que a cocaína
provoque uma dependência física, pois, não há descrição clara de uma síndrome
física de abstinência quando a pessoa para de tomar a cocaína. Não há relatos de
dores pelo corpo, cólicas, náuseas acentuadas, enfim reações físicas. O que na
realidade ocorre é que a pessoa fica numa grande ansiedade, desejando tomar de
novo a droga para sentir seus efeitos agradáveis e não para diminuir ou afastar o
sofrimento físico caso realmente houvesse uma síndrome física de abstinência.
24

Porém, lesões cerebrais graves podem surgir, sendo muito comum a fase de
confusão mental com alucinações.
A cocaína acentua a ação principalmente da dopamina e da noradrenalina.
Como esses neurotransmissores são excitatórios, o resultado da ação da cocaína é
a estimulação do SNC. Carlini (et al., 2001) discorre que, tanto o crack como a merla
também são cocaína, portanto, todos os efeitos provocados pela cocaína também
ocorrem com ambos. A tendência do usuário é aumentar a dose de uso na tentativa
de sentir os efeitos mais intensos, porém, essas quantidades maiores acabam por
levar o usuário a comportamento violento, irritabilidade, tremores e atitudes bizarras
devido ao aparecimento de paranóia, chamada entre os craqueiros de “nóia”.
Eventualmente podem ter alucinações e delírios. A esse conjunto de sintomas dá-se
o nome de “psicose cocaínica”.
Por outro lado, Nappo (1996, apud CARLINI et al., 2001) diz que, não há
descrição convincente de uma síndrome de abstinência quando a pessoa para de
tomar cocaína abruptamente: ela não sente dores pelo corpo, cólicas, náuseas etc.
O que às vezes ocorre é que essa pessoa fica tomada de grande “fissura”, deseja
tomar de novo para sentir os efeitos agradáveis e não para diminuir ou abolir o
sofrimento que ocorreria se realmente houvesse uma síndrome de abstinência.
Todavia, esta substância de ação dopaminérgica é responsável por um alto
índice de dependência, manifestando, assim, um complexo problema de saúde
pública (UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME, 2014 apud
FERREIRA et al., 2017). O usuário crônico está sujeito a desenvolver algumas
síndromes psiquiátricas tal como a ansiedade, a mania, a depressão, o pânico e
transtornos de personalidade. A intoxicação pode desencadear quadros paranóides,
crises convulsivas, isquemia cerebral e cardíaca. Prejudica a integridade das
funções cognitivas, exaustão crônica e altera as funções de lobos frontais
(MARQUES; CRUZ, 2000 apud FERREIRA et al., 2017).
Concordante a ideia que sintomas de abstinência são aparentes em usuários
crônicos de cocaína, Straub (2014 apud FERREIRA et al., 2017), diz que após ser
absorvida, a substância segue pela corrente sanguínea até o seu local de ação, os
receptores. Posterior a sua entrada no cérebro, as substâncias induzem as ações
dos neurônios e suas sinapses, alterando, assim o comportamento do seu usuário.
As substâncias podem agir simulando ou intensificando a ação natural de um
neurotransmissor, dificultando sua ação ou prejudicando sua reabsorção. As
25

