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SINTESE REFLEXIVA DO SEMINÁRIO

REDES DE BIBLIOTECAS PARA A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Biblioteca Municipal de Abrantes, 26 de Novembro de 2013


Vera Maria da Silva

Este texto não tem em consideração as novas regras do acordo ortográfico

Felicitamos o Município, as pessoas de Abrantes, a sua biblioteca e quantos nela trabalharam e trabalham,
pela oportuna realização deste seminário comemorativo dos seus 20 anos. Cumprimentamos a Senhora Presidente
da Câmara Municipal de Abrantes, Dr.ª Maria do Céu Albuquerque e a Senhora Directora de Serviços de Bibliotecas
da DGLAB, Dr.ª Margarida Oleiro, bem como todos os participantes neste evento e, em particular, os colegas
convidados para apresentarem comunicações: Luísa Alvim, Filipe Leal e Cristina Taquelim. Destacamos nestes
cumprimentos Francisco Lopes, pela sua inquebrantável colaboração profissional e amizade. Elas já se prolongam
desde o final dos anos 70 do século passado e consolidaram estima, respeito profissional e a certeza que este
perdurará, quer pelo que já fizemos em comum, quer pelo que ainda poderemos fazer. Apesar de, agora, estarmos
menos apoiados pela ausência de alguns profissionais e amigos do período pioneiro do projecto da Rede Nacional
de Leitura Pública, estaremos mais fortalecidos, e acompanhados, por novos bibliotecários, novas equipas e outras
pessoas que estão a dar continuidade ao trabalho das bibliotecas. Agora, novamente, sob o signo de um ciclo de
recomeço, de novas realidades transformadoras. O desafio que agora se prefigura para elas é o de inscreverem
novos processos, actualizarem serviços e ofertas, assegurarem que a inovação se processe no quadro referencial da
visão e missão das bibliotecas públicas (BP) e na sua lógica de serviço público. Como parte interessada na
problemática ​REDES DE BIBLIOTECAS PARA A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO​, a​gradecemos o convite para fazer a
síntese reflexiva das comunicações deste seminário, tarefa que nos é particularmente agradável dadas as
abordagens desenvolvidas pelos comunicantes e intervenientes e acrescentadas no período de debate.
Destacou-se na comunicação da Senhora Presidente da Câmara Municipal de Abrantes a sua perspectiva de
necessidade das BP operarem em rede, de elas aportarem sinergias e cooperação activa ao seu desempenho social
num presente em transformação e, também, marcado pela velocidade a que esta se opera. Referiu que estes
factores devem significar capacidade de novas interiorizações e rápida adaptação ao/do que é novo, e pertinente,
no contexto do quadro referencial da visão e missão das BP, serviços públicos a que atribui grande relevância para
o desenvolvimento das comunidades locais. Acentuou a importância da consolidação do trabalho com as
Bibliotecas Escolares (BE), parceiros naturais das BP. A ​Senhora Presidente sublinhou que o caminho que se
desenha para as bibliotecas impõe-lhes novas exigências e desafios técnicos. E que estes implicam novos
enquadramentos e respostas políticas, o que o município de Abrantes se empenha em fazer. Disse desejar que tal
possa, também, ocorrer em termos nacionais.
A Senhora Directora de Serviços de Bibliotecas da DLAB (Direcção do Livro, Arquivos e Bibliotecas), Dr.ª
Margarida Oleiro, reiterou as perspectivas abordadas pela Senhora Presidente da Câmara Municipal de Abrantes.
