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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

FABIANO RAMOS MENDES

A SENSIBILIDADE CULTURAL DO ADVENTISMO COMO MODELO


MISSIOLÓGICO EM GRANDES CENTROS URBANOS: UMA ANÁLISE DE
IGREJAS ADVENTISTAS ÉTNICAS NA CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2015
FABIANO RAMOS MENDES

A SENSIBILIDADE CULTURAL DO ADVENTISMO COMO MODELO


MISSIOLÓGICO EM GRANDES CENTROS URBANOS: UMA ANÁLISE DE
IGREJAS ADVENTISTAS ÉTNICAS NA CIDADE DE SÃO PAULO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação


em Ciências da Religião, da Faculdade de Humanidades e
Direito da Universidade Metodista de São Paulo, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião.

Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura

Orientador: Prof. Dr. Nicanor Lopes

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2015
A dissertação de mestrado intitulada: “A SENSIBILIDADE CULTURAL DO ADVENTISMO
COMO MODELO MISSIOLÓGICO EM GRANDES CENTROS URBANOS: UMA
ANÁLISE DE IGREJAS ADVENTISTAS ÉTNICAS NA CIDADE DE SÃO PAULO”,
elaborada por FABIANO RAMOS MENDES, foi apresentada e aprovada em 24 de setembro
de 2015, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Nicanor Lopes (UMESP), Prof.
Dr. Helmut Renders (UMESP) e Prof. Dr. Marcelo Eduardo da Costa Dias (UNASP).

_____________________________________________
Prof. Dr. Nicanor Lopes
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_____________________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião


Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura
Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas psicossociais e pedagógicas
Aos imigrantes que aportaram em nosso país,
nos trazendo uma rica herança cultural e,
acima de tudo, um legado de fé e esperança.
AGRADECIMENTOS

Ao Deus da Missio Dei.

À minha família pelo suporte e paciência durante a pesquisa.

Especialmente pelo apoio de minha esposa, Paula, e minha filha, Melissa. Sem vocês a alegria

das surpreendentes descobertas da vida não faria sentido.

À Igreja Adventista do Sétimo Dia que permitiu que essa pesquisa fosse realizada.

À Igreja mais culturalmente sensível que eu conheço, Nova Semente. Obrigado pelo apoio.

Aos meus colegas de vocação missional, Kleber, Felipe, Danny e Hiran tenho aprendido

muito com vocês.


“E vi outro anjo voando pelos céus, levando a Boa Nova eterna
para pregar àqueles que estão na terra – a
toda nação, tribo, língua e povo”.
Apocalipse 14:6 (A Bíblia Viva)
MENDES, Fabiano Ramos. A Sensibilidade Cultural do Adventismo como Modelo
Missiológico em Grandes Centros Urbanos: uma análise de Igrejas Adventistas étnicas na
cidade de São Paulo. São Bernardo do Campo: UMESP. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo.

RESUMO

Esta pesquisa objetiva analisar o desenvolvimento da missão adventista na cidade de São Paulo
em busca de um modelo missiológico para centros urbanos. São Paulo, uma das maiores
metrópoles do mundo tem uma formação cultural plural, não apenas pelas forças atuantes da
modernização, secularização, globalização e pós-modernidade. A composição da população da
cidade possui uma gênese étnica plural. Além da matriz autóctone indígena, do colonizador
branco europeu e dos escravos africanos, desde o início do século XIX chegaram outros
imigrantes, europeus e asiáticos. Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil foi o país que
mais recebeu imigrantes em todo o mundo. Estima-se que nos anos de 1920, apenas um terço
da população na cidade de São Paulo fosse de brasileiros, o restante era composto por
imigrantes. A inserção do adventismo em São Paulo se deu por missionários imigrantes que
trabalharam primeiro com outros imigrantes antes de evangelizar e desenvolver a missão
adventista com os brasileiros nacionais. De alguma forma, esse início deixou marcas na missão
adventista paulistana. São Paulo é hoje a cidade com o maior número total de adventistas no
mundo e a única com Igrejas Adventistas étnicas que atendem cinco grupos étnicos distintos:
japoneses, coreanos, judeus, árabes e bolivianos/peruanos. Esta pesquisa busca investigar a
formação de uma sensibilidade cultural no adventismo paulistano que lhe permitiu dialogar
com a pluralidade cultural da metrópole paulistana.

Palavras-chave: Adventismo, Contextualização, Cultura, Diálogo Religioso, Etnicidade,


Igreja, Imigração, Missão, Religião, São Paulo, Secularização, Urbanização.
MENDES, Fabiano Ramos. The Adventism’ Cultural Sensibility as Missiological Model in
Large Urban Centers: an analysis of ethnic Adventist churches in São Paulo. São Bernardo do
Campo: UMESP. Thesis (MA in Religious Studies) – Faculty of Humanities and Law,
Methodist University of São Paulo.

ABSTRACT

This research aims to analyze the development of Adventist mission in the city of São Paulo
looking for an urban center Missiological model. São Paulo, one of the largest metropolis in
the world has a plural cultural background, not only for the active forces of modernism,
secularism, globalization and post-modernism. The composition of the city's population has a
plural ethnic genesis. Besides the indigenous native, white European colonists and African
slaves’ matrix, since the early nineteenth century others immigrants, Europeans and Asians,
have arrived. In the first decades of the twentieth century, Brazil was the country that received
more immigrants in the world. It is estimated that in the 1920s, only a third of the total
population in the city of São Paulo were Brazilians, the rest was composed of immigrants. The
insertion of Adventism in São Paulo took place by foreigners’ missionaries who worked first
with other immigrants before evangelize and develop the Adventist mission with local
Brazilians. Somehow, those early events have made a mark in São Paulo’s Adventist mission.
São Paulo is now the city with the highest total number of Adventists in the world and the only
one with ethnic Adventist churches for five distinct ethnic groups: Japanese, Korean, Jewish,
Arab and Bolivian / Peruvian. This research looks for the formation of a cultural sensibility in
the São Paulo’s Adventism that allowed it to get acquainted with the cultural diversity of the
metropolis.

Keywords: Adventism, Church, Contextualization, Culture, Ethnicity, Immigration, Interfaith


Dialogue, Mission, Religion, São Paulo, Secularization, Urbanization.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADRA Agência Adventista de Desenvolvimento de Recursos Assistenciais

AP Associação Paulistana da Igreja Adventista do Sétimo Dia

APaC Associação Paulista Central da Igreja Adventista do Sétimo Dia

APL Associação Paulista Leste da Igreja Adventista do Sétimo Dia

APO Associação Paulista Oeste da Igreja Adventista do Sétimo Dia

APS Associação Paulista Sul da Igreja Adventista do Sétimo Dia

APSo Associação Paulista Sudoeste da Igreja Adventista do Sétimo Dia

APSe Associação Paulista Sudeste da Igreja Adventista do Sétimo Dia

APV Associação Paulista do Vale da Igreja Adventista do Sétimo Dia

BBT Beth B’nei Tsion [Casa dos Filhos de Sião]

CAB Colégio Adventista Brasileiro

CIACI Conselho Internacional de Aproximação Cristã-Islâmica

CPB Casa Publicadora Brasileira

DSA Divisão Sul Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia

EUA Estados Unidos da América

FIFA Fédération Internationale de Football Association [Federação Internacional de


Futebol]

IASD Igreja Adventista do Sétimo Dia

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MBB Muslim Background Belivers [Crentes de Origem Muçulmana]

RMSP Região Metropolitana de São Paulo

UCB União Central Brasileira da Igreja Adventista do Sétimo Dia

UNASP Centro Universitário Adventista de São Paulo

UNISA Universidade de Santo Amaro

WJAFC World Jewish-Adventist Friendship Center [Centro Mundial de Fraternidade


Judaico-Adventista]
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 12
1 OS ADVENTISTAS E A MISSÃO.......................................................................................................... 18
1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA MISSÃO NO ADVENTISMO ..................................................................... 19
1.1.1 Missão Limitada aos “Adventistas” (1844-1852) ............................................ 19
1.1.2 Missão Limitada à América do Norte (1852 – 1874) ....................................... 20
1.1.3 Missão Limitada a Países Cristãos (1874 – 1901)............................................ 21
1.1.4 Missão a Todo o Mundo (1901 – C. 1950)....................................................... 22
1.1.5 Esforços para Sistematizar a Missão (C. 1950 – 1990) .................................... 22
1.1.6 Missão Global (1990 – Atual) .......................................................................... 23
1.2 A MISSÃO NA AMÉRICA LATINA ......................................................................................................................... 24
1.3 A MISSÃO NO BRASIL ........................................................................................................................................... 26
1.3.1 A Missão e os Imigrantes Adventistas Europeus ............................................. 26
1.3.2 A Missão e os Colportores Adventistas ............................................................ 27
1.3.3 A Missão e os Ministros Ordenados ................................................................. 28
1.3.4 A Missão e as Instituições Adventistas ............................................................ 30
1.3.5 A Missão e o Processo de Nacionalização do Adventismo .............................. 32
1.4 A MISSÃO EM SÃO PAULO ................................................................................................................................... 36
1.4.1 Adventismo Paulistano entre Imigrantes .......................................................... 37
1.4.2 Adventismo Paulistano entre Nativos .............................................................. 39
1.4.3 Adventismo Paulistano entre Novos Imigrantes .............................................. 46
1.5 CONCLUSÃO PARCIAL ........................................................................................................................................... 48
2 OS ADVENTISTAS E A IMIGRAÇÃO EM SÃO PAULO .................................................................. 50
2.1 AS IGREJAS ADVENTISTAS ÉTNICAS .................................................................................................................. 51
2.1.1 Sinagoga Adventista de São Paulo ................................................................... 51
2.1.2 Comunidade Árabe Adventista de São Paulo ................................................... 56
2.1.3 Igreja Adventista Hispana de São Paulo .......................................................... 59
2.2 O PROCESSO DE HIBRIDAÇÃO ............................................................................................................................ 63
2.2.1 O Adventismo Paulistano e a Hibridação ......................................................... 66
2.3 CONCLUSÃO PARCIAL .......................................................................................................................................... 74
3 CONTRIBUIÇÕES PARA A MISSÃO EM CENTROS URBANOS................................................... 76
3.1 PISTAS SOCIOCULTURAIS DA CIDADE ................................................................................................................ 77
3.1.1 Espaço e Centro ................................................................................................ 78
3.1.2 Tempo e Lazer .................................................................................................. 80
3.1.3 Pluralidade Cultural .......................................................................................... 81
3.1.4 Trabalho ............................................................................................................ 83
3.1.5 Valores .............................................................................................................. 85
3.1.6 Participação e Mobilização ............................................................................... 86
3.2 SENSIBILIDADE CULTURAL COMO MODELO MISSIOLÓGICO ........................................................................... 87
3.3 CONCLUSÃO PARCIAL ........................................................................................................................................... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................. 99
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................... 102
12

INTRODUÇÃO

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP proporciona


proveitosa reflexão sobre a teologia da América Latina e suas contribuições para a teologia
mundial. Isso nos faz perceber que um estudo sobre missiologia urbana, com raízes latino-
americanas, poderia ser útil não só para nossa realidade local, mas também poderia contribuir
para a missão urbana em outros lugares.

Em razão da natividade adventista do autor desta pesquisa surgiu o desejo de estudar


a inserção do adventismo em São Paulo, a cidade onde desenvolve sua vocação pastoral e com
a qual se relaciona há muitos anos. Um fenômeno dentro do adventismo que enseja a pesquisa
acadêmica é a presença de cinco Igrejas Adventistas étnicas na cidade de São Paulo: Igreja
Adventista Japonesa, Igreja Adventista Coreana, Sinagoga Adventista de São Paulo,
Comunidade Árabe Aberta e Igreja Adventista Hispana. Todas elas ligadas à Associação
Paulistana das Igrejas Adventistas do Sétimo Dia, órgão administrativo da Igreja na região
centro-sul da cidade de São Paulo.

A razão de iniciarmos esta pesquisa foi empreender um estudo sobre o


desenvolvimento da missão adventista no contexto urbano paulistano e como ela tem se
relacionado com a pluralidade cultural da cidade, em função da existência destas cinco Igrejas
Adventistas étnicas. O Brasil é o segundo país com maior número de adventistas, 1.373.232
membros, ficando atrás apenas da Índia com 1.538.147 membros. No entanto, a proporção entre
população total e o número de adventistas nos dois países é bem diferente, 142 no Brasil e 819
na Índia, o que corresponde a 0,705% e 0,122% da população, respectivamente. O terceiro país
com maior número total de adventistas são os Estados Unidos da América1 (país originário do
adventismo), com 1.092.865 e uma proporção de 287 habitantes para cada adventista, ou seja,
0,348% (SDA, 2014, p. 77-80). Já a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) abriga a maior
comunidade de membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia no mundo. Numa população total
de 20 milhões de pessoas, os adventistas são aproximadamente 130.000 membros, uma
proporção de 153 habitantes para cada adventista, um percentual de 0,65%. Os adventistas

1
Doravante denominado apenas por EUA.
13

mantêm em São Paulo mais de 770 congregações, duas clínicas naturalistas, um hospital, um
centro clínico, um centro de mídia para rádio, TV e internet e uma editora. Sua rede educacional
no Estado de São Paulo conta com 74 escolas e uma universidade tri-campi.

Quando comparamos com outras grandes regiões metropolitanas mundiais, como


Nova Iorque e Londres, percebemos como é grande a presença adventista na RMSP: Nova
Iorque tem 18 milhões de habitantes e 28 mil adventistas, uma proporção de 642 habitantes
para cada adventista; Londres tem 13 milhões de habitantes e 15 mil adventistas, uma proporção
de 866 habitantes para cada adventista. As únicas Igrejas Adventistas étnicas para imigrantes
nestas duas regiões metropolitanas são brasileiras e hispânicas. Apesar de receberem
adventistas imigrantes de diversos países, eles são absorvidos nas igrejas locais e congregam
com os demais membros nativos.

Apesar do interesse da organização mundial dos adventistas por esse fenômeno do


adventismo brasileiro e, particularmente, o paulistano, até o momento não temos estudos
publicados sobre o tema. Diante desse fenômeno no adventismo paulistano podemos fazer
algumas perguntas norteadoras do estudo: Como a característica multicultural do adventismo
paulistano pode contribuir com a missiologia adventista em outros grandes centros urbanos?
Como podemos organizar as fases da missão adventista na cidade de São Paulo? Como a missão
entre grupos étnicos na cidade de São Paulo influenciou o atual modelo missiológico
adventista? Quais princípios missiológicos presentes no adventismo paulistano podem
contribuir com a missiologia adventista em outros grandes centros urbanos?

O resultado dessa pesquisa objetiva contribuir tanto para os estudos missiológicos


quanto para os estudos sobre imigração e urbanização ao tratarmos das Igrejas Adventistas
étnicas da RMSP e a missão adventista. Para isso vamos analisar as características do modelo
missiológico adventista em seu relacionamento com a pluralidade étnica e cultural da cidade de
São Paulo e as possíveis contribuições para a Igreja Adventista em outros grandes centros
urbanos. Vamos também analisar as diversas fases da missão adventista na cidade de São Paulo
e seu contexto histórico imediato, vamos estudar as interações culturais da missão adventista
com os imigrantes que se radicaram na Capital e propor princípios missiológicos para a missão
em centros urbanos. Os conhecimentos resultantes da pesquisa possivelmente poderão ser
aplicados em outras regiões metropolitanas.

A pesquisa será de natureza explicativa para identificar os fatores que determinam ou


que contribuem na ocorrência do fenômeno estudado. Os métodos técnicos serão: o histórico,
14

na busca pelo desenvolvimento da missão adventista; o comparativo, na investigação do


adventismo em diferentes paradigmas missiológicos; o monográfico, no aprofundamento do
estudo do adventismo paulistano como representativo da missão adventista em centros urbanos.
Os delineadores dos dados serão: a pesquisa bibliográfica, para o exame da literatura
disponível; a pesquisa documental, que tratará dos documentos que não receberam tratamento
analítico; a observação de campo, que busca descrever a realidade de grupos culturais
específicos; o estudo de caso, para explicar as variáveis causais do paradigma missional do
adventismo paulistano.

Na pesquisa sobre nosso objeto faremos uso de um conjunto de referenciais teóricos


que nos guiarão na abordagem dos dados coletados e na reflexão sobre os fenômenos
observados. Os referenciais teóricos adotados para este trabalho são modelos de análise e
interpretação utilizados nas Ciências Sociais e na Teologia. Para analisarmos o subtema da
pluralidade cultural paulistana escolhemos a Teoria da Hibridação, de Néstor Garcia Canclini.
Esta Teoria permite um olhar sobre os fenômenos sociais que explora mais as relações dos
sujeitos do que apenas o produto dessas relações. Para analisarmos o subtema da missão
adventista elegemos a tese de David J. Bosch sobre a Mudança de Paradigmas na Teologia da
Missão. As compreensões dos cristãos sobre sua fé são distintas em cada era e preservam uma
continuidade apenas parcial ao longo do tempo. O mesmo se dá com a compreensão da missão.
A definição de missão que utilizaremos nesta pesquisa é a proposta por Bosch e que distingue
a missio Dei das missiones ecclesiae2. Sempre que nos referirmos à missão adventista nesta
pesquisa, estaremos evocando o conceito das missões da igreja, como um empreendimento
missionário local, particular e que atende uma necessidade específica na participação da missio
Dei.

Para analisarmos o subtema da urbanização, vamos nos valer da teoria proposta por
João Batista Libânio para trabalhar com uma fenomenologia da cidade: as Lógicas da Cidade.
Libânio se aproxima da cidade como um lugar heurístico, isto é, a cidade como ferramenta para
a produção de conhecimento científico. Ele escolhe determinados eixos (lógicas do espaço e do
centro, lógicas do tempo e do lazer, lógicas da pluralidade cultural, lógicas da participação e da
mobilização, lógicas dos valores e lógicas do trabalho e do poder) que atuam como as regras de
um jogo para a experiência de viver na cidade.

2
Para um estudo sobre os conceitos de missão, ver de David J. Bosch, Missão Transformadora, 2009, p. 26-29.
15

Acerca da pesquisa explicativa, Antônio Carlos Gil afirma:

Este é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade,


por que explica a razão, o porquê das coisas. Por isso mesmo é o tipo mais
complexo e delicado, já que o risco de cometer erros aumenta
consideravelmente. Pode-se dizer que o conhecimento científico está
assentado nos resultados oferecidos pelos estudos explicativos. (GIL, 1999, p.
44).

Por essa razão precisamos ter nosso objeto de estudo suficientemente bem descrito e
detalhado. Nesse sentido, os dados pesquisados contribuirão em grande medida para o sucesso
de nosso trabalho.

Nossa pesquisa será norteada por técnicas ou métodos de procedimentos que, de


acordo com Lakatos e Marconi (1992, p. 81), são: “etapas mais concretas da investigação, com
finalidade mais restrita em termos de explicação geral do fenômeno e menos abstratos. Nas
áreas das ciências sociais, geralmente são utilizados vários, concomitantemente”. Usaremos o
método histórico, o comparativo e o monográfico.

O método histórico baseia-se na percepção de que fenômenos atuais se desenvolveram


a partir do passado e que a investigação de sua história nos ajuda na compreensão de sua forma
presente. Uma definição desse método é apresentada por Lakatos e Marconi:

O método histórico consiste em investigar acontecimentos, processos e


instituições do passado para verificar sua influência na sociedade de hoje, pois
as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes
componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural
particular de cada época. Seu estudo, para uma melhor compreensão do papel
que atualmente desempenham na sociedade, deve remontar aos períodos de
sua formação e de suas modificações. (LAKATOS; MARCONI, 1992, p. 82).

Assim, pretendemos utilizar este método para tratar do desenvolvimento histórico do


adventismo na cidade de São Paulo.

O método comparativo busca apontar ao final do processo de investigação de um


determinado objeto suas semelhanças e dessemelhanças em relação a outro objeto ou ao mesmo
objeto em épocas distintas. Lakatos e Marconi afirmam que:

Ocupando-se da explicação dos fenômenos, o método comparativo permite


analisar o dado concreto, deduzindo do mesmo os elementos constantes,
abstratos e gerais. Constitui uma verdadeira ‘experimentação indireta’. Pode
ser utilizado em todas as fases e níveis de investigação. A nível de explicação,
16

pode, até certo ponto, apontar vínculos causais, entre os fatores presentes e
ausentes. (LAKATOS; MARCONI, 1992, p. 82).

O uso desse método em nossa pesquisa vai nos ajudar a estudar as mudanças de
paradigmas no adventismo paulistano e a encontrar uma explicação para o atual paradigma.

O método monográfico é o estudo em profundidade de uma instituição para a


compreensão de todas as características nela presentes em busca de uma generalização que
possa explicar outras instituições semelhantes. Lakatos e Marconi também afirmam que:

A vantagem do método consiste em respeitar a ‘totalidade solidária’ dos


grupos, ao estudar, em primeiro lugar, a vida do grupo na sua unidade
concreta, evitando, portanto, a prematura dissociação de seus elementos. A
investigação deve examinar o tema escolhido, observando todos os fatores que
o influenciaram e analisando-o em todos os seus aspectos. (1992, p. 83).

Ao descrevermos o atual paradigma missiológico adventista paulistano, esse método


vai nos ajudar na compreensão dos princípios presentes nele que podem ser utilizados para
investigar a missão adventista em outros grandes centros urbanos.

No primeiro capítulo faremos uma breve introdução sobre o início da missão


adventista nos EUA e no Brasil. Para situar o leitor faremos uma breve recapitulação histórica
da inserção do adventismo na América Latina, no Brasil e em São Paulo. A parte central deste
capítulo será prover uma descrição detalhada da missão adventista na cidade de São Paulo,
identificando os períodos históricos como fases da missão adventista, as características da
missão em cada etapa e os fatores contextuais que influenciaram seu desenvolvimento. Nosso
objetivo é buscar uma sistematização da missão adventista na cidade de São Paulo que forneça
as bases de pesquisa para o próximo capítulo. Esse foco é inédito nos estudos do adventismo
brasileiro.

No segundo capítulo faremos uma análise sobre a interação da missão adventista com
a pluralidade cultural da cidade de São Paulo com ênfase no papel das imigrações e do
surgimento das Igrejas Adventistas étnicas. Nosso objetivo será encontrar os caminhos que a
missão adventista tem percorrido no ambiente urbano da capital paulista. O fenômeno das
migrações é um dos grandes agentes das mudanças culturais na cidade de São Paulo. Neste
capítulo vamos pesquisar sobre a contribuição das Igrejas Adventistas étnicas para a percepção
que o adventismo tem da pluralidade cultural e os impactos em sua missiologia. Nos interessam
17

as descobertas resultantes dessa interação como pistas socioculturais que constituirão a base
para o próximo capítulo.

No terceiro capítulo vamos buscar características da metrópole que possam servir


como base para um modelo missiológico urbano. Estas pistas socioculturais da cidade poderão
ser úteis para a missiologia em outros centros urbanos em que encontramos um ambiente similar
ao paulistano. Depois de descrevermos essas características, vamos compará-las às interações
entre a missão adventista paulistana e os grupos étnicos que deram origem às Igrejas étnicas
Adventistas na cidade de São Paulo. A sensibilidade cultural, característica principal da missão
adventista paulistana, será testada por cada uma das pistas socioculturais da cidade como
validação do modelo missiológico em centros urbanos. Finalmente, nosso trabalho vai sugerir
um modelo que possa ser aplicado em centros urbanos.
18

1 OS ADVENTISTAS E A MISSÃO

A primeira Igreja Adventista do Sétimo Dia foi organizada em Parkville, Michigan,


EUA, em 13 de maio de 1860. Aquela primeira congregação utilizou o nome de Igreja de
Parkville do Segundo Advento (TIMM, 1996, p. 35). Naqueles idos, os adventistas eram muito
resistentes à organização institucional e tinham uma visão muito particular de sua missão. Seus
pioneiros haviam participado do movimento liderado por William Miller, que aguardava a
segunda vinda de Cristo em 22 de outubro de 1844. Após o grande desapontamento de 18443
houve pelo menos duas reuniões gerais lideradas por Miller e Joshua Vaughan Himes: a
primeira foi realizada nos dias 28 e 29 de dezembro de 1844 em Low Hampton (New York,
EUA); a segunda, entre os dias 20 de abril e 1 de maio de 1845 em Albany (New York, EUA).
O objetivo dos dois encontros foi a manutenção da unidade entre os participantes do movimento
do advento. Contudo, esta última reunião constatou que o movimento já estava dividido
(SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 54-55).

O ponto de discórdia era a interpretação da expressão “porta fechada”4 em Mateus


25:10-12. O movimento que ficou conhecido como os adventistas da porta aberta entendia que
haviam falhado nos cálculos cronológicos e que a porta da graça ainda estava aberta para o
mundo. Outras datas para a volta de Jesus continuaram a ser marcadas e deste grupo surgiram
os adventistas evangélicos (grupo que se extinguiu com o tempo) e os cristãos adventistas
(segundo maior grupo derivado do milerismo5 e do qual Miller fez parte após sua exclusão da
Igreja Batista). O movimento que ficou conhecido como os adventistas da porta fechada
entendia que apenas aqueles que aceitaram a pregação milerita seriam salvos, a porta da graça
havia se fechado para as demais pessoas em 22 de outubro de 1844. De acordo com a
compreensão geral deste movimento, os cálculos proféticos de Miller estavam corretos, assim,
havia a necessidade de explicar o que de fato ocorrera em 1844. Uma parte do movimento
adventista da porta fechada ficou conhecido como adventistas espiritualizadores, pois
acreditam que Jesus havia vindo espiritualmente para sua Igreja. A outra parte do movimento
da porta fechada acreditava que Jesus havia cumprido naquela data o ritual antitípico do dia da

3
O grande desapontamento de 1844 é o nome dado a experiência de frustração pela qual passaram os mileritas
que aguardavam a segunda vinda de Jesus em 22 de outubro de 1844.
4
Para um estudo dos movimentos adventistas da Porta Aberta e da Porta Fechada, ver de John Norton
Loughborough, O Grande Movimento Adventista, 2014, p. 175-194.
5
Mileritas e milerismo são termos utilizados em referência ao movimento liderado por William Miller na primeira
metade do século XIX nos EUA e aos seus seguidores.
19

expiação6. Deste grupo surgiu o movimento adventista sabatista, que mais tarde deu origem a
Igreja Adventista do Sétimo Dia. (TIMM, 2007, pp. 70-77).

1.1 Desenvolvimento histórico da missão no adventismo

A experiência do movimento milerita exerceu forte influência na percepção que os


primeiros adventistas tinham de si mesmos, sua teologia e sua missão. Numa tentativa de
sistematizar os impactos dessa influência, Werner Vyhmeister, historiador adventista, em sua
obra Misión de La Iglesia Adventista [Missão da Igreja Adventista] (1981, p. 45-65), divide a
história da missão adventista em quatro fases. Uma vez que sua obra foi publicada no início
dos anos 1980, Alberto R. Timm (1996, p. 44), também historiador do adventismo, acrescentou
mais duas fases. São elas:

1.1.1 MISSÃO LIMITADA AOS “ADVENTISTAS” (1844-1852)

Durante esse período, o conceito de missão dos adventistas sabatistas era limitado por
seu conceito de porta fechada. A pregação estava voltada para as pessoas que participaram do
movimento milerita e que haviam abandonado a fé ou retornado à comunhão de suas Igrejas de
origem ou ainda para outras Igrejas Cristãs. Como o grupo a ser evangelizado era restrito e já
havia participado do movimento milerita, esta primeira fase da missão adventista teve de
trabalhar o conteúdo de sua mensagem e sistematizar suas principais doutrinas, o que permitiu
um período de maturação do corpo doutrinário adventista, enquanto os crentes “se encorajariam
uns aos outros até que Cristo viesse”. Entretanto, não havia nenhum tipo de preocupação em
pregar para as pessoas consideradas por eles como “pecadores” (SCHWARZ; GREENLEAF,
2009, p. 53).

6
O significado desta compreensão é que Jesus estava iniciando a fase investigativa do juízo divino no santuário
celestial. Para um estudo deste tópico ver de R. W. Schwarz e F. Greenleaf, Portadores de Luz, 2009, pp. 59-61.
20

1.1.2 MISSÃO LIMITADA À AMÉRICA DO NORTE (1852 – 1874)

Pelo menos três fatores contribuíram para a superação da compreensão adventista da


porta fechada. No primeiro deles, acreditava-se que a volta de Jesus não estava acontecendo tão
rápido como eles esperavam (TIMM, 1996, p. 44). Se a porta da graça havia se fechado em
1844, como eles acreditavam, qual a razão da demora para a volta de Jesus tantos anos depois
do fechamento da porta da graça? O segundo fator foi a conversão de diversas pessoas que não
haviam tomado parte da fé milerita (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 67). Se a salvação
fosse exclusiva para os que participaram do grande desapontamento, como teria sido possível
a conversão destas pessoas? Por fim, o terceiro fator se referia às visões de Ellen White. Ela
escreveu sobre uma visão que teria tido em novembro de 1848 a respeito da publicação de
jornais com a mensagem adventista que seriam como “torrentes de luz que circundavam o
mundo” (WHITE, 2004, p. 128). Se Deus estava orientando os adventistas a pregar sua
interpretação das profecias bíblicas por todo o mundo, sua compreensão sobre a porta fechada
precisava ser revista. Portanto, para o núcleo pioneiro sabatista, haveria ainda uma missão que
transcendia o paradigma anterior. Contudo, o movimento adventista sabatista ainda estava
circunscrito aos EUA e Canadá.

