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05/02/2019 Economia global contemporânea: ladeira abaixo - Le Monde Diplomatique

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OBSERVATÓRIO DA ECONOMIA CONTENPORÂNEA

Ladeira abaixo
OBSERVATÓRIO DA ECONOMIA CONTEMPORÂNEA | MUNDO

por Ricardo Carneiro

Fevereiro 4, 2019

Imagem por anjan58

Fatos apontam para dois processos em curso: a


desaceleração econômica e o insu ar da bolha. Con ra novo
artigo do Observatório da Economia Contemporânea.
Ricardo Carneiro é professor titular do Instituto de
Economia da Unicamp.

Entre as grandes instituições multilaterais, nanceiras e a mídia


especializada, está formado o consenso de que a economia global não
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escapa de uma desaceleração a partir deste ano; de acordo com alguns


indicadores parciais, ela já começou. A dúvida que persiste diz respeito à
sua profundidade e à possiblidade de se converter numa recessão ou
ainda numa crise nanceira. Esta possibilidade está associada à
articulação da desaceleração com processos mais profundos: de um
lado, o desin ar da bolha de preços de ativos, produzida no pós-crise
nanceira global de 2008 (CFG) pela política monetária não
convencional, em especial nos Estados Unidos; de outro, uma possível
escalada da proteção comercial a partir das elevações unilaterais das
tarifas por parte da gestão Trump.

Um primeiro aspecto a abordar diz respeito à dimensão quantitativa da


fase de crescimento do ciclo econômico e a sua aceleração em
2017/2018. A primeira constatação é que há uma convergência no
crescimento das principais economias desenvolvidas, fenômeno que não
se observava desde os anos pré-CFG. Após esta última, o crescimento
das economias desenvolvidas não só foi volátil e assincrônico, como
raramente excedeu o patamar de 2,5% ao ano nas maiores economias –
Japão, Estados Unidos e União Europeia. Assim, dois anos de
crescimento convergente nesses países, acelerando para um patamar de
3%, foram saudados como um grande feito. Mas, pelos padrões pré-
crise, trata-se apenas de um crescimento moderado e que já mostra
desaceleração.

É importante analisar essa con guração dos ciclos econômicos nos


países desenvolvidos. Há fortes indicações de que a nanceirização
dessas economias, sobretudo após a CFG, tenha produzido menos
dinamismo do ponto de vista produtivo, vale dizer, crescimento menor e
mais volátil. O exemplo mais evidente é o dos Estados Unidos. A
despeito da ampla liberdade para manejar sua política econômica vis à
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vis os demais países – mesmo os desenvolvidos – os Estados Unidos


também foram vítima de um crescimento volátil e baixo, a despeito de
superior aos demais. Assim, a comparação entre o período pré-CFG,
2000 a 2007, com aquele pós-crise, 2010 a 2108, mostra que este país
perdeu um terço da sua taxa de crescimento, de 3,5% a.a. para 2,2% a.a.

O detalhamento do ciclo norte-americano indica um peso maior do

investimento ante o consumo no biênio recente. A esse propósito, duas


observações: essa ampliação do investimento, a despeito de relevante,
não recupera os patamares pré-crise. Por sua vez, o aumento se fez com
níveis rapidamente crescentes de endividamento corporativo. Isso
porque a nanceirização impôs às empresas um padrão de escolha de
ativos que vai muito além da compra de máquinas, equipamentos e
instalações. Ele compreende a recompra de ações, as operações de
Fusões e Aquisições e a distribuição de dividendos, que no seu conjunto
exigem a ampliação da alavancagem, mas ampliam a fragilidade
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nanceira, pois esses investimentos não dinamizam o circuito gasto-


renda. Certamente, essa é uma das razões para o menor fôlego do ciclo.

O consumo, que havia sido o componente de destaque no crescimento


norte-americano antes da CFG, entre 2000 e 2007, e cujo peso é
decisivo, cerca de 70% da demanda agregada, tem comportamento
muito menos dinâmico no ciclo recente. Cresce abaixo do aumento do
PIB nos anos 2010 a 2014 e em 2017 a 2018. Duas razões de fundo
explicam esse desempenho: a estagnação dos salários reais – cujo
crescimento signi cativo, em torno dos 2% a.a., é muito recente – e o
ainda elevado endividamento das famílias, em torno de 80% do PIB. A
combinação de salários estagnados (resultante da desestruturação do
mercado de trabalho e com implicações negativas sobre a massa salarial)
com a menor propensão ao endividamento (dado o seu já elevado
patamar e frágeis expectativas de aumento da renda) explica o menor
aumento do consumo e de sua menor contribuição ao crescimento,
retirando amplitude quantitativa e longevidade ao ciclo. Por m, chama
também a atenção no caso norte-americano a forte desaceleração nos
gastos públicos a partir de 2010, fator adicional de menor dinamismo.