No quadro da política nacional de leitura pública, referiu a inexistência de bibliotecas regionais e distritais. E
necessidade de cooperação na rede nacional de bibliotecas públicas (RNBP) e de uma gestão partilhada de fundos,
recursos, TICs, formação e espaços das BP. Neste ponto, destacou o interesse de um duplo uso das BE: escolar e
comunitário. Relevou a pertinência de, no actual período de dificuldades e “num tempo em que a era do betão
passou​”​, colocar as bibliotecas na agenda política, conferir-lhes competências e recursos que as habilitem a
desenvolver o seu papel social no quadro das novas necessidades da actual ​cultura da informação​. Este, como
referiu, é um dos objectivos da ​Declaração sobre a importância das bibliotecas públicas para as comunidades da
Europa (in ​http://www.wdpubliclibraries.eu/wp-content/uploads/sites/27/2013/10/EP-WD-PT.pdf​). Informou que
procura-se que este documento seja adoptado como posição oficial do Parlamento Europeu. Traçou, depois, o
quadro da realidade da RNBP ―97% dos concelhos já têm biblioteca― e apresentou dados de um estudo recente
sobre a RNBP. Informou que estes dados evidenciam alguns aspectos negativos: o subfinanciamento das BP (0,16€
per capita, o que nos países nórdicos é ≥ 106,30€); o facto de, em Portugal, as aquisições representarem, apenas,
3% da despesa corrente das bibliotecas; necessidade de as BP terem maior visibilidade e efectivo uso, cuja média
ronda os 12%, o que contrasta com 23% da média europeia; dificuldade de muitas bibliotecas se afirmarem e
fazerem a diferença nas suas comunidades. Disse que a este negativo quadro acresce, e reflecte-se, o facto de os
serviços e ofertas das BP serem pouco conhecidos e utilizados; da maioria dos seus leitores serem, também, pouco
informados e exigentes. Considerou que a reversão deste quadro carece quer de substantivas alterações na forma
como as bibliotecas operam nos seus territórios, e entre si, quer de um esforço efectivo do poder central, e local,
para o cumprimento de aspectos previstos na legislação e contratos programa e ainda não implementados.
Luísa Alvim, ​abordou a questão das BP nas redes sociais e do seu compromisso para a inclusão. Ssublinhou
que este objectivo decorre da missão social das BP. Um objectivo que se deseja reforçado, dando disso exemplo a
actual perspectiva de fazer aprovar a Declaração anteriormente referida pela União Europeia, bem como a
necessidade de as BP recentrarem o seu papel nas finalidades da sua missão. Fundamentando-se no “Trend
Report” da IFLA, destacou necessidades e tendências de desenvolvimento: programas de literacias num contexto
de sociedades hiperconectadas; emergência de maior ​empowerment de grupos e pessoas; economia global da
informação assentar em TICs; efeitos transformadores de realidade tecnológica na sociedade e cujo impacto deve,
também, projecta-se, e ser visível, no funcionamento das BP. Defendeu que a responsabilidade social das BP
materializa-se nos projectos e práticas que desenvolvem para distintos públicos, o que fundamentou apresentando
exemplos de projectos. Parte destes, destinados a crianças, ainda que, alguns, tivessem por públicos-alvo jovens,
adultos e idosos e visassem competências em TICs. Apontou como denominadores comuns destes projectos eles
serem: iniciativas gratuitas; promoverem participação em redes sociais; oferecerem serviços online.
A intervenção de Filipe Leal centrou-se na problemática do futuro das BP na era digital, nova realidade
marcada por rápida transformação, o que coloca às BP interrogações que carecem de respostas. Concretamente,
que atitude, e práticas, devem desenvolver. Questionou se as BP podem permanecer numa posição de atonia,
como se nada de novo estivesse a acontecer; continuarem instaladas em conceitos e paradigmas do passado;
limitarem-se à mera replicação de anteriores práticas; se sobreviverão ao impacto das mudanças aportadas pela
sociedade da informação. Considera urgente que as BP iniciem um processo de transformação (“mudamos ou
morremos”). Transformação que, disse, deve ser construída num equilíbrio que retome, na actual realidade cultural
e tecnológica, a visão fundadora das BP, conserve os seus paradigmas matriciais ―serem espaços democráticos
para o conhecimento, cultura e cidadania― e suportes activos para o desenvolvimento de literacias e
aprendizagem ao longo da vida. No contexto tecnológico e cultural que caracteriza a presente sociedade da
informação, pensa que as BP devem voltar-se para uma reorganização estratégica. Esta deve: ter em consideração
distintos os perfis dos leitores; procurar o seu desenvolvimento activo; construir e disponibilizar um portfólio de
serviços e ofertas verdadeiramente pertinentes e úteis; prestar um efectivo serviço público às comunidades.