Nesse período a Igreja iniciou seu processo de institucionalização, em princípio


informalmente com escolha de líderes locais como diáconos, anciãos e tesoureiros e depois com
a organização formal da primeira Igreja em 1860. Em outubro de 1861 foi organizada a
Associação Adventista do Sétimo Dia no estado de Michigan. No ano seguinte, mais seis
associações foram organizadas. Nos dias 20 a 23 de maio de 1863 foi organizada a Associação
Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. Andrew Gordon Mustard (1988, p. 232-263) analisou o
tipo de organização da Igreja Adventista como tendo as seguintes influências: do sistema
Presbiteriano, quanto a centralidade da organização, que favorecia a unidade doutrinária e a
missão evangelística; do sistema Metodista, quanto a organização de associações em níveis, na
escolha de pastores itinerantes e na flexibilidade estrutural; do sistema Batista, quanto a
autoridade da Igreja local. Essa flexibilização do modelo organizacional proveu ao adventismo
um olhar plural de administração eclesiástica que se refletiria mais a frente em suas práticas
missionárias. O diálogo e a soma das diferentes experiências cristãs de seus pioneiros
permitiram ao adventismo beneficiar-se de um ambiente rico em diversidade e capaz de se
adaptar em novos horizontes. A organização daria novo impulso à missão adventista.
21

É interessante notar que a análise que faremos neste trabalho sobre a hibridação
cultural nas interações entre a missão adventista paulistana e os grupos étnicos que formaram
as Igrejas Adventistas étnicas na cidade de São Paulo, poderiam ser úteis para compreender a
formação do sistema administrativo eclesiástico adotado pelos pioneiros adventistas. Mais do
que uma análise da forma final do modelo administrativo adventista, a Teoria da Hibridação se
preocupa com as interações que geraram o novo modelo. Sumarizando os autores pós-
colonialistas que trabalharam com esta teoria para criticar o nacionalismo cultural dos países
desenvolvidos, Magali do Nascimento Cunha, em seu livro A Explosão Gospel: um olhar das
ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil afirma que “o ‘híbrido’ não seria um
elemento, mas um processo resultante do encontro/intercâmbio da periferia com o centro e da
periferia com as diferentes periferias. Deste encontro/intercambio novas identidades são
produzidas resultantes de um processo de negociação cultural” (CUNHA, 2007, p. 22). Os
pioneiros adventistas precisaram negociar suas culturas eclesiásticas formadas por suas antigas
filiações religiosas ao constituir o modelo eclesiológico adventista.

1.1.3 MISSÃO LIMITADA A PAÍSES CRISTÃOS (1874 – 1901)

Em 1864, Miguel B. Czechowski havia viajado extraoficialmente como missionário


para a Suíça a fim de iniciar a pregação do adventismo na Europa. Como resultado de seus
esforços, a associação geral enviou o primeiro missionário adventista oficial para apoiar seu
trabalho. No dia 15 de setembro de 1874, John Nevins Andrews partiu para Basileia, na Suíça,
a fim de organizar a Igreja e as ações evangelísticas na Europa. Andrews havia sido membro
do comitê da Associação de Nova Iorque, em 1864, e membro do comitê executivo da
Associação Geral, em 1865. Tornou-se o terceiro presidente da Associação Geral em 1867,
função que ocupou por dois anos. Exerceu também a função de editor da revista denominacional
Adventist Review [Revista Adventista] nos anos de 1869 e 1870. Por suas habilidades como
administrador e editor, foi enviado como missionário. Em 1876 já havia fundado a Casa
Publicadora Europeia e publicava a revista missionária Les Signes des Temps [Sinais dos
Tempos], que apoiava a obra missionária no país. Desde o envio de Andrews, em 1874, a
organização adventista enviou diversos missionários que fundaram missões adventistas em
todos os continentes.
22

1.1.4 MISSÃO A TODO O MUNDO (1901 – C. 1950)

Em 1863, a assembleia da associação geral era composta por 20 delegados vindos das
seis associações locais e que representavam 3.500 adventistas. Na assembleia de 1901, havia
delegados de todo o mundo vindos das 57 associações locais e das 41 missões estrangeiras,
representando 78.188 membros da Igreja adventista mundial (MUSTARD, 2015). Fazia-se
necessário uma reestruturação da organização para atender as demandas de uma Igreja mundial.

A descentralização era urgente para que os campos missionários fossem mais bem
atendidos. Assim, na assembleia da associação geral de 1901, foi acrescido um novo nível
organizacional na estrutura adventista (as uniões de associações) para atender regiões
geográficas fora dos EUA. Este sistema foi baseado na estrutura administrativa implementada
por A. T. Robinson na África do Sul, em 1892 (MUSTARD, 2015, p. 12). Durante os anos de
1901 a 1926, foram enviados 2.937 missionários para outros países, numa média de 112 por
ano (TIMM, 1996, p. 44). Na América do Sul, o primeiro missionário oficial havia sido enviado
em 1894. O pastor Frank Henry Westphal estabeleceu uma missão adventista em Buenos Aires,
que atendia a Argentina, o Uruguai e o Brasil (GRENLEAF, 2011, p. 36). Diversos outros
missionários, pastores e colportores, foram enviados nos anos seguintes para o trabalho de
evangelização nas colônias de imigrantes norte-americanos e europeus na América do Sul.

1.1.5 ESFORÇOS PARA SISTEMATIZAR A MISSÃO (C. 1950 – 1990)

A partir dos anos de 1950, alguns fatores contribuíram para a reflexão e a busca por
sistematização da missão adventista no mundo (TIMM, 1996, p. 45):

1. Grande crescimento da população não-cristã;


2. O desafio de testemunhar para grupos resistentes à mensagem cristã, entre eles
judeus e muçulmanos;
3. A necessidade de desenvolver estratégias específicas para o evangelismo com
esses grupos;
23

4. A criação do Departamento de Missões Mundiais do Seminário Teológico da


Andrews University [Universidade Andrews], em 1966, e do Instituto de Missões Mundiais
Adventista do Sétimo Dia, ligado diretamente à Associação Geral, no mesmo ano;
5. A publicação da primeira obra sobre missiologia adventista: Mission Possible:
The Challenge of Mission Today [Missão Possível: O Desafio da Missão Hoje], de Gottfried
Oosterwal, em 1972;
6. A realização em 1980, do primeiro simpósio de missiologia na Andrews
University [Universidade Andrews]: Servants for Christ: The Adventist Church Facing the ‘80s
[Servos de Cristo: A Igreja Adventista Enfrentando os Anos 80], organizado por Gottfried
Oosterwal, Russell L. Staples, Walter B. T. Douglas e R. Edward Turner;
7. O lançamento dos programas “1000 Dias de Colheita” e “Colheita 90”, pela
Associação Geral, a partir da década de 1980.

1.1.6 MISSÃO GLOBAL (1990 – ATUAL)

Em 1986, o então presidente da Associação Geral, Neal C. Wilson, propôs a criação


de um programa estratégico de missão para estabelecer novas Igrejas em lugares onde não havia
a presença adventista. Na assembleia da Associação Geral de 1990, em Indianápolis, EUA, o
programa foi votado e organizado o escritório de Missão Global. A função do escritório era
fundar em vários lugares do mundo centros de estudo que desenvolvessem e testassem novos
métodos para alcançar hindus, budistas, judeus, muçulmanos e sociedades secularizadas
(LAND, 2005, p. 115). Os planos desenvolvidos até 1990 buscavam um crescimento numérico
para a denominação, apesar do crescimento internacional da mesma. A partir de 1990 a missão
adventista também buscaria um crescimento geográfico para a denominação.

Outra mudança na missão adventista a partir da década de 1990, foi diminuir o envio
de missionários transculturais e usar nativos para evangelizar sua própria cultura
(FRONTLINE, 2010). Esses obreiros são chamados pioneiros de missão global e a estratégia
básica é a de plantar uma nova congregação7 em sua região de trabalho, mediante auxílios à
população local como abrigo à refugiados de guerra civil, cuidados médicos, educação básica

7
De acordo com David Garrison, em seu livro Church Planting Movements: How God is Redeeming a Lost World
(2004) [Movimento de Plantio de Igrejas: Como Deus está Redimindo um Mundo Perdido], um Movimento de
Plantio de Igrejas é uma rápida multiplicação de Igrejas autóctones plantando igrejas que alcançam um povo ou
um segmento populacional.
24

e fornecimento de itens de primeira necessidade como comida e água, além de ensino bíblico.
Desde 1990, a denominação atingiu o número de 20 milhões de membros ao redor do mundo,
em grande parte, com o auxílio desses pioneiros de missão global. Foram estabelecidas mais de
11.000 novas congregações adventistas e, apenas nos últimos quatro anos, foram investidos 22
milhões de dólares em 163 países para apoiar o trabalho de 10.000 missionários.

1.2 A missão na América Latina

A presença adventista na América Latina é difícil de ser reconstituída. Há relatos de


diversos adventistas latino-americanos que se converteram na Europa e retornaram para seus
países de origem (GREENLEAF, 2011, p. 23). A Comissão de Missões Estrangeiras da
Associação Geral (fundada em 6 de novembro de 1889) recomendou a emigração de obreiros
de sustento próprio em janeiro de 1890. O pastor L. C. Chadwick, empreendeu uma viagem
para levantamento de dados da América Latina em 1891, como representante da Comissão de
Missões Estrangeiras. Ele passou pelo México, ilhas do Caribe, América Central, América do
Sul e depois seguiu para a Europa e a África. Os primeiros missionários que se estabeleceram
foram os colportores Elwin Winthrop Snyder, Clair A. Nowlen e Albert B. Stauffer. Eles
chegaram a Montevidéu no dia 10 de dezembro de 1891, enviados pela Comissão de Missões
Estrangeiras para trabalhar com imigrantes de língua inglesa e alemã. Como a comissão
conhecia muito pouco sobre as principais cidades sul-americanas, o grupo liderado por Snyder
deveria decidir por conta própria como conduzir seu trabalho depois de chegarem por aqui.
Rapidamente se mudaram para Buenos Aires, que mantinha uma comunidade de fala inglesa
bem maior que a de Montevidéu (GREENLEAF, 2011, p. 30). Logo depois, partiram para o
interior em busca das colônias alemãs.

Depois que um certo número de famílias começou a professar o adventismo, a


Comissão de Missões Estrangeiras enviou o pastor F. H. Westphal para Buenos Aires em 1894,
de onde organizaria a missão na Argentina, no Uruguai e no Brasil. No início da estratégia para
o trabalho na América Latina, pensou-se em atividades como o estabelecimento de escolas e
hospitais como frentes de evangelismo. No entanto, a decisão da Comissão foi concentrar os
recursos financeiros em evangelismo direto a princípio. A partir de 1896, diversas instituições
começaram a ser fundadas pelos missionários com o apoio dos primeiros conversos. Editoras,
escolas paroquiais e clínicas médicas começaram a funcionar. Em grande parte, o início dessas
25

instituições se deve ao perfil dos primeiros conversos sul-americanos ao adventismo


(GREENLEAF, 2011, p.763). Como o trabalho começou com a colportagem, os conversos
provinham de famílias de colonos letrados, que valorizavam a educação formal. Rapidamente
se motivaram a fundar escolas para a educação de seus filhos seguindo a tradição doutrinária
adventista e que pudessem formar obreiros para trabalhar para a Igreja (GREENLEAF, 2011,
p. 755).

Importante ressaltar que as primeiras congregações adventistas surgiram em


comunidades de fala alemã. Durante muitos anos, essa era a cara do adventismo na América do
Sul, uma Igreja de imigrantes. Logo depois da Primeira Guerra Mundial, o adventismo começou
a alcançar a população nativa, de língua portuguesa e hispânica. Com o crescimento das
instituições e o preparo de obreiros nativos, a partir da segunda metade do século XX, o
adventismo na América Latina passou por um grande e irreversível processo de nacionalização:

O adventismo chegou à América do Sul já bem definido, mas com um molde


norte-americano. Com a passagem do tempo, a Igreja mundial poderia esperar
o desenvolvimento de uma identidade compatível com o novo ambiente.
Enquanto se aproximava o século 21, os teólogos sul-americanos tinham a
reputação de se apegar fielmente às linhas doutrinárias do adventismo de
modo geral. Contudo, é verdadeiro dizer que eles viam sua fé sob uma luz um
pouco diferente da de seus colegas norte-americanos. Na América do Sul,
onde os princípios dos direitos humanos emergiram após graves conflitos, e
onde a pobreza e o analfabetismo são mais pronunciados e discriminadores,
os adventistas - e protestantes também – tendem a compreender as Escrituras
com maior apreciação pelo evangelho de justiça social (GREENLEAF, 2011,
p. 762).

Os pastores Walter Schubert e Alcides Campolongo, foram os responsáveis por


implementar uma mudança estratégica no evangelismo adventista. As ações humanitárias
teriam uma participação maior no testemunho adventista à sociedade latino-americana. O
espaço deste trabalho não permite detalhar as ações da ADRA8 em todos os países da América
Latina, mas os adventistas deram uma grande contribuição para diminuir o sofrimento e a
miséria dos povos de nosso continente. Nem sempre essas ações eram vistas como
evangelização por setores da Igreja, mas desde a nacionalização do adventismo essa se tornou
uma das características do trabalho na América Latina.

8
ADRA, Agência Adventista de Desenvolvimento de Recursos Assistenciais, é a instituição criada e mantida pela
Igreja Adventista para as ações de cunho social e beneficente.
26

1.3 A missão no Brasil

O adventismo no Brasil surgiu na mesma época e nos mesmos moldes do adventismo


nos demais países sul-americanos: imigração de adventistas ou simpatizantes vindos da Europa
(Rússia, Alemanha e Suíça), chegada de missionários de sustento próprio (colportores), vinda
de ministros ordenados (pastores), a implementação das primeiras instituições (escolas,
editoras, organizações administrativas e de assistência social) e, por fim, o processo de
nacionalização.

1.3.1 A MISSÃO E OS IMIGRANTES ADVENTISTAS EUROPEUS

Antes de enviar missionários para trabalhar na América do Sul e no Brasil, a Comissão


de Missões Estrangeiras havia incentivado a imigração de profissionais adventistas de sustento
próprio para a América Latina a fim de estudar o continente e enviar informações para a
comissão traçar planos de evangelização futuros. Em sua pesquisa sobre o início do adventismo
na América do Sul, Floyd Greenleaf indicou a imigração de adventistas do sul da Rússia para
Rio dos Cedros, Santa Catarina na década de 1880. Também registrou a vinda da família de
Friedrich Wilhelm Kümpel em 1892 para a localidade de Boa Vista do Guilherme, na cidade
de Lagoa dos Três Cantos, Rio Grande do Sul. Helena Kümpel teria sido batizada como
sabatista na Alemanha em 1866 (2011, p. 24). De acordo com os registros dos membros da
Igreja Adventista do Sétimo Dia de Boa Vista do Guilherme, a congregação teria sido fundada
em 28 de setembro de 1893 (COMUNIDADE, [2015]) sendo assim a primeira Igreja Adventista
do Brasil e anterior ao início do trabalho dos missionários adventistas no país.

Outra informação importante do início do adventismo no Brasil9 é o envio de


publicações adventistas em alemão para Carlos Dreefke em Brusque, Santa Catarina, por volta
de 1880 (GREENLEAF, 2011, p. 25). Ele não era adventista e não sabia a razão das
encomendas em seu nome que chegavam na venda de Davi Hort, um entreposto comercial da
região. A explicação mais popular entre os adventistas para o envio dessas literaturas seria uma
indicação do nome de Carlos Dreefke feita por seu sobrinho Borchardt a missionários

9
Para maiores detalhes do início do adventismo entre os imigrantes alemães de Santa Catarina, ver de Michelson
Borges, A Chegada do Adventismo no Brasil (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), p. 45-58.
27

adventistas alemães em sua viagem de retorno do Brasil para a Europa. Por diversos meios, as
revistas Stimme der Wahrheit [Voz da Verdade] circularam na região de Brusque e Gaspar Alto
chegando a cerca de 300 famílias de imigrantes alemães. A família de Guilherme Belz se
interessou pelo conteúdo das revistas e pelo estudo do livro Gedanken über das Buch Daniel,
tradução em alemão da obra Thoughts on Daniel [Reflexões sobre Daniel, posteriormente
publicado como Profecias de Daniel e Apocalipse], de Uriah Smith (PRESTES FILHO, 2006,
p. 71-72). A partir do estudo destas literaturas a família Belz passou a aceitar as doutrinas
adventistas e se tornaram os primeiros observadores do sábado10 convertidos no Brasil. Outras
famílias que também se interessaram nos ensinamentos adventistas na região de Brusque foram:
Olm, Look e Thrun (OLIVEIRA FILHO, 2004, p. 171).

1.3.2 A MISSÃO E OS COLPORTORES ADVENTISTAS

Conforme os imigrantes alemães interessados nas literaturas adventistas começam a


fazer contato com a editora dos livros e com a sua distribuidora – a Sociedade Internacional de
Tratados – a Associação Geral toma conhecimento das encomendas por mais literaturas e pelo
desejo de contato com missionários adventistas11. Assim, a Comissão da Missões Estrangeiras
envia a primeira equipe de colportores para a América do Sul, em 1891, com o objetivo de
trabalhar nas colônias de imigrantes de fala alemã e inglesa. O líder do grupo era E. W. Snyder
que conhecia apenas um pouco de alemão. Ele e C. A. Nowlen foram colportar junto à
comunidade anglófona do Rio de Janeiro logo depois que A. B. Stauffer, fluente em alemão,
começou a trabalhar, a partir de maio de 1893, nas comunidades de fala alemã no interior de
São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Rio Grande do Sul (VIEIRA, 1995, p. 132).

Durante sua permanência no Rio de Janeiro, E. W. Snyder apresentou o adventismo


para um jovem marinheiro alemão recém-convertido ao protestantismo em Liverpool. Albert
Bachmeyer foi preparado para ser um colportor adventista e enviado para trabalhar com A. B.
Stauffer nas colônias de fala germânica no interior de São Paulo (Piracicaba, Rio Claro e

10
Observadores do sábado era a expressão usada pelos adventistas em referência àqueles que haviam se convertido
à doutrina adventista.
11
Prestes Filho (2006, p. 72) menciona a publicação de uma carta de dois brasileiros de origem alemã, Friedrich
Dressel e Wilhelm Verwiebe, na Review and Herald de 06 de março de 1888, solicitando livros e a visita de algum
missionário adventista.
28

Indaiatuba). Em 1894, os dois colportores se dividem e A. Bachmeyer segue para trabalhar


entre os imigrantes alemães de Santa Catarina, onde encontrou as famílias que haviam recebido
as revistas adventistas na região de Brusque e Gaspar Alto (GREENLEAF, 2011, p. 33).

Para intensificar a missão adventista no Brasil, a Sociedade Internacional de tratados


enviou em julho de 1894, William Henry Thurston para abrir um entreposto de livros
adventistas que atendesse os pedidos da colportagem. Ele também deveria vender livros para
sua própria manutenção. Em 1895, outros dois colportores de origem germânica, os irmãos
Albert e J. Frederick Berger, iniciaram o trabalho nas colônias alemãs. Em 1896, A. Bachmeyer
e W. H. Thurston treinaram para a colportagem Guilherme Stein Jr, brasileiro de origem suíça
que havia sido batizado como adventista no ano anterior e seguiu para trabalhar nas colônias
inglesas em Santa Bárbara do Oeste e Americana (VIEIRA, 1995, p. 145-146).

A colportagem adventista no Brasil foi fundamental para a estratégia de missão


implementada pela Igreja no final do século XIX12. Praticamente todos os primeiros conversos
ao adventismo no Brasil resultaram do trabalho dos colportores. Os primeiros anos do século
XX, nos quais se iniciou o processo de implementação das instituições adventistas, trouxeram
uma maior diversificação do projeto missionário adventista no Brasil. Entretanto, a
colportagem adventista no Brasil continuou a desempenhar um papel importante e a crescer até
o período atual da Igreja, sendo o principal meio de divulgação da literatura adventista no país
durante o século XX.

1.3.3 A MISSÃO E OS MINISTROS ORDENADOS

Conforme o trabalho dos colportores avançava na linha de frente da missão adventista


no Brasil, W. H. Thurston recebia cada vez mais solicitações por parte dos colportores para que
um ministro ordenado continuasse o atendimento dos muitos interessados na mensagem
adventista. A condição de missionários de sustento próprio dos colportores lhes impunha que
não descuidassem das vendas de literatura para sua sobrevivência. Também necessitavam ter
maior mobilidade territorial para ir em busca de novos clientes, o que os impedia de dar atenção
mais próxima as necessidades de uma comunidade de conversos em qualquer lugar que fosse.

12
Para uma melhor compreensão da colportagem como estratégia de missão adventista, ver de Hélio Carnassale,
“O Papel das Publicações e dos Colportores na Inserção do Adventismo no Brasil”, Dissertação de
Mestrado/PPGCR/UMESP, 2015.
29

Mas acima de tudo, na estrutura da Igreja Adventista os colportores não eram ordenados ao
ministério evangélico, não gozando de autonomia para batizar e organizar Igrejas. Eles
iniciavam as pessoas ao adventismo, despertando o interesse e realizando estudos bíblicos, mas
desse ponto em diante, necessitavam da direção de um pastor ordenado para coordenar o
desenvolvimento da missão adventista. Essa combinação dos trabalhos do colportor e do pastor
foi utilizada em diversos campos missionários ao redor do mundo13.

Na mesma data em que W. H. Thurston foi enviado ao Brasil, seu cunhado e sua irmã
foram enviados para Buenos Aires pela Associação Geral como ministro ordenado e
superintendente da missão na América do Sul (GREENLEAF, 2011, p. 33). O pastor F. H.
Westphal foi o primeiro pastor adventista nomeado para estabelecer a missão adventista na
América do Sul. Depois de aproximadamente seis meses batizando novos conversos na
Argentina e organizando a missão naquele país, Westphal fez sua primeira viagem ao Brasil.
Do entreposto de livros de Thurston no Rio de Janeiro, ele parte na companhia do colportor A.
B. Stauffer para o interior de São Paulo (PRESTES FILHO, 2006, p. 73). Em abril de 1895,
Westphal realizou as primeiras cerimônias de batismo adventista no Brasil em Piracicaba, Rio
Claro e Indaiatuba. Os primeiros adventistas batizados no Brasil pertenciam às famílias Stein,
Meyer e Krähenbühl (VIEIRA, 1995, p. 137).

No primeiro semestre de 1895, Westphal refez o roteiro dos colportores pelo Brasil,
batizando e organizando Igrejas, com o maior número de conversos concentrado em Santa
Catarina. Ao terminar seu itinerário, retornou para Buenos Aires. Ainda neste ano, o alemão
Huldreich F. Graf, também ministro adventista ordenado, foi enviado para trabalhar
exclusivamente no Brasil. No ano seguinte, Frederic W. Spies, ministro ordenado, foi enviado
como missionário pela Associação Geral para trabalhar no Brasil. Esses missionários
conduziram ações de evangelização por meio de reuniões públicas com a pregação das
doutrinas adventistas e organizaram as primeiras Igrejas em solo brasileiro. No período dos
colportores, os relatórios do avanço da missão adventista no Brasil eram medidos pelo número
de literaturas vendidas e o número de interessados na mensagem adventista noticiado pelos
colportores à Comissão de Missões Estrangeiras. Agora, com a chegada dos primeiros ministros
ordenados, os relatórios sobre a missão adventista davam conta dos números de batismos
realizados. Ao organizarem Igrejas, os ministros nomeavam uma liderança leiga para conduzir

13
Floyd Greenleaf oferece uma interessante discussão sobre a interação missionária entre colportores e pastores
nos primórdios da missão adventista. Ver: Terra de Esperança – O Crescimento da Igreja Adventista na América
do Sul (2011), p. 36 a 39.
30

as atividades da Igreja local e seguiam em suas viagens para realizar séries de pregações em
novos lugares (GREENLEAF, 2011, p. 38).

Este método de trabalho dos ministros adventistas num país de dimensões continentais
como o Brasil, era a melhor opção disponível na estrutura missionária do adventismo naqueles
dias. Atualmente, ao iniciar missões transculturais esse método ainda é utilizado:

No Movimento de Plantio de Igrejas a primeira igreja ou igrejas podem ser


iniciadas por não-nativos, mas muito rapidamente o movimento muda dos
não-nativos para os nativos. Consequentemente, em um curto período, os
novos crentes virão a Cristo no Movimento de Plantio de Igrejas e poderão até
não saber que um estrangeiro esteve envolvido naquele trabalho. Aos seus
olhos o movimento parece, atua e é percebido como nacional. (GARRISON,
2004, p. 22, tradução nossa).

Pouco a pouco, a missão adventista incorporava o auxílio dos membros leigos para dar
suporte e potencializar a atuação dos escassos missionários no cenário brasileiro. Com a
presença dos ministros adventistas no país o próximo passo foi estabilizar a presença da
denominação por meio da abertura de escolas, editoras e escritórios administrativos, o que abriu
uma nova fase para a missão adventista no Brasil.

1.3.4 A MISSÃO E AS INSTITUIÇÕES ADVENTISTAS

Quando Joseph W. Westphal foi enviado à Argentina em 1901, para organizar a


administração adventista para a América do Sul (União-Missão Sul-Americana) em
substituição ao trabalho de seu irmão como superintendente da missão na América do Sul, a
missão adventista no Brasil era composta por 860 membros divididos em 15 Igrejas, 10 grupos,
5 escolas e 1 editora. Entre as regiões do Cone Sul, o trabalho no Brasil apresentava os maiores
resultados (GREENLEAF, 2011, p. 57 e 85).

Com a chegada do pastor H. F. Graf a missão adventista ganhou uma nova abordagem:
as escolas adventistas. Em 1o de julho de 1896, foi estabelecido o Colégio Internacional de
Curitiba (PR) com a ajuda dos membros leigos e sob a direção de Guilherme Stein Jr., a convite
de H. F. Graf. A escola iniciou suas atividades com seis alunos e encerrou o semestre com cerca
de 120 alunos. O Colégio Internacional de Curitiba foi pioneiro no uso do sistema fonético de
31

alfabetização do professor mineiro Felisberto Rodrigues Pereira e parece ter chamado muita
atenção da mídia curitibana da época. A escola chegou a ter mais de 400 alunos matriculados
por ano durante seus oito anos de existência (VIEIRA, 1995, p. 149).

No ano seguinte, o pastor Graf passa a direção da escola em Curitiba para Paulo
Krämer e convida Stein Jr. para estabelecer uma escola paroquial em Gaspar Alto, SC. As
escolas paroquiais tinham um propósito distinto da escola de Curitiba. A primeira fora
designada como um projeto missionário para buscar alunos não adventistas e, a partir daí,
evangelizar seus pais. A semana tinha seis dias letivos, iniciando na segunda-feira e terminando
no sábado, dia em que se oferecia apenas conteúdo religioso no mesmo formato litúrgico
utilizado na Igreja. Logo se estabeleceu uma Igreja Adventista em Curitiba como resultado do
trabalho da escola. Já no segundo modelo, nas escolas paroquiais, o objetivo era treinar novos
obreiros para trabalhar na missão adventista. Essas escolas forneceram novos colportores e
professores para apoiar o trabalho pioneiro no Brasil (GREENLEAF, 2011, p. 56).

Estas primeiras escolas tiveram vida curta e o primeiro projeto educacional adventista
no Brasil que resistiu ao tempo só seria estabelecido em São Paulo em 1915. Foi o Colégio
Adventista Brasileiro, em Itapecerica da Serra, que deu origem ao atual Centro Universitário
Adventista (UNASP) tri-campi.

Em 1903, começou a funcionar a segunda escola paroquial ou colégio missionário na


cidade de Taquari, RS. Novamente o pastor Graf convidou Stein Jr. para dirigir a nova
instituição. O professor Johannes Rudolf Berthold Lipke, que havia trabalhado desde 1897 nas
outras escolas adventistas brasileiras, substituiu Stein Jr. na direção do colégio de Taquari no
ano seguinte. O prédio havia sido um hotel e depois que o dono se converteu ao adventismo,
ofereceu a propriedade para a Igreja que a arrendou. Havia espaço suficiente para a escola e
para uma tipografia. O diretor Lipke conseguiu com uma editora adventista nos EUA a doação
de uma prensa e iniciou as atividades da casa publicadora no colégio de Taquari, ainda em 1904
(VIEIRA, 1995, p. 173).

Desde o início da missão adventista no Brasil, a grande maioria dos adventistas era
oriunda das comunidades alemãs espalhadas pelo país. Para se ter uma ideia, dos 860
adventistas em 1901, apenas 150 falavam português. Portanto, a literatura que a Igreja
Adventista já produzia em alemão era suficiente para a colportagem num primeiro momento,
apesar dos inúmeros pedidos feitos pelos missionários para que a Igreja produzisse material em
português. Stein Jr fez as primeiras traduções de literatura adventista para o português e foi o
32

primeiro editor de uma revista missionária em português, “O Arauto da Verdade”, publicada


no Rio de Janeiro em julho de 1900. Após o início da tipografia em Taquari, a editora se dividia
em duas partes: a redação no Sudeste e a oficina no Sul (VIEIRA, 1995, p. 177-178). A fusão
definitiva entre redação e oficina somente se daria a partir de 1907 com a aquisição da
propriedade “Tanque dos Alemães” na Estação São Bernardo (atual cidade de Santo André).

Em 1904 também chegou ao Brasil o médico adventista Abel Landers Gregory e sua
esposa para dirigir iniciativas missionárias na área de saúde. Além de acompanhar os pastores
nas pregações evangelísticas, apresentando temas sobre estilo de vida e nutrição, o doutor
Gregory também dirigia uma pequena clínica nas dependências do colégio de Taquari.

Uma vez que a missão adventista brasileira estava abrindo diversas frentes de trabalho,
fazia-se necessária a organização administrativa da missão. Assim, nos dias 10 a 20 de maio de
1902 foi organizada a Associação Brasileira dos Adventistas do Sétimo Dia na reunião geral
realizada em Gaspar Alto, na qual, H. F. Graf foi eleito presidente da nova instituição. Com o
crescimento da Igreja e das instituições em toda a América do Sul, no ano de 1906 foi
organizada a União Sul Americana em Buenos Aires e uma divisão da associação brasileira em
quatro escritórios administrativos:

 Associação Rio Grande do Sul (com sede em Taquari);


 Associação Santa Catarina e Paraná (com sede em Brusque);
 Missão São Paulo (com sede em Rio Claro);
 Missão Brasil Norte (com sede no Rio de Janeiro).

Com o tempo e o desenvolvimento da missão adventista no Brasil, toda a máquina


institucional também passaria por mudanças e desenvolvimento. No entanto, a base
institucional estava já estabelecida em meados da primeira década do século XX.

1.3.5 A MISSÃO E O PROCESSO DE NACIONALIZAÇÃO DO ADVENTISMO

O último grande estágio concluído da missão adventista no Brasil foi o processo de


nacionalização do adventismo brasileiro. É bem verdade que nas primeiras décadas da missão
adventista no Brasil a comunidade de imigrantes germânicos se constituía na melhor
oportunidade para os missionários adventistas. O adventismo era ainda muito jovem e num
estágio quase embrionário de organização em sua terra natal quando iniciou suas primeiras
33

experiências de missão. Havia se passado apenas uma década desde a organização da


Associação Geral dos Adventistas quando J. N. Andrews foi enviado para a Europa como
missionário e, em apenas mais duas décadas, os primeiros missionários adventistas chegaram à
América Latina e ao Brasil. Diversos aspectos fundamentais para o preparo de missionários
transculturais ainda não existiam na estrutura de missão formada pelos adventistas.