Um ator decisivo nos rumos da economia global, por seu peso

econômico e geopolítico, é a China. Não fosse a sustentação da sua taxa


de crescimento no patamar superior a 6% a.a., tanto a crise quanto a
recuperação mundial teriam sido piores. Todavia, é necessário
considerar que o menor crescimento global impôs à China uma
desaceleração expressiva, reduzindo a sua taxa de crescimento também
em um terço em comparação ao período pré-CFG. As di culdades dizem
respeito à rapidez da reconversão do modelo de desenvolvimento do
país, ou seja, à compatibilização de estruturas de oferta e demanda. A
operação aparentemente trivial de conversão das exportações líquidas e
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operação aparentemente trivial de conversão das exportações líquidas e
investimento autônomo para consumo e investimento induzido, como
carros-chefes do crescimento, esbarram em alguns obstáculos
estruturais, tais como o nível e a distribuição da renda e a inserção nas
cadeias globais de valor.

Assim, desde 2008, os sucessivos pacotes scais e creditícios do governo


chinês tornaram a economia menos dependente das exportações
líquidas e do seu nexo com o investimento. A parcela do investimento
correspondente à construção de habitações e infraestrutura urbana,
mas sobretudo o consumo, cresceram muito rapidamente. Desde 2014,
por exemplo, a contribuição deste último ao crescimento supera a do
investimento e nos anos recentes tem sido o dobro. A despeito de todo
esse esforço, a economia desacelerou e corre o risco de desacelerar
ainda mais por conta dos estímulos adversos do setor externo. Por outro
lado, é pouco provável, como quer o pensamento conservador, que se
assista a uma crise nanceira, por conta dos empréstimos excessivos do
setor bancário e o correspondente sobreendividamento das famílias e
empresas. O sistema nanceiro pouco liberalizado e não globalizado, de
propriedade pública, permite um grau de controle elevado das
autoridades monetárias, inclusive no gerenciamento de crises de
crédito.

Um terceiro polo importante da economia internacional, mais pelo seu


tamanho do que pelo dinamismo, é o da União Europeia. Nos últimos
três anos, a região recuperou parte do desempenho pré-CFG,
alcançando o patamar de crescimento de 2% a.a. A falta de dinamismo,
tanto quanto a já precoce desaceleração da região, deve-se a seu padrão
de crescimento muito dependente das exportações, que tem respondido
recentemente por cerca de metade da taxa de crescimento. As
di culdades para engrenar um modelo mais atrelado à demanda
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doméstica passa pelos sucessivos ajustes scais, sobretudo na periferia


da região. Por sua vez, a economia mais dinâmica, a da Alemanha, na
falta de dinamismo doméstico, buscou compensá-lo ampliando ainda
mais seu coe ciente exportado. Um fator genérico, a apreciação do
Euro, e outro especí co, as exportações de máquinas e equipamentos
para China, e a sua contração, respondem pela sua perda de dinamismo
recente.

Os dados globais disponíveis, tais como a produção industrial e as novas


ordens de exportações, já indicam desaceleração a partir do terceiro
trimestre de 2018, com crescente difusão pelo conjunto das economias
desenvolvidas. Voltamos aqui à pergunta inicial: se a desaceleração já
está em curso, qual a sua amplitude, qual a possibilidade de converter-
se numa recessão e mais ainda, numa crise nanceira? Aqui o primeiro
aspecto a destacar é que a desaceleração em si piora o desempenho de
variáveis reais como uxos de caixa e rentabilidade das empresas, bem
como salários, arrecadação scal etc. Ou seja, constitui uma pressão
negativa para a economia sob a ótica dos uxos. Essa dimensão pode ser
agravada por processos em curso, como a guerra comercial. Mas o

decisivo será a sua articulação com variáveis nanceiras, como


endividamento das empresas, valorização das bolsas de valores, spreads
etc.

Sob o acicate de um longo período de baixa taxa de juros decorrente da


política monetária não convencional – o Quantitative Easing (QE) –
iniciada nos Estados Unidos e depois generalizada para o Japão e a
União Europeia, como mecanismo de enfrentamento da crise nanceira,
as economias desenvolvidas, mas sobretudo os Estados Unidos,
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as economias desenvolvidas, mas sobretudo os Estados Unidos,
fomentaram o surgimento de uma nova bolha, visível na combinação de
níveis elevados de endividamento das empresas e aumento de preços de
ativos em vários mercados. A sua intensidade e caráter geral levou o The
Economist a caracterizá-la como “a bull market in everything”.

A bolha, no seu insu amento, ao ampliar a riqueza das empresas e das


famílias, induz a elevação dos gastos em investimento e em consumo,
alavancados por crédito barato e farto. A sua continuidade depende de
dois fatores: de um lado, da elevação de gastos e, consequentemente, da
renda aos quais induz. De outro, da permanência de sua condição
essencial: a baixa taxa de juros. Ela tem várias dimensões, dentre as
quais, o rápido e já elevado endividamento das empresas com o
desenvolvimento de um mercado particular, os empréstimos
alavancados (leveraged loans) e que tem como contrapartida a ampliação
do mercado de títulos de alto rendimento (high yield bonds); a redução
signi cativa dos spreads das taxas de juros nos vários mercados e riscos;
e o aumento das cotações das ações com a relação preço/lucro
atingindo patamares inusitados.