substâncias químicas podem alterar a transmissão neural, aumentando ou


reduzindo, na sinapse, o processo de reabsorção dos neurotransmissores.
As drogas de abuso agem também no mecanismo de gratificação e
recompensa do cérebro, fazendo com que o indivíduo sinta a vontade de fazer o uso
repetitivo da droga devido à sensação de prazer (SANCHEZ; SANTOS, on-line apud
FERREIRA et al., 2017).
Straub (2014 apud FERREIRA et al., 2017) explica a tolerância a partir de
duas razões, primeira, com o uso repetitivo da droga, a mesma é metabolizada pelo
fígado mais rapidamente, necessitando de uma maior quantidade para manter o
equilíbrio do corpo. Uma segunda razão para o desenvolvimento da tolerância
consiste na adaptação dos receptores cerebrais à presença frequente de certa
substância, intensificando os sítios de receptores ou reduzindo a responsividade da
mesma. Em ambos os casos, se faz necessário uma quantidade maior de
substância para que possa desenvolver o mesmo efeito bioquímico.
A abstinência de drogas causa sintomas físicos e psicológicos provenientes
da interrupção repentina da mesma. Seus sintomas geralmente são inversos aos
principais efeitos da substância, afirma Almeida (2006 apud FERREIRA et al., 2014).
A transição do uso abusivo para adição vem gerar comportamentos que
envolvem as neuroadaptações e a neuroplasticidade em estruturas cerebrais
específicas. As neuroadaptações ocorrem junto às alterações neuroquímicas. Essas
alterações ocorrem quando há o uso repetido da substância com o propósito de
preservar o homeostasia dos sistemas cerebrais. Quando ocorre a diminuição do
uso da droga, as neuroadaptações oponentes entram em desequilíbrio, quebrando a
homeostasia e levando a síndrome de abstinência (CHRISTOFF, 2015 apud
FERREIRA et al., 2017). A partir da teoria da neuroadaptação, pode-se explicar o
desenvolvimento da tolerância, da síndrome de abstinência e do “craving”, sendo o
“craving” um incontrolável desejo de consumir a droga, quando não realizado
provoca profundo sofrimento físico e psicológico (ADDOLORATO et al., 2005 apud
FERREIRA et al., 2017).
No momento em que a via dopaminérgica relacionada à recompensa é
acionada frequentemente por drogas, ocorre uma sub – regulação no
processamento da síntese, da liberação e ativação dos receptores a fim de reduzir a
sua ativação. Essa habituação é chamada de tolerância, onde será necessária uma
quantidade cada vez maior de substâncias para causar o efeito de recompensa,
26

fundamentando a necessidade de doses maiores pelo dependente de drogas. Essa


adaptação fundamenta manifestações físicas e psicológicas acerca da dependência
de drogas. A abstinência de drogas é seguida pela diminuição da liberação e função
da dopamina no núcleo accumbens, sabe-se que esse processo pode estar
associado a “fissura” (WISE; BOZART, 1987 apud FERREIRA et al., 2017).
Contudo, Almeida (2006 apud FERREIRA et al., 2017), salienta que os
mecanismos de ação moleculares e bioquímicos presentes nas áreas cerebrais
relacionadas aos comportamentos aditivos precisam de uma investigação mais
aprofundada. Porém, já é perceptível a existência de adaptações celulares quando
os agentes são consumidos de forma crônica, indicando respostas de tolerância e
abstinência.
O processo natural da neurotransmissão dopaminérgica ocorre quando a
dopamina é liberada pelas vesículas sinápticas deslocando-se da sinapse por meio
de transportadores de recaptação de dopamina na membrana pré-sináptica. Com a
ação da cocaína ocorre a intensificação da neurotransmissão dopaminérgica,
dificultando o transporte de recaptação da dopamina, ampliando a concentração
sináptica dopaminérgica (MACHADO; SILVA, 2013 apud FERREIRA et al., 2017),
devido à molécula de cocaína bloquear o transportador de dopamina. Este bloqueio
provoca o acúmulo do neurotransmissor na fenda sináptica, levando a uma
hiperestimulação dos neurônios pós-sinápticos no sistema mesolímbico. Esse
processo incita os sintomas de euforia e agitação (AZEVEDO, 2014 apud
FERREIRA et al., 2017).