A opção natural da missão para a América do Sul foi buscar um contexto cultural mais
parecido com o contexto estadunidense e europeu. A questão linguística era o primeiro grande
obstáculo e a existência das colônias de imigrantes de fala alemã e inglesa na América do Sul,
formadas pela abertura da imigração por Dona Leopoldina aos alemães e pela vinda dos norte-
americanos confederados que perderam a Guerra Civil Americana (MENDONÇA E
VESLASQUES, 2002, p. 102), foram determinantes para o envio de missionários adventistas
de origem anglo-germânica. O segundo fator, também interligado ao linguístico, foi a expansão
do adventismo na Alemanha sob a liderança de Louis Richard Conradi, alemão convertido ao
adventismo nos EUA, que retornou como missionário para sua terra natal em 1886 (ESTATE,
2015). Ele e sua equipe se dedicaram a apresentar o adventismo às muitas comunidades
anabatistas sabatistas espalhadas pela Europa oriental, em sua grande maioria de origem
germânica (SCHUNEMANN, 2003, p. 29). O bom desempenho da missão adventista junto aos
alemães na Europa motivou a missão aos teuto-brasileiros. Um terceiro fator era a formação
religiosa dos imigrantes alemães, predominantemente protestante e com forte influência do
movimento Pietista. Os imigrantes estadunidenses também eram protestantes, com formação
puritana, arminiana e pietista (MENDONÇA E VESLASQUES, 2002, p. 109). O adventismo
recebeu estas mesmas influências em sua origem por intermédio da formação metodista de
vários de seus líderes, o que facilitava a apresentação da mensagem adventista a esses grupos.
Ainda sobre a formação religiosa, o aspecto pré-milenialista de boa parte desses grupos facilitou
a recepção dos missionários adventistas, também pré-milenialistas (MENDONÇA E
VESLASQUES, 2002, p. 137). Outro fator determinante para a missão adventista no Brasil foi
sua inserção em colônias agrícolas, o mesmo ambiente rural da formação do adventismo nos
EUA. E, finalmente, as colônias de imigrantes alemães se fixaram em regiões brasileiras de
clima mais parecido com o europeu e o estadunidense, o que auxiliava a adaptação dos
primeiros missionários14.

14
Para uma discussão mais ampla sobre a missão adventista entre os imigrantes alemães ver de Haller Elinar Stach
Schunemann, “A Inserção do Adventismo no Brasil através da Comunidade Alemã”, Revista de Estudos da
34

Apesar desse conjunto de fatores positivos para a missão adventista entre os


imigrantes alemães no Brasil, havia também os fatores negativos:

1. A população germânica era muito pequena em relação ao restante dos


brasileiros;
2. A localização das colônias alemãs não oferecia grande visibilidade ao
adventismo, pois estava distante dos principais centros brasileiros;
3. A forte presença étnica do adventismo oferecia o risco do segregacionismo;
4. A oposição e perseguição aos alemães durante a era Vargas e sua potencialização
na Segunda Guerra Mundial.

Os primeiros missionários adventistas no Brasil perceberam cedo estes aspectos e


insistiram diversas vezes com a Comissão de Missões Estrangeiras para providenciar literatura
em português brasileiro, professores que pudessem lecionar nas escolas adventistas em
português e tradutores para acompanhar os pastores nas pregações aos brasileiros15.

Nesse sentido, as habilidades do primeiro adventista batizado no Brasil foram muito


importantes para apoiar a missão adventista em seus primeiros dias e para oferecer uma visão
dos benefícios da nacionalização da missão no Brasil. Antes de ser batizado, Guilherme Stein
Jr., tendo tido acesso aos livros adventistas pelo trabalho dos colportores, fez sua própria
tradução do inglês para o português de “Steps to Christ” [Vereda de Cristo, na edição atual

Religião/PUCSP, No.1/2003, p. 27-40. Sobre os imigrantes norte-americanos ver de Antônio Gouvêa Mendonça
e Prócoro Velasques Filho, “Introdução ao Protestantismo no Brasil”, 2002, p. 81-109.
15
A revisão bibliográfica sobre a inserção do adventismo no Brasil apresenta inúmeras menções da necessidade
de ferramentas e metodologias eficazes para atingir a população falante do português. Seguem alguns exemplos
dessas solicitações:
“Com o reconhecimento apenas casual dos tempos revolucionários, Stauffer expressou quais eram suas maiores
preocupações em relação ao Brasil. O mais importante, em sua opinião, era a necessidade de literatura em língua
portuguesa e de obreiros falantes do alemão, inclusive um pastor”. (GREENLEAF, 2011, p. 33).
“Já estavam começando a formar obreiros, mas os líderes da Igreja Adventista no Brasil ainda estavam
insatisfeitos. Thurston, num pronunciamento antes da Assembleia da Associação Geral em 1901, tentou inspirar
os líderes da Igreja com a possibilidade de educar obreiros em Portugal para trabalhar nas escolas brasileiras.
Stauffer, por sua vez, suscitava com persistência o problema linguístico, enfatizando que o Brasil era um país de
língua portuguesa, não alemã, e que era necessário fazer planos para instruir ‘brasileiros nativos”. (GREENLEAF,
2011, p. 57).
“F. W. Spies estava a menos de dois anos no país e anunciou em 1898 que um periódico e uma coletânea de hinos
em português estavam sendo produzidos. Mas o progresso foi lento. Quase dois anos depois, Thurston declarou
que a publicação ainda estava por vir”. (GREENLEAF, 2011, p 72).
“Não temos folhetos nem periódicos em português, de fato nada, para entregar para o povo ler. E eles têm medo
da Bíblia. Mas já estamos preparando os manuscritos para o primeiro número de nosso periódico em português,
planejado já de há muito. Mas mesmo quando tivermos a matéria preparada para o prelo, não sabemos quanto
teremos de esperar antes de podermos imprimir a primeira edição, pois nossos recursos financeiros são escassos”.
(VIEIRA, 1995, p. 164).
35

Caminho a Cristo]. Sua fluência em português, alemão e inglês foram extremamente úteis em
sua posterior função como editor na casa publicadora adventista (VIEIRA, 1995, p.188).

Outro exemplo pictográfico do potencial dos obreiros nacionais para a missão no


Brasil foi o desempenho do primeiro pastor adventista brasileiro, José Amador dos Reis.
Ordenado ao ministério no Rio Grande do Sul em 1920, após alguns anos de experiência como
colportor, obreiro bíblico e ministro licenciado, Amador dos Reis obteve grande sucesso como
evangelista, tanto no Rio Grande do Sul como em São Paulo. Ele tornou a Igreja que ele mesmo
iniciou em Santa Maria/RS numa das “maiores e mais ativas do estado” em apenas cinco anos
(SCHMIDT, 1980, p. 73). Em 1926, já na capital paulista, realizou “uma das campanhas de
evangelização mais produtivas de sua carreira” e “foi consultado sobre a possibilidade de
aceitar a presidência da Associação Paulista” em meados de 1928 (SCHMIDT, 1980, p. 84 e
118).

Um último exemplo do potencial dos obreiros nacionais neste período inicial da


missão adventista foi Luiz Waldvogel. Formado em 1922 na primeira turma do então Seminário
Adventista em São Paulo, juntamente com sua noiva, Isolina Avelino, o futuro casal Waldvogel
dedicou sua vida ministerial ao trabalho na missão adventista como redatores da Casa
Publicadora Brasileira na Estação São Bernardo, atual Santo André (WALDVOGEL, 1986, p.
75). Ele aprendeu inglês no seminário e tinha condições de interagir muito bem com os
missionários estadunidenses que administravam a missão adventista no Brasil.

Esses primeiros obreiros nacionais deram subsídios para a visão de autossuficiência


financeira e humana que o novo presidente da Divisão Sul Americana, Carlyle B. Haynes, eleito
na assembleia da Associação Geral de 1926, implementou na missão adventista:

Acima de qualquer outra necessidade, a que mais me impressiona, além do


gracioso dom do Espírito de Deus, é uma mudança de mentalidade que
capacitará todos nós neste continente a parar de nos voltar a América do Norte
em busca de mais auxílio financeiro e de mais obreiros, a fim de começarmos
a desenvolver nossos próprios recursos financeiros e pessoais sul-americanos.
Enquanto continuarmos esperando que a América do Norte supra todas as
nossas necessidades, estou convencido de que não faremos justiça plena às
possibilidades ilimitadas deste continente. Sei também que permaneceremos
cegos à riqueza dos recursos sul-americanos e nossas mãos estarão
enfraquecidas para desenvolvê-los, até que nosso ponto de vista mude e
comecemos a acreditar que somos capazes de suprir muitas, senão a maioria,
de nossas necessidades humanas e financeiras com aquilo que temos dentro
do território de nossa Divisão. (HAYNES, 1927, p. 1-2).
36

Durante sua gestão à frente da Divisão Sul Americana (DAS), Haynes procurou
infundir no espírito dos sul-americanos essa visão de autossuficiência. Ele retornou aos EUA
em março de 1930 e apresentou um relatório em que admitia um sucesso parcial sobre o
desenvolvimento financeiro e humano na DSA. Foi substituído nessa ocasião por Nelson P.
Neilsen, mas deixou um legado de mudança na mentalidade dos obreiros e missionários
adventistas que trabalhavam aqui (GREENLEAF, 2011, p. 295). O primeiro presidente sul
americano da DSA foi o brasileiro Enoch de Oliveira, eleito em 1975 em lugar do último
missionário estrangeiro a presidir os trabalhos da Igreja Adventista em solo sul-americano
(GREENLEAF, 2011, p. 541). No ano seguinte, a sede da DSA passou a funcionar em Brasília,
depois de ter sido sediada em Buenos Aires e Montevidéu por 60 anos.

O Colégio Adventista Brasileiro também contribuiu para o processo de nacionalização


do adventismo formando dezenas de obreiros todos os anos desde 1922. A cada ano as famílias
adventistas mandavam seus filhos para as escolas adventistas para receberem educação segundo
os princípios adventistas e para se preparar para trabalhar na Igreja como pastores, professores,
enfermeiros, jornalistas, contabilistas e outras demandas mais.

Com a inserção de um número cada vez maior de obreiros nacionais na missão


adventista, outro tipo de nacionalização aconteceu. O adventismo criava caminhos para
apresentar sua mensagem aos brasileiros falantes do português, deixando de ser uma religião
de “estrangeiros”. Conforme mais e mais brasileiros aderiam ao adventismo, a configuração da
Igreja mudava. Assim, a missão adventista no Brasil alcançava o final de um ciclo iniciado 80
anos antes.

1.4 A missão em São Paulo

O primeiro batismo adventista no Brasil ocorreu em Piracicaba, São Paulo, em abril


de 1895, ministrado pelo pastor F. H. Westphal à Guilherme Stein Jr. Foi certamente um marco
para a história do adventismo no Brasil e também para São Paulo. Na sequência, foram
batizadas outras quatro pessoas em Piracicaba, Guilherme e Paulina Meyer em Rio Claro e os
pais e irmãos de Guilherme Stein Jr em Indaiatuba (VIEIRA, 1995, p. 137). No total, o pastor
Westphal batizou quinze pessoas em sua primeira visita à São Paulo em abril de 1895.
37

Uma vez que durante os primeiros anos a missão adventista no Brasil se concentrou
entre os imigrantes alemães, principalmente na região sul do país, o retorno dos missionários a
São Paulo demorou. O pastor Spies realizou duas cerimonias de batismo, a primeira em Santos
(em 1900) com seis participantes e a segunda em Itararé (em 1903) com sete participantes. A
primeira cerimônia de batismo adventista na capital só ocorreria em 10 de agosto de 1912, com
a participação de quatro pessoas, dezessete anos após o primeiro batismo no interior (IGREJA
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2006, p. 20). A dinâmica da missão adventista no Brasil
em seus primórdios se constituía pelo trabalho entre os imigrantes e a busca por oportunidades
de trabalho junto aos nativos falantes do português. Um traço característico do adventismo
paulistano, uma vez que não ocorreu em nenhum outro lugar do país, foi um retorno à missão
entre novos imigrantes durante a segunda metade do século XX, uma vez que imigrantes de
diversas etnias chegaram também à capital paulista.

1.4.1 ADVENTISMO PAULISTANO16 ENTRE IMIGRANTES

Em 1906, foi organizada a missão Paulista composta pelas Igrejas de Rio Claro, Santos
e Itararé, num total de 22 membros em todo o estado. O primeiro presidente e único pastor
ordenado para o estado foi Emilio Hoelzle. Esse fato, aliado à mudança da pequena editora
adventista de Taquari/RS para São Bernardo/SP (localidade que depois passou a se chamar
Santo André) no ano de 1908, fez com que o Estado de São Paulo passasse a contribuir
significativamente para a missão adventista no Brasil por sua localização privilegiada no
Sudeste, a infraestrutura de portos e ferrovias e a percepção dos missionários de que a cidade
de São Paulo do início do século vinte estava se tornando um grande centro urbano (SPIES,
1908, p. 2-3). Ainda nesse ano, foi organizada a Igreja Adventista em São Bernardo com 14
membros (HOELZLE, 1908, p.7). A propriedade adquirida na Estação São Bernardo era
conhecida por “Chácara do Tanque” ou “Tanque dos Alemães”, pois o córrego que cruzava o
sítio formava uma pequena represa ou tanque e os proprietários anteriores eram de origem
germânica (WALDVOGEL, 1986, p. 139).

16
A expressão adventismo paulistano será utilizada neste trabalho em referência ao desenvolvimento do projeto
missionário adventista na cidade de São Paulo e, mais especificamente, aos aspectos desse projeto missionário
entre os grupos étnicos da cidade. Nunca o uso dessa expressão terá um caráter generalista que engloba cada
congregação adventista e/ ou membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Nas considerações finais da pesquisa
há uma indicação para novas pesquisas com recortes definidos em outras aspectos da missão adventista que
certamente contribuirão para uma leitura mais completa do adventismo paulistano.
38

Desde o início da missão adventista em São Paulo, os missionários também


trabalharam entre as colônias de fala inglesa e alemã. Guilherme Stein Jr. era de origem suíço-
alemã. Os batismos de Rio Claro e Indaiatuba foram de pessoas ligadas a ele e sua a família,
todos de origem germânica – famílias Krähenbühl e Meyer (VIEIRA, 1995, p. 137). A
colportagem, como vimos era realizada com livros em inglês e alemão. Havia diversas colônias
germânicas em SP, tanto na capital como no interior. Os primeiros imigrantes chegaram via
porto de Santos e estabeleceram a Colônia de São Paulo, ao sul da cidade, na região de Santo
Amaro e Itapecerica da Serra. Os demais foram levados para Rio Claro e para as plantações de
café no interior do estado (SOLIZ, 2004). Aliás, existe uma diferença entre os projetos
migratórios dos alemães no Brasil. A região sul necessitava de ocupação e fixação de colonos
na terra. Já no Estado de São Paulo, a carência era por mão de obra para as lavouras de café no
interior. Como aconteceu com outras etnias de imigrantes, aqueles indivíduos que possuíam
mão de obra especializada e os que enfrentaram alguma dificuldade em relação ao trabalho nas
fazendas, buscaram estabelecer-se na cidade de São Paulo (WEICHERT, 2009).

A primeira Igreja Adventista na cidade de São Paulo foi fundada em 17 de janeiro de


1915 e contava com 25 membros batizados. Foi estabelecida no bairro de Santo Amaro, região
com uma grande colônia de alemães, pelo pastor Lipke. Neste mesmo ano foi fundada a
primeira escola adventista em São Paulo, em Itapecerica da Serra, também uma região de
imigrantes germânicos. Pode-se notar que a inserção do adventismo em São Paulo também se
deu entre as colônias de imigrantes. Na Revista Mensal de maio de 1914, o pastor Lipke
escreveu sobre as reuniões adventistas que ele dirigiu junto com os irmãos Reidt, Wuertz e Hoy
em Santo Amaro, das quais resultaram 20 pessoas batizadas (p. 2-4). Ele não mencionou os
nomes ou a origem étnica desses primeiros conversos, mas afirmou que um deles havia sido
protestante e os demais católicos. Possivelmente eram de origem germânica, pois era mais fácil
para os missionários de origem alemã trabalhar com esse grupo, mesmo sendo de origem
católica ao invés de luterana.

Os imigrantes se constituíam numa parte muito significativa da população de São


Paulo na virada do século XIX para o século XX. Neste período, a cidade era uma das que mais
recebia imigrantes no mundo. Michael Hall nos apresenta essa realidade em números:

Em 1893, os estrangeiros já formavam a maioria da população na Capital,


54,6%, e sua predominância provavelmente cresceu por mais alguns anos. Em
1920, após vários anos de imigração reduzida, a porcentagem de estrangeiros
na Cidade ainda atingiu 35%, igual a nova York na época, embora
possivelmente menor do que a percentagem em Buenos Aires (49% de
estrangeiros em 1914). De fato, naquele ano, entre a população acima de
39

quinze anos, os estrangeiros na Capital (188.045) eram mais numerosos do


que os brasileiros (186.077). Mesmo em 1934, quando os imigrantes
formavam 28% da população total, o recenseamento revelou um dado
impressionante: 67% dos paulistanos eram ou estrangeiros ou filhos de
estrangeiros. Embora a imigração prosseguisse em ritmo reduzido, a
porcentagem de estrangeiros ainda atinge 22% da população em 1940 e 14%
em 1950. (Hall, 2004, p. 121).

Visto dessa maneira, um projeto adventista de missão em São Paulo deveria levar em
conta os imigrantes e, embora buscasse oportunidades entre os brasileiros nativos, também usou
de sua condição de imigrante para trabalhar com essa parcela da população. Ainda no ano de
1915, o pastor Lipke deu continuidade ao trabalho do pastor Suessmann em fundar uma segunda
Igreja na cidade de São Paulo, na região central. Além do trabalho com brasileiros, havia
reuniões com imigrantes alemães e outras reuniões com imigrantes húngaros17 (SCHMIDT,
1980, p. 85). Esses grupos de imigrantes permaneceram ligados à Igreja brasileira na região
central da cidade durante algumas décadas. Analisando os relatos sobre o trabalho dos
missionários adventistas em São Paulo nas primeiras duas décadas do século XX, percebe-se
que o adventismo paulistano também era de missão com imigrantes em seu início. Ao mesmo
tempo, os missionários adventistas também direcionavam seus esforços em alcançar nativos
com a pregação adventista.

1.4.2 ADVENTISMO PAULISTANO ENTRE NATIVOS

Em sua análise do protestantismo no Brasil18, Mendonça e Velasques Filho, afirmaram


a necessidade de um processo de nacionalização dos projetos missionários protestantes como
elemento decisivo no crescimento das Igrejas:

17
Por ocasião da inauguração do edifício da Igreja adventista Central Paulistana, em 1929, o pastor Westcott
apresentou um histórico da Igreja desde o início da missão adventista na cidade de São Paulo em 1910. O texto foi
publicado em setembro de 1929 na Revista Mensal. No histórico são mencionados os grupos de adventistas
alemães e húngaros que faziam parte da Igreja Central Paulistana. Os serviços de culto em alemão aconteceram
até meados dos anos de 1980, conforme livro de atas da Associação Paulistana da IASD.
18
Em seu livro Introdução do Protestantismo no Brasil, os autores analisam os diversos elementos presentes na
inserção dos protestantismos de missão e de imigração no país. Por uma questão de ponto de vista pessoal quanto
ao caráter do adventismo, “pelo distanciamento que apresentam em relação ao protestantismo”, os pesquisadores
propõem que o adventismo seja “excluído de qualquer estudo que tenha por objetivo o cristianismo reformado
enquanto tal” (MENDONÇA; VASQUES FILHO, 2002, p. 22), essa premissa se aplica a alguns outros grupos
religiosos também. Em função de sua opção, nenhuma análise da inserção do adventismo no Brasil é oferecida aos
demais pesquisadores, muito embora o contexto da chegada do adventismo seja bem similar ao das demais Igrejas
Protestantes de Missão e possa contribuir de alguma forma na compreensão desse fenômeno religioso.
40

Diante dessa análise parece ser válida a hipótese de que a maior integração de
um segmento religioso ao campo pode facilitar seu crescimento, ou ao menos
manter seu volume relativo, ao passo que a menor integração pode inibir o
crescimento ou até provocar tendência à diminuição. (MENDONÇA;
VASQUES FILHO, 2002, p. 25).

Essa era a mesma percepção que os missionários adventistas tinham a respeito da


inserção do adventismo em nosso país. Uma vez que os missionários adventistas estrangeiros
falantes do português eram inexistentes, a segunda geração de imigrantes conversos ao
adventismo, os filhos nascidos no Brasil, seriam fundamentais como obreiros adventistas na
missão aos nativos. Algumas escolas adventistas foram estabelecidas com o objetivo de inspirar
esses filhos a trabalharem na missão adventista. A colportagem recebeu os primeiros brasileiros
como missionários adventistas que podiam trabalhar com nativos do Brasil.

O colportor Henrique Simão iniciou a venda de literatura adventista em língua


portuguesa na cidade de São Paulo em 1910 (REDAÇÃO, 1910, p.5). Depois de trabalhar
algum tempo nessa cidade, transferiu-se para o interior do Estado, retornando mais tarde para
a capital. Ele foi o precursor do trabalho que o pastor Ricardo Suessmann iniciaria em sua
própria casa no ano seguinte, à Rua Maria Marcolina no Brás, e que resultaria na formação da
Igreja Adventista Central Paulistana. Por essa época, a cidade de São Paulo estava
experimentando um período de grande crescimento e percorrendo caminhos em busca da
consolidação como o grande centro urbano do Hemisfério Sul. Paula Porta, historiadora de São
Paulo, descreve a cidade neste período da seguinte forma:

A esta altura da história brasileira, que ninguém duvide: a Cidade de São Paulo
é, e analisada de qualquer ponto de vista, um fenômeno. Em 1872, quando o
Brasil comemorava seu primeiro meio século como país independente, São
Paulo era a 11a. Cidade brasileira. Menor que Recife, Salvador e Rio de
Janeiro, e também que Teresina. Em 1920, quando o Brasil já era República,
São Paulo havia se transformado na segunda maior cidade do país, com seu
meio milhão de habitantes. Maior, só mesmo o Rio de Janeiro, a Capital
Federal. Mas a incipiente indústria estava concentrada em São Paulo, que
oferecia aos olhos pasmos de seus visitantes e moradores os primeiros
edifícios que subiam de maneira terrivelmente ousada rumo ao infinito, e
mereciam, por isso mesmo, o nome de ‘arranha-céu’. Desde então, a Cidade
não parou de crescer, em todos os sentidos e direções. (...). Porque assim a
Cidade se construiu, assim se transformou na maior metrópole sul-americana,
em seu principal centro financeiro e industrial, e numa dos maiores
conglomerados humanos de todo o Planeta: como espaço de encontro e
mescla, como ponto de chegada e polo irradiador. (PORTA, 2004, p. 5).
41

A historiografia tradicional periodiza a história brasileira como segue: Brasil Pré-


Colonial ou Pré-Cabralino, Colonial, Imperial e Republicano. Embora existam críticas a essa
divisão clássica da história do Brasil19, ela é a forma didática mais utilizada para organizar os
acontecimentos históricos brasileiros20. A chegada do adventismo no Brasil e em São Paulo
corresponde ao último período. A chegada da República testemunha o período de grandes
transformações da cidade de São Paulo. A inserção do Estado de São Paulo no ciclo canavieiro,
como grande exportador de açúcar, abriria caminho para que se tornasse em seguida o maior
produtor de café do país – mudando o eixo econômico do Nordeste para o Sudeste. Na esteira
do crescimento econômico, vieram as ferrovias, as imigrações para mão de obra nas fazendas
paulistas e o desenvolvimento da cidade que ficava no caminho entre a produção no interior e
a exportação no litoral. No início do século XX, uma indústria voltada para o mercado
cafeicultor surgiu em São Paulo e impulsionou ainda mais o desenvolvimento da cidade.

Observando esse fenômeno, os missionários adventistas também mudaram o eixo


propagador do adventismo do Sul para o Sudeste. Em 1908 uniram a redação e a gráfica da
denominação na Estação São Bernardo para que pudessem estar próximos do sistema
ferroviário e melhorassem a agilidade na distribuição de livros e revistas para os assinantes e
colportores que as vendiam no restante do país. Em 1915 surgiram as duas primeiras Igrejas na
cidade de São Paulo e a abertura do novo Colégio Adventista Brasileiro, em Itapecerica da
Serra, que iria formar os missionários nativos do Brasil pelos próximos 75 anos.

Para compreender o desenvolvimento da missão adventista em São Paulo, vamos


utilizar a divisão histórica proposta por Suely Robles Reis Queiroz em seu texto, Política e
Poder Público na Cidade de São Paulo: 1889-1954 (2004, p. 15-51), que ajuda a visualizar a
influência da cidade na missão adventista.

Uma cidade em ebulição (1889 a 1898). Este período corresponde à chegada dos
primeiros missionários adventistas à América do Sul. Os primeiros adventistas conversos e
batizados no país em 1895 eram do interior paulista. A cidade de São Paulo só viria receber
missionários adventistas em 1910. No entanto, o desenvolvimento da cidade em diversos

19
Este sistema deixa de lado fatores sociais, econômicos e eclesiásticos em detrimento da análise política. Também
lhe falta a criticidade em relação aos diversos atores políticos e suas relações na sociedade brasileira. O Dicionário
de Conceitos Históricos (SILVA, 2012) no verbete Oligarquia, apresenta a “relação de influência e dependência
mútua entre elite e estrutura social, não apenas afirmando que a elite domina a sociedade, mas que também é
determinada por ela”. Esses conceitos baseados nos estudos dos cientistas sociais Mosca e Paretos, revelam atores
que são representantes da economia, da igreja, e da sociedade atuando na dinâmica da história brasileira.
20
Para uma discussão deste uso ver: Luis Fernando Cerri, Ensino de História e Concepções Historiográficas,
Revista Espaço Plural, Ano X, Número 20, 1 o semestre de 2009, p. 149-154.
42

setores seria central para chamar a atenção dos missionários que precisavam se locomover entre
as colônias de imigrantes alemães nos estados do Sul e em Minas Gerais e no Espírito Santo.
De São Paulo partem estradas e ferrovias para o restante do país e por aqui também chegavam
os imigrantes que viriam trabalhar nas lavouras de café. Italianos, espanhóis, portugueses, sírios
e outros provocariam o cosmopolitismo étnico da capital paulista:

São Paulo não é uma cidade brasileira de 450.000 habitantes, mas uma cidade
italiana de aproximadamente 100.000, uma portuguesa de talvez 40.000, uma
espanhola de igual tamanho e uma pequena cidade (Kleinstadt) alemã de mais
ou menos 10.000 habitantes, com poucas de suas vantagens, mas muitas de
suas desvantagens. Há ainda uns 5.000 sírios, que sozinhos possuem três
jornais impressos em caracteres arábicos, alguns mil franceses, russos,
japoneses, poloneses turcos ainda ingleses escandinavos, americanos em
número desconhecido por falta de uma estatística fidedigna. O resto,
provavelmente um terço do total, devia ser de brasileiros. (WARTEGG, 1915,
p. 149 apud PETRONE, 1955, p. 135-136).

A educação ganhou novo folego na cidade com a criação da Escola Politécnica em


1893 com o objetivo de formar engenheiros que seriam fundamentais para a expansão e o
desenvolvimento da cidade (QUEIROZ, 2004, p. 22). As transformações arquitetônicas da
cidade também começam a acontecer com a abertura de novas vias públicas como a avenida
Paulista em 1891 e o surgimento de novos bairros:

Se esta, até os anos 70 do século XIX, ocupava quase a mesma área dos
tempos coloniais, a partir de então se expande em todas as direções,
notadamente a Oeste, Leste e Sul, através do retalhamento das chácaras que
circundavam o perímetro urbano e que, divididas em lotes, rapidamente se
transformam em bairros (QUEIROZ, 2004, p. 23).
A prosperidade econômica, o desenvolvimento dos meios de comunicação e o
crescimento das funções urbanas eram símbolos do progresso republicano e chamariam a
atenção de qualquer pessoa que chegasse a cidade de São Paulo nesse período. Foi assim com
os missionários adventistas que passaram por aqui.

O município entre greves, uma guerra e duas revoluções (1899 a 1932). Esse foi um
período tumultuado na história da cidade. Enquanto o desenvolvimento econômico
impulsionava o crescimento da cidade, fatores internos e externos trouxeram alguma
turbulência. A cidade continuava a crescer mesmo com a decadência do café, pois a indústria
foi se apresentando como alternativa econômica para São Paulo. Com o desenvolvimento
industrial surgiu o proletariado urbano e os problemas relacionados à exploração dos
trabalhadores. Longas jornadas de trabalho, mulheres e crianças sendo utilizadas como mão de
obra com renda inferior àquela dos trabalhadores homens deram início aos movimentos
43

grevistas e entre os dias 12 e 18 de julho de 1917, aconteceu a grande greve geral em São Paulo.
A Primeira Guerra Mundial trouxe a diminuição das imigrações e algum impacto na economia
em função da crise financeira do pós-guerra. As relações de poder no início da República
também geraram crises com a Revolução de 1924 e de 1932.

A missão adventista em São Paulo teve nesse período seu desenvolvimento e


expansão. Séries evangelísticas foram realizadas na capital e os primeiros conversos na cidade
foram batizados. Surgiram as primeiras congregações, algumas com sede própria e outras em
salões alugados. Como a pregação adventista tem uma ênfase escatológica, havia uma certa
tensão entre o breve retorno de Jesus Cristo e a necessidade de se construir Igrejas e investir
em instituições. No entanto, os missionários adventistas em São Paulo se dedicaram a fortalecer
a missão através da expansão patrimonial de Igrejas, escolas, editoras e hospitais (IGREJA
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2006, p. 42). Até o final da década de 1920, haviam sido
construídas seis Igrejas no estado de São Paulo sendo que duas delas na capital. Em 1929, foi
inaugurada a Igreja Central Paulistana, na rua Taguá, número 88, e a sede da agora Associação
Paulista foi transferida de Rio Claro para o mesmo prédio (IGREJA ADVENTISTA DO
SÉTIMO DIA, 2006, p. 44). O novo templo contava com 550 lugares e era a maior Igreja
adventista do Brasil. Nesta época, o Estado de São Paulo respondia por quase metade dos
batismos adventistas no país e a capital representava aproximadamente 40% dos adventistas no
Estado.

