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Prof. Dr. Nicanor Lopes
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
_____________________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Especialmente pelo apoio de minha esposa, Paula, e minha filha, Melissa. Sem vocês a alegria
À Igreja Adventista do Sétimo Dia que permitiu que essa pesquisa fosse realizada.
À Igreja mais culturalmente sensível que eu conheço, Nova Semente. Obrigado pelo apoio.
Aos meus colegas de vocação missional, Kleber, Felipe, Danny e Hiran tenho aprendido
RESUMO
Esta pesquisa objetiva analisar o desenvolvimento da missão adventista na cidade de São Paulo
em busca de um modelo missiológico para centros urbanos. São Paulo, uma das maiores
metrópoles do mundo tem uma formação cultural plural, não apenas pelas forças atuantes da
modernização, secularização, globalização e pós-modernidade. A composição da população da
cidade possui uma gênese étnica plural. Além da matriz autóctone indígena, do colonizador
branco europeu e dos escravos africanos, desde o início do século XIX chegaram outros
imigrantes, europeus e asiáticos. Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil foi o país que
mais recebeu imigrantes em todo o mundo. Estima-se que nos anos de 1920, apenas um terço
da população na cidade de São Paulo fosse de brasileiros, o restante era composto por
imigrantes. A inserção do adventismo em São Paulo se deu por missionários imigrantes que
trabalharam primeiro com outros imigrantes antes de evangelizar e desenvolver a missão
adventista com os brasileiros nacionais. De alguma forma, esse início deixou marcas na missão
adventista paulistana. São Paulo é hoje a cidade com o maior número total de adventistas no
mundo e a única com Igrejas Adventistas étnicas que atendem cinco grupos étnicos distintos:
japoneses, coreanos, judeus, árabes e bolivianos/peruanos. Esta pesquisa busca investigar a
formação de uma sensibilidade cultural no adventismo paulistano que lhe permitiu dialogar
com a pluralidade cultural da metrópole paulistana.
ABSTRACT
This research aims to analyze the development of Adventist mission in the city of São Paulo
looking for an urban center Missiological model. São Paulo, one of the largest metropolis in
the world has a plural cultural background, not only for the active forces of modernism,
secularism, globalization and post-modernism. The composition of the city's population has a
plural ethnic genesis. Besides the indigenous native, white European colonists and African
slaves’ matrix, since the early nineteenth century others immigrants, Europeans and Asians,
have arrived. In the first decades of the twentieth century, Brazil was the country that received
more immigrants in the world. It is estimated that in the 1920s, only a third of the total
population in the city of São Paulo were Brazilians, the rest was composed of immigrants. The
insertion of Adventism in São Paulo took place by foreigners’ missionaries who worked first
with other immigrants before evangelize and develop the Adventist mission with local
Brazilians. Somehow, those early events have made a mark in São Paulo’s Adventist mission.
São Paulo is now the city with the highest total number of Adventists in the world and the only
one with ethnic Adventist churches for five distinct ethnic groups: Japanese, Korean, Jewish,
Arab and Bolivian / Peruvian. This research looks for the formation of a cultural sensibility in
the São Paulo’s Adventism that allowed it to get acquainted with the cultural diversity of the
metropolis.
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 12
1 OS ADVENTISTAS E A MISSÃO.......................................................................................................... 18
1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA MISSÃO NO ADVENTISMO ..................................................................... 19
1.1.1 Missão Limitada aos “Adventistas” (1844-1852) ............................................ 19
1.1.2 Missão Limitada à América do Norte (1852 – 1874) ....................................... 20
1.1.3 Missão Limitada a Países Cristãos (1874 – 1901)............................................ 21
1.1.4 Missão a Todo o Mundo (1901 – C. 1950)....................................................... 22
1.1.5 Esforços para Sistematizar a Missão (C. 1950 – 1990) .................................... 22
1.1.6 Missão Global (1990 – Atual) .......................................................................... 23
1.2 A MISSÃO NA AMÉRICA LATINA ......................................................................................................................... 24
1.3 A MISSÃO NO BRASIL ........................................................................................................................................... 26
1.3.1 A Missão e os Imigrantes Adventistas Europeus ............................................. 26
1.3.2 A Missão e os Colportores Adventistas ............................................................ 27
1.3.3 A Missão e os Ministros Ordenados ................................................................. 28
1.3.4 A Missão e as Instituições Adventistas ............................................................ 30
1.3.5 A Missão e o Processo de Nacionalização do Adventismo .............................. 32
1.4 A MISSÃO EM SÃO PAULO ................................................................................................................................... 36
1.4.1 Adventismo Paulistano entre Imigrantes .......................................................... 37
1.4.2 Adventismo Paulistano entre Nativos .............................................................. 39
1.4.3 Adventismo Paulistano entre Novos Imigrantes .............................................. 46
1.5 CONCLUSÃO PARCIAL ........................................................................................................................................... 48
2 OS ADVENTISTAS E A IMIGRAÇÃO EM SÃO PAULO .................................................................. 50
2.1 AS IGREJAS ADVENTISTAS ÉTNICAS .................................................................................................................. 51
2.1.1 Sinagoga Adventista de São Paulo ................................................................... 51
2.1.2 Comunidade Árabe Adventista de São Paulo ................................................... 56
2.1.3 Igreja Adventista Hispana de São Paulo .......................................................... 59
2.2 O PROCESSO DE HIBRIDAÇÃO ............................................................................................................................ 63
2.2.1 O Adventismo Paulistano e a Hibridação ......................................................... 66
2.3 CONCLUSÃO PARCIAL .......................................................................................................................................... 74
3 CONTRIBUIÇÕES PARA A MISSÃO EM CENTROS URBANOS................................................... 76
3.1 PISTAS SOCIOCULTURAIS DA CIDADE ................................................................................................................ 77
3.1.1 Espaço e Centro ................................................................................................ 78
3.1.2 Tempo e Lazer .................................................................................................. 80
3.1.3 Pluralidade Cultural .......................................................................................... 81
3.1.4 Trabalho ............................................................................................................ 83
3.1.5 Valores .............................................................................................................. 85
3.1.6 Participação e Mobilização ............................................................................... 86
3.2 SENSIBILIDADE CULTURAL COMO MODELO MISSIOLÓGICO ........................................................................... 87
3.3 CONCLUSÃO PARCIAL ........................................................................................................................................... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................. 99
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................... 102
12
INTRODUÇÃO
1
Doravante denominado apenas por EUA.