Figura 5: Molécula de cocaína inibe a ação dos transportadores de dopamina na fenda sináptica. Fonte:
https://www.google.com.br/search?q=mol%C3%A9cula+de+coca%C3%ADna+bloqueia+transportador+de+dopamin

O indivíduo que faz seu uso terá inclinação a sentir-se excessivamente


autoconfiante, poderoso, irresistível e com a capacidade de resolver desafios de
27

qualquer ordem de modo não correspondente com a sua habilidade. A partir daí o
indivíduo que antes obtinha sensações de sucesso e confiança, passa a ter seu
consumo voltado apenas para a recompensa proveniente do distúrbio bioquímico
cerebral gerado pelo uso da droga (FERREIRA et al., 2017).
Logo, o indivíduo se desconecta dos interesses sociais, familiares,
emocionais, profissionais e de aprendizagem para então concentrar-se
impreterivelmente na droga (REGO, 2010 apud FERREIRA et al., 2017). As
mudanças responsáveis pelo desenvolvimento da adição são essencialmente
estáveis e duradouras, fazendo com que o indivíduo tenha os sintomas de
abstinência e sofra com os riscos de recaídas, ainda que após anos sem o seu
consumo (AZEVEDO, 2014 apud FERRERIA et al., 2017).
Os efeitos da cocaína relatados por Rego (2010 apud Ferreira et al., 2017),
podem ser classificados em efeitos imediatos, efeitos com grande dose, efeitos
tóxicos agudos e, efeitos do consumidor crônico (em longo prazo). Os efeitos
imediatos da droga duram de 30 a 40 minutos, pode levar o indivíduo ao estado de
euforia, sensação de poder, agressividade, perda do apetite, delírios, excitação
física e mental. No organismo, suas reações implicam em taquicardia, hiperglicemia,
aumento na frequência dos batimentos cardíacos, dentes anestesiados, tremores e
midríase (dilatação da pupila). Os efeitos em altas doses são caracterizados pela
depressão neuronal, convulsão, paranóia, taquicardia, mãos e pés adormecidos e
em casos mais graves a morte por overdose. Em relação aos efeitos em longo
prazo, aponta-se que a cocaína tem um efeito de tolerância muito rápido e para
obter os efeitos esperados o indivíduo precisa usar doses cada vez maiores em
intervalos de tempo mais curtos. No uso em longo prazo, ocorrem hemorragias
cerebrais e uma morte constante de neurônios, levando a uma perda das funções
superiores. Seus efeitos são caracterizados pela perda de memória, perda de
capacidade analítica, destruição do septo nasal, síncopes, cefaleias, entre outros.
Nos efeitos tóxicos agudos podem ocorrer em resposta a uma dose única e baixa,
mas são mais prováveis que ocorra em doses altas e em uso continuado pelo
indivíduo. Suas principais consequências são a trombose coronária com enfarte do
miocárdio, trombose cerebral com acidente vascular cerebral (AVC), necrose
cerebral, insuficiência cardíaca, hipertermia com coagulação disseminada
potencialmente fatal, entre outros.
28

4.5 Efeitos Neurofisiológicos do Exercício Físico

O exercício físico é conhecido por todos como forte aliado na busca por uma
vida saldável, o que o torna um reforçador de pensamentos positivos, refletindo
direta e positivamente em sintomas de depressão, baixa alto-estima, estresse
crônico, desânimo, entre outras doenças diagnosticadas neurodegenerativas, além
dos efeitos fisiológicos diretos como, o controle da pressão arterial, diabetes,
colesterol, obesidade, etc. . Dentre tantos benefícios relacionados à prática do
exercício físico, a UNESCO (2013), destaca que a realização dos movimentos do
corpo humano é controlada e regulada pelo sistema nervoso central (SNC). A
reação do processo de contração das fibras musculares ocorre pela combinação de
impulsos neurais inibitórios e excitatórios, que transmitem estímulos continuamente
aos neurônios e determinam seu potencial de ação para a excitação (MAIOR;
ALVES, 2003; Wilmore; Costill, 2001 apud UNESCO, 2013). Assim, os impulsos
excitatórios excedem os impulsos inibitórios das fibras musculares, dando início à
contração e estimulando o recrutamento de unidades motoras (HARRISON et al.,
2004 apud UNESCO, 2013).
A atividade física, de acordo com Nahas (2006 apud MASUMOTO et al.,
2010), é definida como qualquer movimento do corpo executado pela musculatura
esquelética, voluntário, que gera um gasto energético acima dos níveis de repouso.
A realização da atividade física pode estar referida à capacidade do exercício
de gerar as espécies reativas de oxigênio (ROS), as quais têm o papel fundamental
na indução da síntese de antioxidantes, reparação de DNA e enzimas que degradam
proteínas específicas, resultando em uma redução da incidência de doenças
relacionadas ao estresse oxidativo; pois o cérebro possui baixos níveis de
antioxidantes, tornando-se mais susceptível à ação maléfica dos radicais livres
(FERREIRA, 2007 apud MASUMOTO et al., 2010).
O exercício físico melhora o funcionamento e o metabolismo neuronal
desencadeando benefícios para a saúde cerebral e cognitiva (KHALSHA, 1997 apud
MASUMOTO et al., 2010). Outras maneiras observadas na melhora da função
cognitiva através do exercício físico são: aumento dos níveis de neurotransmissores,
29