Para ele, a perspectiva que se tenha sobre a necessidade desta refocalização significa que ou os
bibliotecários escolhem afirmar-se como agentes activos e positivos de mudança no actual contexto global e digital,
ou se eles deixarem que as bibliotecas percam “esta estreita janela de oportunidade, muito em breve, elas
tornam-se desnecessárias”. Concluiu considerando ser necessário que as BP dêem resposta ao desafio de
procederem à síntese entre os valores éticos que norteiam a sua finalidade e à realidade que enquadra a
dimensão do seu papel social no tempo: “o presente é dos progressistas, o futuro é dos utópicos”. Os profissionais
de informação devem posicionar-se num equilíbrio dinâmico entre a inovação e os grandes valores sociais e
emancipatórios das pessoas. Estes, são, desde o séc. XIX, postulados como finalidades que as BP devem prosseguir.
Agora, existem novas necessidades às quais as bibliotecas, e os seus bibliotecários ―poderemos dizer, os seus
novos “netotecarios”; “webtecários”?― devem dar resposta.
Cristina Taquelim, ​na comunicação ​Dos livros sem páginas às páginas dos livros, a​ presentou as dinâmicas dos
projectos de promoção da leitura e actividades de animação (Biblioteca andarilha, comunidades de leitores e Livros
de Pano) e abordou dimensões teóricas e práticas associadas a estas actividades. Considera que as caracterizam
serem uma intervenção comunitária, pautadas por regularidade e continuidade. Visam a promoção da leitura,
focalizam-se e envolvem activamente os participantes. Referiu que estas actividades devem inscrever-se no ​core
do trabalho das BP. E que estas ofertas devem ter um critério e visar finalidades a atingir. Para isso, julga que
importa efectuar uma efectiva distinção entre actividades de promoção da leitura e de animação cultural daquelas
que sejam meras actividades de entretenimento. Razão porque as BP não devem validar práticas que não
apresentem ter um contributo objectivo para as finalidades que prosseguem. Segundo afirmou, a perspectiva de
pertinência das actividades deve de ser sempre considerada, mesmo quando estas não visem, explicitamente, a
leitura textual. Elas não podem é deixar de ser, e significar, um contributo para ampliar a leitura do mundo.
Referiu exemplos que ocorrem na biblioteca e noutros espaços (como nos montes alentejanos, “territórios
ricos em palavras​”)​ . Nessas actividades, os mediadores ― atentos a níveis e processos cognitivos, motivacionais e
situações de sociabilização― procuram inscrever nas actividades a sua relação com a escrita, informação e
conhecimento. Estas actividades podem ser desenvolvidas através “de livros com páginas”. Ou terem, como base
de partida, dimensões de antropologia cultural, memórias vividas, oníricos idealizados, projecções de desejo, como
se constatou em exemplos, tocantes e emotivos, que relatou. A abordagem e partilha de vivências e histórias de
vida, aproxima os não leitores textuais das páginas dos livros. Nestas actividades― que resgatam o papel de ouvir e
falar como processo básico de comunicação― os participantes começam por “projectar proximidades” entre os
livros e as suas narrativas e a reconhecer as suas capacidades de leitura. Estas, até ai, exteriores ao universo da
cultura escrita e da língua padrão. Mas o contacto com elas leva os participantes a alterarem a sua convicção prévia
que “a leitura não lhes serve para nada​”.​ A sua participação directa nas actividades confere-lhes reconhecimento e
gratificação emocional pela leitura; valorização da informação prática obtida, quer pela leitura, quer pelas
oportunidades de comunicação e interacção que, nas actividades, estabelecem entre si. Destacando a importância
do empreendedorismo profissional, e de uma postura activa e promotora de dinâmicas participadas, Taquelim
fundamentou esta perspectiva com o exemplo do projecto comunitário de produção de ​sacos de histórias​. Concluiu
referindo a relevância da proximidade entre BP e BE. Mas alertou para a importância de, “numa altura em que as
escolas precisam de sossego​”, as oferta de actividades das BP procurarem visar a promoção da leitura e literacias;
serem projectos pertinentes e, se possível, articulados os programas pedagógicos em desenvolvimento nas escolas.
Reconhece que tal carece de um reforço da interacção e diálogo com estas e que, possivelmente, evitarão excesso
de ofertas irrelevantes. Com isto terá querido dizer que a positiva utopia que os bibliotecários têm sobre o papel
das ofertas de BP , e o que move a sua acção, poder transformar-se em algo inútil para as escolas.