Com o crescimento de membros e Igrejas no país e as dificuldades econômicas da


Igreja adventista nos EUA durante a Grande Depressão, o número de missionários adventistas
estrangeiros e o orçamento para as missões estrangeiras estavam sendo reduzidos e se tornavam
insuficientes para acompanhar as necessidades da missão adventista no Brasil e em São Paulo.
O Colégio Adventista Brasileiro, em funcionamento desde 1915, começava a formar os
primeiros obreiros nacionais que ajudariam a missão adventista em São Paulo e no Brasil. A
construção de Igrejas e o preparo de novos obreiros nacionais eram os grandes objetivos desta
fase da Igreja. Mas antes do final da crise econômica, duas crises político-militares tiveram
lugar: as revoluções de 1924 e de 1932. A última foi mais longa e trouxe alguns reveses para
os missionários adventistas em São Paulo durante os três meses em que perdurou. Os
funcionários da editora adventista na Estação de São Bernardo prepararam uma versão especial
do livro Vereda de Cristo para ser distribuída aos soldados e voluntários da Revolução
(WALDOGEL, 1986, p. 119). Foram anos de expansão da missão adventista na cidade de São
Paulo.
44

Esvaziamento do poder: São Paulo entre 1933 e 1945. Com a derrota de São Paulo na
Revolução, a participação dos cafeicultores no cenário político nacional chegou ao fim. Com
os incentivos do governo federal de Getúlio Vargas, a indústria paulista deu um novo e grande
passo se tornando a propulsora da economia paulista. A cidade continuou a crescer, mas com
uma mudança em sua população. A imigração caiu ano após ano nesse período e a migração
interna, principalmente do Nordeste brasileiro, formaram a nova classe trabalhadora da capital.
As informações sobre a composição da população brasileira no final da década de 1940 haviam
mudado bastante. Os imigrantes somavam 627.433, enquanto os migrantes totalizavam
1.080.488. A cidade se expandiu grandemente para as zonas leste e sul com os bairros
periféricos sendo ocupados pelo operariado paulista. Outra consequência das ações de Vargas
no Estado Novo foi a centralização do poder federal e a desarticulação do poder municipal. De
1930 a 1934, São Paulo teve dez prefeitos (QUEIROZ, 2004, p. 44).

Em 1936, o pastor adventista brasileiro, Rodolpho Belz, foi eleito presidente da


Associação Paulista. Era o início da nacionalização da missão adventista em São Paulo. Durante
décadas os missionários estadunidenses lideravam a missão adventista no Brasil. Agora chegara
o tempo em que os missionários nacionais conduziriam o trabalho. Belz foi progressista em sua
administração. A missão adventista avançava em número de membros e de instituições. Mais
Igrejas foram construídas, outras foram reformadas, a fábrica de alimentos Superbom foi
inaugurada na capital, o Hospital Adventista de São Paulo foi inaugurado e as Igrejas do Estado
foram organizadas em distritos pastorais para organizar o atendimento pastoral. Com isso, as
finanças da Igreja cresceram e a Associação Paulista passou a ser estratégica no financiamento
da missão adventista em toda a América do Sul (IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA,
2006, p.47). Para atender o crescimento da Igreja o Colégio Adventista Brasileiro formou 189
estudantes no período de 1922 a 1948. O número de adventista no Estado de São Paulo passava
dos 3.000 e a maior parte deles estava na capital. O início do evangelismo adventista no rádio
e o relacionamento com a imprensa secular foram oportunidades de diálogo e inserção social
da missão adventista em São Paulo. O segundo presidente brasileiro da missão adventista em
São Paulo foi Germano Ritter, que também acelerou o processo de expansão institucional
durante os anos de 1940. A missão adventista paulistana sai desse período com sólidas
instituições, bom número de fiéis e pronta para um novo período de crescimento (IGREJA
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2006, p. 51).

A caminho da megalópole (1946 a 1954). Com o fim do Estado Novo e a Segunda


Guerra Mundial, as possibilidades de fortalecimento do governo municipal apontaram novos
45

rumos para São Paulo. Foi um período de consolidação da cidade no panorama nacional. A
indústria continuava a crescer e a desenvolver-se, principalmente com a mudança de indústria
leve para pesada, que trouxe um impulso econômico muito grande para a cidade. As 14.225
fábricas e 272.865 operários em 1940 passaram para 24.519 fábricas e 484.844 empregados no
setor em 1950. Era sem dúvida um período de consolidação. A imigração havia encerrado seu
ciclo maior com o início da Segunda Guerra Mundial e a migração dos trabalhadores nacionais
ofereceu a mão de obra necessária para a indústria paulistana, bem como mudou o quadro social
da cidade tornando suas relações muito mais diversas e complexas. A luta de classes, o
surgimento das periferias e favelas e o preconceito racial são algumas dessas novas relações.
As mudanças arquitetônicas também se deram rapidamente, assim como o desenvolvimento da
vida cultural da cidade. (QUEIROZ, 2004, p. 47-49).

Nesse período, a missão adventista também alcançou sua consolidação na cidade de


São Paulo. Conforme os bairros para o operariado foram surgindo na capital, com preços
acessíveis, a Igreja adquiriu lotes e construiu grandes Igrejas, mais de 50 nesse período. Apesar
da missão não tomar parte ativa nas questões trabalhistas e raciais ocorridas nesse período, o
trabalho assistencial da Igreja se desenvolveu nesse momento. Ações na área de prevenção
como cursos antitabagistas, clínicas móveis que atendiam as populações da periferia e o custeio
de uma lancha assistencial no Vale do Ribeira, foram promovidas pela missão adventista da
capital. Novos métodos de evangelismo foram desenvolvidos nessa época adaptando-se à nova
mentalidade da São Paulo cosmopolita. O pastor Walter Schubert dirigiu um novo modelo de
reuniões públicas que se distanciavam do formato regular de culto da denominação,
contextualizando o formato de palestras sem termos igrejeiros, novo estilo musical, conteúdos
diversos como temas sobre família, saúde, trabalho, que eram mais interessantes ao paulistano
típico.

Os missionários nacionais já eram em número suficiente para atender as demandas do


projeto missionário adventista na cidade e o número de membros crescia em proporções muito
maiores. No Estado de São Paulo, a missão adventista precisou de 42 anos para atingir cinco
mil membros (1906-1948) e apenas oito anos para atingir outros cinco mil. Definitivamente, a
Igreja Adventista no final desse período havia atingido a nacionalização. Mais do que isso,
surgia um adventismo paulistano, bem mais plural do que no restante do país.
46

1.4.3 ADVENTISMO PAULISTANO ENTRE NOVOS IMIGRANTES

A maior colônia brasileira de imigrantes japoneses se estabeleceu na cidade de São


Paulo a partir de 1908, com a chegada do navio Kasato Maru, trazendo cerca de 800 pessoas.
O contexto político das imigrações japonesas era muito conturbado. Apesar da carência de mão
de obra para os cafezais paulistas, havia um projeto de branqueamento da população brasileira
com a imigração de colonos europeus. Foi com muita relutância que o governo brasileiro
recebeu os primeiros imigrantes japoneses. Poucos permaneceram nos cafezais porque a
maioria dos imigrantes não era composta por agricultores. Pouco a pouco foram chegando e
residindo na região da Conde de Sarzedas próximo ao centro da cidade. As grandes ondas de
imigração japonesa ocorreram nos anos após a Primeira Guerra Mundial. Um dos fatores que
contribuíram para a vinda dos japoneses ao Brasil foi o fechamento à imigração japonesa de
países como EUA, Austrália e Canadá (IMIGRAÇÃO, 2008).

A situação de isolamento das colônias japonesas por causa das barreiras culturais e
linguística com os brasileiros somadas ao preconceito contra os imigrantes japoneses se
intensificou durante a Segunda Guerra Mundial. Este contexto de perseguição e isolamento
esteve ligado à conversão dos primeiros japoneses ao adventismo. O Colégio Adventista
Brasileiro (CAB) na região de Santo Amaro oferecia cursos de português para imigrantes
japoneses que quisessem estudar. Os alunos podiam pagar seus estudos trabalhando na fazenda
da escola. Assim diversas famílias enviaram seus filhos para aprender o português e ter
melhores chances no novo país. Sentindo-se acolhidos pelos adventistas, convivendo com essa
comunidade religiosa e estudando a mensagem adventista surgiram as primeiras conversões.
Em 1925, Saburo Kitajima se batizou no CAB e foi o primeiro japonês a tornar-se adventista
em nosso país. Morreu poucos anos depois sem ter tido muita influência na colônia japonesa.
Os próximos imigrantes que aceitaram a pregação adventista no CAB foram: Tossaku Kanada
(1932), Shihiro Takatoi (1935), Kiyotaka Shirai (1946) e Kiyosh Hosokawa (1949), este último
já nascido no Brasil. Estes quatro conversos se formaram em teologia e passaram a servir a
Igreja Adventista como pastores. Pelo menos outros 16 alunos japoneses estudaram no CAB na
década de 193021.

21
O pastor adventista japonês Kiwao Mori produziu uma dissertação de mestrado sobre a formação da Igreja
Adventista Nipo-brasileira: Um Estudo do Crescimento da Igreja Adventista Central Japonesa de São Paulo, com
um Plano Sugestivo de Trabalho Segundo o Modelo do Novo Testamento. (Seria interessante aqui ter o local de
publicação, instituição de ensino como fonte de referência para o seu leitor)
47

Os primeiros conversos entre os japoneses foram absorvidos pelas diversas Igrejas


Adventistas da cidade de São Paulo até 1964. Durante esse período foram batizados um total
de 25 japoneses, segundo as informações dos livros de membros da Associação Paulista. Essas
conversões na colônia japonesa foram fruto do trabalho dos obreiros japoneses convertidos no
CAB. Em 1959, o pastor Kiyotaka Shirai retornou de um período de estudos nos EUA e
começou a reunir a comunidade japonesa adventista nas dependências que a comunidade
adventista alemã usava na Igreja Central Paulistana, no bairro da Liberdade. Também havia na
Igreja Adventista de Pinheiros um grupo de japoneses frequentando as reuniões adventistas e
um grupo de pelo menos 10 adventistas coreanos já batizados (MORI, 1984, p. 13). Estes dois
grupos continuaram se encontrando regularmente até a organização oficial da primeira
comunidade nipônica adventista no Brasil em 1965 sob a direção do pastor Tossaku Kanada,
que acabara de retornar de uma especialização de um ano no Japão em evangelismo com
nipônicos.

A imigração coreana no Brasil é bem mais recente que a japonesa, mas a principal
colônia de imigrantes coreanos também está em São Paulo. A presença adventista na Coreia
remonta ao início do século XX, quando os primeiros coreanos entraram em contato com a
pregação adventista no Japão. A denominação cresceu rapidamente no país e o aspecto principal
da missão adventista aos coreanos foi o estilo de vida saudável.

Quando os primeiros coreanos chegaram à São Paulo na década de 1960, alguns já


professavam a fé adventista e começaram a congregar na Igreja de Pinheiros. Cerca de 50% dos
coreanos religiosos são cristãos e a outra metade pratica o budismo. Portanto, a colônia coreana
brasileira também contava com muitos imigrantes cristãos, tanto católicos quanto protestantes.
Estima-se a presença de pelo menos 50 Igrejas Cristãs Coreanas no bairro paulistano do Bom
Retiro. A data da organização do primeiro núcleo de adventistas coreanos em São Paulo é
incerta, mas remonta ao início dos anos 1970. Atualmente existem duas Igrejas Adventistas
coreanas em São Paulo, uma na Aclimação, inaugurada em 2006 e outra no Bom Retiro
inaugurada em 2007.

Começou assim uma nova fase da missão adventista paulistana: atender a diversidade
étnica com métodos adaptados a cultura própria de cada grupo. Quando a Igreja foi finalmente
organizada em 1970, os conversos japoneses eram em número de 60. Nessa época a missão
adventista mantinha duas Igrejas étnicas, uma japonesa e outra coreana. No final dos anos 1990,
foram formadas mais duas Igrejas Adventistas étnicas em São Paulo, uma judaica e outra árabe.
Cinco anos mais tarde, com a explosão da imigração boliviana para São Paulo, foi organizada
48

uma Igreja Adventista de fala hispânica. A relação da missão adventista com a multiplicidade
étnica da cidade de São Paulo será o tema do próximo capítulo desta pesquisa.

1.5 Conclusão parcial

A missão adventista se desenvolveu dentro de um quadro maior que David J. Bosch


chamou de paradigma iluminista da missão22. No período que se seguiu ao Iluminismo houve
uma mudança no protagonismo de envio de missionários da Europa continental para o mundo
anglófono. Nos EUA surgiram diversas agências missionárias, denominacionais,
interdenominacionais e não-denominacionais. Os dois Grandes Despertamentos, a doutrina do
Destino Manifesto, a expansão colonialista e o grande desenvolvimento tecnológico das
sociedades ocidentais equiparam os missionários protestantes dessa época com uma nova visão
de missão. Inúmeros missionários foram enviados por todo o mundo e esse ambiente
inevitavelmente forçaria o adventismo, que surgiu nesse período, a se relacionar com o tema da
missão. Portanto, desde seu início, o adventismo precisou reagir à missiologia circundante.
Nesse sentido, rever e estudar as fases da missão adventista no mundo, na América Latina, no
Brasil e em São Paulo são fundamentais para compreender o adventismo paulistano atual.
Bosch coloca esse procedimento da seguinte maneira:

Necessitamos das perspectivas do passado a fim de avaliar o escopo do atual


desafio e conseguir realmente compreender o mundo hodierno e a resposta
cristã à sua situação. À semelhança dos antigos israelitas – que precisavam
recordar, em cada período de crise, sua libertação do Egito, suas
perambulações pelo deserto e seu antigo pacto com Deus – também nós
necessitamos ser lembrados de nossas raízes, não só para que possamos
encontrar consolo, mas sobretudo para que encontremos a orientação.
Refletimos sobre o passado não apenas pelo passado; antes, olhamos para ele
como se fora uma bússola – e quem usaria uma bússola só para verificar de
onde veio? (BOSCH, 2002, p. 237).

Algumas pistas importantes que encontramos nas pesquisas desse capítulo serão úteis,
portanto, no prosseguimento da busca pela compreensão do elemento diferenciador do
adventismo paulistano: sua sensibilidade cultural. A primeira é uma visão missiológica que se
vê em constante crescimento e reflexão. O adventismo passa de uma compreensão

22
Para uma discussão mais ampla do conceito de paradigma aplicado à missão, ver de David J. Bosch, Missão
Transformadora, p. 225-237.
49

extremamente fechada de missão em seu início para uma visão global e plural. Esse
desenvolvimento da visão da missão mundial proporciona um elemento de aprendizado à
missão adventista, os missionários que lideraram a missão adventista aqui estavam desbravando
a transposição de mensagem para uma cultura totalmente nova e diversa da sua. Eles
necessitavam de abertura para encontrar novos caminhos para a missão adventista. A segunda
pista é flexibilidade na incorporação das melhores estruturas e práticas organizacionais para o
desenvolvimento da missão. Com uma origem multidenominacional, a liderança adventista
precisou optar por uma estrutura que desse suporte adequado à missão, escolhendo e
combinando elementos presentes em outras denominações de uma forma nova. Essa liberdade
em combinar elementos distintos seria uma ferramenta útil na implantação da missão adventista
em São Paulo, pois permitiria maior adaptação às condições existentes em nosso país.

A terceira pista está na condição de imigrante do adventismo no Brasil, que escolhe


inserir-se através de outros imigrantes e depois aos nativos. Esse processo de tradução do
adventismo do inglês para o alemão e então para o português foi um exercício útil de
contextualização e permitiu a incorporação do conceito do outro ao DNA da missão adventista
paulistana. Esse componente certamente foi fundamental à missão adventista no contato com
os novos núcleos imigrantes que se formaram na capital paulista. Finalmente, a opção da missão
adventista por fixar seu centro promotor em São Paulo ao final de sua primeira década no país
permitiu uma adaptação da missão à dinâmica da cidade. Tanto no que diz respeito ao
desenvolvimento institucional quanto na formação do capital humano da missão adventista há
uma forte influência da própria cidade e de sua história no período republicano sobre a missão
adventista. O adventismo paulistano traz em si mesmo as marcas da urbanização, marcas de sua
adaptação à cidade. O processo de nacionalização do adventismo trouxe também um
abrasileiramento que permitiu um olhar autônomo ao panorama cultural da cidade em constante
mudança na primeira metade do século XX. Os líderes da missão adventista não tomaram
decisões num vácuo cultural ou em descompasso com o cenário em que estavam inseridos. Por
vezes, havia confluência de pensamentos e valores entre a missão adventista e a dinâmica da
cidade, outras vezes havia divergência, mas a cidade era o interlocutor da missão adventista.

Por enquanto apenas apresentamos um panorama histórico do desenvolvimento da


missão adventista paulistana e sua relação com a história da cidade de São Paulo. Dividimos a
missão adventista em três fases: entre imigrantes, entre nativos e entre novos imigrantes. No
próximo capítulo examinaremos mais detidamente as Igrejas Adventistas étnicas na cidade de
São Paulo e suas contribuições para a missão adventista.
50

2 OS ADVENTISTAS E A IMIGRAÇÃO EM SÃO PAULO

Como vimos no capítulo anterior, a missão adventista radicou-se em São Paulo na


primeira década do século XX depois de alguns anos em que atuara entre os imigrantes alemães
no sul do país. As condições da capital eram mais promissoras naquele período e ofereciam as
condições ideais para a apoiar o projeto missionário adventista no país. Vimos também que nos
primeiros anos do século XX, o Brasil recebeu uma grande quantidade de imigrantes para
substituir a mão de obra escrava nas lavouras de café. São Paulo foi o Estado que mais recebeu
imigrantes naquele período e a sua capital acabava por atrair os imigrantes que não se
adaptavam à rotina do campo. São Paulo era uma das maiores cidades de imigrantes do mundo.
Michael Hall (2004, p. 121) lista um grande grupo de etnias que imigraram para essa cidade:
italianos, portugueses, espanhóis, japoneses, sírio-libaneses, judeus, armênios, húngaros, entre
outros.

Outro fator importante para compormos o quadro social23 da cidade de São Paulo que
servirá de base para nossa análise das relações entre a missão adventista e as imigrações nesse
local é o fenômeno do deslocamento do centro da cidade. Vimos que a missão adventista fundou
uma grande Igreja Adventista no centro da cidade de São Paulo, no bairro da Liberdade, que
atendeu os grupos de imigrantes adventistas que chegaram à capital paulista. A rua Taguá fica
a um quilômetro da praça da Sé, marco zero da cidade e no mesmo bairro em que está localizada
a Pastoral do Imigrante (CASA, [2015]) da Igreja Católica, à Rua do Glicério, 225. Com a
abertura de novos bairros elitizados em direção ao chamado quadrante sudoeste, o centro da
cidade passou por um deslocamento da residência das elites para o comércio e recepção de
migrantes e imigrantes, que chegavam à cidade como nova classe operária (FRUGOLLI
JÚNIOR, 2000, p. 39-42).

As relações da missão adventista com a multiplicidade étnica da cidade resultaram no


estabelecimento de cinco Igrejas étnicas ao longo dos anos: Igreja Adventista Nipo-brasileira,
Igreja Adventista Coreana, Sinagoga Adventista de São Paulo (Beth B’nei Tsion), Comunidade
Árabe Aberta e Igreja Adventista Hispana. Todas essas Igrejas fazem parte da Associação
Paulistana da Igreja Adventista do Sétimo Dia, uma instituição administrativa adventista para

23
O objeto desta pesquisa se concentra nas relações entre a missão adventista e a imigração na cidade de São
Paulo. Todavia, faz-se necessário recomendar um estudo sobre as relações entre a missão adventista e as
populações negras na cidade de São Paulo, bem como estudos sobre o adventismo e as periferias da cidade. Veja,
por exemplo, a crítica que Marcio Sampaio de Castro faz em seu livro, Bexiga: um bairro afro-italiano (DATA, p.
16-19), sobre São Paulo como uma cidade de imigrantes (sobretudo europeus) e que ignora as populações negras
como atores na composição da pluralidade cultural da cidade, principalmente do centro.
51

a região centro-sul da cidade de São Paulo. O espaço desse trabalho não permite um estudo
detalhado de cada uma dessas Igrejas. Vamos propor, então, um critério para eleger algumas
dessas Igrejas para nosso estudo.

2.1 As Igrejas Adventistas Étnicas

Numa análise rápida das razões que levaram ao estabelecimento dessas Igrejas nos
permite dividi-las em dois grupos: Igrejas que surgiram por necessidade linguístico-cultural e
Igrejas que surgiram para se estabelecer um diálogo inter-religioso. Fazem parte do primeiro
grupo as seguintes Igrejas étnicas: Igreja Adventista Nipo-brasileira, Igreja Adventista Coreana
e Igreja Adventista Hispana. Compõem o segundo grupo a Sinagoga Adventista de São Paulo
e a Comunidade Árabe Aberta. Optamos por estudar neste capítulo a Igreja Adventista Hispana,
como representante do primeiro grupo e as Igrejas do segundo grupo. Estas três Igrejas têm em
comum o fato de terem sido estabelecidas em um período próximo de tempo: 1998, 2000 e
2003, respectivamente, o que as coloca numa fase mais contemporânea da missão adventista24.
As outras duas Igrejas étnicas, japonesa e coreana, são mais antigas e já mencionamos alguns
dados históricos sobre sua origem no capítulo anterior. Vamos então apresentar um breve
histórico da formação das Igrejas escolhidas, apontando as semelhanças e diferenças entre os
dois grupos.

2.1.1 SINAGOGA ADVENTISTA DE SÃO PAULO

Historicamente os adventistas têm buscado oportunidades de construir uma


aproximação com os judeus. Talvez, parte dessa busca esteja ligada à sua particular visão
teológica a respeito do Antigo Testamento25. A primeira conversão de um judeu ao adventismo

24
De acordo com a divisão em fases do desenvolvimento da missão adventista proposta por Alberto R. Timm
(1996, p. 44), a partir de 1990, com a abertura do escritório de Missão Global da Conferência Geral dos
Adventistas, foram estabelecidos sistematicamente centros de estudo para aproximação entre a missão adventista
e as demais religiões vivas (budismo, hinduísmo, judaísmo e islamismo). Por essa iniciativa de estudo e diálogo,
podemos considerar esta última fase (a da Missão Global) um período de maior maturidade no desenvolvimento
do pensamento missionário adventista.
25
Algumas doutrinas adventistas como o Santuário, Interpretação Profética de Daniel, o Sábado, Leis Alimentares
e a Imortalidade Condicional da Alma estão muito próximas das interpretações rabínicas. Para um estudo destes
temas ver Comentário Bíblico Adventista, Volumes 1 a 4 (Gênesis-Malaquias), Tatuí/SP: CPB, 2013.
52

ocorreu em 1889, quando um judeu chamado Frederick Carnes Gilbert, imigrou da Inglaterra
para os EUA. Ele se hospedou na casa de uma família adventista em Boston e na sexta-feira,
percebeu os preparativos da família para a observância do início do shabat. Percebeu também
que a família observava as leis alimentares de Levítico. Gilbert se interessou pelo adventismo,
começou a estudá-lo e dois anos depois converteu-se. Ele também decidiu colportar e depois
cursar a faculdade adventista para tornar-se um pastor. Foi ordenado ao ministério adventista
em 1898 e iniciou a primeira Igreja Adventista adaptada à comunidade judaica em Boston.
Também chegou a organizar um escritório de missão para judeus na Associação Geral
(BAKER, 2014).

Esta primeira fase da missão adventista entre judeus obteve certo sucesso graças à
figura do pastor Gilbert. Seus métodos de trabalho poderiam ser definidos como uma
abordagem comunitária para o evangelismo, com forte viés humanitário:

Ele era encontrado no gueto conversando com rabinos; pregando em iídiche


em um palanque; prospectando oportunidades de serviço social de cortiço em
cortiço; amparando órfãos; cuidando dos doentes; encontrando empregos para
os desempregados e fazendo lobby contra as leis dominicais estaduais que
ameaçavam a liberdade religiosa para judeus. (BAKER, 2014, tradução
nossa).

No entanto, seria a partir dos anos de 1950, que os adventistas iniciariam estudos
missiológicos sobre o diálogo judaico-adventista. Estes estudos auxiliaram o estabelecimento
dos programas de Missão Global a partir de 1990. Atualmente existem trinta sinagogas judaico-
adventistas no mundo: onze em Israel, nove nos EUA, nove na América do Sul e uma na
Europa. As sinagogas adventistas recebem o nome de Beth B’nei Tsion (BBT), que significa
Casa dos Filhos de Sião. A primeira Beth B’nei Tsion organizada foi a sinagoga adventista de
Santiago (Chile), em 1990. O pastor Itzhak Henry Poseck idealizou uma metodologia de
diálogo entre adventistas e judeus que adotava uma liturgia judaica nos cultos adventistas, ao
mesmo tempo em que preparava os adventistas para conhecer melhor a cultura judaica a fim de
permitir o diálogo (BORGES, 1999, p.16-17).

O trabalho de Poseck foi adotado pelo World Jewish-Adventist Friendship Center


(WJAFC) [Centro Mundial de Fraternidade Judaico-Adventista] do escritório de Missão Global
da Associação Geral e em seguida replicado em outros lugares. Já havia em São Paulo o
Instituto de Herança Judaica, que fora fundado em 1978 pelo pastor adventista brasileiro,
Benoni de Oliveira (ibidem). Mas foi em 1998 que a primeira BBT foi organizada em São Paulo.
O pastor Poseck veio para uma série de palestras, sobre seu trabalho com a sinagoga adventista
53

de Santiago, na Universidade Adventista de São Paulo e na Igreja Central Paulistana. A


Associação Paulistana decidiu implementar o projeto com o apoio de irmãos leigos e sob a
direção do pastor Reinaldo Siqueira (ibidem), que havia sido aluno do pastor Benoni de
Oliveira. Siqueira era professor de bíblia hebraica no seminário adventista de São Paulo e havia
mantido contato com a comunidade judaica desde o tempo de estudante, no Brasil, na França,
em Israel e nos EUA. As reuniões ocorreram ao longo do ano de 1998 na capela do Hospital
Adventista de São Paulo, localizado no bairro da Liberdade.

Assim começaram os trabalhos internos com o grupo de brasileiros dispostos a apoiar


o novo projeto étnico adventista em São Paulo. Em 1999, foi alugado um espaço na Vila
Mariana, bairro paulistano com presença judaica26, que serviu a BBT por quase 10 anos. Em
abril de 2014 foi inaugurado o novo prédio da Sinagoga Adventista de São Paulo no bairro do
Pacaembu, próximo ao bairro de Higienópolis (outro bairro paulistano com presença judaica –
veja nota 23). Durante seu período como professor no seminário adventista, Siqueira despertou
outros futuros pastores adventistas que o substituiriam na BBT. O pastor Edson Nunes Jr,
assumiu o projeto em janeiro de 2005. Em 2011, ele substituiu o pastor Siqueira como professor
de língua hebraica na Faculdade Adventista de Teologia do Centro Universitário Adventista de
São Paulo (UNASP), e o pastor Rogel Maio Nogueira Tavares, que dirigia a BBT de Curitiba
(também por influência do pastor Siqueira) assumiu o projeto em São Paulo.

A WJAFC havia definido em 17 de maio de 1994 os objetivos para o estabelecimento


das sinagogas adventistas (SINAGOGA, 2012). Os objetivos internos, ou seja, para a própria
denominação são: reviver nos membros adventistas, que são de origem judaica, o amor e a
apreciação pelas tradições e cultura de seu povo, reafirmando assim a sua identidade judaica e
a sua ligação com a comunidade judaica em geral; desenvolver no meio adventista, como um
todo, um maior conhecimento, apreciação e respeito pelo povo judeu, pelo Judaísmo e por
Israel, como também pelas raízes judaicas da fé cristã; criar um espaço aberto, no no qual todos,

26
De acordo com o historiador judaico Roney Cytrynowicz, os bairros paulistanos que formaram colônias
organizadas de imigrantes judeus com escola, sinagoga e centro comunitário são: Bom Retiro, Higienópolis,
Ipiranga, Cambuci, Lapa, Pinheiros, Mooca e Vila Mariana (http://www.conib.org.br/comunidades). Sendo que
este último foi o local que abrigou o primeiro cemitério judaico da capital, a Associação Cemitério Israelita de São
Paulo – Chevra Kadisha (http://chevrakadisha.org.br/campos-santos/vila-mariana/). A própria história da
formação da Vila Mariana na antiga Colônia da Glória está ligada aos primeiros imigrantes judeus no Brasil de
acordo com o estudo, Configuração Territorial, Urbanização e Patrimônio: Colônia da Glória (1876-1904),
publicado na Revista CPC da USP, v.1, n.1, p. 75-90, nov. 2005/ abr. 2006, de Walter Pires. Para uma discussão
maior sobre a imigração judaica em São Paulo ver de Nachman Falbel, Judeus no Brasil: estudos e notas. EDUSP,
2008, p. 61-66; 515-552.
54

adventistas e não adventistas, possam adorar a Deus segundo os princípios ensinados na Torá
e mantidos tanto na tradição judaica como na adventista; lutar contra o antissemitismo que se
tornou parte das crenças e ensinamentos cristãos através de séculos de intolerância e de
interpretações tendenciosas do texto bíblico.

Os objetivos externos, ou seja, voltados para o público não-denominacional são:


desenvolver na sociedade em geral, e no meio cristão em específico, o mesmo conhecimento,
apreciação e respeito do povo judeu, do Judaísmo e de Israel que desejamos que exista no meio
adventista; lutar contra o antissemitismo existente na cultura cristã e ocidental, de modo geral,
e contra suas manifestações no seio da sociedade; promover entre judeus assimilados,
simpatizantes do adventismo, um reavivamento e despertar da sua identidade judaica e,
sobretudo, do amor ao Deus de Israel, à Sua Palavra e um interesse pela fé e pela vida que Ele
deseja que sejam vividas; prover um local que possa servir de base para um diálogo aberto e
respeitoso entre a comunidade adventista e a judaica, e entre os membros de ambas as
comunidades.

Entre os dias 20 e 23 janeiro de 1999, adventistas envolvidos no diálogo com judeus


em todo o mundo se reuniram na cidade de Socorro, São Paulo, para discutir as estratégias de
criação das sinagogas adventistas e fortalecer o compromisso com as bases do trabalho firmadas
pela WJAFC (BORGES, 1999, p.16-17). Esta foi a primeira reunião mundial realizada com
esse grupo. A Sinagoga Adventista de São Paulo busca contato principalmente com judeus
secularizados que, na sua maioria, contraíram casamentos com não-judeus e por isso não se
sentem acolhidos nas sinagogas judaicas (informação verbal)27.