melhora cognitiva em indivíduos com prejuízo mental, melhora na flexibilidade


mental e atencional em indivíduos idosos (ANTUNES et al., 2006 apud MASUMOTO
et al., 2010).
Segundo Khalsha (1997 apud MASUMOTO et al., 2010) o exercício físico
induz a um aumento na produção de noradrenalina e dopamina e de alguns
neuropeptídios, como a endorfina, proporcionando uma sensação de bem-estar ao
praticante.
Aguiar e Pinho (2007 apud MASUMOTO et al., 2010), comprovaram em
estudos que a atividade física apresenta potencial na prevenção e auxilia no
tratamento de danos traumáticos cerebrais, assim como em doenças
neurodegenerativas (Parkinson e Alzheimer), estimulando a neurogênese e
plasticidade cerebral. De acordo com Houzel (2007 apud MASUMOTO et al., 2010),
a neurogênese é o nascimento de novos neurônios em uma determinada região
cerebral. O hipocampo é a região fundamental para o controle do estresse; pois os
neurônios novos nessa área conseguem controlar a resposta hormonal ao estresse.
Assim sendo, o exercício físico funciona como um mecanismo de neuroadaptação,
pois estimula os neurônios do hipocampo, e do sistema de recompensa, fazendo
com que estes secretem maiores doses de uma substância denominada BDNF
(neurotróficos), que tem como função proteger os neurônios mantendo-os saudáveis
e evitando sua atrofia e morte. Este BDNF é produzido no hipocampo e estimula o
crescimento de novos neurônios nessa área, a qual é responsável pela formação de
memórias novas.
As respostas desencadeadas pela atividade física como coadjuvante no
tratamento da depressão são respostas fisiológicas: melhor na oxigenação cerebral,
aumento da termogênese (temperatura corporal); bioquímicas: o exercício físico
pode fazer o cérebro e outros tecidos produzirem endorfina que possui efeito
analgésico ocasionando um estado de euforia igual à morfina e uma alteração no
aumento de monoaminas cerebrais (serotonina, noradrenalina, dopamina), pois a
depressão está relacionada a uma falha na transmissão de sinapses aminérgicas
centrais (MARIEB e HOEHN, 2009 apud MASUMOTO et al., 2010).
Segundo Coelho et al., (2009 apud MASSUMOTO et al., 2010), estudos
comprovam que os exercícios físicos induzem um aumento dos níveis do fator
neurotróficos no hipocampo, córtex-frontal e cerebelo; promovendo a sobrevivência
30

celular (neurônios) e plasticidade neural. Exercícios aeróbios preservam o volume do


