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© pesquisador deve sempre estorgar-se Para apreendera realidade totale concre- ta, mesmo que saiba nao poder alcancé-la, andoserdemaneira parciale limitada;para i880, deve empenhar-se para integrar ao estudo dos fatos sociaisa historia das teo- rasa respeito dessesfatos, bem como para ligar 0 estudio dos fatos da consciéncia é sua localizagao historicae é sua intra-estru- tura econémicae social Lucien Goldmann, Aarvore que néo dé frutos Exingada de estéril, Quem Bxaminaosolo? Ogatho quequebra Exingado de podre, mas Nao havia neve sobre ele? Dorioque tudo arrasta Se diz que é violento, Ninguém diz violentas Asmargens que o cerceiam Bertold Brecht Raizes historicas das concepges sobre o fracasso escolar: 0 triunfo de uma classe e sua viséo de mundo As idéias atualmente em vigor no Brasil a respeito das dificuldades de aprendizagem escolar — dificuldades que, todos sabemos, se manifestam predominantemente entre criangas provenientes dos segmentos mais empobrecidos da populacéo — tém uma histéria. Quando tentamos Feconstituila, percebemos rapidamente que para entender o modo de pensar as coisas referentes a escolaridade vigente entre nés precisamos entender o modo dominante de pensé-las que se instituiuem paises do leste europeu e da América do Norte duranteo século XIX; visivel que os Primeiros pesquisadores brasileiros que se voltaram para oestudo desta questo — e que imprimiram um rumo duradouro ao pensamento educa- clonal no pais — o fizeram baseados numa visdo de mundo que se consolidou nesse tempo e nesse espaco. Quando falamos em visio de mundo trazemos & tona a questo da natureza das idéias:serao elas resultado de "puro esforgo intelectual, de uma elaboracao tedrica objetiva e neutra, de puros conceitos nasci dos da observacao cientifica e da especulacao metafisica, sem qualquer ago de dependencia com as condicées sociais e histéricas” ou'sdo, a0 Contrario, expresso destas condigoes reais”? As idéias explicam a reali- dade histérica e social ou precisam ser explicadas por ela? Quando um tedrico elabora uma explicacéo do mundo, ele esta produzindo idéias verdadeiras que nada devem a sua existéncia histérica e social ou est realizando uma transposi¢ao involuntaria para o plano das idéias de relagdes sociais muito determinadas? (Chaul, 1981 a, p. 10-16), Partindo do modo materialista histérico de pensar esta relagaoé que afirmamos a necessidade de conhecer, pelo menos em seus aspectos fun- damentais,a realidade social na qual se engendrou uma determinada versio sobre as diferencas de rendimento escolar existentes entre criangas de diferentes origens sociais. Eeste 0 objetivo deste capitulo: reunirinforma {bes que nos permitam ao menos vslumbrarafillagao histérica das dias — Stier assumama forma de crengas, quer de certezas cientificamente fury Gadas_-sobrea pobrezae seus reveses, entreos quaisseincluia difculdade deescolarizar-se. Realizar esta tarefa requer, alem do retorno a que nos referimos, um contoro, de natureza epistemolégica, que possibilite captar o que testa realidade social & (incluindo 0 entendimento do que é a ciéncia que nela se faz),a partire além do que ela parece ser! Nesse retorno. inevitavel o encontro com 0 advento das sociedades industrials capita~ listas, dos sistemas nacionais de ensino e das ciénclas humanes, especialmente da psicologia. Esse contorno, por sua vez, permite cap tara essencia do modo de producao capitalista e das idéias produzidas fem seu Ambito, condicéo necesséria para que se faca a critica destas {deias, Sem qualquer intengao de resumir a historia do século XIX ou de reproduzir a andlise materialista histérica do modo capitalista de pro” Gucdo, propomo-nos a elaborar um quadro de referéncias historico @ sociolgico apenas suficiente para encaminharmos uma reflexso a res- peito da natureza das concepcdes dominantes sobre fracesso escolar numa sociedade de classes. AERA DAS REVOLUGOES E A ERA DO CAPITAL Oséculo XIx,em todasas suas manifestacées,éfilholegitimo da du- pla revolugso que se deu na Europa ocidental no final do século XVI Fevolugdo politica francesa (1789-1792) ea revolugao industrial ingles9, {que tem come marco construcso, em 1780, do primeira sistema fabri do thundo modernorashistéricas ndUstrias téxteislocalizadas na regiao brit ca de Lancashire, Ambas vem coroar? 