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ARTIGOS © Significado da Liberdade” RESUMO A liberdade era um terreno de conflito, cuja substdncia abria-se a interpretagdes diferentes, por vezes contraditérias, ¢ cujo conteiido modificava-se tanto para brancos como para negros mo perlodo posterior d Guerra Civil. Este artigo discute diferentes significados sociais e econdmicos da liberdade, examinando ainda _aspectos cotidianos ¢ violentos destes confrontos na sociedade americana Eric Foner Columbia University ABSTRACT Freedom was a terrain of con- flict, its substance open to different ‘and sometimes contradictory inter- pretations, its content changing for whites as well as blacks in the aftermath of the Civil War. This article discusses different social and economic meanings of freedom, and examines in addition daily and vio- lent aspects of these confrontations in American society during the post- ‘emancipation period. do pertode pés emancipagéo. Este ensaio um extrato do terceiro capitulo de Reconstrugdo: A Revolugéo Americana Inacabada, 1863-1867, uma histéria do periodo da Reconstrugio a ser publicada na primavera de 1988. Devido ao espaco limitado nao foi possivel incluir ftens que tratam de outros aspectos do “Significado da Liberdade”, como & criagto de igrejas negras independentes © outras institigdes comunitérias, ¢ as origens da participagio dos negros na politica logo ap6s a Guerra Civil. A liberdade surgiu de diferentes modos em diferentes partes do Sul. Em muitos lugares a escravidilo havia se desintegrado muito antes da rendigo de Lee, mas em outros, longe da presenga de tropas federais, os negros nao se inteiraram do seu final irrevogavel a ndo ser na primavera de 1865. Apesar ‘Tradugio: Célia Maria Marinho de Azevedo. Revisio Técnica: Sidney Chathoub. Originalmente publicado em Radical History Review, 39 (set. 1987): 92-114, [Rev. Bras. de Hist. |S. Paulo | v.8 0°16 | pp. 09-36 [mar.88/ago.88 | dos muitos desapontmentos que se seguiram, esta geraao de negros ‘guardaria sempre este momento em que“ sol da liberdade apareceu” como 0 grande divisor de 4guas de suas vidas. Houston H. Holloway, que havia sido vyendido mts vezes antes de completar vinte anios de idade em 1865, recordou- se mais tarde, com nftida clareza, do dia em que a emancipac%o chegou em ‘sua regido da Georgia: “Eu me senti como um pdssaro fora da gaiola. Amém. Amém. Amém. Eu nao poderia pedir para me sentir methor do que naquele dia... A semana passou resplandecendo de gléria". Seis semanas mais tarde Holloway ¢ sua mulher “receberam no mundo meu filho nascido: em liberdade”!. “A liberdade”, disse um pastor negro, “queimava no corago do negro ‘muito antes que a liberdade tivesse nascido”. Mas 0 que significava a liberdade? “E necessério definir essa palavra”, explicou 0.0, Howard, Diretor do Departamento dos Libertos’, 4 uma audiéncia negra cm 1865, “porque € muito possivel que seja mal compreendida”. Para Howard havia uma definicdo estrita. Mas ao invés de uma categoria pré-determinada ou um ‘conceito estatico, “a liberdade” iomou-se um terreno de conflito, cuja substncia abria-se a interpretages diferentes, por vezes contraditérias, € ‘cujo contetido modificava-se tanto para os brancos quanto para os negros no posterior a Guerra Civil. cots brancos sulistas garantiam que 0 término da ecieto ta ido os inteiramente as re 8 imertate oe topes dover iret ponies fy eescres Iie) Pesci. um educador, pastor ¢ funci io publico da Carolina do Sul. “Eles nao compreendem a liberdade que Ihes foi concedida”. De fato, os negros trouxeram da escraviddo uma compreenisfo da sua nova condigho pautada tanto pela sua experiéncia como escravos, quanto pela observacia da sociedade livre ao seu redor, Aquilo que um fazendeiro chamou de suas ‘ selve de direito ¢ liberdade” encerrava, antes de mais nada,'um fim miriade de injustigas associadas com a escravidio. Assim como para 08 negros da Louisiana, entrevistados pelos agenics do General Banks durante a Guerra Civil, muitos ex-escravos viam a liberdade como um ponto final & de familias, a abolicao dos castigos de agoites ¢ a oportunidade de educarem seus filhos. Outros, como 0 pastor negro Henry M. Turner, enfatizavam que a liberdade significava usufruir de “nossos direitos em TGeorge P. Rawick (@d.) ~ The American Slave: A Composite Auiodiography, 39 vols. (Westport, 1972-79), Supplement, ser. 2, II, 1945; Houston H._ Holloway Autobiography. Miscellaneous Manuscripts Collections, Library of Congress * Freedmen's. ures teaduzide como Departamento dos Libertos: sgéacia federal fender os eX-escraves nos primeiros anos apés a emancipagio (WR) 2Quitman Banner em Savannah Daily News ond Herald, 1S de julho de. 1867; New Orleans Tribune, 6 de novemibro de 1865. 10 ‘comum com outros homens”. “Se eu ndo puder viver como um homem ‘branco, eniio cu no sou livre”, disse Henry Adams ao sow ¢x-senhor em 1865. “Eu sei como vivem os brancos pobres. Eu tenho que viver assim também, ou enio sou um escravo"?. Mas havia um tema mais abrangente escorando estas aspiracSes especificas: um desejo de independéncia em relagto ao controle branco, de autonomia como individuos e como membros de uma comunidade que se tansformaya em conseqiéncia da emancipagao. Antes da guerra, os negros livres haviam criado uma rede de igrejas, escolas e sociedades de ajuda mia, enquanto os escravos haviam forjado uma cultura semi-aut6noma centrada na famflia ¢ na igreja. Com a liberdade, estas instituigdes se consolidaram expandindo-se ¢ liberando-se da supervis3o branca, € novas: instituig6es - especialmente organizagdes politicas — ligaram-se Aquelas ‘como ponws focais da vida do negro. Estabilizando suas familias, assumin- do o controle de suas igrejas, multiplicando suas escolas e sociedades beneficentes, firmando posigao em tomo da independéncia econ6mica, € produzindo uma cultura politica distinta, os negros, durante a Reconstrucao, Jangaram as bases para a comunidade negra moderna, cujas raizes profundas encontram-se na escraviddo, mas cuja estrutura e valores refletiram as conseqiiéncias da emancipardo. DA ESCRAVIDAO A LIBERDADE Muito depois do fim da Guerra Civil, a experiéncia da escravidio permanecia profundamente gravada na memiéria coletiva dos negros. Tal Como observa um escritor branco anos mais tarde, os negros 30 podiam ‘ser demovidos da convicgdo de “que a raga branca os oprimiu barbaramente”. Eles se ofendiam particularmente com as alegagdes de que a escravidio americana distinguira-se por sua benevoléacia © que * harmoniosas” haviam existido entre senhor ¢ escravo. “Todos nés sabemos como fomos felizes...", declarou um orador negro. “Ser que estes cavalheiros 3yohn H. Moore (ed.) = The Juhl Letters 10 the “Charleston Courier” 1974), 20; Will Martin to Benjam 5 Mississippi Governor's Papers, Mississippi Department of Archives and History, Joseph P. Reidy - “Matters and Slaves, Planters and Frecdmeo: The Transition from Slavery to Freedom in Central Georgia, 1820-1888" (Tese de Ph.D, Norther Llinois University, 1982), 162; 46* Congreso, 2° Sepfo, Senate Report, 693, pt. 2, 191. A maior parte das explicagdes histGricas mais antigas, © algumas mais recentes, repetem a idéia de que os ex-eecravos eram compiciamente despreparados para « liberdade. Walter L. Fleming — War ‘and Reconstruction in Alabama (New York, 1905), 270-71; Howard K, Beale — The Critical Year (New York, 1930), 188-89, © Wiliam Haris - Presidential Reconstruciion in Mississippi (Baton’ Rouge, 1967), 80-81 MN

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