hipocampo, melhorando desempenho de memória espacial.
Ribeiro (2007) relata que a descoberta da neurogênese adulta (fabricação de
novas células nervosas ou neurônios) é o maior achado da neurociência nos últimos
tempos. Descobriu-se que o cérebro adulto continua a fabricar neurônios de forma
contínua por toda nossa vida.
Os experimentos mostram que a neurogênese acontece principalmente em
uma parte do cérebro chamada “Hipocampo”, responsável por reger a
aprendizagem, a memória e as emoções. Os estudos mostraram que os pacientes
que estão em depressão a longo tempo, têm um hipocampo consistentemente
menor do que os pacientes não depressivos (RIBEIRO, 2007). Destaca ainda que, o
mais surpreendente, é que o aumento da neurogênese provocado pelo exercício é
muito maior em relação ao aumento causado pela última geração de medicamentos
antidepressivos. A explicação para o fenômeno é que a atividade física aumenta o
ritmo cardíaco, aumentando a circulação sanguínea no cérebro, o qual recebe maior
quantidade de fatores estimulantes ao aumento da neurogênese. Outra possibilidade
é devido ao fato de a atividade aeróbica proporcionar um ritmo cerebral chamado
“Thetha” que, por sua vez, aumenta a produção de serotonina e o desenvolvimento
dos neurônios.
É bom lembrar, no entanto, que uma atividade eficiente e saudável deve ser
praticada sempre em equilíbrio de oxigênio, ou seja, sem sofrimento e razoável
conforto respiratório (COBRA, 2007).
Segundo Lynch et al., (2010 apud FERREIRA et al., 2017) a prática de
exercícios aeróbios é capaz de reduzir a vulnerabilidade à recaída, por reduzir o
desejo de consumir a cocaína, especialmente pela redução no prejuízo funcional do
córtex pré-frontal, observado no período agudo de abstinência. Essa modulação
neurofuncional, de acordo com Taylor et al., (2007 apud FERREIRA et al., 2017)
pode estar relacionada à liberação de dopamina, serotonina, peptídeos opioides e
cortisol, durante e imediatamente após exercícios físicos, o que resulta na redução
do desejo de usar drogas.
Na avaliação do estado humor, segundo Peluso e Andrade (2005), foi
observada redução significativa nos aspectos de tensão e vigor pós – EF (pós –
Esforço Físico). A redução na sensação de tensão é um resultado positivo e
possivelmente colabora na redução no desejo de usar drogas. Embora estejam no
31

início da prática física, a liberação de neurotransmissores, hormônios e outras


substâncias associadas à prática do exercício físico resulta em uma interferência
positiva no estado de humor, alivia o estado de tensão presente antes da prática.
O corpo é capaz de se adaptar ao estresse provocado pelo exercício físico
por meio de ajustes metabólicos, coordenados pelos sistemas nervoso e endócrino,
necessários para o equilíbrio funcional (AMENT e VERKERKE, 2009 apud
FERREIRA et al., 2017). Ocorre a liberação de substâncias como catecolaminas,
endorfinas, anandamida e fatores neurotróficos, o que proporciona um estado de
ativação geral com posterior relaxamento acompanhado de sensações de bem-estar
e prazer (KWON et al., 2013 apud FERREIRA et al., 2017).
A atividade física pode auxiliar de forma contundente no tratamento para a
dependência química, pois sem as substâncias psicoativas no organismo, o
dependente precisa suprir a falta desta e, segundo Mialick et al., (2010 apud
FERREIRA 2012), nada melhor do que a prática da atividade física que é uma ação
que gera sensação de prazer, bem-estar físico e mental, possibilitando ainda ao
indivídua reiniciar um ciclo de amizades saudáveis, tendo sempre em mente a
manutenção da sua sobriedade.
Assim, deve-se estimular a realização do exercício físico conforme a
percepção de esforço, buscar as sensações de prazer e satisfação a partir da
atividade física, e incentivar a manutenção da prática (CABANAC, 2006 apud
FERREIRA et al., 2017).
No tratamento da dependência química o exercício serve para muitos
propósitos, mas existem alguns benefícios principais tais como: o alívio e redução do
estresse; a liberação de endorfinas; melhora no humor e aspecto social; que se pode
derivar do exercício aeróbio e não aeróbio durante a recuperação e tratamento do
abuso de substâncias (BARBANTI, 2012).
32

