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Reportagem

Labirintos do Medo
A ansiedade pode ficar fortemente gravada no cérebro humano. Mas não se aflija - pesquisadores já estão
descobrindo novas maneiras de apagar esta impressão

por Rüdiger Vaas

Hoje em dia, pelo menos nos países desenvolvidos, dificilmente alguém vai passar por situação de pavor
relacionada ao mundo natural. Assim, será muito difícil darmos de cara com uma cobra venenosa ou com um
crocodilo faminto nas agitadas ruas de uma metrópole; ou não encontrarmos abrigo num dia de tempestade. Porém,
na tentativa de governar as forças da natureza e dirigir o destino da humanidade, acabamos por criar novos riscos e
ameaças: estradas de alta velocidade, gases-estufa, armas de fogo ou biológicas e as pressões sociais provocadas
por fracassos pessoais ou por períodos de dificuldades financeiras pelos quais às vezes passamos. O fato de esses
perigos não serem tão imediatos a ponto de provocar medo real na maioria das pessoas não quer dizer muita coisa.
A ansiedade na vida moderna pode ser um fator debilitante para a saúde humana. "Talvez o homem seja a mais
medrosa dentre todas as criaturas", disse uma vez Irineus Eibl-Eibesfeldt, antropólogo emérito do Instituto Max
Planck de Fisiologia Comportamental de Seewiesen, Alemanha. "Por ter experimentado, durante muito tempo, os
medos mais elementares, como o de ser devorado por seus predadores naturais, o homem, agora, sofre do medo da
existência, fundamentado no seu intelecto", completou Eibesfeldt.

É tal intelecto, todavia, que poderá nos livrar deste mal. Novas pesquisas sobre como o cérebro transmite, mantém e
recorda todos os nossos medos e ansiedades estão abrindo caminhos para o controle e até mesmo a eliminação
destes males. Compreender o demônio, com certeza nos ajudará a derrotá-lo.

Onde Começa o Pesadelo


Por mais estranho que possa parecer, é mais fácil lidar com os medos do que com a ansiedade. Ao vermos um cão
feroz correndo em nossa direção, o cérebro nos dá um sinal de alarme; o coração e a respiração disparam, e
imediatamente saímos correndo na direção oposta. Logo que termina a terrível experiência, cérebro e corpo voltam
ao estado normal. A ansiedade, por outro lado, é muito mais insidiosa e se torna ainda mais prejudicial com o passar
do tempo. Muitas pessoas experimentam o medo quando lêem histórias de fantasmas, vêem filme de terror ou
participam de esportes radicais. Mas a ansiedade pode reprimir certas sensações, como a alegria de fazer uma
descoberta ou o prazer de participar de um jogo. A ansiedade pode, também, inibir a iniciativa e a criatividade e, em
doses maiores, arruinar a saúde.
Fora os vícios, os transtornos associados à ansiedade são as mais comuns entre todos os transtornos mentais.
Mais de 10 por cento dos norte-americanos e dos europeus sofrem de ansiedade. O mais comum desses
transtornos são as fobias: medos exagerados de coisas específicas, como aranhas e cobras, ou de situações, como
permanecer em locais altos ou em recintos fechados. Muito comum, também, são as sensações compulsivas
associadas ao temor. Neste caso as pessoas sabem dizer o que as tornam ansiosas, mas não sabem dizer o
motivo.

Estudos recentes sugerem que os transtornos associados à ansiedade e mesmo às aflições de maneira geral têm
um componente genético, embora o ambiente, certamente, tenha uma influência maior. Gêmeos idênticos - mesmo
aqueles criados em ambientes diferentes - compartilham mais medos do que gêmeos fraternos. Não há, entretanto,
um gene exclusivo para o medo; muitos genes estão envolvidos nas interações com os neurotransmissores e os
seus receptores. Os genes que comandam o relógio biológico, responsáveis pelos ritmos internos do organismo,
também parecem contribuir de um modo que ainda não compreendemos.
Os cientistas já vêm obtendo sucesso na procriação de ratos mais "temerosos" e de ratos mais "destemidos".
Normalmente os ratos não permanecem por muito tempo em espaços abertos, pois sentem medo instintivo de
locais que não ofereçam abrigo para protegê-los da investida de possíveis predadores. Após algumas gerações de
procriação consangüínea e de seleção os cientistas conseguiram obter ratos que diferiam notadamente quanto ao
tempo de permanência em espaços abertos.