A valorização da principal Bolsa de Valores, a norte-americana, tem sido


forte e contínua, se espalhando pelas demais praças. Esse é um processo
longo que vem desde 2010, mas que se acentuou nos últimos três anos,

fazendo o índice P/L alcançar níveis históricos. Há alguma razão em se


atribuir o fenômeno à recuperação e ao aumento de lucratividade das
empresas, mas a dimensão especulativa da valorização é dominante,
como, aliás, atesta o crescimento do indicador (P/L). A ampliação das
compras alavancadas (leveraged buyouts), mas sobretudo da recompra
de ações das próprias empresas (buybacks), de nem a essência do
processo especulativo impelido por baixas taxas de juros.

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Em estrita associação a esses dois processos e tendo também como


determinante o largo período de taxas de juros muito baixas,
engendrou-se uma crescente alavancagem das empresas, levando o
endividamento corporativo a patamares superiores ao do imediato pré-
crise, cerca de 75% do PIB. O processo especí co mais relevante desse
ciclo de endividamento é o mercado de empréstimos alavancados
(leveraged loans), assim denominado porque seus padrões de retorno,
alavancagem e riscos excedem as normas dos mercados correntes.
Ademais, esses empréstimos têm na sua origem a participação de
bancos sindicalizados, que num segundo momento os repassam a
investidores institucionais, num esquema semelhante ao das hipotecas
subprime, ou seja, originar e distribuir em contraposição ao originar e
preservar.

O uxo de novas emissões em 2018 atingiu U$S 800 bilhões, nível tão
elevado quanto o do melhor ano pré-CFG, mas com algumas
particularidades: metade desses empréstimos foi destinada a compras
alavancadas, fusões e aquisições, recompra de ações e pagamento de
dividendos. Outro aspecto importante é a queda da qualidade dos
tomadores dos créditos, com a predominância dos graus especulativos e
a redução de garantias. Neste âmbito, 80% dos créditos originados em
2018 foram com baixa garantia (convenant-lite). Por m, estabeleceu-se

uma mecânica explosiva de ampliação dos novos empréstimos, que


podem ocorrer automaticamente se os rendimentos propostos pelos
tomadores se con rmarem. Em resumo, das fragilidades criadas pela
bolha, essa é indiscutivelmente a maior.

Um aspecto que não pode ser menosprezado nas perspectivas da


economia internacional é o da escalada tarifária, na iminência de se
converter em uma guerra comercial. A despeito de se encontrar ainda
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nos seus primórdios, a elevação de tarifas já contribuiu para o aumento


da in ação ao consumidor, mas principalmente elevou preços de
insumos e bens intermediários relevantes das cadeias produtivas,
conduzindo ao atraso e mesmo cancelamento de investimentos
programados, ampliando a desaceleração. É discutível se as tarifas serão
os instrumentos adequados para promover a re-localização da produção
e dos uxos de comércio. Mas, se o zerem, será à custa da
desestruturação de uma forma de organização da produção e da
concorrência, de nidoras da essência da globalização: as cadeias globais
de valor. E isso não se fará sem custos.

Os fatos discutidos acima apontam para dois processos em curso: a


desaceleração econômica e o insu ar da bolha. Dessa perspectiva, além
do modo de operação de uma economia nanceirizada, serão decisivos
para de nir os rumos da economia global a política comercial e a
monetária, sobretudo a segunda, tendo os Estados Unidos como
epicentro. A ninguém cabe desconhecer os distúrbios que as sucessivas
elevações das taxas de juros – mormente nos Estados Unidos –
provocaram nos mercados nanceiros no último trimestre de 2018. Isso
levou o FED, na sua reunião de 31 de janeiro de 2019 a recuar do seu

caminho anunciado originalmente, de fazer mais duas elevações dos


juros neste ano, a pretexto de que o aumento das taxas estava induzindo
uma desaceleração muito rápida.

O verdadeiro motivo para a mudança de curso do Banco Central norte-


americano foi a volatilidade nos mercados nanceiros. A sua reviravolta
deixou grande parte do mercado norte-americano perplexo. Mas o fato
é que com a nanceirização da economia e o peso crescente dos
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mercados líquidos de títulos, e a recorrência das bolhas, o FED


encontra-se reiteradamente diante de uma espécie de escolha de So a.
No caso recente, ou mantinha um ritmo signi cativo de aumento dos
juros, levando ao aprofundamento da desaceleração e quiçá à sua
conversão em recessão, mas mantendo a bolha sob controle; ou recuava
nesse ritmo de aumento e mesmo de atenuação da reversão do QE.
Nesse caso, o bônus pode ser o de acentuar a desaceleração; e o ônus, o
de estimular a bolha, aumentando, com os riscos de seu estouro
posterior, o da eclosão de uma nova crise nanceira.

*Ricardo Carneiro é professor titular do Instituto de Economia da


Unicamp.

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