Os cultos são feitos de acordo com os costumes judaicos, principalmente às sextas-


feiras e aos sábados. No pôr-do-sol de sexta-feira é celebrado o Qabalat Shabat [recepção do
sábado]. Salmos e hinos são cantados em hebraico e algumas vezes em português. Os momentos
de oração são variados. O mais importante é o Shemá, quando a congregação procede a leitura
de trechos do livro de Deuteronômio. Também há a Amidá ou oração silenciosa. Depois do
momento de oração, são lidas porções do Novo Testamento que são comparadas com passagens
do Antigo Testamento a fim de apresentar as características messiânicas de Jesus, ressaltando-
se os costumes judaicos de Jesus e dos evangelhos. Com o término do culto todos participam
do Kidush, uma confraternização em que compartilham de alimentos, como pão e vinho, que
representam as bênçãos de Deus. No judaísmo isso é muito importante, trata-se de um gesto

27
Informação fornecida por Rogel M. N. Tavares no Concílio Pastoral da Associação Paulistana da IASD, em
Cotia/SP, em julho de 2013.
55

fraterno e significa a celebração da amizade. Na cultura judaica, quando alguém convida outra
pessoa para uma refeição, significa que ele quer estabelecer um relacionamento amistoso.
Recusar um convite destes é como negar relações cordiais.

Outra parte da liturgia constitui-se na leitura do Pentateuco. Um pergaminho


manuscrito que contém os cinco livros escritos por Moisés (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números
e Deuteronômio) é passado de mão em mão. Os participantes cantam numa atmosfera de
respeito e gratidão. Além dos serviços religiosos celebrados a cada sábado na sinagoga
adventista, também se celebram as grandes festas do calendário judaico. Nas sinagogas
adventistas são comemoradas as seguintes festividades: Páscoa, Pentecostes, Festa da Expiação
e Festa dos Tabernáculos. Também se comemora o Ano Novo dia em que o número de
visitantes aumenta. Na última comemoração, cerca de cem pessoas visitaram o Templo, na sua
maioria, judeus.

Não há uma abordagem proselitista, nem esforços para que os judeus que frequentam
a sinagoga assumam a fé adventista. A BBT de São Paulo mantém relacionamento com a
comunidade judaica de São Paulo e de Israel, numa base de temas laicos e políticos. Por ser um
programa bem mais recente do que as Igrejas Adventistas japonesa e coreana, isto é, num
período em que a reflexão missiológica está mais madura na teologia adventista, além de ser
liderado por adventistas brasileiros que foram motivados por sua ascendência e interesse na
cultura judaica, as características da sinagoga judaico-adventista de São Paulo são bem
distintas. Já houve algumas conversões de judeus ao adventismo, embora a maior parte dos
membros seja formada por adventistas brasileiros com ascendência judaica. O foco da BBT no
diálogo com a comunidade judaica paulistana está bem definido tanto para a liderança quanto
para a membresia. A Sinagoga Adventista de São Paulo busca quebrar barreiras históricas em
relação ao povo judaico. Muitas pessoas pouco sabem a respeito de suas contribuições para a
humanidade e de sua importância tanto na cultura quanto na religião. Desse modo, a BBT
promove uma maior interação entre adventistas, cristãos em geral e judeus. Além de São Paulo,
outras quatro cidades brasileiras também mantêm sinagogas adventistas: Campinas, Rio de
Janeiro, Curitiba e Manaus.
56

2.1.2 COMUNIDADE ÁRABE ADVENTISTA DE SÃO PAULO

No mesmo impulso da criação da comunidade judaico-adventista de São Paulo, veio a


iniciativa de se criar uma Igreja Adventista que se aproximasse da comunidade árabe de São
Paulo. No final dos anos de 1990, o pastor adventista brasileiro Assad Bechara pediu o apoio
da organização adventista para um período de estudos no Egito, com a finalidade de iniciar um
projeto étnico em São Paulo destinado a comunidade islâmica. De família árabe, Bechara
pretendia criar um espaço de convergência entre muçulmanos e cristãos.

De volta ao Brasil, deu início no ano 2000 a Casa de Oração da Comunidade Árabe
Aberta. Algumas questões de ordem cultural foram bem estabelecidas desde o início do projeto:
promoção de um ambiente silencioso, que promova a reflexão; uso dos lenços pelas mulheres,
inclusive pelas visitantes; ensino da língua árabe; uso de orações e músicas em árabe. Algumas
mudanças litúrgicas em relação ao culto adventista tradicional foram feitas para que a cerimônia
se realize de acordo com os costumes islâmicos. Os oficiantes do culto retiram os sapatos em
sinal de respeito. As orações são realizadas em tapetes. Todos podem participar das abluções
dos pés e antebraços. Em seguida recitam alguns versos do Corão que são escolhidos de acordo
com temas bíblicos. Pelo menos vinte e sete doutrinas bíblicas podem ser estudadas a partir do
Corão. A pregação principal é proferida em português. Em dez anos de existência, a
Comunidade Árabe Aberta possui 159 membros, sendo que dois deles eram muçulmanos e se
converteram ao adventismo, segundo o atual líder do projeto, o pastor Marcio da Rocha Filipe.
Eles mantêm uma relação fraterna com pelo menos 7 outros muçulmanos, que frequentam
regularmente as programações da comunidade (informação verbal)28.

À semelhança da BBT, adventistas brasileiros de ascendência árabe ou que se


interessavam por essa cultura foram convidados a participar do trabalho pelo pastor Bechara,
que era muito conhecido na comunidade adventista brasileira. Bechara optou por criar uma rede
de relacionamento com as mesquitas paulistanas e com centros beneficentes culturais árabes.
Também publicou livros que destacam pontos em comum entre as crenças adventistas e o
Corão.

As iniciativas de missão com os muçulmanos tiveram seu início com a organização do


escritório de Missão Global em 1990. O Centro de Estudos Islâmicos foi criado para
proporcionar aos adventistas uma visão mais clara a respeito da fé muçulmana. O primeiro

28
Informação concedida por Marcio da Rocha Filipe no Concílio Pastoral da Associação Paulistana da IASD,
em Cotia/SP, em julho de 2013.
57

diretor foi o pastor e missiologista Borge Schantz (WHITEHOUSE, 2006). Em 1995, o centro
recebeu uma nova designação com a intenção de dar passos mais objetivos no diálogo com o
Islã: Global Center for Adventist-Muslim Relations [Centro Global de Relações Islâmicas-
Adventistas]. Seu atual presidente, Jerald Whitehouse, trabalha com o objetivo de criar
metodologias adequadas para equipar os missionários adventistas em países árabes com
conhecimento, atitudes e ferramentas práticas e apropriadas para o contexto muçulmano
(ADVENTIST, [2015]). Na primeira década de atividades não havia muita clareza sobre os
métodos de trabalho e os missionários adventistas utilizaram métodos tradicionais de
evangelismo. Os resultados não foram bons, não comunicavam apropriadamente com
muçulmanos que, muitas vezes, se sentiam ofendidos pelos missionários provocando reações
duras. Whitehouse busca compartilhar com os missionários adventistas o que ele chama de a
competência do outro. Trata-se de respeitar a religião do outro para que a sua seja respeitada,
estar mais focado numa aproximação marcada pelo diálogo do que propriamente um processo
proselitista.

O trabalho desenvolvido pela missão adventista com muçulmanos está baseado no


artigo do missiologista John Travis, The C1 to C6 Spectrum: A Practical Tool for Defining Six
Types of 'Christ-centered Communities' ('C') Found in the Muslim Context [O Espectro C1 a
C6: Uma Ferramenta Prática para Definir Seis Tipos de Comunidades Cristocêntricas (C)
Encontradas no Contexto Muçulmano], publicado em 1998 no Evangelical Missions Quarterly
[Trimestral de Missões Evangélicas]. Travis descreve seis tipos de comunidades formadas por
Muslim Background Belivers – MBB [crentes de origem muçulmana] de acordo com três
critérios principais: o idioma dos serviços de adoração, as formas religiosas e culturais adotadas
tanto nos serviços de adoração quanto na vida cotidiana e, por último, o critério da
autoidentificação do indivíduo como muçulmano ou cristão. Veja as principais características
de cada tipo básico, sumarizadas por Timothy C. Tennant (2013):

 C-1 indica uma Igreja tradicional utilizando idioma estrangeiro. Idioma


estrangeiro é aquele originado fora da cultura Islâmica. Estes crentes se autodenominam
cristãos.
 C-2 indica uma Igreja tradicional utilizando idioma nacional, um modelo igual
ao da Igreja C-1, mas com o idioma do serviço de adoração dos povos muçulmanos (como
árabe ou turco).
 C-3 indica uma comunidade cristocêntrica contextualizada que faz uso do
idioma nacional e de formas culturais religiosamente neutras. Estas Igrejas adotam o idioma da
58

comunidade islâmica na qual estão inseridas e abraçam formas culturais não-religiosas como
música, roupas e arte típicas. Uma Igreja C-3 filtraria qualquer forma religiosa associada ao
Islã. A maioria de seus membros é MBB.
 C-4 indica uma comunidade cristocêntrica contextualizada usando idioma
nacional e formas culturais islâmicas biblicamente permitidas. Estas Igrejas adotam formas
islâmicas na medida em que as escrituras cristãs não as proíbem explicitamente. Comunidades
C-4 aceitam termos islâmicos para denominar Deus [Allah], oração islâmica [Salat] e os
evangelhos [Injil]. A maioria das Igrejas C-4 seguem as práticas islâmicas de evitar carne de
porco e abster-se do consumo de álcool. Crentes C-4 normalmente se autodenominam
seguidores de Isa al Masih [Jesus o Messias] ou membros da Isaya Umma [comunidade de
Jesus]. A comunidade islâmica não vê os crentes C-4 como muçulmanos.
 C-5 indica uma comunidade cristocêntrica de muçulmanos messiânicos que
aceitaram Jesus como Senhor e Salvador. Estes seguidores de Isa permanecem legalmente e
socialmente no Islã. A comunidade muçulmana os vê como muçulmanos. Eles rejeitam ou, se
possível, reinterpretam aspectos da teologia islâmica que são claramente incompatíveis com a
fé bíblica.
 C-6 indica uma pequena comunidade cristocêntrica secreta/oculta de crentes.
São crentes vivendo sob ameaça de perseguição e retaliação por parte do governo ou de seus
familiares ou comunidade, caso sejam descobertos como seguidores de Jesus. Eles adoram
Cristo secretamente. Crentes C-6, se descobertos, provavelmente enfrentariam prisão ou
morte29.

A Comunidade Árabe Aberta em São Paulo pode ser classificada como C-4, pois
utiliza o idioma árabe em parte de seu serviço de adoração, utiliza elementos típicos como
música e vestuário, emprega termos islâmicos e, como toda comunidade adventista, não
consome carne de porco, se abstém do uso de álcool e aguardam o retorno de Isa al Masih.
Procura também manter excelente relação com outras comunidades islâmicas em São Paulo.
Juntamente com a Universidade de Santo Amaro (UNISA), criou o Conselho Internacional de
Aproximação Cristã-Islâmica (CIACI), que contou com a presença e participação de Samir Al
Hayek, um importante teólogo islâmico e tradutor do Corão para o português, na cerimônia de
instalação desta última entidade. Apesar dessa aproximação fraterna com o Islamismo

29
Para uma discussão mais ampla sobre a aplicação missiológica do Espectro C em comunidades MBBs veja os
artigos de Carlos G. Martin, “C-5 Muslims, C-5 Missionaries or C-5 Strategies?” e “A Biblical Critique to C-5
Strategies Among Muslims” nas referências bibliográficas.
59

brasileiro, os membros da Comunidade Árabe Aberta não são vistos como muçulmanos pela
comunidade islâmica, mas como cristãos.

2.1.3 IGREJA ADVENTISTA HISPANA DE SÃO PAULO

Com o crescente fluxo da imigração boliviana nos anos de 1990, bolivianos adventistas
do sétimo dia vivendo no Brasil também sentiram necessidade de criar uma estrutura de apoio
religioso na realização de seu projeto migratório. Apesar de professarem a fé adventista, ao
frequentarem as Igrejas Adventistas da capital, os imigrantes bolivianos não se reconheciam
culturalmente nas Igrejas Adventistas paulistanas. Entre os aspectos que compunham a barreira
entre os bolivianos e brasileiros adventistas estavam o idioma, a liturgia utilizada nas reuniões
(principalmente o componente musical) e o preconceito cultural/racial (informação verbal)30.

Divididos em algumas Igrejas Adventistas em São Paulo, sendo as principais a Central


Paulistana, na Liberdade, a da Vila Maria e a do Belém, a primeira iniciativa de atender o grupo
de imigrantes bolivianos adventistas em São Paulo se deu na Igreja Adventista Central
Paulistana. No ano 2000, três imigrantes bolivianas, Emilia Thamez Arnez, Esther Fernandez
Tapia e Sonia Suero Pizarro, organizaram a primeira reunião de estudo da bíblia (Escola
Sabatina) em espanhol. A reunião acontecia em paralelo com a programação em português e
buscava reunir os imigrantes bolivianos e outros imigrantes de fala hispânica. Este foi o
primeiro esforço dos imigrantes bolivianos adventistas em criar uma estrutura de integração do
próprio grupo.

Com o início das reuniões em espanhol na Igreja Central Paulistana, esses bolivianos
começaram a reconstruir seu espaço religioso e reforçar sua identidade adventista boliviana.
Pela dificuldade com o idioma, muitos deixaram de frequentar as Igrejas brasileiras e foram se
distanciando da comunidade adventista. Diferenças litúrgicas entre a Igreja adventista boliviana
e a brasileira como por exemplo, o estilo musical e o vestuário, faziam com que os imigrantes
bolivianos não se identificassem com esta denominação no Brasil. Neste processo, a identidade
adventista dos imigrantes bolivianos se perdia.

30
Informação concedida por Ewert Arrais Guzman no Concílio Pastoral da Associação Paulistana da IASD, em
Cotia/SP, em julho de 2013.
60

De acordo com Durkheim, os fatos sociais são os valores comuns a uma sociedade e
guiam, mesmo que inconscientemente, as ações do grupo. A condição de migrante expõe os
indivíduos a uma ruptura identitária pela substituição dos fatos sociais, que os guiavam
anteriormente, pelos presentes na nova sociedade na qual eles se encontram. Vários bolivianos
abandonaram o adventismo durante sua condição de imigrantes no Brasil. Na busca pela
realização de seu projeto migratório, eles enfrentavam longas jornadas de trabalho, a distância
da família e a perda de sua comunidade de fé, o que contribuiu para a desintegração de sua
identidade adventista boliviana31.

Aos poucos, no entanto, o grupo foi crescendo novamente. À medida em que as


pessoas tomavam conhecimento da programação em espanhol que ocorria na Igreja brasileira,
os bolivianos encontravam um novo espaço de apoio e convivência no Brasil. Assim, eles
começaram a se perceber como comunidade dentro da Igreja brasileira. Além de poder se
expressar em sua própria língua, haviam conquistado visibilidade, o que ajudava a fortalecer o
sentimento de pertencimento à comunidade. Pouco depois, os imigrantes bolivianos começaram
a se reunir também para um almoço comunitário aos sábados, organizado pelo próprio grupo
nas dependências da Igreja. Esse foi um marco importante para fortalecer as relações sociais do
grupo, pois muitos não haviam imigrado juntos e nem tinham a mesma origem na Bolívia.
Sidney Antonio da Silva apresenta a mesma situação de reconstrução de identidade de
imigrantes bolivianos a partir da pertença religiosa no contexto boliviano católico:

Para muitos imigrantes as festas são uma oportunidade de ressocialização na


própria cultura, ou seja, de um reencontrar-se com práticas culturais que lhes
eram familiares no país de origem, e que no país de destino ficaram, de certa
forma, “adormecidas”. Isto se deve ao fato de que muitos deles optam por um
distanciamento estratégico do grupo, para não ser contaminado pelos
estereótipos atribuídos a ele pela sociedade local. Na verdade, como afirma
Norma, “todo estrangeiro quer reencontrar suas raízes, queira ou não, mesmo
que critiquem, isso é coisa do povo ou isso é coisa de índio, porém, está em
nossas raízes”. Elas possibilitam também aos bolivianos lidar com uma dupla
pertença, dilema vivido por todo imigrante durante a sua trajetória de vida,
como ficou evidente nesta fala de Ema, residente em São Paulo há mais de
quarenta anos: “O mais curioso é que quando eu escuto a música boliviana eu
quero voltar à Bolívia, porém, quando não a escuto, prefiro ficar no Brasil”.
(SILVA, 2006, p. 187).

31
O conceito de identidade adotado neste trabalho será discutido na seção secundária – O PROCESSO DE
HIBRIDAÇÃO. O conceito de identidade adotado pelos imigrantes bolivianos não corresponde plenamente ao
adotado por esta pesquisa.
61

O grupo foi conseguindo cada vez mais fortalecer seu espaço de afirmação social junto
à comunidade adventista brasileira. Após alguns meses, reuniões em espanhol no sábado à tarde
voltada para jovens passaram a ser realizadas. Essas iniciativas dos bolivianos foram muito
importantes para outros grupos de imigrantes como peruanos, paraguaios, argentinos e chilenos
afirmarem sua alteridade cultural. Num congresso realizado em São Paulo, reuniram-se
aproximadamente 400 imigrantes bolivianos adventistas. No ano de 2003, os adventistas
bolivianos estavam organizados em 23 pequenos grupos que se reuniam em casas ao longo da
semana para compartilhar sua fé e apoiarem uns aos outros.

O fator linguístico foi tão importante que mesmo bolivianos que pertenciam a outras
denominações protestantes passaram a participar dos serviços em espanhol que eram
preparados pelos líderes do grupo adventista, pois eram atendidos religiosamente em seu
próprio idioma. Com o crescimento do grupo de imigrantes partícipes das reuniões em espanhol
na Igreja brasileira, fez-se necessário a busca por um novo espaço que pudesse atender melhor
às necessidades do grupo. No ano seguinte, a Associação Paulistana da Igreja Adventista
organizou oficialmente a Igreja Adventista de fala hispânica. Também designou o pastor
Teodoro Ninahuaman Correa, peruano que já trabalhava no Brasil há alguns anos em Igrejas
Adventistas brasileiras, para que se dedicasse exclusivamente a esse grupo de imigrantes
adventistas. Em sua maioria, o grupo era composto por bolivianos e peruanos.

Neste mesmo ano, a Igreja alugou um prédio na Rua Pedro Vicente, na Ponte Pequena,
bairro que concentra muitos imigrantes e muitas oficinas de costura com mão de obra boliviana.
Com os novos recursos, a comunidade hispana poderia oferecer apoio religioso e social aos
imigrantes latino-americanos em São Paulo. Dessa forma, os próprios imigrantes bolivianos,
maior grupo na composição da Igreja Adventista Hispana, criaram um sistema de apoio e
proteção para sua comunidade. Em 2010, foi designado um novo pastor para atender a
congregação, Ewert Arrais Guzman, brasileiro, filho de um engenheiro boliviano que havia
emigrado para o Brasil nos anos 1970. Em novembro de 2014, foi adquirido um prédio para
abrigar definitivamente a Igreja Adventista Hispana, numa parceria financeira entre o grupo de
imigrantes e as demais Igrejas paulistanas por intermédio da Associação Paulistana da Igreja
Adventista.

O fator religioso foi durante a cristandade o grande integrador social dos povos
europeus. A religião ditava a consciência coletiva e, ao sacralizar o poder, organizava a
sociedade. A religião determinava as normas sociais fornecendo parâmetros conforme os quais
os indivíduos reconheciam uns nos outros valores comuns. Com o advento da modernidade e a
62

laicização dos Estados, Durkheim reconhece a necessidade de uma religião civil que ofereça à
sociedade o que a religião organizada oferecia, sob pena dela ruir por falta de elementos de
integração e coesão social. Na cristandade, a religião era a sociedade em símbolo, portanto a
religião era algo eminentemente social. As representações religiosas são representações
coletivas que exprimem as realidades coletivas (DURKHEIM, 2008).

Sociólogos contemporâneos (PARSONS, 1974) sugerem que não há competição entre


a religião civil e a religião organizada no sentido de serem fatores que colaboram mutuamente
com a integração social. A religião na pós-modernidade é mais um fator de integração ao lado
da identidade cultural, etnicidade, economia etc. De fato, os valores morais da religião
organizada propiciam a formação de redes sociais entre indivíduos que partilham os mesmos
valores. Assim, a religião pode se tornar uma estrutura de integração social para indivíduos
inseridos numa sociedade plural, que necessitam ser reconhecidos e vistos por esta sociedade.

As Redes Sociais são importantes na constituição da identidade, através de


relações de pertencimento, e também enquanto sustentação do indivíduo nas
diversas situações da vida, como os momentos de crise por exemplo, no
processo migratório. Quando falamos de Rede Social, não estamos nos
referindo a uma entidade una, indivisível e claramente determinada. Sluzki dá
uma importante contribuição, ao analisar a influência das Redes Sociais ao
longo da vida das pessoas e em situações específicas, como o casamento e a
migração, além de traçar um histórico das Redes Sociais dentro da Psicologia.
O autor afirma que “a Rede Social Pessoal pode ser definida como a soma de
todas as relações que um indivíduo percebe como significativas ou define
como diferenciadas da massa anônima da sociedade”. Sluzki ainda sugere a
análise das redes sociais sob seus aspectos estruturais (propriedades da rede
em seu conjunto, como tamanho, densidade, composição,
homo/heterogeneidade), das funções dos vínculos (tipo predominante de
intercâmbio pessoal, como companhia social, apoio emocional, guia
cognitivo), e dos atributos de cada vínculo (propriedades de cada relação,
dentre as quais a função predominante, reciprocidade, intensidade). Sluzki
chama a atenção ao estresse pessoal e interpessoal inerente ao processo
migratório, decorrente das várias rupturas resultantes, e pela necessidade de
reorganização dos laços e funções de cada integrante envolvido. Esse período
de crise leva a maior ou menor grau de perturbações psicossomáticas e
interpessoais, que não podem ser tomados como “reações idiossincráticas,
individuais, ‘patológicas’”. Tais sintomas tendem a ser passageiros,
resolvendo-se à medida que a inserção no novo ambiente, balizada pelo
restabelecimento de redes sociais rompidas na migração, é efetuada.
(DANTAS et al., 2010, p. 55-56)

Esta foi a última Igreja Adventista Étnica formada pela Associação Paulistana. Outras
Igrejas de fala hispana têm sido formadas na RMSP por iniciativa das demais Associações
63

Adventistas32. Nenhuma destas associações, no entanto, possui Igrejas voltadas para mais de
um grupo étnico.

Deve-se destacar, no estudo das interações interétnicas e missão, que esse é um tema
teológico que floresce a partir do projeto missionário de Paulo. Com a conversão de pessoas de
outras nacionalidades ao cristianismo e a crescente perseguição aos cristãos de todas as origens
nos primeiros quatro séculos da história cristã, a hospitalidade como carisma cristão foi
incentivada pelos autores do Novo Testamento (NICHOL, 2014). O substantivo grego,
philoxenia (amor aos estranhos/estrangeiros, hospitalidade) e o adjetivo grego, philoxenos
(hospitaleiro), aparecem cinco vezes no texto do Novo Testamento: Romanos 12:13; 1 Timóteo
3:2; Tito 1:8; Hebreus 13:2; 1 Pedro 4:9 (VINE; UNGER; WHITE JR, 2003). Hospitalidade é
um dos dons espirituais que o Espírito Santo concede aos cristãos, bem como uma atitude que
deve ser praticada pelos líderes cristãos como requisito de seu chamado espiritual. Além disso
era fortemente estimulada para todos os cristãos como possibilidade de serviço espiritual à
Deus, numa alusão à experiência de Abraão que teria hospedado anjos (Gênesis 18). O próprio
Jesus se equipara à condição de um estrangeiro que necessita de acolhida e abrigo em Mateus
25:35 e declara que esta atitude de hospitalidade é uma das características daqueles que serão
salvos. Portanto, está de acordo com a expectativa do Novo Testamento que a missão cristã
contemple as necessidades do estrangeiro em seu projeto missionário. No tópico seguinte
vamos estudar as influências da imigração na missão adventista paulistana a partir da teoria da
hibridação.

2.2 O Processo de Hibridação

Na introdução à edição de 2001 de seu livro Culturas Híbridas, Garcia Canclini trata
de questões epistemológicas do conceito de hibridação que não haviam sido suficientemente
tratadas na edição original do mesmo. Para enriquecer a compreensão do termo, o próprio autor

32
No Estado de São Paulo temos oito regiões administrativas da Igreja Adventista: Associação Paulistana (região
centro-sul da capital), Associação Paulista Sul (região sul da capital e Vale do Ribeira), Associação Paulista Leste
(região leste da capital), Associação Paulista do Vale (Guarulhos e região do Vale do Paraíba), Associação Paulista
Sudeste (região do ABCD e litoral), Associação Paulista Sudoeste (sediada em Sorocaba, atende até o centro-oeste
do Estado), Associação Paulista Central (sediada em Campinas, atende a região centro-norte do Estado) e
Associação Paulista Oeste (região oeste do Estado). Juntas, as oito sedes administrativas formam a União Central
Brasileira da IASD que coordena a Igreja Adventista em todo o Estado de São Paulo.
64

formulou uma definição: “entendo por hibridação processos socioculturais nos quais estruturas
ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas,
objetos e práticas” (CANCLINI, 2013, p. XIX).

A expressão estruturas ou práticas discretas é utilizada nesta teoria com o


significado de que não existem fontes puras em cultura, identidade ou sociedade. As estruturas
discretas são produto de hibridações anteriores resultantes dos ciclos de hibridação. Ou seja,
formas mais heterogêneas passam para formas mais homogêneas e, novamente, para a formas
heterogêneas. No entanto, nenhuma delas é plenamente homogênea ou pura. Assim sendo, na
Teoria da Hibridação, o objeto de estudo não é a hibridez (característica final de algo) mas,
antes, o processo de hibridação, que é contínuo. Esse processo pode se dar da seguinte forma:

Às vezes, isso ocorre de modo não planejado ou é resultado imprevisto de


processos migratórios, turísticos e de intercâmbio econômico ou
comunicacional. Mas frequentemente a hibridação surge da criatividade
individual e coletiva. Não só nas artes, mas também na vida cotidiana e no
desenvolvimento tecnológico. Busca-se reconverter um patrimônio (uma
fábrica, uma capacitação profissional, um conjunto de saberes e técnicas) para
reinseri-lo em novas condições de produção e mercado. (CANCLINI, 2013,
p. xxii).
A hibridação ocorre em condições históricas e sociais específicas, em meio a
sistemas de produção e consumo que às vezes operam como coações, segundo
se estima na vida de muitos migrantes. Outra das entidades sociais que
auspiciam, mas também condicionam a hibridação são as cidades. As
megalópoles multilíngues e multiculturais, por exemplo, Londres, Berlim,
Nova York, Los Angeles, Buenos Aires, São Paulo, México e Hong Kong,
são estudadas como centros em que a hibridação fomenta maiores conflitos e
maior criatividade cultural (...). (CANCLINI, 2013, p. xxix e xxx).

A Teoria da Hibridação permite um olhar sobre os fenômenos sociais que explora mais
as relações dos sujeitos do que apenas o produto dessas relações. Garcia Canclini pontua que é
necessário superar o pensamento binário que procura organizar o mundo em identidades puras
e oposições simples. No final do século XX a teoria da hibridação foi amplamente utilizada na
análise de diversos processos culturais:

Ele é usado para descrever processos interétnicos e de descolonização


(Bhabha, Young); globalizadores (Hannerz); viagens e cruzamentos de
fronteiras (Clifford); fusões artísticas, literárias e comunicacionais (De la
Campa; Hall; Martín Barbero; Papastergiadis; Webner). Não faltam estudos
sobre como se hibridam gastronomias de diferentes origens na comida de um
país (Archetti), nem da associação de instituições públicas e corporações
privadas, da museografia ocidental e das tradições periféricas nas exposições
universais (Harvey). Esta nova introdução tem o propósito de valorizar esses
usos disseminados e as principais posições apresentadas. Na medida em que,
segundo escreveu Jean Franco, ‘Culturas Híbridas é um livro em busca de um
65

método’ para ‘não nos espartilharmos em falsas oposições, tais como alto e
popular, urbano ou rural, moderno ou tradicional’, esta expansão dos estudos
exige a entrada em novas avenidas do debate. (CANCLINI, 2013, p. xviii).

É importante esclarecer o leitor sobre a origem desse conceito, tomado de empréstimo


da biologia. As ciências sociais já se valeram de diversos conceitos de outras disciplinas como
ferramenta de análise ou explicação para os fenômenos estudados por ela. E, apesar disso, o
novo uso dos conceitos não se prende a todos os detalhes do seu uso primário, nas disciplinas
de origem. Pierre Bordieu, por exemplo, importa da economia o conceito de capital cultural e
de mercados linguísticos; Karl Marx traz da biologia o conceito de reprodução social,
econômica e cultural. Em todos esses casos, houve uma reelaboração epistemológica do
conceito para explicar novos fenômenos no interior e no limite de outra ciência. Outro
componente importante da Teoria da Hibridação, quando se olha para esse processo como
objeto de estudo e não a hibridez (produto final), é a estratégia de reconversão. O significado
cultural de reconversão implica numa adaptação e/ou apreensão de objeto, habilidades e saberes
para uma nova realidade. Como a hibridação é um processo dinâmico, vivo, ela impacta
diretamente a noção de identidade. Muitas vezes, identidade é entendida mediante um processo
de abstração de traços (língua, tradições, condutas estereotipadas) que:

Frequentemente tende a desvincular essas práticas da história de misturas em


que se formaram. Como consequência, é absolutizado um modo de entender
a identidade e são rejeitadas maneiras heterodoxas de falar a língua, fazer
música ou interpretar as tradições. Acaba-se, em suma, obturando a
possibilidade de modificar a cultura e a política. (CANCLINI, 2013, p. xiii).