5. METODOLOGIA

Foi realizado uma pesquisa bibliográfica, qualitativa, utilizando de textos


acadêmicos, livros, monografias e sites especializados (bibliotecas virtuais), em
artigos publicados entre os anos de 1996 e 2018, tendo como descritores –
dependência química – cocaína – neuroadaptações – fatores neurotróficos –
síndrome de abstinência – exercício físico. Como fonte de pesquisa foi solicitado a
base de dados Scribd, SciELo, Google Acadêmico e LILACS.
33

6. DISCUSSÃO

A dependência química é considerada pela OMS uma doença


neurodegenerativa, com características específicas de transtorno mental, capaz de
desenvolver também, as dependências física e psicológica.
O abuso de cocaína, ou uso crônico da substância em suas mais variadas
formas de consumo, está relacionado a sérios problemas de saúde como, cansaço
físico intenso, falta de desejo, distúrbios alimentares, baixa alta-estima, estresse
crônico e, talvez o pior de todos, intensa depressão. Pode trazer grandes prejuízos à
vida do usuário, tanto fisiológicos como, psicológicos e sociais. Seus efeitos podem
variar de acordo com a via de administração, quantidade de uso, fatores ambientais
e emocionais.
A cocaína se encontra na categoria dos psicotrópicos e, é definida como uma
substância psicoativa, estimulante do SNC. Sua molécula age inibindo a recaptura
de neurotransmissores por receptores específicos na fenda sináptica, aumentando
e/ou intensificando o tempo de ação desses neurotransmissores. Este procedimento,
repetido várias vezes num período constante de tempo, por um determinado
organismo, acarretará modificações estruturais e funcionais no SNC, as quais os
autores apresentam como neuroadaptações. É uma substância capaz de
desenvolver tolerância, dependência e, de acordo com estudos mais recentes,
síndrome de abstinência. Assim como a maioria dos psicotrópicos, ela produz ação
direta no sistema dopaminérgico, intensificando a ação dos neurotransmissores
específicos como, dopamina, noradrenalina e serotonina.
Devido a sensação de prazer, o indivíduo sente vontade de fazer uso
repetitivo da droga, caracterizando o uso abusivo e/ou crônico, da substância.
A abstinência ao uso de substâncias está diretamente relacionada à sintomas
físicos e psicológicos provenientes da interrupção repentina da mesma. A transição
do uso abusivo para adição vem gerar comportamentos que envolvem as
neuroadaptações e a neuroplasticidade em estruturas cerebrais específicas.
A partir da teoria da neuroadaptação, pode-se explicar o desenvolvimento da
tolerância, da síndrome de abstinência e do “craving”, sendo o “craving” um
incontrolável desejo de consumir a droga, quando não realizado provoca profundo
34