Francisco Lopes, a quem competiu fazer os comentários às comunicações e moderação do debate, resgatou
o interesse de, na acção das BP e na intervenções dos bibliotecários, valorizar-se, ideológica e discursivamente, o
conceito de ​sociedade do conhecimento em vez do ​de sociedade de informação​, por vezes, erroneamente utilizados
como sinonímia. Destacou as bibliotecas híbridas, realidade que se impõe no presente; novos problemas que as BP
enfrentam; necessidade de darem resposta a novos desafios para poderem continuar a cumprir a sua missão. Não
colocou a sua reflexão ao nível de interrogações sobre questões fundamentais do papel das BP mas, antes, sobre
como elas o poderão desempenhar, com pertinência, no quadro presente mas permanecendo ancoradas à sua
invariante incontornável: as BP servirem para qualificar as pessoas; responderem às suas necessidades culturais,
informativas e educativas; estarem solidamente articuladas com as suas comunidades e comprometidas com a
promoção da cidadania. Este aspecto remete para a relevância das BP no âmbito da ​esfera pública (vd. Habermas,
1991​) ​e para o seu papel social, no sentido de BP serem adjuvantes da realidade/conteúdo atribuída a este
conceito. Sobre qual será o futuro para as BP, Francisco Lopes não deixou de inscrever nele a necessidade da
presença de BP nas redes sociais. Mas sublinhou que, nessa ou noutras dimensões, elas nunca devem esquecer a
sua linha axial estrurante: assegurarem o acesso à leitura e à sua promoção .
Filipe Leal, subscrevendo esta perspectiva, recentrou a questão num aspecto que julga dever ser objecto de
reflexão: “as BP devem distribuir serviços massificados ou distribuir massivamente serviços individualizados?”.
Colocou, também, a interrogação sobre se, num novo quadro cultural e fortemente marcado por interacção e
participação activa das pessoas, faz sentido não as envolver no desenho, e na decisão, da política de serviços e
actividades propostas pelas BP. Deu como exemplo o caso da biblioteca de Aarhus (DK) que, no contexto da sua
nova biblioteca, promoveu previamente um estudo junto da sua comunidade para a indagar, objectivamente, sobre
o que ela queria que a sua biblioteca fosse, o que também se constitui como um exemplo democrático de gestão e
participação cívica dos cidadãos na esfera pública.
O Senhor Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Abrantes, Dr. Luís Dias, reforçou o interesse de as B
abrirem-se a novas perspectivas que, assertivamente, enquadrem as novas realidades sociais, tecnológicas. E que
estas se projectam nas bibliotecas. Referiu que, a concretizar-se, isso assegurará maior inclusão social e ampliação
de níveis de literacia, o que carece de suporte a políticas de leitura pública e do empenho, criatividade e talento
dos profissionais das BP. Estes aspectos foram, igualmente, destacados pela Senhora Presidente da Câmara
Municipal de Abrantes, ao reconheceu o empenho e qualidade técnica da equipa da biblioteca. Reputou a sua
actuação e acção como sendo sido essenciais ao sucesso do percurso da biblioteca municial e para a concretização
da dimensão cultural e educativa da estratégia política gizada pelo município de Abrantes.
A Senhora Directora de Serviços de Bibliotecas da DLAB sublinhou o interesse de as bibliotecas estarem
atentas às novas realidades. E procederem a inovações conformes às exigências dos novos quadros sociais,
culturais e tecnológicos. Estes devem ser enquadrados numa visão de política de leitura pública e em instrumentos
legais que a assegurem. Referiu, também, a importância de existir capacidade de distinguir o que são actividades de
animação cultural e de promoção da leitura das que são actividades que se apropriam dessa designação e não
visam os seus objectivos, perspectiva em que foi secundada por Cristina Taquelim.