Abner Cohen, na introdução do livro Urban Ethnicity [Etnicidade Urbana], conceitua


de forma distinta o processo étnico e a identidade nacional de um determinado povo:

O termo etnicidade seria de pouca utilidade se fosse estendido para denotar


diferenças culturais entre sociedade isoladas, regiões autônomas, ou stocks
independentes de populações tais como nações em suas próprias fronteiras
nacionais. Diferenças entre chineses e hindus, consideradas dentro de seus
respectivos países, seriam diferenças nacionais, mas não étnicas. Mas quando
grupos de imigrantes chineses e hindus interatuam numa terra estrangeira
enquanto chineses e hindus, eles podem ser referidos como grupos étnicos.
Etnicidade é essencialmente a forma de interação entre grupos culturais
operando dentro de contextos sociais comuns. É por esta razão que o
fenômeno da etnicidade é tão dramaticamente evidente nas cidades, tanto nos
países em desenvolvimento quanto nos países desenvolvidos. Aqui a divisão
de trabalho normalmente é altamente avançada e a disputa por recursos como
emprego, salário, moradia, educação e filiação política, é intensa. (COHEN,
2004, p. xi, tradução nossa, grifo nosso).
66

Percebe-se que nos estudos de processos socioculturais precisamos resistir à tendência


de olhar para a identidade como um conjunto de traços fixos que representam a essência de um
objeto, indivíduo ou grupo e nos concentrarmos mais nas relações em que eles estão
envolvidos, isto é, em sua interação. A Teoria da Hibridação se ocupa do estudo do processo,
em como ocorrem as hibridações e não com a descrição do produto final, mesmo por que ele
está num estágio transitório até ser exposto a novos processos de hibridação:

Dentro de uma sociedade nacional, por exemplo, o México, há milhões de


indígenas mestiçados com os colonizadores brancos, mas alguns se
‘chicanizaram’ ao viajar aos Estados Unidos; outros remodelam seu hábitos
no tocantes às ofertas comunicacionais de massa; outros adquiriram alto nível
educacional e enriqueceram seu patrimônio tradicional com saberes e recursos
estéticos de vários países; outros se incorporam a empresas coreanas ou
japonesas e fundem seu capital étnico com os conhecimentos e as disciplinas
desses sistemas produtivos. (CANCLINI, 2013, p. xxiv).

Finalmente, uma última observação que Garcia Canclini faz ao uso da Teoria da
Hibridação e que será útil para fins deste estudo é que, no processo de hibridação, existem
elementos que não querem, não podem ou não se deixam hibridar. Em outras palavras,
esseprocesso não produz apenas resultados positivos e culturalmente enriquecidos, mas
também gera contradição, resistência e confrontação. Por isso, a Teoria da Hibridação deve
estudar o processo para entender a dinâmica das partes nessa relação de diálogo, observando o
que se altera e o que permanece inalterado nas estruturas ou práticas discretas.

2.2.1 O ADVENTISMO PAULISTANO E A HIBRIDAÇÃO

Esta seção apresenta uma reflexão sobre a missão adventista paulistana, o fenômeno
migratório e a interação étnica em São Paulo a partir da Teoria da Hibridação. Nosso objetivo
será entender como os processos de hibridação puderam proporcionar sensibilidade cultural à
missão adventista paulistana. Obviamente, pela própria história da inserção do adventismo no
Brasil, a primeira parte do processo de hibridação se dá nas questões étnicas dos imigrantes e o
adventismo, que certamente influenciarão o segundo momento mais marcado do processo de
hibridação, já com a existência das Igrejas Adventistas étnicas na cidade de São Paulo. Questões
mais ligadas a outras dinâmicas culturais de uma metrópole serão analisadas no próximo
capítulo.
67

Interações linguísticas

As diferenças linguísticas são especialmente capazes de nos fazer perceber a própria


alteridade diante do outro. As interações linguísticas demonstram tanto a beleza quanto o
estranhamento em relação ao outro e ao seu idioma. Representam também tanto a solidão e a
distância do país de origem quanto o calor e o conforto de ouvir e falar a língua materna.
Quando os primeiros missionários adventistas chegaram em São Paulo, logo foram
confrontados com o desafio linguístico. Por mais que existissem colônias de falantes do inglês
e do alemão, havia a necessidade de se transpor a barreira do idioma local. Uma vez que a Igreja
Adventista não dispunha de missionários falantes do português, aqueles que vinham de fora, os
estrangeiros, deveriam preparar missionários locais bilíngues que os auxiliassem na formação
de outros obreiros nacionais. Além disso, deveriam iniciar o aprendizado do português. Durante
as primeiras décadas da missão adventista em São Paulo, era muito comum que os missionários
estrangeiros aprendessem o nosso idioma. Alguns haviam trabalhado primeiramente em países
de fala hispânica da América do Sul, que compunham a mesma região administrativa da missão
adventista no continente33, e depois foram transferidos para o Brasil. Assim, muitos aprenderam
o espanhol antes mesmo do português.

As reuniões administrativas da missão adventista, em função de sua estrutura


representativa, recebiam falantes de diversas línguas. A Igreja Central Paulistana, que sediava
diversos núcleos étnicos entre seus membros (brasileiros, estadunidenses, alemães, húngaros e
japoneses), representava um desafio pastoral para a liderança local, bem como aos líderes da
Associação Paulistana. Esta teve seus escritórios compartilhados com o prédio da Igreja Central
durante aproximadamente 25 anos, desde a inauguração da Igreja (IGREJA ADVENTISTA
DO SÉTIMO DIA, 2006, p. 108).

Essa questão linguística foi sempre central ao adventismo paulistano em razão do


fenômeno imigratório na cidade. Houve pelo menos duas grandes ondas migratórias no Brasil
e São Paulo sempre foi o maior destino dessas imigrações. A chegada do adventismo na cidade
coincide com a primeira grande imigração nas primeiras décadas do século XX. O próprio

33
A sede da missão adventista na América do Sul foi estabelecida a princípio em Buenos Aires em 1915, sendo
transferida a seguir para Montevidéu em 1953 e, finalmente, sua sede atual está localizada em Brasília desde 1976.
Para saber mais sobre a Divisão Sul Americana da IASD, ver: http://www.unasp-
ec.com/memoriadventista/enciclopedia/2/dsa.htm . Portanto, os missionários enviados pela sede da igreja nos
EUA, muitas vezes vinham para países como Argentina e Uruguai antes de trabalhar no Brasil.
68

adventismo era, portanto, imigrante (não falante do português) e teve seus primeiros adeptos
entre outros imigrantes. Nada mais natural do que a missão adventista ter essa característica
multiétnica nesse período e desenvolver seu projeto de missão tanto entre nacionais quanto
entre imigrantes, com programação bilíngue.

Entre a primeira e a segunda grande onda migratória, o país viveu um período de


fortalecimento das questões nacionalistas durante o Estado Novo e diversos entraves legais
foram colocados à imigração. No entanto, entre os líderes e missionários adventistas em São
Paulo ainda havia um grande número de estrangeiros. Quando a nacionalização da missão
adventista estava se completando, sucedeu-se a segunda grande onda migratória no pós-guerra.
Nesse período, entre os novos imigrantes chegavam também adventistas. As Igrejas
Adventistas já podiam ser chamadas de Igrejas brasileiras por seu idioma, mas eram compostas
pela segunda e terceira geração de imigrantes além dos conversos nacionais. Quando os novos
imigrantes adventistas chegaram, foram acolhidos pela Igreja Adventista brasileira e atendidos
em sua necessidade de terem um espaço para congregar em sua língua pátria. Nesse segundo
momento de imigração, mais uma vez a Igreja Central Paulistana abrigou os imigrantes
(japoneses e coreanos, além dos hispanos um pouco mais a frente). Como a barreira da língua
oferecia desafios e oportunidades para o projeto missionário adventista, planos foram feitos
para a organização das Igrejas étnicas pelos próprios imigrantes, que receberam apoio
financeiro e logístico da administração da denominação em São Paulo para compra de templos
e contratação de pastores adventistas falantes desses idiomas34.

Durante o período em que os novos imigrantes adventistas congregaram nas Igrejas


Adventistas brasileiras, normalmente o serviço de culto principal era realizado em português e
na escola sabatina, que divide a congregação em grupos pequenos de estudo, incluía grupos
étnicos, se inseria o idioma nativo de cada grupo. Heloisa Augusta Brito de Mello esclarece que
quando há troca do idioma outros fatores estão em ação:

[...] o uso de determinado código durante um evento de fala não é decorrente


de uma escolha aleatória, mas de um processo dinâmico que associa as
capacidades naturais dos falantes a fatores sociopsicolinguísticos, específicos
de uma comunidade ou evento de fala. Ao efetuar uma mudança de código, os
interlocutores estão marcando sua posição no contexto social e, ao mesmo
tempo, sinalizando suas intenções discursivas, de forma a veicular a
mensagem significativamente (MELLO, 1999, p. 93-94).

34
Todas as Igrejas Adventistas étnicas de São Paulo nasceram de projetos particulares que foram apoiados pela
Associação Paulistana. Mesmo os projetos com os judeus e os muçulmanos, que iniciaram com a proposta vinda
de um pastor, eram iniciativas pessoais que foram apoiadas pela administração da Igreja Adventista. Não houve
uma tentativa de segregação dos adventistas imigrantes, mas a intenção de fortalecê-los em sua etnicidade.
69

Quando as Igrejas étnicas foram organizadas, o serviço de culto principal era celebrado
com tradução do japonês e do coreano para o português. Isso por que sempre essas
congregações receberam visitas dos adventistas brasileiros que queriam conhecer melhor os
irmãos estrangeiros. Quando o orador era brasileiro, um pastor ou membro leigo convidado, a
tradução era feita para os idiomas nativos das duas Igrejas étnicas. Em função da relativa
proximidade entre o português e o espanhol, nos serviços de culto da Igreja hispana não há
tradução, apesar de termos o mesmo fenômeno de adventistas brasileiros visitando e
congregando nessa Igreja. Já na Sinagoga Adventista de São Paulo e na Casa de Oração da
Comunidade Árabe Aberta, apenas as músicas e trechos pontuais da liturgia, como algumas
orações, são realizados em hebraico e árabe, respectivamente. O serviço de culto principal é
realizado em português. Isso por que, além dos visitantes adventistas brasileiros de outras
congregações, os membros dessas duas congregações são brasileiros com ascendência judaica
ou árabe e poucos são fluentes nesses idiomas. Essas duas congregações disponibilizam
gravações de áudio e vídeo das músicas e orações em hebraico e/ou árabe para os visitantes
brasileiros levarem como um presente.

A possibilidade de interação entre os diversos idiomas utilizados nas Igrejas


Adventistas étnicas hoje e o português atraem os adventistas brasileiros e os expõem a um
universo étnico-cultural rico e diverso, no qual há a possibilidade do encontro com o outro e a
reflexão sobre a idiossincrasia do adventismo brasileiro. Alguns empréstimos linguísticos
acontecem nessa troca de experiências étnicas. A guisa de exemplo, muitos adventistas
brasileiros têm utilizado a expressão hebraica shabat shalom [a paz do sábado ou sábado de
paz] como cumprimento pessoal nos cultos sabáticos adventistas em igrejas brasileiras. Acaba
sendo uma descoberta ou aprofundamento da própria crença adventista em suas raízes judaico-
cristãs.

A longa história de interação linguística no adventismo paulistano também contribuiu


para o estabelecimento das Igrejas Adventistas étnicas como sinal de respeito à diversidade
cultural dos adventistas imigrantes paulistanos. Essa característica do adventismo paulistano só
foi possível de ser desenvolvida em razão de sua origem multiétnica e das constantes migrações
ocorridas ao longo da história da cidade de São Paulo. Poder adorar a Deus em seu próprio
idioma, na língua do coração, constitui-se num direito e privilégio que os imigrantes adventistas
encontraram no adventismo paulistano. Esta opção pelo uso do idioma nativo no momento
70

litúrgico pode ser entendida a partir da hipótese Sapir-Wohrf35 sobre a experiência subjetiva do
idioma. Elizabete Villibor Flory afirma:

Os significados dessas mudanças devem ser procurados em diversos níveis,


como as diferenças entre as culturas dentro das quais cada língua se formou,
a experiência do sujeito que usa as línguas dentro de cada cultura, com cada
língua, a relação do sujeito com o interlocutor específico com o qual o diálogo
se dá. Outros níveis de análise são possíveis, como o grau de proficiência nas
duas línguas, a estrutura gramatical utilizada, entre outros. A hipótese Sapir-
Wohrf em sua versão fraca (relativa) dá subsídios para que se argumente como
a cultura na qual a língua se formou confere aos conceitos significados
particulares, mesmo que essas palavras possam ser traduzidas por
equivalentes em outra língua (um procedimento fundamental, nesse contexto,
é poder explicar as diferenças interculturais na atribuição de nuances de
significado aos conceitos). (FLORY, 2012, p. 313).

Interações de expressões culturais artísticas

Outras formas culturais como arquitetura, artes, música e vestuário também


contribuem para a compreensão do outro bem como no desenvolvimento de uma sensibilidade
cultural em relações interétnicas. Os primeiros missionários trouxeram esses elementos de seu
país de origem, alguns deles fundiram-se com elementos da cultura brasileira e outros não. Mas
certamente, quando as Igrejas étnicas surgiram, esses elementos puderam ser percebidos mais
claramente pelos adventistas brasileiros. O templo da Igreja Adventista japonesa, construído no
bairro da Saúde, utilizou um jardim japonês com lago como elemento arquitetônico típico. É
uma Igreja Adventista, mas com arquitetura oriental. A Igreja Adventista padroniza apenas o
logotipo com o nome da denominação, permitindo que cada congregação defina o projeto
arquitetônico de seu respectivo prédio de culto. No entanto, as congregações adventistas
brasileiras seguiram um padrão de fachada próprio do protestantismo do século XX:

A arquitetura funcionalista que dominou o século XX trouxe um novo


repertório tecnológico construtivo, este funcionalismo tinha um caráter
abstrato e intelectual, rompendo com toda e qualquer referência à história da
arquitetura e aos estilos passados. As construções transmitiam a racionalidade
humana da época e a ideia do edifício máquina. No modernismo projetos

35
A hipótese de Sapir-Wohrf afirma: (a) Nós estamos, em todo o nosso pensamento e para sempre, “à mercê̂ da
língua determinada que se tornou o meio de expressão para a [nossa] sociedade”, porque só́ podemos “ver e ouvir
e experimentar de outras formas” em termos das categorias e distinções codificadas na linguagem; (b) as categorias
e distinções codificadas em um sistema linguístico são exclusivos àquele sistema e incompatíveis aos de outros
sistemas (Não há limites para a diversidade estrutural das línguas.) (SAPIR, 1947, p. 162, apud LYONS, 1981, p.
276).
71

deveriam ter como principal finalidade abrigar a assembleia de fieis e suas


necessidades contemporâneas e não mais a de converter o visitante num
devoto, com a criação de atmosfera mística. As igrejas evitam os símbolos,
sua fachada é sem rosto, não ensina nem evangeliza, confundindo-se com a
dos demais prédios, possui uma estética agnóstica, que não reflete nem a
tradição católica nem a história. No início, o protestantismo não foi capaz de
gerar um estilo arquitetônico próprio, algumas igrejas católicas “usurpadas”
até chegaram a ser utilizadas pela congregação, por isso, no Brasil,
construíram-se alguns templos de inspiração neogótica. No entanto, como a
igreja protestante chega ao Brasil somente no início do século XX, em grande
parte, sua arquitetura acompanha o modernismo vigente no restante do
mundo. (SUDA, 2014, p. 11).

Assim, o surgimento das Igrejas Adventistas étnicas na cidade de São Paulo trouxe
algo novo ao panorama arquitetônico do adventismo paulistano. A Casa de Oração da
Comunidade Árabe Aberta também contribuiu com uma arquitetura própria. Eles não
construíram uma mesquita, mas utilizaram um espaço aberto em formato de tenda oriental, com
um paisagismo de influência árabe. Também se percebe a ausência de símbolos religiosos,
observando uma característica importante da arquitetura religiosa islâmica. A decoração utiliza
diversos elementos de arte islâmica e um uso abundante de tapeçaria. A Igreja Adventista
Coreana utiliza muitas plantas orientais com especial destaque para os arranjos com bambu.

A música utilizada nas Igrejas Adventistas étnicas também oferece uma experiência
especial de interação cultural aos adventistas brasileiros. A inserção do adventismo no Brasil
por meio da comunidade alemã, deixou um legado musical europeu muito forte. O hinário
utilizado nos primeiros anos vinha da Alemanha, o Zions Lieder [cânticos de Sião], e continha
mais de 1000 hinos. Durante décadas, a hinologia adventista foi composta por hinos traduzidos
do alemão para o português. Mesmo as composições nacionais contempladas pela última versão
do hinário publicada em 1996 têm um espectro relativamente limitado em seu estilo musical
com forte influência do hinário adventista norte-americano, o Seventh-Day Adventist Hymnal
[Hinário Adventista do Sétimo Dia] (CPB, 1996, p.5). Dentre as Igrejas étnicas, a BBT e a
Comunidade Árabe Aberta são as que trouxeram um estilo musical diferente do utilizado no
Brasil. Com estilo musical judaico e oriental, as músicas utilizadas na liturgia apresentam um
componente típico bem característico que proporciona um aprendizado cultural importante ao
adventismo paulistano, apresentando novas fronteiras na adoração congregacional. A BBT
acabou por influenciar o cantor adventista Leonardo Gonçalves a produzir e lançar um disco
totalmente em hebraico, Avinu Malkenu [nosso Pai, nosso Rei], pela Sony Music em 2010. O
resultado desse trabalho musical teve boa recepção tanto na comunidade adventista brasileira
quanto na comunidade judaica brasileira. Durante as comemorações pelo 67o aniversário da
72

criação do Estado de Israel em duas seções solenes da Câmara dos Deputados Federais e na
Câmara Legislativa do Distrito Federal, a Embaixada de Israel no Brasil, por intermédio do
embaixador Reda Mansour, convidou Leonardo Gonçalves para interpretar suas músicas
gravadas em hebraico (PARADELLO, 2015).

Outro aspecto cultural importante nas relações interétnicas do adventismo paulistano


está ligado ao uso de vestuário típico durante os serviços religiosos. Na Sinagoga Adventista
de São Paulo, todos os homens devem cobrir a cabeça com o uso da kipá, inclusive os visitantes
(existem kipás disponíveis para os convidados). Durante diversos momentos litúrgicos, o talit,
espécie de manto, também é utilizado pelos dirigentes do culto. Essas peças de vestuário são
altamente simbólicas e propõem um aprendizado novo aos adventistas paulistanos em relação
ao texto bíblico e à relação entre vestuário e adoração. Na Comunidade Árabe Aberta, os
homens também usam roupas típicas como túnica e cáfia para cobrir a cabeça. As mulheres
devem usar lenços e não podem usar roupas decotadas (existem icharbs disponíveis para as
visitantes). Aqueles que oficiam os serviços litúrgicos devem descalçar os pés em sinal de
reverência diante de Deus36. Na Igreja Adventista japonesa, os homens usam roupas ocidentais,
mas muitas mulheres usam vestidos típicos. Também é possível observar algumas roupas
típicas andinas na Igreja Adventista Hispana. Como o número de adventistas brasileiros que
visitam as Igrejas Adventistas étnicas a cada semana é significativo, essa convivência com o
outro permite uma perspectiva mais plural em relação a alguns aspectos de sua fé adventista.

Interações hermenêuticas

A inserção do adventismo no Brasil, mediante os imigrantes alemães, se deu por uma


convergência hermenêutica entre a teologia restauracionista do adventismo e o pietismo
presente no luteranismo. As interações hermenêuticas possibilitam a formação de pontes no
diálogo inter-religioso. Em seu projeto missionário numa cidade tão plural quanto a São Paulo
do início do século XX, o adventismo precisou desenvolver sua capacidade de diálogo com o
outro, aprimorando o conhecimento sobre este outro, adotando novas atitudes para com ele e
criando ferramentas práticas para o diálogo.

36
Esta prática baseia-se no texto bíblico de Êxodo 3:5 – o encontro de Moisés com Deus no monte Horebe.
73

Esse diálogo com a multiculturalidade da São Paulo dos imigrantes, das indústrias e
da expansão populacional exigiu uma adaptação do adventismo ao solo paulistano. A
diversificação dos métodos evangelísticos como a abertura de escolas, a venda de literatura, o
estabelecimento de instituições de saúde bem como as próprias Igrejas étnicas é fruto dessa
interação hermenêutica entre o adventismo e a metrópole paulistana.

É interessante, no entanto, notar como o adventismo paulistano transformou diferenças


em semelhanças sem, contudo, modificar sua estrutura teológica fundamental. É bem verdade
que existem algumas diferenças entre o adventismo paulistano e o estadunidense como, por
exemplo, a prática do vegetarianismo. A comunidade adventista de Loma Linda na Califórnia,
tem sido amplamente estudada nas últimas décadas por seu alto índice de longevidade.
Recentemente, um estudo sobre a incidência de doenças cardíacas em adventistas, chamado de
Estudo Advento (ESTUDO, 2013), foi iniciado pela Universidade de São Paulo. Em Loma
Linda encontra-se a universidade adventista que concentra as faculdades de ciências médicas e
o atual centro promotor do chamado estilo de vida adventista37. Não temos no Brasil uma
faculdade adventista de medicina, o que parece contribuir para que não haja um apelo ao estilo
de vida adventista no Brasil, tão forte como há nos EUA. Teremos um quadro comparativo
mais preciso quando o estudo for publicado.

Em relação ao corpo doutrinário adventista, não existem diferenças ou transformações


da teologia adventista no adventismo paulistano. Esse fato não invalida a Teoria da Hibridação,
uma vez que ela afirma a possibilidade de elementos que resistam ao processo de hibridação,
ou seja, elementos que não se deixam hibridar. Por isso, não é necessário a existência de um
adventismo sem a observância do sábado, por exemplo, para a validação do processo de
hibridação.

Ainda em relação à interação hermenêutica do adventismo paulistano, percebe-se que


as Igrejas Adventistas étnicas como a japonesa, coreana e hispana, com valores próprios de uma
cultura mais conservadora que a brasileira, estranham a cultura brasileira que é mais liberal.
Essa diferença a respeito das relações sociais dos brasileiros não se funde com as dos grupos
étnicos adventistas da primeira geração no Brasil. O abrasileiramento dos imigrantes
adventistas vai acontecer na segunda ou terceira geração. Por exemplo, a BBT e a Comunidade
Árabe Aberta, em função de serem compostas por uma maioria de brasileiros descendentes de

37
Constitui-se num programa composto por oito práticas promotoras de saúde: alimentação saudável; ingestão
regular de água; respiração de ar puro; exposição à luz solar; prática de exercício físico; repouso adequado; busca
por equilíbrio (temperança) e confiança em Deus. Para ver mais sobre esse assunto:
http://www.adventistas.org/pt/saude/8-remedios-naturais/ página acessada em 28 de julho de 2015.
74

judeus ou árabes, não estranham o aspecto mais liberal da cultura brasileira. Essa característica
das relações interétnicas em função das gerações de imigrantes se constitui num traço muito
marcante. Para a primeira geração, a identidade diante da alteridade é muito forte, para a
segunda geração, a assimilação cultural é um pouco mais natural. Marcelo Alario Ennes
descreve esse fenômeno em sua pesquisa sobre as relações entre nipo-brasileiros e não-nipo-
brasileiros na cidade de Pereira Barreto (SP):

Com o passar dos anos, com as transformações pelas quais passaram a


população e a cidade, as relações entre japoneses e não-japoneses parecem ter
se tornado mais flexíveis. O passado é sempre representado como um tempo
de profunda alteridade. Japoneses não se relacionavam com os não-japoneses.
Na verdade, não se pode considerar essa representação como a única existente.
Tudo indica que, se de um lado havia o preconceito de ambos os lados, havia
também brechas que constituíam relações de amizade e confiabilidade. Essas
relações, no entanto, são construídas sempre sobre alguma base concreta:
prática de esportes, convívio escolar, adoção familiar. São, portanto, relações
circunscritas que não se generalizam. (ENNES, 2001, p. 97).

2.3 Conclusão Parcial

Neste capítulo examinamos as contribuições que as imigrações em São Paulo e o


surgimento das Igrejas Adventistas étnicas trouxeram para a formação de uma sensibilidade
cultural como elemento missiológico do adventismo paulistano. A própria condição de
imigrante do adventismo em sua chegada ao Brasil permitiu que ele oferecesse atenção especial
à característica de São Paulo como principal destino dos muitos imigrantes que chegaram ao
Brasil. O processo de hibridação influenciou o adventismo a partir do diálogo com os imigrantes
em adquirir maior flexibilidade em seu projeto missionário. Isso permitiu que quando os novos
imigrantes adventistas chegassem ao Brasil, fossem recebidos, apoiados em seu projeto de
migração e participassem da missão junto com os adventistas brasileiros.

Também examinamos a profícua experiência de interação cultural que as Igrejas


Adventistas étnicas proporcionaram e ainda proporcionam às Igrejas Adventistas paulistanas.
Podemos afirmar, portanto, que o adventismo paulistano se torna um pouco mais plural do que
no restante do Brasil. Essa característica de absorção do outro, do diferente, presente no
adventismo paulistano, um reflexo da própria atitude da cidade em relação aos imigrantes que
aqui chegaram, permitiu ao adventismo crescer e se tornar presente em contextos culturais
75

variados da cidade. O escopo deste trabalho não permite analisar as relações da missão
adventista com os migrantes nacionais que se fixaram na cidade, mas é importante ressaltar que
o adventismo também absorveu esses grupos. Isso por que a missão adventista acompanhou a
dinâmica da cidade em receber migrantes de variadas origens em sua expansão demográfica.

A sensibilidade cultural do adventismo paulistano tem sido essencial à realização de


seu projeto missionário possibilitando o diálogo com a cidade. E é justamente esse o tema que
investigaremos no próximo capítulo. Em que medida os desafios de um grande centro urbano
como São Paulo tem impactado a missão adventista e como essa relação tem contribuído para
a formação de uma missiologia adventista urbana. Descobrir como o adventismo tem
interpretado a metrópole paulistana poderá indicar caminhos para que a missão adventista trilhe
em outros centros urbanos.
76

3 CONTRIBUIÇÕES PARA A MISSÃO EM CENTROS URBANOS

Nos capítulos anteriores nossa pesquisa buscou apresentar os caminhos percorridos


tanto na inserção quanto no desenvolvimento do adventismo paulistano e a formação de uma
sensibilidade cultural, presente no processo de hibridação das interações culturais entre os
diversos grupos étnicos dentro do adventismo. Neste capítulo pretendemos apresentar um
conjunto de princípios missiológicos a partir da análise da missão adventista paulistana que
possam contribuir em projetos missionários em centros urbanos.

Para isso, faz-se necessário uma reflexão sobre os impactos da urbanização paulistana
sobre a missão adventista e como ela reagiu a estas demandas. Compreender esta dinâmica vai
auxiliar na formulação dos princípios missiológicos do adventismo paulistano. Entre tantas
abordagens possíveis, escolhemos analisar algumas características que denominamos pistas
socioculturais da cidade para em seguida propor um modelo missiológico baseado na
sensibilidade cultural do adventismo paulistano.

Nosso objetivo é que o adventismo em particular e o cristianismo em geral possa fazer


uso dessa reflexão como incentivo ao desenvolvimento de projetos de missão que dialoguem
com a realidade da urbanização, que é cada vez mais presente nas sociedades do século XXI.
Este campo de estudos demanda cada vez mais disposição de reflexão e diálogo para que o
projeto missionário seja eficaz em sua comunicação com as sociedades urbanas. João Batista
Libânio nos oferece a Teoria das Lógicas da Cidade como aparato teórico-metodológico para
trabalhar com uma fenomenologia da cidade. Esta teoria estabelece que:

As lógicas da cidade se organizam em torno de eixos. Os eixos multiplicam-


se à medida que consideramos a cidade detidamente. Em dado momento cabe
dar-se por satisfeito, deixando o trabalho aberto para ulteriores prolongações.
O método defronta-se com empecilhos. Que eixos escolher? Quantos? Toda
escolha goza de certo arbítrio. Sua validez depende tanto da relevância
evidente do eixo escolhido como de sua justificativa teórica. O critério da
relevância varia conforme as perspectivas assumidas. Tudo isso necessita
passar por um mínimo de criticidade. (LIBANIO, 2002, p. 16-17)

Libânio se aproxima da cidade como um lugar heurístico, isto é, a cidade como


ferramenta para a produção de conhecimento científico. Ele escolhe determinados eixos
(lógicas do espaço e do centro, lógicas do tempo e do lazer, lógicas da pluralidade cultural,
lógicas da participação e da mobilização, lógicas dos valores e lógicas do trabalho e do poder)
que atuam como as regras de um jogo para a experiência de viver na cidade. A partir dessas
77

lógicas e com o uso do método indutivo, Libânio constrói uma fenomenologia da cidade que
vai dialogar com a teologia em busca de rupturas e continuidades entre a fé e a cidade. Vamos
aplicar este referencial teórico na compreensão do diálogo entre a cidade de São Paulo e a
missão adventista, analisando o caso das Igrejas Adventistas étnicas.

3.1 Pistas socioculturais da cidade

Compreender a cidade não é tarefa das mais simples em função da antiguidade desta
instituição. A cidade está presente numa das mais antigas narrativas bíblicas38, a que Caim
edificou e colocou o mesmo nome de seu filho – Enoque. Entre as cidades mais antigas do
mundo hoje, algumas têm perto de 3000 anos desde sua fundação, como algumas cidades
egípcias. A pólis grega que surgiu no período arcaico, entre os séculos VII e V a.C., estabeleceu
o padrão urbano ocidental a partir do desenvolvimento cultural, político e social. No entanto,
foram os fenômenos da urbanização e da industrialização na esteira da modernidade que
criaram o tipo de cidade que nós conhecemos hoje. Os autores João Décio Passos e Afonso
Maria Ligório Soares, na introdução de seu livro, “A Fé na Metrópole: desafios e olhares
múltiplos”, afirmam que:

A metrópole contemporânea é a filha madura da modernidade, herdeira de


suas promessas cumpridas e falidas. O espaço metropolitano expressa em sua
paisagem física e em suas dinâmicas socioculturais aquilo que a racionalidade
moderna foi criando no decorrer da história, em termos econômicos, sociais,
políticos e culturais. Em todas essas frentes, a grande cidade oferece um
cenário de contradições que facciona o sujeito moderno, em princípio
universal, em sujeitos sociais distintos e antagônicos, sendo cada qual
vinculado a determinados territórios e a determinadas possibilidades de
sobrevivência. A fragmentação socioespacial desenha, de fato, a grande
cidade e instaura uma polifonia desafinada de interesses, de projetos e de
ações que se instituem, cada vez mais, como normais aos olhos dos
metropolitanos: como normalidade estética, política e ética. (SOARES;
PASSOS, 2009, p. 7).

Esse cenário de contradições que produz sujeitos sociais distintos e, por vezes,
antagônicos é o objeto da missão tanto cristã quanto adventista. Portanto, precisamos investigar
algumas pistas socioculturais da cidade de São Paulo que demandam da missão adventista a
sensibilidade cultural em seu projeto de missão e que nos auxiliarão a traçar um modelo
missiológico para centros urbanos.