As bases neurobiológicas da ansiedade e do medo estão agora relativamente bem descritas. Não é apenas uma
região do cérebro a responsável pela gênese da ansiedade e da consciência disto. Hoje sabemos que o medo
origina-se da colaboração entre muitas áreas do cérebro.
Técnicas de imagem mostram que partes do lobo temporal, tanto do lado esquerdo como do lado direito do cérebro,
experimentam um grande aumento de fluxo sanguíneo, não apenas durante os ataques de pânico, mas durante todo
o tempo em que a pessoa permanece em estado ansioso. Quando os pesquisadores estimulam eletricamente os
lobos cerebrais dos voluntários, estes respondem com sensações de ansiedade. A face inferior do córtex pré-frontal
-região da parte anterior do cérebro responsável pelo funcionamento em nível mais alto - também é ativada. Danos
ocorridos no córtex pré-frontal não afetam apenas as sensações. Esses danos podem afetar também sua
capacidade de reconhecer emoções nos outros. O córtex cerebral pré-frontal não está totalmente formado no
nascimento de um indivíduo; essa região do cérebro vai demorar mais sete ou 12 meses para se completar. Isso
explica por que as crianças começam a sentir medo de pessoas estranhas a partir daquela idade. Durante os seis
primeiros meses de vida elas são incapazes de experimentar esse tipo de ansiedade.

O hipotálamo, uma região do diencéfalo, é muito importante também; é, normalmente, o alvo de drogas
psicotrópicas. Ela controla o sistema hormonal e influencia o sistema nervoso simpático, os quais, juntos, dirigem
os recursos do organismo para responder a possíveis ameaças. Mas esta mesma rede pode desativar as reações do
organismo. Ficar "paralisado de medo" talvez tenha sido um comportamento evolutivamente vantajoso para os
homens pré-históricos; assim, o medo os manteria totalmente imóveis diante dos olhos e ouvidos de seus
predadores, que não os notariam e nem reagiriam aos seus movimentos.
A região do cérebro mais ativa durante os momentos de temor e os períodos de ansiedade é a amígdala, situada
logo abaixo do lobo temporal. Quando os pesquisadores estimulam eletricamente esta estrutura, os níveis do
hormônio cortisol aumentam, como um sinal físico de medo. A amígdala é especialmente ativa quando o indivíduo
está sonhando; o que explicaria a ansiedade que sentimos durante os sonhos e pesadelos. Se esta estrutura sofrer
algum dano, as sensações de ansiedade diminuirão, mas as funções cognitivas permanecerão quase as mesmas. É
interessante notar que os pacientes que nascem com algum dano na amígdala não conseguem reconhecer o medo
no rosto de outras pessoas.

Conhecendo o Medo para Derrotá-lo


As crianças não reagem com medo quando expostas a imagens de rostos ameaçadores. Mas desde pequenas
começam a entender que rostos com expressão ameaçadora normalmente levam a palavras e a atitudes também
ameaçadoras. O fato de que a memória do medo pode trabalhar inconscientemente foi primeiramente reconhecido
por Edouard Claparède, no início dos anos 1900. Claparède era psicólogo da Universidade de Genebra e mais tarde
fundaria o Instituto Jean-Jacques Rousseau, famoso centro educacional onde se formaram eminentes psicólogos.
Claparède veio a tratar de uma paciente que, devido a uma lesão sofrida no cérebro, não conseguia mais processar
nenhuma informação nova. Assim, ele tinha de se apresentar a ela a cada nova consulta. Certa vez Claparède
cumprimentou-a com uma tachinha escondida na mão, apenas para testar a sua reação. Quando ela voltou para
uma nova consulta, se recusou a apertar a mão de Claparède, embora não tenha dado nenhuma explicação razoável
para justificar a atitude. Claparède concluiu que uma memória inconsciente pode tê-la advertido.