sofrimento físico e psicológico (ADDOLORATO et al., 2005 apud FERREIRA et al.,


2017).
Partindo da teoria da neuroplasticidade, podemos entender o processo de
neuroadaptação, tolerância, dependência e síndrome de abstinência, como um ciclo
de plasticidade “dependente de atividade”, como descrito anteriormente. Sabe-se
também, que todo organismo, de um modo ou de outro, sempre tende a estabelecer
a homeostasia dos sistemas, ou seja, procura o equilíbrio funcional. Sendo assim,
do mesmo modo que acontece plasticidade, gerando neuroadaptações, estimulada
pelo uso de substância, acontece também plasticidade estimulada pelo desuso da
mesma, que também gera neuroadaptações, porém, depois que uma determinada
mudança plástica ocorre no cérebro e se torna estabelecida, pode impedir que
aconteçam outras. Este processo é definido por Norman Doidge como “paradoxo
plástico” em sua obra, O Cérebro Que Se Transforma, pela editora Record (2016).
No entanto, a partir do fenômeno da neuroadaptação, reforçado por todos os
autores citados, é possível que o organismo, uma vez adaptado à presença da
droga, poderá pelo “desuso” da mesma, se reestruturar novamente sem a
necessidade da substância, sedo possível a desintoxicação. Tal raciocínio se torna
relevante uma vez que todo processo de elaboração de projetos e procedimentos
em torno do tratamento e recuperação de dependentes químicos se baseia no
conceito de que o cérebro humano é totalmente adaptativo.
Atualmente, uma das maiores dificuldades enfrentadas no tratamento da
dependência química, é fazer com que o dependente respeite o período de
abstinência para que se processe a desintoxicação do organismo, pois o usuário
crônico, na grande maioria dos casos, volta a usar a droga. Fato que é descrito
pelos especialistas como “recaída”.
Entretanto, através de vários estudos e pesquisas destacando os benefícios
da atividade física enquanto exercício físico e ludicidade, reforçado pelos artigos
expostos neste trabalho, podemos afirmar que os benefícios do exercício físico vão
além dos efeitos fisiológicos diretos, como controle da pressão arterial, regulação da
frequência cardíaca, metabolismo da glicose circulante, etc., como também, efeitos
neurofisiológicos, que podem ser destacados como forte aliado no combate ao
estresse e à depressão.
Tem como ação principal a região do sistema dopaminérgico, agindo como
estimulante natural deste sistema, recuperando células nervosas antes degradadas
35

pelo uso crônico da cocaína. Deste modo, o exercício físico se apresenta como um
componente fundamental e determinante no processo de desintoxicação do
organismo, sendo capaz de estimular neurotransmissores específicos, idênticos aos
neurotransmissores de ação intensificada pelo uso de cocaína, como a dopamina,
serotonina, noradrenalina e norepinefrina, aumentando o tempo de abstinência e
reduzindo, significativamente, o risco de recaída.
O corpo é capaz de se adaptar ao estresse provocado pelo exercício físico
por meio de ajustes metabólicos, coordenados pelos sistemas nervoso e endócrino,
necessários para o equilíbrio funcional, assim sendo, o exercício físico funciona
como um mecanismo de neuroadaptação, pois estimula o sistema de recompensa,
fazendo com que estes secretem maiores doses de uma substância denominada
BDNF (neurotróficos), que tem como função proteger os neurônios mantendo-os
saudáveis e evitando sua atrofia e morte. A explicação para o fenômeno é que a
atividade física aumenta o ritmo cardíaco, aumentando a circulação sanguínea no
cérebro, o qual recebe maior quantidade de fatores estimulantes ao aumento da
neurogênese. Outra possibilidade é devido ao fato de que a atividade aeróbica
proporciona um ritmo cerebral chamado “Thetha” que, por sua vez, aumenta a
produção de serotonina e o desenvolvimento dos neurônios.
O exercício físico induz a um aumento na produção de noradrenalina e
dopamina e de alguns neuropeptídios, proporcionando uma sensação de bem-estar
ao praticante. Ocorre a liberação de substâncias como catecolaminas, endorfinas,
anandamida e fatores neurotróficos, o que proporciona um estado de ativação geral
com posterior relaxamento acompanhado de sensações de bem-estar e prazer.
Assim, é capaz de combater os efeitos de intensa depressão, oriundos após os
efeitos excitatórios da cocaína.
A atividade física pode auxiliar de forma contundente no tratamento para a
dependência química, pois sem as substâncias psicoativas no organismo, o
dependente precisa suprir a falta desta e nada melhor do que a prática da atividade
física, ação que gera sensação de prazer, bem-estar físico e mental, possibilitando
ainda ao indivídua reiniciar um ciclo de amizades saudáveis, tendo sempre em
mente a manutenção da sua sobriedade.
Assim, deve-se estimular a realização do exercício físico conforme a
percepção de esforço, buscar as sensações de prazer e satisfação a partir da
36