0 surgimento de relagbes de "A respeto desta dstngio, veja Ks (1969) + fu press eth sendo ttc aa deeraamsnt no lugar Go verbo “produc: somes ca Sa singin € posse ze jasca 3 comple dos momentos da Hsia, Hobsbawm igo real npornca desta fren quando afr: eden que uma tonsa 9 thats no pode sar ertendia Sm todos ma str eas de 1789. c¥ meme Fa doe tnedktamerte a precederam cue refcem cramente arse dos ales res ee produgao inéditas na historia, no seio das quais se elaboram justifcativas para uma nova maneira de organizar a vida social? Segundo Hobsbawm (1982),"a grande revolugso de 1789-1848 Fo) o tiunte nao da industria'como tal mas da indlstria capitalist no da Gaordade e da igualdade em geral, mas da classe média ou da socieda- the bunguesa'iberatneo da’economia moderna’ ou do'éstado moderne ee das economias e estados em urna determinada regiao geogrsfica Jomundo (parte da Europa e alguns trechos da América do Norte), culo so ho eram os estados rivais e vizinhos da Gré-Bretanha e da Francar {E.17),A passage do modo de producao feudal para 9 modo de PY” Gjucao capitalista naosefezsem grandes convulsoes socais,quecuimninarath sexseriodo de 1789-1848; em termos socials ¢ politicos, o advento do repatalismo mudou gradual mas inexoravelmentea face lo mundo: 9 Fondo seculo XIX praticamente varreu da face da terra amonarauiia como esime polities dominante, destituiuanobreza.eaclero do poder econ? 1 oe politico, inviabilizoua relacao servo-senhhor feudal enquanto relago Geproclucdo dominante, empurrougrandes contingentes das populace sarais para os centrosindustrais,qerou os grandes centros urbanos com aon contrastes, velo coroaro processo de constituigao dos estados nacio- sate moernos eengendrou uma nova classe dominant — a burguesia—~ aaa nove classe dominada—o proletariado — explorada economica- fnente segundo as regras do jogo vigente no novo modo de produc jase instal e triunfanno decorrer desse século. Naprimelrametade do See eXIX, as mudangas propiciadas pela dupla revolucéo foram de tals proporgbes que alguns historiadores, como Hobsbawm(1982).nao hes aac oem consideréclas como”a maior transformagao da histéria humana sade os tempos remotos, quando o homem inventou a agricultura ¢ 8 metalurgia, a esctita,a cidade e o Estado" (p. 17) a parte oro do no, ae seam demos pla dpa revo. nes ene da pate vor tsmentas pias eines desta tansformacio jt estavam prepara 67) SR a ture sucertemente grande para reluconar oreo. Nosoprobiona® SCS ete elementos de ura ova economia sociedad, mas 0s unl: Ha ra gual apes ae foram execendo em sécuos anteriores, miranda & eho Sordi mas sua decisiva conqubta da fortaleza.” (p- 18-12) ee uma ase do process da pasagem das sociedaes feuds por as soccdades cre nn aropa, bem oro de st consol, em Hobsbavm (1979: 1787) Aa ielsone enna seg sho pouco mals Go a wn eu delgumas de sss pines SSE 32 +s pratigio do aca ecott Se aordem feudal ainda estava socialmente muito viva nesta passa- gem de século, ela se mostrava cada vez mais ultrapassada eimprodutiva em termes econdmicos; tecnicamente, a agricultura européia era, com faras excesbes, tradicional e ineficiente, colocando obstaculos as novas exigéncias de proclugao agricola, o que tornavao mundo agricola especial. mente lento e invigvel a uma massa crescente de camponeses, ©eposto ocortia simultaneamente no mundo comercial ¢ industrial manufatureiro;seu desenvolvimento, proporcionado pela rede cada vez mais complexa das relacdes comercials tecida pela ampliagao da explora S40 colonial e pelo crescimento em volume e capacidade do sistema de vias comerciais maritimas, foi acompanhado por intensa atividade intelec- {wale tecnolégica, Neste contexto,foi-se consolidando