Mais recentemente cientistas vêm conduzindo novas pesquisas sobre como as situações ligadas ao medo podem
ser armazenadas na memória. Quando ratos de laboratório, por exemplo, ouvem um som seguido de choque
elétrico, logo são condicionados a reagir com medo ao ouvir apenas o som. O núcleo central da amígdala parece ser
a chave para a armazenagem das memórias relacionadas ao medo.

O hipocampo, na face inferior do lobo temporal do cérebro - uma das estruturas cerebrais mais importantes para a
memória consciente dos fatos - não desempenha nenhuma função no condicionamento padrão (por exemplo, nos
testes em que ratos aprendem a associar estímulos que não são nem ameaçadores nem agradáveis). Por outro
lado, o hipocampo torna-se influente quando o contexto do estímulo é importante. Em outros experimentos, se um
som neutro é acompanhado por uma luz especial e, depois, se apenas luz, desacompanhada de som, é mostrada,
surge uma reação no hipocampo. Isto vem provar o que Claparède já suspeitava: a memória consciente dos fatos e
a memória emocional são dois sistemas diferentes.

De fato, em 1890 o psicólogo William James propôs que "uma impressão pode ser tão excitante emocionalmente
que pode deixar uma pequena mácula sobre o tecido cerebral". Hoje os cientistas estão começando a compreender
como tais "máculas" surgem e como podem produzir as desordens associadas à ansiedade. Talvez no futuro eles
sejam capazes de produzir drogas terapêuticas para prevenir a formação destas máculas.
Talvez seja mesmo possível apagar a sensação de medo. Alguns especialistas estão cada vez mais convencidos de
que a chamada potenciação a longo prazo dos neurônios é decisivo para a memória emocional. Neste mecanismo
as conexões entre os neurônios que são usadas com mais freqüência ficam gravadas ou instaladas; em parte pela
criação de mais moléculas receptoras sobre esses neurônios, adaptados para receber um determinado estímulo
químico. Quando esses receptores são bloqueados em testes de laboratório o medo condicionado não funciona
mais; assim, pode ser possível projetar drogas para prevenir ou controlar o armazenamento dos medos no cérebro.
Além disso, quando os neurônios fixam o medo, eles sintetizam proteínas específicas, e este processo continua,
mesmo que o condicionamento termine. Cientistas descobriram que podem apagar as reações de medo em animais
de laboratório que foram condicionados durante duas semanas se puderem bloquear a síntese de proteínas
relacionadas presentes numa região da amígdala chamada núcleo basal. Parece haver um mundo de oportunidades
para interferir nos medos conservados na memória logo depois que a memória do medo é reativada. Pode ser
possível, portanto, apagar memórias traumáticas com a administração de drogas específicas.

A supressão de medos debilitantes permanece como uma esperança para o futuro. Agora os pesquisadores estão
simplesmente tentando desligar respostas condicionadas para estímulos.
Experimentos clássicos em psicologia mostram que, quando ratos de laboratório são condicionados para reagir com
medo a um sinal sonoro que vem acompanhado de choque elétrico, mais tarde apresentarão a mesma reação de
temor ao ouvir o mesmo sinal desacompanhado do choque. Em seguida, quando ouvem, repetidamente, o sinal
sonoro sem o choque, a reação de medo aprendida desaparece. Os pesquisadores descobriram que a reação não é
esquecida, mas está sendo ativamente suprimida pelo sistema nervoso, sob o comando do córtex cerebral.

O que realmente acontece durante essa supressão? Quando uma reação de medo é condicionada, os neurônios
envolvidos agrupam-se para atuar em uníssono. Estes grupos de neurônios permanecem após a supressão, mas
não reagem mais, porque não mais propagam um impulso ativado. Isto significa que, mesmo após a reação ser
refreada, os grupos de neurônios podem se tornar reativados por um novo impulso. Este é, provavelmente, o
mecanismo que origina as fobias.