atividade física, e incentivar a manutenção da prática (CABANAC, 2006 apud


FERREIRA et al., 2017).
No tratamento da dependência química o exercício serve para muitos
propósitos, mas existem alguns benefícios principais tais como: o alívio e redução do
estresse; a liberação de endorfinas; melhora no humor e aspecto social; que se pode
derivar do exercício aeróbio e não aeróbio durante a recuperação e tratamento do
abuso de substâncias (BARBANTI, 2012).
Por vez, se faz importante salientar que todos os estudos descritos neste
trabalho, concordam que a prática de exercício físico regular, induz modificações
estruturais e funcionais no SNC, capaz de promover neuroadaptações positivas no
organismo. Incorporar a atividade física como aliada no processo de tratamento da
dependência química, pode sim, estimular a ação de neurotransmissores capazes
de inibir a necessidade fisiológica do organismo pela droga, agindo diretamente no
sistema de recompensa, aumentando a atividade na área hipocampal.
Portanto, é preciso redimensionar o papel da atividade física no tratamento da
doença. É necessário reestruturar, a partir da proposta deste trabalho, os
mecanismos de intervenção e o foco principal da atividade física no processo de
tratamento. Ensinar, preparar e conscientizar, os profissionais de educação física
envolvidos em projeto similares, quanto os próprios dependentes químicos em
tratamento que, a atividade física, enquanto processo de tratamento da
dependência, não se limita à esfera do recreacionismo e do “relaxamento”, mas está
embasada por estudos da neurociência, reafirmando sua complexa e magnífica
colaboração no processo de regeneração celular.
Este trabalho não ousa delimitar uma única prática como sendo a solução
definitiva enquanto modelo estrutural de intervenção, ao contrário, entendemos a
complexa e individualidade biomolecular de cada organismo. Portanto deixaremos
como sugestão, um modelo de projeto de intervenção que priorize a atividade física
como fator determinante para manutenção da abstinência, durante e após o período
de internação. Aconselhamos a dinamização das atividades ao decorrer dos dias
(não apenas uma vez por semana), as quais considerem como primordiais os
fatores neurofisiológicos (funcional e estrutural), psicológicos (motivacional) e sociais
(comportamental). Um modelo que se reforce alicerçado pelo fenômeno da
neuroadaptação através do exercício físico como fator determinante no processo
(contínuo) de recuperação do dependente.
37

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os estudos investigados no presente trabalho, podemos


afirmar que, tanto os efeitos da cocaína como a prática de exercício físico, produzem
sensações de prazer, representada pela liberação de monoaminas como,
adrenalina, serotonina, dopamina e noradrenalina.
A diferença entre eles se dá pelo fato de que: Um, gera neuroadaptações
dependente da ingestão constante de uma substância específica (cocaína), ou seja,
exogenamente estimulada pelo organismo. Outro, produz neuroadaptações
orgânicas naturais, estimulada endogenamente pelo organismo através da atividade
física. O fato é que, as neuroadaptações estimuladas por ambos, provocam reações
fisiológicas e comportamentais, após efeito agudo, extremamente opostas. A
cocaína tem efeito neurodegenerativo grave, durante e após a interrupção do uso,
desencadeando doenças características da dependência, como o estresse e a
depressão profunda, entre outras. Enquanto o exercício físico tem efeito
neurotrófico, ou seja, regenerativo do SN, provocando reações como, a diminuição
dos níveis de estresse e combate à depressão.
O exercício físico, produz adaptações neurofuncionais no SN, capaz de
modificar o mapeamento cortical, alterando e reajustando funções debilitadas pelo
uso crónico de cocaína. Essa afirmação é comprovada pelo conceito de
neuroadaptação ao exercício físico, como apresentado anteriormente.
Após correlacionar os fatos apresentados neste trabalho, conclui-se que o
exercício físico, por si só, não é capaz de recuperar o dependente do vício da droga,
porém, ao estimular neuroadaptações diretamente relacionadas à neurogênese, em
regiões cerebrais catabolizadas pela cocaína, ele se mostra determinante para a
manutenção da abstinência ao uso da substância, durante a após a intervenção
clínica.
38

REFERÊNCIAS

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