uma categoria social ativa e determinada que se beneficiou, mais do que os demais setores da burguesia emergente, das novas oportunidades de enriquecimento: o smercadorprecursor do capitalista industrial, © mercador “comprava os produtos des artes3os ou do tempo de trabalho ndo-agricola do campesinato para vendé-los num mercado mais amplo*Nesta nova relacao,0 artesao transformou-se pouco a pouce num trabalhador pago por artigo produzido, principalmente nos casos cada vez mais freqiientes em que o mercador era o fornecedor ce matéria. Prima eo arrendatétio dos instrumentos de produc. Neste nove processo Produtivo, o mestre-arteséo podia transformar-se num empregador ou num subcontratacior de mao-de-obra assalariada; a especializacao de Processos e funges comecou, por sua vez, a criar subcategorias de trabalhadores semiqualificados entre os camponeses. Precursores dos grandes industriais capitalistas, estes novos empregadores que salam das proprias fileiras dos produtores ainda néo passavam, neste periodo de transicao, de simples gerentes, dependentes dos mercadores¢ lon. 98, Portanto, de se transformar nos proprietérios de industrias que jé existiam, como excegao e em pequeno ntimero, na Inglaterra. merea. dor era controlador dessa producao descentralizada e elemento de "igasao entreo produtore mercado mundial cf. Hobsbawm, 1982, p.36), A coexisténcia da nobreza com este nove homem empreendedor, GUE apestava no proceso econdmico e cientifico viabilizado pela ‘acionalidade, naose dava sem antagonismos. A medida queo anacronismo va helena soura pte «33 Ja produsao agraria diminuia seus rendimentos, aaristocracia procurava ocupar 0s altos cargos governamentais, valendo-se de seus privilégios hereditérios de prestigio e posicao social. Nesta lta, freqiientemente esbarrava com os"mal-nasciclos” que, pelas maos dos préprios monarcas, JSecupavam muitos destes postos na maquina.estatal Segundo andlises hist6ricas, a determinacao da nobreza em expulsardo aparelho estatal os altos funcionatios plebeus e sua rejeicao aos que adquiriram titulos de nobreza por vias que nao a do nascimento — movimento conhecide como “reagao feudal” — parece ter sido um dos precipitadores de revolugao francesa Mas a “reacao feudal” nao consistiu apenas em contra-atacar a es- calada dos comerciantes e industriais ambiciosos que faziam fortuna nas cidades € suas pretensoes politicas reformistas; economicamente ameagada, a nobreza procurava recuperar 0 controle politico ¢ ecand. mico da situagao ocupando, a qualquer preco, os postos oficials na administrasao central e provinciana e usando os diretos adcjuiridos nes, tes postos para extorquir © campesinato. Portanto,"a nobreza nao sé exasperava a classe média mas também o campesinato’ (Hobsbawin, 1982, p. 75). Anélises hist6ricas indicam que, nos vinte anos que prece deram a revolugdo, a situagao do homem do campo francés piorou sensivelmente;compreenciendo 80% da populacao,o campesinato fran. <és,embora proprietaio majoritario de terras, ndoas possulaem quantidade suficiente, defrontava-se com dificuldades advindas do atraso tecnico, nao conseguia fazer frente as presses que o aumento populacionalexer, clasobre a produsao agricola e era saqueado por tibutos de toda order As dificuldades financeiras de monarquia agravavam ainda mais.» ‘quadro, Uma estrutura fiscal eadministrativa obsoleta,aliada a tentatives de * Scpindo Mobsboun, os moracas abodes eue rena em todos os Estados europe, com ecto da Gri-Bretnha,F havi percebido ae para enfentaraintenea tdade Meet {lata com pessoal cil. no aristocrat, Nesta cojunta, tuo idea gue os Wonaien enn ss mea stra © empreendedora pa iphrar um Estado moderizad plage aoc com base em sggansWuminsts,garantsse a mulipeagao de ua ruera e de teu pole eehace Imei, por sua vez, necesita do apoio da monarait“tuminada™ pura teen sees nde es s:peranas, Anis, potato, apotnam-se mauamente em busca da eatin de teen os Pose essencislmente incancaves (1982.39)

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