Drogas ou Psicoterapias?
A descoberta de novos compostos químicos que podem suprimir a memória do medo será um novo desafio para as
comunidades científicas do futuro. Neste meio tempo os pesquisadores estão tentando aperfeiçoar drogas que
possam interferir nos mensageiros químicos relacionados à ansiedade: os chamados neurotransmissores.
O sucesso de certas drogas psicotrópicas indica que os transtornos associados à ansiedade podem surgir da
presença de uma pequena quantidade de GABA - ácido gama-aminobutírico, um neurotransmissor inibitório. Os
tranqüilizantes benzodiazepínicos tais como o clorodiazepoxido (Librium) ou o diazepam (Valium) ligam-se aos
receptores de GABA e reforçam os efeitos do transmissor. Experimentos com animais mostram que a liberação de
benzodiazepínicos na região da amígdala - rica em receptores de GABA - faz diminuir a ansiedade, ao passo que os
antagonistas de GABA bloqueiam os seus efeitos. Além disso, pesquisadores descobriram uma pequena proteína no
cérebro de humanos e de ratos que pode levar à ansiedade, aparentemente, diminuindo os pontos de ligação da
benzodiazepina com os receptores de GABA.

A psicoterapia é uma alternativa às drogas para curar os transtornos associadas à ansiedade. Os médicos têm
desenvolvido várias terapias para curar a ansiedade, e há uma grande controvérsia para estabelecer qual delas seria
a mais efetiva. Os psicanalistas, por exemplo, procuram resolver os conflitos inconscientes de seus pacientes pois,
de acordo com esses profissionais, seria onde se origina a ansiedade. Já os terapeutas que trabalham com técnicas
cognitivas tentam manter a ansiedade sob controle, ajudando seus pacientes a mudar comportamento e atitudes
com respeito a certos estímulos recebidos.

Os behavioristas, por sua vez, duvidam da importância da memória inconsciente e procuram tratar dos sintomas da
ansiedade e das fobias. Alguns procuram reduzir gradualmente a sensibilidade dos pacientes a certos estímulos, de
modo que eles acabem se acostumando com a nova situação. Outros usam uma terapia em que o paciente é
colocado face a face com estímulos que provocam ansiedade de maneira muito intensa, a fim de ele se torne
insensível àqueles estímulos. Estas duas terapias visam induzir uma antítese ao condicionamento da ansiedade o
que, supostamente, levaria o paciente a "desaprendê-la".

Independentemente dos métodos que utilizam, tanto os terapeutas como os cientistas que projetam novas drogas
encontram uma difícil tarefa para acalmar os medos e as ansiedades. Existem muito menos conexões do córtex
para a amígdala do que vice-versa - talvez para dar menos controle ao lado mais racional do nosso cérebro sobre as
sensações de ansiedade. Este desequilíbrio pode ser explicado pelo fato de que os medos e outras emoções podem
facilmente nos subjugar, sendo, também, difíceis de ser suprimidos voluntariamente. Isto explicaria por que as
psicoterapias continuam por longos períodos e, freqüentemente, são pouco eficazes.

Nós, humanos, também tiramos vantagens ao criar certos medos. Uma das mais poderosas e efetivas funções do
cérebro, de acordo com o neurobiologista Joseph E. LeDoux, da Universidade de Nova York, é a sua habilidade para
rapidamente ajustar a memória aos estímulos associados a situações de risco. Assim, estas memórias poderiam
ser preservadas por longos períodos de tempo e rapidamente colocadas em ação quando situações semelhantes de
risco ocorressem no futuro. Ele diz, ainda, que este recurso custa muito caro, pois temos um excesso de medos,
mais do que realmente necessitamos. O problema, sustenta LeDoux, parece estar no nosso sistema de
condicionamento do medo, que é extremamente efetivo. Este sistema é ativado por nossa grande capacidade de
imaginar os medos, bem como por nossa incapacidade em controlá-los.
Para conhecer mais
- Handbook of Anxiety. Cinco volumes. Organizado por Martin Roth et al. Elsevier, 1988-1993.
- The Emotional Brain. Joseph E. LeDoux. Simon&Schuster, 1996.
- Neuropsychology of Fear and Loathing. Andrew J. Calder et al. em Natural Reviews Neuroscience, Vol. 2, págs.
352-363; maio de 2001

Rüdiger Vaas é neurofisiologista, escritor e filósofo. Escreveu numerosos artigos e livros sobre pesquisas
relacionadas ao cérebro. Certa vez, ao caminhar pelo deserto de Sonora, temeu por sua vida, quando por pouco
não pisou sobre uma cascavel.

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