O enquadramento de novos fenómenos, realidades tecnológicas e redes sociais, não deixou de emergir no
debate a reflexões dos participantes sobre a necessidade de evitar derivas tácticas, actividades de “modismo”
formal e não enquadradas na visão e missão estratégia das BP. Foi recomendado que não se deve confundir
estratégicas de promoção das pessoas com estratégias de promoção dos serviços. Nem actividades de
entretenimento com práticas de promoção da leitura. Aquelas, apenas acrescentam redundância ao vazio que
impera no excesso de ofertas e massificação de consumo banalizado assente em imediatismo acrítico e
desinformado(vd. Adorno,1987). Sobre a questão: “As BP devem, então, distribuir actividades e serviços
massificados ou distribuir massivamente serviços individualizados?”, possivelmente, elas deverão enquadrar
ambas. Uma sintese que pode contribuir para modelar quer factores de identificação e pertença a um colectivo
social, quer a construção da singularidade individual. Mas, numa ou noutra perspectiva, estas ofertas deverão visar
a pertinência da sua finalidade e a dos conteúdos que apresentam; abordagens adequadas aos públicos; interesses
dos destinatários. Mesmo no contexto tradicional das BP já se registam práticas de informação e serviços à medida
das necessidades dos utilizadores―Serviços de Referência; Serviços de Informação à Comunidade; actividades
formativas; respostas concretas a solicitações individuais, de escolas, do movimento associativo local. Importará
ampliar esta dupla perspectiva e focalizar mais este trabalho no perfil de cada grupo e no dos leitores individuais.
Foi referido que as bibliotecas do futuro não podem ser feitas em ruptura com as do passado. Mas que
novas realidades e necessidades das pessoas devem ser inscritas na evolução das BP. Tal passará por as reforçar e
por lhes incorporar novos recursos; efectuar o diagnóstico da comunidade; desenvolver práticas consistentes de
CRM (Costumer Relation Management) (vd. Porter, 1998) ajustadas a ofertas de BP; assegurar um maior
envolvimento e papel dos utilizadores no plano de actividades da biblioteca; garantir inovação pertinente de oferta
tecnológica, serviços e actividades oferecidas; procurar, por via de uma superação dialéctica, efectuar a sua
transformação. Também será necessário quebrar alguma “cristalização” de gestão para que as bibliotecas, no
contexto do ​serviço público​, possam desenvolver, e afirmar, uma ​estratégia competitiva (vd. Porter, 1998; Hitt,
2007) que lhes permita ​antecipar ​mudanças; diversificar, qualificar e singularizar ofertas; captar, envolver e fidelizar
públicos leitores. Neste sentido, foi feito um alerta para o potencial estratégico dos públicos-alvo representados
pelos jovem e idoso serem, habitualmente, pouco visados e enquadrados pelas BP. O público jovem,
possivelmente, por dificuldades de abordagem; o público idoso, apesar da sua crescente expressão sociológica, por
algum persistente desinteresse a que tem sido votado, eventualmente, por ser um grupo, maioritariamente, mais
afastado de práticas e usos de leitura textual. Esta situação, felizmente, aprenta alguns sínaiis de estar a ser
alterada,caso de exemplos, ainda que pontuais, surgidos nas apresentações de Luísa Alvim e Cristina Taquelim.
Também saber o que se oferece, como se faz a mediação sociocultural e que práticas para a promoção das
literacias são desenvolvidas nas BE (independentemente de serem sobre suportes textuais impressos, leitura
validada intensiva ou extensiva) é uma interrogação a que importa responder (vd. Silva, 2011)​, bem como o que são
efectivas ​competências de literacias​, práticas e usos da leitura (Santos,2007; Neves & Lima, 2009 ).
Prefiguram-se evoluções que virão a adquirir maior relevância (caso, segundo o Professor António Câmara,
docente do Instituto Superior Técnico, da ​realidade aumentada,​ que resulta do cruzamento de informação virtual
com informação real em suportes tecnológicos, ​internt das coisas,​ ​inteligência artificial​). Mas não será preciso
esperar por impactos do que vai ocorrer quando, já hoje, há problemas a ultrapassar. Margarida Oleiro, apontou
relativo desinvestimento nas bibliotecas; incipiente base teórica e legislativa de sustentação da política de leitura
pública portuguesa; dificuldades de obter financiamento; limitadas competências, e condições legais, que
permitam acompanhar a evolução tecnológica. Destes fenómenos decorrrão, por exemplo, estreitamento de
competências profissionais específicas dos técnicos das BP; um saber como fazer qualificado; novas abordagens e
enquadramentos que visem as expectativas e necessidades dos públicos. Fenómenos que são já evidentes em
vários domínios ―literacia da informação, bibliotecas digitais, e para promover a leitura e literacias ((vd. Pike et al.,
1994; Cook-Gumperez, 2008; Azevedo& Sardinha,2009) ― quando, na actual realidade, o conceito ​cultura da
informação ​deve abarcar cultura técnica, científica e humanística (Le Deuff, 2009). Um outro problema sobre o
qual paira um inquietante silêncio é o e-book (e outros formatos digitais). Não por ele ser um novo formato― é
mais um na longa História da linhagem de suportes da leitura, mas por não estarem a ser tomadas posições
políticas e legais que garantam às BP uma situação de excepção similar aos formatos textuais, audiovisuais e
multimédia1. Excepção que permita a BP assegurar a disponibilização pública ao seu acesso e que as estimularia,
também, a promover práticas formativas para os usar explora as suas potencialidades.