38
Ver Gênesis 4:17.
78

3.1.1 ESPAÇO E CENTRO

Pensar a cidade em função de seus espaços e centros e da relação que existe entre eles
é muito importante. Permite-nos entender as dinâmicas socioculturais da cidade e como elas
determinam a vida na cidade. De acordo com o censo do IBGE, realizado em 2010, dos
190.755.799 brasileiros que compõem nossa população, 84,36% das pessoas residem em áreas
urbanas e apenas 15,64% da população reside em área rural (IBGE, 2012). Conhecer os
impactos dessa realidade majoritariamente urbana de nosso país no século XXI sobre os
deslocamentos dos espaços e dos centros na cidade é fundamental para compreender como a
cidade de ontem se tornou a cidade de hoje. Libânio descreve esse processo da seguinte forma:

Lentamente vai nascendo a pequena cidade. O centro-fazenda continua a ser


um espaço de habitação e trabalho da família do fazendeiro. Fora dela cria-se
a cidade pequena. Em geral, num lugar alto, bem visível, ergue-se a Igreja.
Lugar da religião. A seus pés está a praça, espaço da vida pública, social. E
em torno levantam-se as casas de moradia. Eis três centros que configuram
três espaços de natureza diferente. O trabalho ainda não se caracteriza como
um lugar à parte. Ora está ligado à habitação com pequenos plantios, ora à
praça com o comércio, ora ainda ligado ao antigo espaço da fazenda aonde se
vai trabalhar. O espaço urbano moderno se caracteriza pela perda dos centros.
Ou, se quisermos, por um pluricentrismo simultâneo. Está-se em qualquer
momento em qualquer centro. Em casa, aí podem entrar a praça – o noticiário
televisivo –, a religião – a missa ou pregação no rádio ou na TV –, outras
moradias pelo telefone. E agora o âmbito das entradas é ilimitado por obra e
graça da Internet. Está-se na rua e com o celular pode-se estar em qualquer
outro lugar. E assim por diante. Já não há nenhum espaço absolutamente
delimitado. Todos se interpenetram. É verdadeira pericorese espacial.
Acontece ainda mais. Pouco a pouco, esse espaço urbano se torna “locus
regulador” também dos antigos espaços monocêntricos e tricêntricos. A
Rádio, a TV e lentamente a Internet têm entrado em todas as partes,
embaralhando os espaços, mesmo lá onde ele se dividia de modo rigoroso.
Com “locus regulador” quer-se exprimir o caráter determinante da cidade na
compreensão do espaço também fora de seu espaço estritamente próprio,
atingindo amplamente a zona rural. (LIBANIO, 2002, p. 31).

Este caminho percorrido pela urbanização deslocando os espaços e centros para as


infinitas possibilidades da imaginação e interesse das pessoas na sociedade tecnocientífica tem
ampliado e diversificado o espaço na cidade muito além da geografia condicionante. “O mundo
urbano é pluriespacial, regido pelos desejos e escolhas das pessoas” (LIBANIO, 2002, p. 32).
Assim se constrói uma nova geografia da urbanização que supera o modelo igreja, praça e
família da cidade pequena. “Impõe-se uma nova lógica regida por status, posse econômica,
aparência, vitrine, mercado” (LIBANIO, 2002, p.32). Nessa nova realidade, a cidade tende a
modificar as relações entre as pessoas e os espaços.
79

O processo de industrialização da cidade de São Paulo, por exemplo, acabou por criar
novos bairros nos quais as indústrias foram estabelecidas. Com a demanda por empregos, novos
trabalhadores chegaram e formaram novos bairros residenciais periféricos. Houve, portanto,
uma ruptura entre o centro do trabalho e da moradia, gerando novos espaços. A grande expansão
da cidade em direção às periferias gerou deslocamentos populacionais e segregação social, os
ricos habitam as regiões mais centrais da cidade e o proletariado pobre, nos extremos da mesma.
Os novos trabalhadores, imigrantes e migrantes do nordeste brasileiro, principalmente nos anos
de industrialização mais acelerada na cidade, foram absorvidos pela indústria paulistana, mas
tiveram que adaptar a questão da moradia à nova dinâmica da cidade em direção aos lugares
com pior qualidade de vida. O modelo utilizado pela indústria de confecção, mais um exemplo
típico dessa situação, transformou a própria residência em oficina e conjugou trabalho e
moradia por causa dos altos preços dos aluguéis nos centros industriais da cidade.

Outros centros e espaços deslocados na formação da cidade moderna são o espaço


público do privado, bem como a realidade da ilusão. A grande valorização em separar o que é
público daquilo que é particular tem impactado áreas como a arquitetura, a ética, o direito e a
religião. A religião deixa de ser normativa na sociedade moderna, por isso, perde sua
característica pública para se tornar uma opção do indivíduo, particular. Pode-se, assim, falar
sobre a privatização da religião na cidade.

A característica dominante da era moderna está em seu antropocentrismo


radical. Antes do iluminismo, a vida, em todas as suas estratificações e
ramificações, era permeada pela religião. As leis, a ordem social, o etos
privado e público, o pensamento filosófico, a arte – tudo portava, de uma
forma ou outra, o sinete da religião. (BOSCH, 2002, p. 326).

Também há na cidade moderna uma sensação de liberdade e de maior realização, se


comparada ao meio rural. Esse deslocamento entre realidade e ilusão está muito presente na
cidade:

A liberdade dos padrões tradicionais do mundo rural deixa-se substituir


frequentemente por comportamentos impostos por representações veiculadas
hegemonicamente no mundo urbano. Há uma aparente liberdade diante das
modas, dos costumes, que domesticam as pessoas, as submetem aos interesses
publicitários e a muitos outros fatores externos. (LIBANIO, 2002, p. 37).

A cidade oferece um imaginário que atrai as pessoas, sonhos e possibilidades


ilimitadas se apresentam às elas, mas há um preço a ser pago – é impossível que todos realizem
os sonhos, alguém vai ser vitimado pela ilusão:
80

Pode-se neste sentido, falar de uma ilusão de salário, de liberdade, de prazer


e de felicidade. A cidade representa um lugar de fantasias, sonhos e desejos
com a consistência que eles têm. Está aí o fascínio da técnica e do bem-estar.
Acrescente o efeito-demonstração do consumismo, do hedonismo reinante.
Sente-se ampliar-se o campo do “possível”. Na cidade, tudo parece possível.
Contudo, nela é-se mais exposto ao mundo da mídia e de suas ilusões. Sofre-
se mais a propaganda midiática. As condições de vida na cidade deterioram-
se cada vez mais. Crescem as tensões sociais por causa da miséria. (LIBANIO,
2002, p. 38).

As relações de centro e espaço na cidade e seus constantes deslocamentos afetam a


dinâmica da vida urbana e impactam também a própria qualidade de vida. Obviamente, as
populações de migrante e imigrantes sofrem mais com esta realidade. Quem chega assume o
ônus da adaptação. Têm obrigatoriamente que decifrar esta lógica dos deslocamentos de centro
e de espaço e ajustar-se ao ritmo da cidade.

3.1.2 TEMPO E LAZER

No mundo urbano a percepção de tempo é acelerada. Diversos fatores concorrem para


esta aceleração do tempo. As mudanças provocadas pelo desenvolvimento tecnológico, tão
próprio da industrialização e da sociedade pós-industrial, são provavelmente o principal desses
fatores. “A modernidade trouxe gigantesca aceleração dessa percepção por causa da rapidez e
complexidade das mudanças. O fenômeno da mudança gera aceleração do tempo” (LIBANIO,
2002, p. 93).
Nesse jogo entre o tempo e as mudanças dois fatores chamam a nossa atenção: o fator
objetivo está ligado à sucessiva produção e evolução tecnológica e ao fator subjetivo de
assimilação pelo indivíduo das constantes mudanças que aceleram o tempo. Um exemplo desse
jogo é a obsolescência programada dos equipamentos e dispositivos eletrônicos. Antigamente,
os produtos eram feitos para durar, hoje, são feitos para serem trocados. A cada ano, milhares
de produtos são atualizados ou em seu projeto ou em sua estética. A sociedade de consumo,
através do marketing, vende a necessidade de estarmos up-to-date, em termos de equipamentos
eletrônicos. No entanto, precisamos reconhecer nossa limitação em dominar todas as novas
tecnologias e em incorporar o uso das mais modernas ferramentas e soluções tecnológicas. Essa
tensão entre os avanços tecnológicos e nossa capacidade de dominar e utilizar toda a produção
da indústria de tecnologia gera um descompasso da percepção do tempo na modernidade.
Libânio descreve essa tensão:
81

O mundo moderno caracteriza-se pela pluralidade esfuziante de propostas


sedutoras, de possibilidades inimagináveis, de ofertas incríveis. Estabelece-se
verdadeiro desequilíbrio entre as infinitas ofertas fascinantes da sociedade de
consumo e as possibilidades de abraçá-las. No momento em que não se tem
clareza sobre as próprias prioridades e metas, sucumbe-se à tentação de querer
abraçá-las todas. E daí a sensação angustiante da premência do tempo.
(LIBANIO, 2002, p. 97).

O lazer, assim como o tempo, passa por uma transformação no ambiente urbano. Antes
ligado ao trabalho como forma de garantir a saúde e a própria capacidade produtiva do
indivíduo que desfruta de descanso e recreação regular, na sociedade de consumo, “firma-se
cada vez mais a convicção de que o lazer e o prazer são um valor em si, independentes de sua
relação com o trabalho ou o estudo. Existem como momentos de gozo para as pessoas”
(LIBANIO, 2002, p. 101). Vive-se e trabalha-se para consumir lazer. É o que Libânio chama de
“tirania do lazer”. Uma relação com o lazer que consome o indivíduo ao invés de restaurá-lo.

3.1.3 PLURALIDADE CULTURAL

Outra característica das grandes cidades é sua pluralidade cultural. A cidade oferece a
possibilidade de encontrar numa mesma geografia uma grande diversidade de pessoas vindas
de inúmeros lugares, com diferenças no vestuário e nos costumes; variado catálogo de serviços
e produtos; inumeráveis manifestações artísticas, esportivas e de entretenimento, além de um
grande mix religioso. Encontramos um espectro muito amplo de experiências e modos de vida.
Maria Angela Vilhena, em seu texto “Temporalidades Religiosas na Metrópole Paulistana:
Ensaio Sobre Sincretismos Temporais”, apresenta essa pluralidade da convivência cultural
dentro da cidade nas seguintes palavras:

Em culturas complexas, como são as das grandes cidades contemporâneas,


nem toda população que nelas vive está igualmente inserida no modo de
produção pós-industrial, como é o caso dos habitantes da cidade de São Paulo.
Prevalece entre a população a assimetria quanto ao acesso aos equipamentos
urbanos, aos bens econômicos e culturais. Essa assimetria age e retroage nas
instituições e relações sociais, sistemas simbólicos, crenças, formas de
comunicação, estruturas de informação. A esses fatores somam-se aqueles
referentes ao fato de que a expansão territorial e demográfica das metrópoles
resulta não apenas do alargamento do tempo de vida de seus habitantes, mas,
sobretudo, pelo fato de que, por serem polos econômicos, são também polos
que imantam processos migratórios. Nelas convivem nativos e imigrantes que,
em suas bagagens, portam tradições, hábitos, costumes, valores, religiões.
Dessa convivência, por vezes tensionada, entre perdas, trocas, inclusões,
sobreposições, transformações, resulta uma vida social caracterizada por
diferenças socioeconômico-culturais. Na contemporaneidade, pelos modernos
meios de comunicação, viajam e aportam nas cidades (mas não apenas nelas)
82

antigos e novos, endógenos e exógenos, complexos sistemas de práticas e


significações que afetam as subjetividades e a vida social. Síntese do mundo
e da história, as metrópoles conjugam diferentes cosmovisões, linguagens,
formas de crer, de sociabilidade, de atuação nos meios pelos quais a vida
material é produzida. (VILHENA, 2009, p. 69, grifo nosso).

A cidade não somente importa e acolhe elementos culturais diversos, mas também cria
novas culturas e transforma as existentes. Por exemplo, na sociedade rural, a cultura oral era
ancorada na sabedoria dos mais velhos. A cultura oral da cidade tem seu lastro na “atualidade
dos órgãos de comunicação” (LIBANIO, 2002, p. 114). Num ambiente rápido e cheio de
agitação como o urbano, a cultura escrita e midiática se torna mais importante do que a oral. O
ditado popular “uma imagem vale mais do que mil palavras” descreve bem essa cultura da
imagem, icônica. “Joga-se com a dupla realidade do sinal – que carrega um sentido único – e
dos símbolos que caem sob a múltipla interpretação de significados. Sinais se transformam em
símbolos. Símbolos se degradam à condição de sinais” (LIBANIO, 2002, p. 115). O saber
agrário, que vem pela observação da natureza, é substituído pelo saber industrial: “este saber,
ao entrar na cidade, com sua lógica da racionalidade, do cálculo, da previsão e da precisão,
transforma o espaço com seus planos e projetos” (LIBANIO, 2002, p. 116). Já o saber pós-
industrial ou tecnológico inaugura uma nova era agregando valor econômico aos produtos e aos
serviços. O apelo de venda está na tecnologia agregada e não somente na matéria-prima e em
sua manufatura.

Na cidade surge o que chamamos de cultura de massa. Ela reúne todo o aparato
tecnológico e midiático para influenciar a forma de vida urbana:

A tecnologia facilitou a produção e a divulgação massiva. A urbanização


acelerada, especialmente no Estados Unidos, formando aglomerados urbanos
de milhões de pessoas, criou o destinatário privilegiado dessa cultura. Pessoas
que abandonaram a vida rural. Hoje são a classe média urbana. A ela se destina
fundamentalmente esta cultura. E no Brasil ela desenvolve-se também à
medida que se dão as duas condições indicadas – desenvolvimento da
tecnologia de comunicação e urbanização. A cultura de massa é uma
verdadeira cultura. Pois, como observa E. Morin, “ela constitui um corpo de
símbolos. Mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária,
um sistema de projeções e de identificações específicas”. É uma cultura
transversal. Ela influencia todas as outras culturas, ao tocá-las. (LIBANIO,
2002, p. 121-122).

A cultura de massa é um fenômeno urbano global. Ela facilita a globalização, pois o


bem cultural de determinado lugar pode ser exportado para outro e se tornar local também.
Valores e conhecimentos estrangeiros podem ser convertidos, por meio da globalização, em
valores e conhecimentos nacionais. Esse processo chamamos de glocal. A cidade torna-se uma
83

espécie de catalizador da cultura, tornando-a plural, não apenas com variações harmônicas, mas
também com “forças e direções divergentes” (FREITAS, 1997, p. 53). Assim, a pluralidade
cultural da cidade representa oportunidades e desafios para os seus habitantes e para as
instituições que operam em seu território.

3.1.4 TRABALHO

Com o êxodo rural, milhares de trabalhadores se transferiram do campo para as cidades


durante o século XX. Em 1950, dois terços da população brasileira viviam na zona rural e cerca
de 1,5 milhão de pessoas habitavam em São Paulo. Na virada do século a população urbana no
país passava dos 80% e a explosão demográfica levou a RMSP a beirar os 20 milhões de
habitantes. O aumento da população num curto período de tempo traz consigo profundas
mudanças para as realidades do trabalho e do emprego. Alie-se a isso toda a revolução industrial
e tecnológica das últimas décadas e teremos um cenário totalmente novo para o trabalho na
metrópole:

Tal revolução repercute também no tipo de trabalho que se vai requerendo das
pessoas. Em vez de um trabalho manual, pede-se cada vez mais
conhecimentos para poder manipular máquinas complexas e informatizadas.
Por isso, na cidade vive-se, ao mesmo tempo, desemprego e falta de
empregados. Desemprego para quem não tem conhecimentos suficientes para
esse novo tipo de trabalho. E procura de mão-de-obra qualificada. Esta nova
lógica do trabalho impõe como consequência direta a necessidade do
aprimoramento de conhecimentos. (LIBANIO, 2002, p. 201).

A realidade do trabalho numa cidade como São Paulo requer uma adaptação dos
trabalhadores que nem sempre é obtida. A velocidade do crescimento demográfico e do
desenvolvimento tecnológico é muito superior a capacidade do Estado e das próprias pessoas
em converter o conhecimento técnico mediante a educação e a reciclagem profissional para
adentrarem no mercado de trabalho. Vejamos o seguinte exemplo:

Tomando por base o retrato organizado em 2004 pela prefeitura de São Paulo,
constatamos os “Dois Brasis” dentro de uma única cidade. A subprefeitura de
Cidade Tiradentes, por exemplo, situada na Zona Leste, tinha 191 mil
habitantes, dos quais 124 mil em idade ativa, para um total de 2.274 empregos.
A expansão demográfica durante os anos 90 atingiu 7,89% ao ano, o que
desafia qualquer esforço de gerar infraestruturas e assegurar serviços
essenciais no mesmo ritmo. Por outro lado, a subprefeitura de Pinheiros
contava, no mesmo período, com 273 mil habitantes, dos quais 198 mil em
idade ativa, e 238 mil empregos. A taxa de crescimento demográfico foi
negativa, de -2,41%. Em Pinheiros, morre-se sobretudo do coração; na Cidade
84

Tiradentes, de homicídio. Os chefes de família sem instrução ou até 5 anos


representavam 9,7% do total em Pinheiros e 48,4% na Cidade Tiradentes. Ou
seja, são imensas periferias em rápido crescimento, com gente pobre que
levanta às quatro e meia da manhã e volta às dez horas da noite, para trabalhar
nos bairros mais ricos. (DOWBOR, 2009, p. 286-287).

Na cidade é fundamental dominar alguns conceitos como: eficiência, competência,


agilidade na informação, uso das mais modernas tecnologias de comunicação digital, custos
baixos e resultados altos. No entanto, muitos trabalhadores “nessa mesma cidade
supermoderna, pós-industrial, continuarão a viver [como] aqueles que se situam no mundo
rural, industrial, e os que foram excluídos de ambos. Do primeiro porque o deixaram, do
segundo porque não conseguiram entrar” (LIBANIO, 2002, p. 203, acréscimo nosso). Assim,
apresenta-se o mosaico triste da realidade do trabalho na cidade. Não que o trabalho no campo
seja mais fácil, mas que as condições para se eleger ao mercado de trabalho na cidade são menos
igualitárias.

Observando o quadro do trabalho e do emprego num país como o Brasil, no qual a


educação para o desenvolvimento tecnológico não acompanhou o ritmo de crescimento do país
e a passagem da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial tem sido tão rápida e
turbulenta, chegamos à conclusão de que o país precisa de um desenvolvimento de fato,
concluso. Para isso, diversas instituições nacionais precisam ser recicladas para dar conta dos
desafios desse tempo. Nesse ponto entramos num círculo vicioso: Como gerar melhores
instituições sem gerar uma nova cultura na população? Como gerar uma nova cultura na
população sem gerar novas e melhores instituições?

Nações em desenvolvimento são cercadas de atitudes que limitam o seu


crescimento e esses valores culturais refletem nas instituições. Instituições são
regras formais e informais que emergem dos seus valores. Regras formais
incluem constituições, leis, regulamentos e agências, enquanto regras
informais incluem convenções e normas sociais. Liberdade, ausência de
corrupção, justiça básica e obediência à lei provêm do povo, não de um
sistema imposto. Todas essas instituições derivam da cultura da sociedade.
Daniel Etounga-Manguelle, pesquisador africano, usa uma ilustração simples
para retratar essa relação: a cultura é a mãe e as instituições são seus filhos. Já
que as instituições refletem a cultura subjacente, a criação das instituições
necessárias para o desenvolvimento efetivo requer mudança cultural. Em
relação à cura dos males que acometem seu continente, Etounga-Manguelle
disse com razão que “alcançar instituições africanas mais justas e mais
eficientes depende de modificações em nossa cultura”. A mudança cultural é
necessária para que as nações em desenvolvimento construam suas
instituições e seu capital espiritual. (ELDRED, 2012, p. 116-117).
85

É mais fácil afirmar do que empreender as mudanças necessárias nas questões do


trabalho numa cidade como São Paulo. Oferecer soluções criativas e que representem
verdadeiro esforço no propósito de melhorar as condições do acesso ao trabalho na metrópole
é um campo a ser explorado por agências e organizações que cooperem com o poder público
na construção de um novo quadro do trabalho na cidade.

3.1.5 VALORES

Outro elemento sociocultural da cidade é o sistema de valores da sociedade.


Novamente encontramos uma ruptura entre o conjunto de valores que encontrávamos na
sociedade rural. No Brasil e em São Paulo, a vida no campo era regida pelos valores religiosos
de matriz católica. Com a urbanização, a religião deixou de ser a fonte principal para os valores
e a ética da sociedade, e outros atores entraram em cena:

A modernidade urbana apresenta um horizonte de valores plural, conflituoso,


subjetivo, individualista, fragmentário. Plural, porque haurido em diversas
tradições culturais e religiosas. Conflituosos, porque reflete posturas
fundamentais divergentes diante da vida, do ser humano, da Transcendência.
Subjetivo individualista, porque as pessoas se julgam no direito de elas
mesmas tecerem seu universo axiológico sem se sentirem obrigadas a alguma
instância normativa. Fragmentário, porque esses valores não necessariamente
vêm de uma única tradição e podem até mesmo ser entre si incompatíveis.
Não há interesse por sua coerência lógica, mas atende-se à conveniência
pessoal em muitos casos. (LIBANIO, 2002, p. 178).

Podemos falar de uma crise dos valores quando observamos os novos desafios
decorrentes das grandes e rápidas transformações que a cidade sofre. Questões ligadas à ética
que superam o potencial de resolução presente no conjunto de valores herdado da vida no
campo:

Os eventos que se nos apresentam como corriqueiros através das notícias de


jornal ou até na vida cotidiana, na maior parte das vezes, despertam em nós
um desassossego decorrente da nossa insegurança com relação ao fato de que
não somos mais capazes de avaliar (no sentido de que não nos sentimos
preparados para isso) o que é certo ou o que é errado. Em grande parte,
contribuem para esse sentimento o “progresso” das condições de vida
contemporâneas, a tecnologia, os avanços científicos da medicina e coisas
semelhantes. Problemas como o da decisão a respeito da eticidade ou não da
utilização de células-tronco a partir de embriões humanos, por exemplo, não
teriam tido lugar alguns anos atrás. E esse é somente um exemplo, entre tantos,
dos dilemas que a vida de hoje nos apresenta e para a solução dos quais não
estamos preparados, isto é, não possuímos ferramentas para resolvê-los. A
86

reação mais frequente é fazer de conta que essas questões não nos dizem
respeito, o que, em certa medida, é verdadeiro, porque se precisa, para julgá-
las, de uma competência especializada que nem todo cidadão possui. Mas,
ainda que conscientemente não nos sintamos obrigados a nos ocupar com elas,
de alguma maneira (inconscientemente?), essas incertezas acabam nos
inquietando e, talvez, nos levando a experimentar uma forma de infelicidade
que é própria de nossos tempos. (YAMIN, 2009, pp. 179-180).

Pensar e questionar os valores na cidade passam a ser uma tarefa de vital importância
para atender as demandas plurais que surgem a cada instante desafiando a sociedade na
urbanização.

3.1.6 PARTICIPAÇÃO E MOBILIZAÇÃO

A participação e a mobilização na cidade acontecem a partir da tensão entre as maiores


oportunidades que ela oferece em relação à zona rural e o seu caráter de isolamento, solidão e
anonimato, próprios da vida na zona urbana. Na cidade existe mais liberdade para a participação
política e sindical, há mais facilidade para o surgimento de movimentos sociais a partir das mais
variadas necessidades da sociedade civil. É maior também a mobilização e a participação em
agremiações esportivas, como clubes e torcidas de futebol e, obviamente, a afiliação religiosa
na cidade, mais livre e plural. Entretanto, na cidade as pessoas tendem a isolar-se e reduzir seus
relacionamentos em função da violência, das distâncias ou mesmo em busca de solitude para
desconectar-se dos problemas cotidianos tão comuns.

Libânio propõe que na cidade há ao menos duas formas de mobilização: uma


constritiva e outra espontânea. A primeira engloba atividades como o trabalho e a escola. São
participações sociais obrigatórias para o sujeito que almeja entrar na urbanização. A segunda
engloba atividades religiosas, políticas, de entretenimento, artísticas e muitas outras. São
participações sociais que se assentam “sobre a dimensão intersubjetiva e política do ser
humano, com suas diferentes tonalidades: afetiva, estética, religiosa, lúdica, etc.” (2002, p. 150-
151).

As mobilizações sociais de caráter mais politizado também são comuns na cidade


como por exemplo as agremiações estudantis, sindicatos de classe e reuniões partidárias.
“Alguns momentos políticos, em que esteve e está mais em jogo um anseio popular do que o
interesse partidário, tiveram e têm apelo popular: a campanha das Diretas-já, o impeachment
87

de Collor” (LIBANIO, 2002, p. 150-151). e, mais recentemente, articuladas principalmente


pelas mídias sociais, as manifestações contra o aumento das tarifas do transporte público em
2013, contra a realização da Copa do Mundo da FIFA em 2014 e as manifestações de
reprovação do governo da presidente Dilma Rousseff.

A cidade, por constituir-se de um espaço coletivo que acolhe em seu universo


cultural a pluralidade étnica, os imigrantes, os grupos em situação de
vulnerabilidade, será a responsável pela concessão de espaços de
manifestações e organização e que são estabelecidos pela Constituição
Federal de 1988. A cidade pertence a todos os seus habitantes, e sob este
escopo, o discurso político ou o discurso daqueles que projetam a cidade
real/ideal deverá ser revisto evitando as incongruências e valorizando o
ambiente espacial para que todos possam e façam parte dela. (MARIANO,
2009, p. 219).

Entender as dinâmicas de participação e mobilização na cidade é, também, parte da


tarefa de aproximação do contexto urbano com suas múltiplas peculiaridades. A missão cristã
deve estar aberta para esse diálogo plural com a cidade. Por isso, faz-se necessário o
desenvolvimento de uma sensibilidade cultural na missiologia urbana, para dar conta de toda
sua diversidade. Assim como a cosmovisão do mundo rural não enxerga o mundo urbano em
todos os seus contornos e cores, da mesma forma uma missiologia que não se insere no
paradigma emergente39 corre o risco de perder sua relevância no século XXI. Este será nosso
tema no próximo tópico.

3.2 Sensibilidade cultural como modelo missiológico

A esta altura de nossa pesquisa podemos definir sensibilidade cultural como a


capacidade de ouvir e de responder ao outro num contexto pluricultural a partir de uma reflexão
empática ou solidária. Vimos que o fenômeno da imigração em São Paulo foi um dos atores
responsáveis pela composição de sua população e que o desenvolvimento da missão adventista
em São Paulo também é devedor desse fenômeno. Diferentemente do contexto rural em que a
imigração alemã e a missão adventista atuaram em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, o
contexto grande urbanização também contribuiu na relação entre a imigração e a missão
adventista na cidade de São Paulo. Portanto, precisamos refletir nas pistas socioculturais que

39
Para uma maior compreensão sobre o paradigma emergente de missiologia, ver: David J. Bosch, Missão
Transformadora, p. 442-608.
88

analisamos acima e seu impacto na missão adventista paulistana a partir das Igrejas Adventistas
étnicas. Essa reflexão propõe em si mesma um modelo missiológico para centros urbanos.

Os deslocamentos de espaços e centros ocasionados com urbanização oferecem


oportunidades de ação missionária para a Igreja localizada em centros urbanos que crescem
rapidamente e recebem muitos migrantes e imigrantes. As Igrejas precisam funcionar também
como centros comunitários nos quais as pessoas possam encontrar um lugar de referência. A
Igreja precisa estar onde as pessoas estão. Conforme a cidade vai alargando suas fronteiras e
novos bairros vão surgindo, a Igreja precisa também estabelecer novos espaços. Observando os
locais de moradia dos imigrantes na capital paulista, percebemos que a missão adventista
buscou esses mesmos espaços para se estabelecer e ser uma Igreja local. A Igreja Adventista
Coreana se estabeleceu no bairro da Aclimação, local preferido pela comunidade coreana como
moradia (TRUZZI, 2001). Uma segunda Igreja Adventista Coreana foi estabelecida no bairro
do Bom Retiro, local para onde muitos imigrantes coreanos se transferiram para morar e
trabalhar na indústria de confecção. A Igreja Adventista Hispana está localizada na Ponte
Pequena, bairro próximo ao Bom Retiro, mas com alugueis mais baratos e onde os imigrantes
bolivianos mantém suas casas que também são oficinas de costura (VIDAL, 2012). Uma nova
Igreja Adventista Hispana está a surgir na Zona Leste de São Paulo, local que tem recebido os
imigrantes bolivianos que chegaram recentemente à cidade. A Sinagoga Adventista de São
Paulo está localizada no bairro paulistano de Perdizes, na divisa com Higienópolis, famoso
bairro residencial judaico na cidade.

Além da proximidade física, para diminuir as distâncias entre o centro religioso e o


centro habitacional do imigrante, é importante que a Igreja diminua o espaço entre a ilusão e a
realidade. No caso dos imigrantes, é necessário que a Igreja local compreenda e apoie o projeto
de imigração que motivou a vinda dos imigrantes. As migrações com países limítrofes se
tornaram mais fortes no final do século XX. O Brasil vem se consolidando, pouco a pouco,
como rota das migrações intraregionais na América Latina. E, pela abertura política de nosso
continente, os deslocamentos de população aumentaram muito nos últimos anos. Uma
característica desse fluxo de migrantes na América Latina é a busca por oportunidades em
grandes centros urbanos. Esse é o caso da imigração boliviana em São Paulo. Quando
estudamos a migração, as questões econômicas normalmente são centrais. Foi assim há cem
anos, quando São Paulo foi uma das maiores cidades a receber imigrantes no mundo, e neste
novo fluxo de migração internacional não é diferente. A reestruturação da produção, pautada
pela modernização industrial e a flexibilização da mão de obra, bem como a mobilidade do
89

capital na economia global produziram novas dinâmicas de migração internacional. As


transformações nas economias dos países passaram a ser um fator importante (VILLA;
MARTÍNEZ, 2000).

A organização religiosa dos imigrantes bolivianos adventistas teve importante papel


para o fortalecimento da realização do projeto migratório que é basicamente econômico nas
migrações intracontinentais na América Latina. A relação entre religião e economia é objeto de
estudos sociológicos desde a origem da disciplina. Bordieu indica essa relação em seu conceito
de capital social:

[É] o conjunto dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de
uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de
interconhecimento e de inter-reconhecimento mútuos, ou, em outros termos,
à vinculação a um grupo, como o conjunto de agentes que não somente são
dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo
observador, pelos outros e por eles mesmos), mas também que são unidos por
ligações permanentes e úteis. (CATANI; NOGUEIRA (org.), 1998, p. 67,
acréscimo nosso).