O problema não se focaliza nos novos formatos digitais. Mas na preservação do direito social de acesso a
materiais de leitura em BP, preparação e qualificação das pessoas em literacia (ALA, 1989), literacia da informação
e cultura da informação. E em assegurar direitos cívicos numa sociedade informaional em rede que não transforme
welfare em ​workfare ​e os cidadãos numa amorfa massa acrítica. Estas são questões de dimensão política e social
com impacto na liberdade e direitos das pessoas ao acesso à informação, à leitura, à cultura. A prazo, a não se não
se superarem estes problemas e alterarem perspectivas sociais sobre educação, conhecimento validado e
informação poderá assistir-se à rarefação de direitos educativos, informativos e culturais. É necessário ultrapassar
a limitação que, também, se está a instalar no acesso a materiais de leitura. Se não se condicionar, crítica e
activamente, a actual realidade ― como a obstrução e dificuldades das bibliotecas providenciarem acesso público
gratuito a e-books e outros formatos digitais ― não se pode conferir um amplo sentido social aos formatos digitais
capturados por novas normas de comercialização . Alguma organização, formal ou informal, tem de representar o
entendimento sobre o direito à leitura e o papel das BP. Já em 2002 dissemos2, “ante la tecnología y la innovación
son habituales tres actitudes: cómo podemos resistir, como podemos adaptarnos, cómo podemos aprovechar, pues

1
​Estes, em Portugal, estes formatos são disponibilizados nas BP por “direito consuetudinário”, sustentado na prática do seu empréstimo público. Esta foi
iniciada nas bibliotecas municipais de Abrantes e do Sixal e depois seguido por outras bibliotecas municipais.
2
Em “El futuro de las bibliotecas: perspectivas y realidades#. CONGRESO INTERNACIONAL DE INFORMACIÓN, CONOCIMIENTO Y SOCIEDAD, Habana, Centro
Internacional de Conferencias, 2002 – Retos de una Nueva Era.
nadie desea regresar a un tipo de sociedade pré – tecnológica de trabajo agotador, escasez crónica y enfermedades
incontrolables. Por esto, como podemos aprovechar, esta es la más prometedora y desafiante de las tres actitudes
pero también la que impone y exige mayor compromiso de todos en el sentido de “restablecer el orden
democrático de las cosas (…)” , pues el futuro es siempre moldeado por el presente y por eso nos ofrece a cada
momento una dimensión para nuestra voluntad y posibilidad de opción dentro del conjunto de lo posible​”.
Apesar de Margarida Oleiro ter informado que vários estudos constatam que a imagem social das BP é
positiva, elas devem conservar, e ampliar, condições que lhes permitam continuar a ter uma função social e a
representarem valor social. Para isso não se terá, como Filipe Leal e Francisco Lopes ​sublinharam, de transformar as
BP; mas de as compaginar com a realidade, o que, até aqui, tem sido feito, mas que poderá ser descontinuado.
Afigura-se difícil manter a matriz da visão de BP assente na sua universalidade e gratuitidade de serviço público;
conservar a compreensão de os seus públicos serem leitores e utilizadores ―e não clientes, como alguns passaram
a chamar-lhes; adequar a missão, objectivos e respostas de BP às novas necessidades do presente. A ​Declaração
sobre a importância das bibliotecas públicas para as comunidades da Europa é meritória e útil. Mas este texto,
necessariamente genérico, estará longe de ser um documento com uma perspectiva sociocultural avançada.
Sustenta-se esta apreciação no que ele se limita a enunciar; no quadro ideológico que se destaca nos seus
pressupostos; nas omissões, deliberadas ou involuntarias, de problemas actuais; na visão restrita que exprime
sobre o entendimento de literacia e cultura de informação. Para além de BP procurarem abolir a distância aos
suportes devem, também, ultrapassar contingências e limitações de distância cultural e social à leitura, à cultura e à
informação, pois desigualdades sociais condicionam igualdade de acesso, de qualificação, fruição, gratificação.
Margarida Oleiro referiu a importância da cooperação entre BP e do seu funcionamento em rede. Tal
necessidade é incontornável. Mas carece de políticas e recursos de sustentação; de um conjunto de
serviços/ofertas cooperativas; que este(a)s fundamentam-se em ​standards, linhas orientadoras e avaliativas; de
interacção com outras redes; de suporte de proximidade e equilíbrio territorial que compense desigualdades/
dificuldades locais. Perspectiva que exige dos poderes públicos o reconhecimento de que o capital social necessita
de investimento social. Parece evidente a necessidade de recentração da problemática das BP na dimensão das
políticas educativas e culturais e enquadramento legislativo de BP. Em Portugal, elas pecarão por nulas e/ou
tardias. Caso, incompreensível, de em mais de 20 anos da RNBP, ainda persista um vazio legal: a inexistência de
uma lei das bibliotecas. Tal limita o desenvolvimento de uma política nacional de leitura pública, amplia um quadro
de discricionariedade, desigualdade e assimetria entre bibliotecas. Destes factores decorrem prejuízo para os
cidadãos e para o seu direito de acesso e usufruto de bens educativos, informativos, culturais e tecnológicos.
Numa síntese reflexiva sobre perspectivas das comunicações e do debate d​este participado seminário REDES
DE BIBLIOTECAS PARA A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO, diríamos que o presente confere maior actualidade à
intuição expressa por ​Paul Valery: "l'avenir n'est plus ce qu'il était". O que, então, poderia ser uma incerteza, hoje é
uma realidade. Com a emergência de novas dimensões num quadro cultural, económico e social em transformação
estrutural, o futuro próximo é tão próximo que já é presente. Mas p​erante a actual realidade tecnológica e
cultural (vd. Lipovetsky, 2012) ― e face a algumas ameaças que esta também comporta para a liberdade,
privacidade e condicionamento das pessoas (Schultz,2008) ―nas comunicações e debate ficou claro que se nada se
fizer nas BP que transcenda a manutenção passiva do seu estado perante o novo contexto cultural e formas actuais
de circulação da informação e comunicação em rede​, ​então, a médio prazo, as BP poderão, social e culturalmente,
estar condenadas a um papel histórico e social irrelevante. Da situação de estreitamento das suas ofertas e
serviços tradicionais, decorrerá desinteresse por eles, redução de procura e decréscimo de utilizadores , uma
problemática que, como foi dito, merce atenta reflexão e actuação da DGLAB, ANMP, BAD e da sociedade.
Assegurar a pertinência de BP na paisagem social é um direito e um dever de cidadania.
Tal como as pessoas não nascem “prontas”, não nascem leitoras, mas com potencial para o serem e
poderem ler o mundo. E apropriarem-se dos diversos benefícios das produções sociais, técnicas e criativas
humanas. Aptidão que contextos sociais e culturais favorecedores permitem desenvolver melhor. Para isso devem
ser-lhes proporcionadas oportunidades para elas saberem ler ampla e competentemente o mundo, as produções
e criações humanas; adquirem e ampliarem conhecimento sobre eles; construirem-se como pessoas. Estas são,
também, finalidade das diversas literacias e do papel de esccolas e BP. “If this describes a utopia, we believe it is a
necessary one​” (​ Johnston & Webber, 2006, 120). Mas há utopias sociais que valem a pena e são necessárias. A
visão que houve de BP, particularmente no seu enforme oitocentista, podia aproximar a sua missão de uma utopia
social. Antes uma, renovada, continuidade desta utopia do que, a não se induzirem substantivas transformações
que promovam a actualização de BP, elas, e o seu papel social, acabem como uma memória a desvaneçer-se. O
que se pretende/julga ser inovador para uma sociedade informacional em rede também terá um positivo recorte
utopico. Mas se a sociedade perder referênciais sociais e culturais, esta nova utopia poderá tornar-se uma distopia,
assumir formas de mnipulação, desinformação, desconhecimento e reconfigurar novas desigualdade e processos
de controle social. “Eu vejo um futuro repetir o passado / Eu vejo um museu de grandes novidades​”. (Cazuza, “O
tempo não pára​” )​ , não é algo que possa ter-se a certeza de poder ser certo ou incerto.
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