Capital social está presente onde as pessoas se associam para atividades sociais de
cooperação e onde essa associação é pautada por um código de reconhecimento e reciprocidade
baseada na confiança mútua. Em associações religiosas, os indivíduos estão expostos a essa
rede comunitária que supera o simples utilitarismo. Uma das atividades desenvolvidas pelos
imigrantes bolivianos adventistas é o apoio social aos imigrantes recém-chegados. Num
primeiro momento, eles recebem auxílio para encontrar moradia e receber refeições
comunitárias, fornecimento de roupas, além de indicação de emprego. Muitos chegam com
pouco ou nenhum dinheiro e passam por grandes privações. Durante o período em que a
Hospedaria dos Imigrantes funcionou na cidade de São Paulo, os imigrantes recebiam
hospedagem, alimentação, atendimentos de saúde e entrevistas de emprego (MEMORIAL,
[2015]). Milhares de pessoas passaram por lá. Hoje em dia, são associações privadas que
oferecem esse tipo de apoio ao imigrante, como a Pastoral do Migrante da Igreja Católica, no
bairro do Glicério. A Igreja Adventista Hispana também realiza esse trabalho,
independentemente da confissão religiosa dos imigrantes que procuram por atendimento e
apoio.

A Sinagoga Adventista de São Paulo também procura atuar como centro comunitário
para a comunidade judaica, promovendo palestras e encontros para discutir questões políticas
e culturais de Israel e do Brasil. O local serve de integração principalmente para famílias mistas
90

que teriam dificuldades em ser aceitas em sinagogas tradicionais, mas que buscam compreender
melhor os costumes e a cultura judaica. As Igrejas Adventistas étnicas buscam converter o
espaço religioso privado em espaço público, aproximando-se das comunidades de imigrantes
com serviços abertos a todos. Pensando nas questões de centros e espaços nas metrópoles como
estratégia missional, a Igreja local pode fazer muito e ser relevante em seu contexto se abrir
suas instalações e colocar sua membresia em contato com as necessidades da comunidade em
que está inserida. É preciso aproveitar o espaço público e as oportunidades de ocupar esse
espaço com contribuições no campo da ética e da justiça social para integrar nas atividades da
Igreja local o espaço privado e o público. Michelle G. Rodrigues e Roberta B. C. Campos,
colocam esse tema da ação da religião no espaço público assim:

Embora Weber tenha colocado a religião no âmbito privado na modernidade,


as afinidades eletivas (WEBER, 2004) entre religião e esfera pública são
recriadas quando colocadas pela percepção laica dos representantes do Estado
e, em certa medida, pela própria Constituição, ao afirmar a pluralidade
religiosa. (RODRIGUES; CAMPOS, 2015)

Os impactos da urbanização sobre a percepção e a administração do tempo e do lazer


também se constituem numa área de atuação da Igreja que deve fazer parte de um projeto
missional urbano. Vimos que o consumismo gerado pela mídia encontra seu maior eco nas
cidades onde o acesso a bens de consumo acontece em proporções gigantescas. A profusão de
novas tecnologias disponíveis no mercado e as incisivas ações de marketing impõem uma
percepção acelerada de tempo às pessoas da metrópole. Nesse sentido, parar regularmente para
uma atividade sem fins econômicos não faz parte da ideologia capitalista. Mas para adotar um
ritmo de vida saudável o ser humano precisa dessa pausa em suas atividades profissionais. E a
pausa para reconstrução e descanso não pode ser confundida com o consumo de lazer que
mencionamos, embora seja grandemente explorado na cidade. Tempo para o indivíduo, para a
família e para os amigos podem ser oferecidos pela Igreja.

No caso dos imigrantes bolivianos adventistas a recriação no Brasil de uma Igreja com
as características daquela que deixaram em seu país era fundamental como suporte para a
realização do projeto migratório. No contexto boliviano, no qual a religião predominante é o
Catolicismo Romano, os adventistas constituem uma minoria religiosa. Questões doutrinárias
como a observância do sábado como dia de descanso religioso conduzem à uma ética do
trabalho diferente da dos demais imigrantes na busca da realização de seus objetivos. Minorias
religiosas tendem a vivenciar uma coesão social muito forte como fruto do processo de
91

comunicação de seus valores dentro de seu grupo (BECKFORD, 1998). Esses valores comuns
abrem caminho para uma solidariedade do trabalho que permite aos indivíduos da mesma fé se
relacionarem como familiares e criarem redes profissionais de suporte para que todos possam
ter acesso ao trabalho em conformidade com sua ética do trabalho comum, o descanso religioso
aos sábados.

Essa estrutura religiosa, que se tornou disponível com as reuniões de pequenos grupos
nas casas da comunidade de imigrantes bolivianos adventistas e a organização de uma Igreja
para a comunidade, permitiu um retorno de muitos imigrantes que haviam deixado o
adventismo em face das dificuldades enfrentadas no Brasil. A esse respeito Vilaça afirma:

O sentido de comunidade é, por norma, um dos atributos das minorias


religiosas. A comunidade – em especial se tem um espaço físico para o
encontro – possui a virtualidade de reforçar a posição do grupo dentro do
campo religioso e de o projetar na sociedade. A comunidade de crentes é um
recurso que potencia a visibilidade pública da minoria religiosa na sociedade
em que se insere e, principalmente, a reprodução da sua identidade. Quando
essa identidade religiosa surge conjugada com etnicidade, a sua
particularidade é redobrada e, mesmo que estas comunidades religiosas se
revelem residuais, do ponto de vista estatístico, elas representam uma
dimensão da realidade que não pode ser descartada. (VILAÇA, 2008, p. 31)

Percebe-se a força dessa rede de solidariedade que a religião produz ao se observar,


por exemplo, no caso da Igreja Adventista Hispana, que 74% dos membros que trabalham
indicaram ter a profissão de costureiros. Sem a estrutura religiosa, o grupo de imigrantes
bolivianos adventistas estaria em desvantagem para executar seu projeto migratório e manter
sua identidade boliviana adventista. Em associação comunitária, os imigrantes conseguem
experimentar uma dinâmica diferente do tempo na cidade. As reuniões semanais regulares aos
sábados na Igreja oferecem a oportunidade para romper com a propaganda do consumismo e a
conjugar o projeto imigratório e as convicções religiosas.

Oferecer uma nova relação e percepção do tempo na cidade é uma oportunidade


especial para o projeto missional da Igreja urbana. A bandeira do descanso religioso tem sido
insistentemente levantada por diversos líderes religiosos como antídoto para os males do tempo
acelerado pelo consumismo no mundo moderno, especialmente nos centros urbanos. A Revista
Época, em sua versão eletrônica, noticiou recente o pronunciamento do Papa Francisco sobre
este tema:

Durante a audiência geral desta quarta-feira (12/08), o Papa Francisco


criticou a cultura do consumismo que faz as pessoas se tornarem “escravas
92

do trabalho”. “Não devemos ser jamais escravos do trabalho, mas sim


senhores dele. Há um mandamento para isto, que atinge a todos, mas ao invés
disso sabemos que há milhões de homens, mulheres e até crianças escravas do
trabalho”, destacou. Voltando a criticar a cultura do consumismo, o Pontífice
destacou que esse comportamento é “contra Deus e contra a dignidade
humana”. “A obsessão pelo desenvolvimento e pela eficiência técnica
colocam em risco os ritmos humanos da vida porque a vida tem seu próprio
ritmo”, disse à multidão que acompanhava a celebração. “O tempo de repouso,
sobretudo no domingo, é destinado a nós para que possamos aproveitar aquilo
que não se pode comprar e nem vender”, disse sobre o tempo em família.
(ÉPOCA, 2015).

Igrejas locais precisam oferecer opções à comunidade sobre como usufruir do tempo
diante das pressões que o ambiente urbano apresenta. Num modelo missiológico urbano, é
importante estabelecer estratégias para que as pessoas repensem o uso do tempo e
experimentem pessoalmente os benefícios desta prática cristã. Dedicar tempo pessoal para
Deus, para a reflexão e para o relacionamento com o outro são benefícios reais para as pessoas
atingidas diariamente pelos efeitos da urbanização e do consumismo nas metrópoles
contemporâneas.

Um outro aspecto muito importante para a missão em contexto urbano é o convívio com
a pluralidade cultural. Vimos que ela é ao mesmo tempo enriquecedora na soma de recursos
culturais das mais diversas origens e também geradora de conflitos, uma vez que diversos
desses elementos culturais são antagônicos entre si. As pessoas da cidade são heterogêneas e,
consequentemente, a cultura da cidade também. Qualquer modelo missiológico a ser
implementado na cidade deve levar isso em conta. Os desafios ficam por conta da
contextualização:

A teologia contextual deseja fazer teologia dentro de um contexto.


Tradicionalmente existe a opinião de que os esboços teológicos têm validade
universal. A teologia contextual despediu-se dessa ideia. O termo
contextualização foi introduzido e popularizado no vocabulário teológico em
1972, por meio de uma publicação do Theological Education Fund (TEF –
Fundo para Educação Teológica). Apesar de o termo não ter despertado
unanimidade, parece ter se imposto de uma forma geral. Outros termos
comuns na missiologia, como aculturação, indigenização, encarnação do
Evangelho, acomodação, continuaram sendo usados. O termo está
fundamentado no reconhecimento generalizado de que a revelação de Deus
sempre pressupõe a encarnação na cultura das pessoas. Deus fala com os
homens por meio da linguagem humana e em meio ao ambiente de vida
humano. Esse conceito básico marca o termo contextualização. Morea define
corretamente: “A ideia principal é levar o Evangelho a um contexto novo e
encontrar formas apropriadas para comunicá-lo, de forma que as pessoas do
contexto o entendam. A contextualização refere-se a mais do que somente
teologia, ela também inclui o desenvolvimento da vida de igreja e do serviço,
de forma que estes também sejam bíblica e culturalmente apropriados”. Dessa
93

forma, a contextualização não é opcional. Ela é, como expressou Stephan


Bevans, um “imperativo teológico” ou, como escreveram os autores
evangelicais Hesselgrave e Rommen em seu livro sobre contextualização,
“uma necessidade”. (REIMER, 2011, p. 220).

Na cidade, a contextualização do Evangelho deve ser tão plural quanto a cultura


urbana40. Nesse sentido, as Igrejas Adventistas étnicas em São Paulo, por tudo que
apresentamos no capítulo anterior, refletem essa compreensão da missão adventista em
contextualizar o adventismo aos distintos nichos étnicos da capital. Respeitando aspectos
culturais como o idioma, arquitetura, artes, música, vestuário e os códigos e valores próprios
dos imigrantes em sua sociedade de origem.

A vantagem da pluralidade cultural das cidades para um projeto missionário é que ele
receberá certa aceitação dentre os demais códigos e manifestações culturais. A pluralidade
cultural também valida o cristianismo, o adventismo e qualquer outra expressão religiosa.
Apesar da forte secularização das cidades, a experiência religiosa também tem crescido na pós-
modernidade. Por isso um modelo missiológico urbano deve explorar os aspectos kerigmáticos
da missão da igreja como a martyria, a diakonia, a koinonia e a leiturgia41. Na apresentação do
Evangelho, a Igreja deve contextualizá-lo incorporando os valores do mesmo em seu
testemunho, sua entrega (martyria). A proclamação do Evangelho (kerigma) precisa estar
fundamentada no serviço ao próximo (diakonia) e por uma forte vida em comunidade
(koinonia). Todos esses elementos darão legitimidade ao culto cristão (leiturgia) no contexto
urbano. David J. Bosch afirma: “Os melhores modelos de teologia contextual conseguem
reunir, em tensão criativa, teoria, práxis e poiesis [ritos] – ou, se quisermos, a fé, a esperança e
o amor. Isso constitui uma outra maneira de definir a natureza missionária da fé cristã, que
procura combinar as três dimensões” (BOSCH, 2002, p. 516).

Ainda sobre a pluralidade cultural da cidade, a missão cristã pode explorar sua
dimensão simbólica. Em meio a uma cultura de massa como a encontrada na cidade,
disseminada por meio do aparato tecnológico da mídia (que também está à disposição da
Igreja), a missão na cidade pode resgatar o caráter simbólico do cristianismo, por intermédio
de seus ritos e celebrações. O símbolo requer uma interpretação em busca de seu significado. É

40
Contextualização não implica em sincretismo ou numa validação generalizada da cultura. A contextualização
do Evangelho busca pontos de contato com a cultura e faz a crítica dessa cultura a partir dos valores cristãos. Para
uma discussão mais aprofundada deste tema ver: David J. Bosch, Missão Transformadora, Sinodal, 2002, p. 503-
515.
41
Para um estudo dos aspectos kerigmáticos da missão da igreja ver: Johannes Reimer, Abraçando o Mundo –
Teologia de implantação de igrejas relevantes para a sociedade, Editora Esperança, 2011, p.190-200.
94

uma oportunidade para reflexão e descobrimento da herança cristã, das lições intencionadas
pelos autores do texto bíblico. (STACKHOUSE, 1988).

Seguindo as pistas socioculturais da cidade, que devem orientar o planejamento de um


modelo missiológico urbano, deparamo-nos com o tema do trabalho. Como vimos, os avanços
da industrialização e o advento das novas tecnologias que impactam tanto a indústria quanto o
setor de serviços criaram uma cisão entre as necessidades de mão de obra qualificada para o
mercado e a real situação da maioria dos trabalhadores na cidade. Essa realidade é
experimentada por muitos dos imigrantes quando têm de enfrentar o mercado de trabalho na
capital paulista. Por exemplo, no caso da imigração de coreanos e bolivianos para São Paulo
encontramos a formação de um nicho econômico que proporcionou a atração dos migrantes
com mudanças na estrutura do emprego na indústria da confecção paulistana. A mudança de
uma economia industrial para uma economia de serviços motivada pela modernização da
indústria e o crescimento do setor de serviços resultaram numa mudança da mão de obra em
São Paulo. Entre 1977 e 1999 a concentração da população economicamente ativa na indústria
de transformação passou de 38% a 19%, enquanto passava de 37% a 51% nos serviços
(MEYER; GROSTEIN; BIDERMAN, 2004). Essa mudança no cenário do emprego forçou a
indústria do vestuário a buscar um processo de deslocalização, modernização e reestruturação.
Grandes parques fabris fecharam e deram lugares a pequenas e médias oficinas em lugares onde
o custo do aluguel e do solo fossem mais baixos. Setores como corte e modelagem receberam
o auxílio da informatização e robotização que garantiam melhor aproveitamento da matéria-
prima. Mas foi na reestruturação da cadeia produtiva que abriu espaço para a inserção
econômica dos migrantes internacionais como coreanos, bolivianos e paraguaios.

As Igrejas Adventistas étnicas formaram uma rede de apoio aos trabalhadores


imigrantes recém-chegados ao país. Essa proatividade da Igreja em face da necessidade
profissional imediata dos imigrantes deve fazer parte de um projeto missional urbano. A
realidade do trabalho está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana. A capacidade de
geração de oportunidades de trabalho na metrópole é um grande diferencial para a missão da
Igreja. Na origem das primeiras conversões de japoneses ao adventismo em São Paulo, estão
as oportunidades de trabalho que o Colégio Adventista Brasileiro ofereceu aos imigrantes e que
lhes proporcionaram condições de estudo formal e desenvolvimento pessoal centrais à
realização do projeto migratório. Foi assim também com a Igreja Adventista Coreana e com a
Igreja Adventista Hispana. Ambas formaram redes de solidariedade que potencializaram a
entrada dos imigrantes no mercado de trabalho paulistano. Ações pastorais de trabalho devem
95

receber especial atenção no contexto urbano:

É possível agir no meio dos excluídos? Sim, pois nenhum sistema é tão
fechado que não deixe brechas. O sistema não pode nem precisa controlar
tudo. Há espaços que movimentos sociais podem ocupar, dependendo dos
países. Em alguns há menos espaço para os movimentos populares. Em outros
há mais. (COMBLIN, 2000, p. 24).

É, portanto, indispensável no modelo missiológico urbano que se preencham as


brechas do sistema capitalista que exclui os trabalhadores menos qualificados com projetos de
requalificação, cooperativas, ensino profissionalizante para jovens e mulheres, inclusão digital,
promoção no espaço da Igreja de programas profissionais do governo, como a Padaria Artesanal
(PADARIA, [2015]), que a prefeitura de São Paulo oferece, na forma de cursos, kits de padaria
e parcerias com inúmeras instituições inclusive Igrejas. Dessa forma, a missão urbana pode
ocupar um papel de transformação cultural na cidade impactando a vida das pessoas e, como
desdobramento, as próprias instituições que deveriam liderar uma sociedade mais igualitária
em oportunidades para seus cidadãos.

Em continuidade das pistas socioculturais da cidade, a missiologia urbana deve lidar


também com os valores da sociedade. Provavelmente esse é um dos temas que vai exigir grande
articulação da missão no sentido de discutir os grandes temas éticos da atualidade, ao mesmo
tempo em que apresenta os valores tradicionais do evangelho que caracterizam a fé cristã. Como
notou Ariarajah (2011) a Igreja tem excelentes respostas para perguntas que não se fazem mais.
A missão deve adotar uma postura dialógica em relação aos valores da sociedade na
urbanização. Nesse sentido, tanto a Casa de Oração da Comunidade Árabe Aberta quanto a
Sinagoga Adventista de São Paulo representam o esforço da missão adventista em dialogar com
valores culturais diversos dos do cristianismo. Essa abertura para o diálogo não enfraqueceu a
estrutura hermenêutica e epistemológica do adventismo em relação aos seus valores, pelo
contrário, as reafirmou.

O diálogo autêntico pressupõe compromisso. Ele não implica o sacrifício da


própria posição – nesse caso, ele seria supérfluo. Uma abordagem “sem pré-
conceito” não representa apenas uma impossibilidade, mas, em verdade,
subverteria o diálogo. As Diretrizes para o Diálogo com Adeptos de Crenças
e Ideologias Vivas, do CMI, formula-o assim: dialogar significa testemunhar
nossas mais arraigadas convicções, ao mesmo tempo que escutamos aquelas
de nosso próximo (WCC, 1979:16). Sem meu comprometimento com o
evangelho, o diálogo se torna um mero bate-papo; sem a presença genuína do
próximo, ele se torna arrogante e sem valor. É falso sugerir que um
compromisso com o diálogo seja incompatível com uma posição confessional
(cf. A. Wingate, ap. Cracknell e Lamb, 1986:65). (BOSCH, 2002, p. 578).
96

Ao formularmos um modelo missiológico para centros urbanos, precisamos incluir a


competência do diálogo de valores e crenças as mais diversas. Refletir e buscar uma teologia
atualizada para as grandes questões éticas da cidade deve ser uma das tarefas da missão cristã
na cidade. A Igreja deve ser um lugar em que os membros são equipados com o conhecimento
adequado, atitudes apropriadas e ferramentas práticas para o diálogo. Também é indispensável
a perspectiva missiológica de transpor as diferenças a partir do que se tem em comum. Valores
cristãos como família, honestidade, humildade, fraternidade, serviço, podem ser muitos úteis à
sociedade, principalmente se não estiverem restritos ao discurso e ausentes na vida cristã.

Esta atitude envolve uma vontade de partilhar e ouvir, bem como uma abertura
para a possibilidade de mudanças em perspectiva de ambas as partes. Todas
as tradições religiosas têm algo a aprender com tais diálogos na medida em
que elas são capazes de aceitar a especificidade cultural do outro. As heranças
religiosas podem ser e são transformadas por esses encontros. (LOPES, 2013,
p. 235).

Finalmente, as pistas socioculturais da cidade exigem um posicionamento político da


missão diante do tema da participação e mobilização. A Igreja se caracteriza por um tipo de
participação espontânea, mas que compõe o quadro maior de participação e de mobilização na
cidade. Ela reafirma a dimensão de pertencimento do indivíduo. Por isso mesmo as iniciativas
de um projeto missionário urbano devem explorar as atividades comunitárias da igreja. Quando
levamos em conta que na pós-modernidade a experiência pessoal é muito valorizada, pertencer
antes de crer se torna uma estratégia missionária muito importante. Já vimos que no caso de
comunidades étnicas, esse conceito de comunidade se intensifica. É caso das Igrejas
Adventistas étnicas em que o idioma litúrgico não é o português, como a Igreja Adventista
Japonesa, Coreana e Hispana, nas quais o uso da língua materna promove sentido familiar aos
imigrantes.

Todo projeto missionário urbano deve levar em conta o aspecto comunitário. Não
apenas para a convivência do grupo fechado, mas nas relações com a sociedade em que está
inserido. No caso da Igreja Adventista Hispana, é oferecido auxílio para a legalização dos
imigrantes que buscam uma situação melhor no país. A situação de indocumentados, tão
comum na atual onda migratória global, é fonte de medo e insegurança que prende inúmeros
imigrantes na informalidade trabalhista. São frequentes as denúncias de imigrantes bolivianos
em condição de trabalho análogo à escravidão nas oficinas de costura de São Paulo (SPRESSO-
SP, 2014). Isso comunica uma imagem midiática para o paulistano de que todo imigrante
boliviano é um índio coitado que vive explorado em nosso país. Tanto o fato quanto a imagem
97

são degradantes à pessoa humana. A estrutura de suporte econômico oferecida pela comunidade
boliviana adventista promove dignidade e inserção socioeconômica aos imigrantes,
constituindo-se num importante capital social da comunidade. Como diz Halman:

O capital social refere-se, portanto, a determinados atributos que potenciam a


capacidade dos participantes no relacionamento social para prosseguirem os
seus interesses e que, a um nível mais geral, constituem um recurso para o
desenvolvimento social. Estes importantes atributos são a confiança
interpessoal, o apoio mútuo, as normas partilhadas. (HALMAN, 2003, p.
257).

Além disso, os projetos missionários urbanos precisam dar conta dos grandes temas
da sociedade com um engajamento político concreto. A Igreja pode ser apartidária, mas nunca
apolítica. Reimer assinala que:

Como fazer discípulos de todas as nações e não ter nada a dizer a estas nações
sobre a sua convivência sociopolítica? Mesmo que agisse assim e se calasse,
sua natureza [da igreja] diferente a trairia. A luz não pode ser ignorada na
escuridão. A igreja é chamada para ser luz no mundo. Fritz Schwarz é correto
ao formular: “Uma comunidade cristã nunca pode se questionar se deseja ter
orientação política ou não. A única coisa que pode perguntar é sobre a melhor
forma de desempenhar seu mandato político – que ela de qualquer forma
possui”. É impossível eximir-se totalmente desse mandato. (...). Este tipo de
atitude apolítica é, na verdade, altamente política, pois o mundo é entregue ao
seu próprio cuidado. (REIMER, 2011, p. 200).

Portanto, no modelo missiológico para centros urbanos, a Igreja cristã deve


desempenhar seu papel profético ao denunciar os males da sociedade em que está inserida.
Obviamente as reformas devem começar pela própria vida da Igreja sob o risco de hipocrisia.
A Igreja cristã não pode se acovardar diante das injustiças, desigualdades e abusos que se
multiplicam nas metrópoles contemporâneas.

3.3 Conclusão parcial

Neste capítulo utilizamos a Teoria das Lógicas da Cidade, de João Batista Libânio, para
construir uma estrutura urbana heurística, que interpela a fé cristã. Esse procedimento deve ser
refeito inúmeras vezes, pois a cidade está sempre em movimento, se apropriando de novas
práticas, alterando culturas e criando novas. Deve haver um diálogo permanente entre a cidade
e a missão cristã.
98

Também observamos a relação da missão adventista com os grupos étnicos analisados


a partir das pistas socioculturais que encontramos na cidade. Buscamos demonstrar que as
Igrejas Adventistas étnicas contribuíram com a formação de uma sensibilidade cultural na
missão adventista paulistana apropriada para um projeto missionário urbano, no sentido de se
aproximar da cidade a partir de seus questionamentos e dinâmicas próprias.

Ao refletir sobre cada um dos elementos socioculturais aos quais um modelo


missiológico urbano deve responder, percebemos que a Igreja na cidade tem um novo horizonte
de atuação muito diferente do modelo paroquial rural. A nova paróquia é muito maior e mais
plural. Por isso, a missão cristã na cidade deve desenvolver novas competências e criar uma
nova teologia pastoral, a partir da missão. As culturas da cidade precisam ser estudadas para
que a Igreja explore o que há de positivo para construir pontes missionais e denunciar por meio
de seu papel profético o que há de injusto e corrompido nas culturas urbanas.
99

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os caminhos percorridos por esta pesquisa nos ajudaram a considerar a missão


adventista paulistana a partir de suas experiências com a pluralidade étnica e cultural da cidade
de São Paulo e como esse caminho influenciou a formação de um adventismo brasileiro e
também plural em termos missiológicos.

A estrutura principal da divisão do adventismo paulistano em fases proposta por essa


pesquisa foi a seguinte: a missão entre imigrantes, a missão entre nativos e a missão entre novos
imigrantes. Esta percepção sobre a inserção e o desenvolvimento da missão adventista na
capital paulistana, baseada nas interações da missão adventista com o fenômeno da imigração,
nos ajudou a observar a característica de sensibilidade desenvolvida pelo adventismo paulistano
em relação à pluralidade cultural típica de um grande centro urbano que recebe grandes
contingentes de imigrantes. Esse relacionamento contínuo com a diversidade étnica da cidade
de São Paulo proporcionou à missão adventista incorporar ao seu DNA missiológico o diálogo
com a alteridade da cidade. A inserção e o desenvolvimento da missão se deu num momento
histórico de grandes e rápidas mudanças na cidade de São Paulo.

No primeiro capítulo investigamos como o vigoroso crescimento industrial e suas


implicações para a formação do capital humano da cidade com a atração de trabalhadores para
suas indústrias, os impactos sobre a transformação urbana da cidade a partir da formação de
novos bairros, a presença dos diversos grupos de imigrantes e as novas condições tecnológicas
presentes na capital paulistana atraíram a missão adventista que havia se instalado nas colônias
alemãs do Sul do Brasil para a RMSP. Percebemos como o processo de tradução do adventismo
estadunidense para as colônias de imigrantes teuto-brasileiros e depois para os brasileiros
nativos falantes do português e em seguida para os novos imigrantes na segunda metade do
século XX colaborou para que a missão adventista paulistana desenvolvesse sensibilidade
cultural ao conviver com a pluralidade cultural da cidade.

O estudo das fases da missão adventista paulistana nos mostrou que ela passou por um
processo de reflexão de suas práticas missionárias ao longo de seu desenvolvimento histórico
em diálogo com a realidade do desenvolvimento histórico da própria cidade, sempre marcado
por essa tensão entre a necessidade do abrasileiramento e as novas ondas de imigração. O
próprio desenvolvimento da missiologia adventista mundial contribuiu para o desenvolvimento
da missão adventista em São Paulo.
100

No segundo capítulo, investigamos o surgimento das Igrejas Adventistas étnicas de


São Paulo, escolhendo as três Igrejas que surgiram no período denominado de Missão Global
que é a atual fase da missão adventista mundial, e a fase mais madura da reflexão missiológica
do adventismo. As Igrejas escolhidas foram: Sinagoga Adventista de São Paulo (Beth B’nei
Tsion), Comunidade Árabe Aberta e Igreja Adventista Hispana. Vimos que todas elas surgiram
nas regiões centrais da cidade que receberam os diversos grupos étnicos de imigrantes. Estas
Igrejas Adventistas étnicas trouxeram novas contribuições à missão adventista paulistana a
partir das interações linguísticas, de expressões culturais artísticas e hermenêuticas. Cada um
desses aspectos foi estudado a partir da Teoria da Hibridação que destaca o processo de
interação, com seus elementos convergentes e contraditórios, como o objeto de estudo de
formas culturais e de estruturas sociais.

O surgimento das Igrejas étnicas Adventistas em São Paulo revela e ao mesmo tempo
reforça a sensibilidade cultural do adventismo paulistano na medida em que trouxe
necessidades específicas de cada grupo étnico para os membros desta denominação na capital
paulista e também com a afirmação de sua própria identidade adventista étnica diante do
adventismo paulistano. Essa interação desafia e enriquece a práxis missiológica do adventismo
paulistano. Vimos também que existe uma troca entre os adventistas que congregam as Igrejas
Adventistas nacionais e os aqueles que congregam as Igrejas étnicas. Na convivência, a
sensibilidade cultural que existe na missão adventista se estende para a membresia que visita
as Igrejas Adventistas étnicas e entra em contato com formas culturais distintas das suas.

O escopo de nosso trabalho não nos permitiu analisar outras influências da pluralidade
cultural da metrópole paulistana sobre a missão adventista e que certamente contribuíram para
a formação do modelo missiológico do adventismo paulistano. Aproveitamos para sugerir
pesquisas futuras sobre a missão adventista paulistana e as contribuições dos migrantes
nacionais: quais as heranças e as influências que os regionalismos brasileiros trouxeram ao
adventismo. Pesquisas a respeito dos impactos da secularização e da pós-modernidade, tão
presentes no cotidiano urbano, sobre a missão adventista também ajudariam a compor um
quadro missiológico mais amplo do desenvolvimento do adventismo paulistano. Outra
recomendação de pesquisa sobre a missão adventista paulistana é o componente geracional,
como as novas gerações têm interagido com o adventismo na cidade de São Paulo. Finalmente,
estudos sobre missão adventista e periferia, uma vez que a maior parte das congregações
adventistas e seus membros vivem fora das regiões centrais da cidade, contribuiriam em muito
101

com a compreensão da missão adventista paulistana. Cremos que cada uma dessas pesquisas
auxiliaria diretamente a práxis missionária em centros urbanos.

Finalmente, no terceiro capítulo utilizamos a estrutura teórica das Lógicas da Cidade,


que nos ajudaram a avaliar a forma pela qual a missão adventista entre grupos étnicos na cidade
de São Paulo tem respondido à realidade da metrópole moderna. Foi um caminho interessante
analisar os eixos propostos por esta teoria e aplicá-los ao caso específico das Igrejas Adventistas
étnicas. Descobrimos que as oportunidades missionárias que esses eixos representam tem sido
de alguma forma encontradas nas ações da Igrejas pesquisadas. Se funciona nesse microcosmo
da cidade, deveríamos estender suas aplicações a outros subgrupos culturais da cidade. Os
princípios missiológicos resultantes da compreensão das Lógicas da Cidade podem ajudar a
implementar projetos missionários relevantes no contexto urbano hodierno.

Creio que podemos responder à pergunta principal que norteou nossa pesquisa
afirmando que a sensibilidade cultural presente no adventismo paulistano pode contribuir com
a missiologia adventista em outros grandes centros urbanos ao recomendar um diálogo
permanente com o ambiente urbano das grandes cidades. Sem esse diálogo franco e aberto a
missão cria um descompasso com as dinâmicas socioculturais da cidade e perde a relevância,
isolando-se das possibilidades de um projeto missionário estabelecido a partir da cidade.
102

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