13
mantêm em São Paulo mais de 770 congregações, duas clínicas naturalistas, um hospital, um
centro clínico, um centro de mídia para rádio, TV e internet e uma editora. Sua rede educacional
no Estado de São Paulo conta com 74 escolas e uma universidade tri-campi.
Para analisarmos o subtema da urbanização, vamos nos valer da teoria proposta por
João Batista Libânio para trabalhar com uma fenomenologia da cidade: as Lógicas da Cidade.
Libânio se aproxima da cidade como um lugar heurístico, isto é, a cidade como ferramenta para
a produção de conhecimento científico. Ele escolhe determinados eixos (lógicas do espaço e do
centro, lógicas do tempo e do lazer, lógicas da pluralidade cultural, lógicas da participação e da
mobilização, lógicas dos valores e lógicas do trabalho e do poder) que atuam como as regras de
um jogo para a experiência de viver na cidade.
2
Para um estudo sobre os conceitos de missão, ver de David J. Bosch, Missão Transformadora, 2009, p. 26-29.
15
Por essa razão precisamos ter nosso objeto de estudo suficientemente bem descrito e
detalhado. Nesse sentido, os dados pesquisados contribuirão em grande medida para o sucesso
de nosso trabalho.
pode, até certo ponto, apontar vínculos causais, entre os fatores presentes e
ausentes. (LAKATOS; MARCONI, 1992, p. 82).
O uso desse método em nossa pesquisa vai nos ajudar a estudar as mudanças de
paradigmas no adventismo paulistano e a encontrar uma explicação para o atual paradigma.
No segundo capítulo faremos uma análise sobre a interação da missão adventista com
a pluralidade cultural da cidade de São Paulo com ênfase no papel das imigrações e do
surgimento das Igrejas Adventistas étnicas. Nosso objetivo será encontrar os caminhos que a
missão adventista tem percorrido no ambiente urbano da capital paulista. O fenômeno das
migrações é um dos grandes agentes das mudanças culturais na cidade de São Paulo. Neste
capítulo vamos pesquisar sobre a contribuição das Igrejas Adventistas étnicas para a percepção
que o adventismo tem da pluralidade cultural e os impactos em sua missiologia. Nos interessam
17
as descobertas resultantes dessa interação como pistas socioculturais que constituirão a base
para o próximo capítulo.
1 OS ADVENTISTAS E A MISSÃO
3
O grande desapontamento de 1844 é o nome dado a experiência de frustração pela qual passaram os mileritas
que aguardavam a segunda vinda de Jesus em 22 de outubro de 1844.
4
Para um estudo dos movimentos adventistas da Porta Aberta e da Porta Fechada, ver de John Norton
Loughborough, O Grande Movimento Adventista, 2014, p. 175-194.
5
Mileritas e milerismo são termos utilizados em referência ao movimento liderado por William Miller na primeira
metade do século XIX nos EUA e aos seus seguidores.
19
expiação6. Deste grupo surgiu o movimento adventista sabatista, que mais tarde deu origem a
Igreja Adventista do Sétimo Dia. (TIMM, 2007, pp. 70-77).
Durante esse período, o conceito de missão dos adventistas sabatistas era limitado por
seu conceito de porta fechada. A pregação estava voltada para as pessoas que participaram do
movimento milerita e que haviam abandonado a fé ou retornado à comunhão de suas Igrejas de
origem ou ainda para outras Igrejas Cristãs. Como o grupo a ser evangelizado era restrito e já
havia participado do movimento milerita, esta primeira fase da missão adventista teve de
trabalhar o conteúdo de sua mensagem e sistematizar suas principais doutrinas, o que permitiu
um período de maturação do corpo doutrinário adventista, enquanto os crentes “se encorajariam
uns aos outros até que Cristo viesse”. Entretanto, não havia nenhum tipo de preocupação em
pregar para as pessoas consideradas por eles como “pecadores” (SCHWARZ; GREENLEAF,
2009, p. 53).
6
O significado desta compreensão é que Jesus estava iniciando a fase investigativa do juízo divino no santuário
celestial. Para um estudo deste tópico ver de R. W. Schwarz e F. Greenleaf, Portadores de Luz, 2009, pp. 59-61.
20
É interessante notar que a análise que faremos neste trabalho sobre a hibridação
cultural nas interações entre a missão adventista paulistana e os grupos étnicos que formaram
as Igrejas Adventistas étnicas na cidade de São Paulo, poderiam ser úteis para compreender a
formação do sistema administrativo eclesiástico adotado pelos pioneiros adventistas. Mais do
que uma análise da forma final do modelo administrativo adventista, a Teoria da Hibridação se
preocupa com as interações que geraram o novo modelo. Sumarizando os autores pós-
colonialistas que trabalharam com esta teoria para criticar o nacionalismo cultural dos países
desenvolvidos, Magali do Nascimento Cunha, em seu livro A Explosão Gospel: um olhar das
ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil afirma que “o ‘híbrido’ não seria um
elemento, mas um processo resultante do encontro/intercâmbio da periferia com o centro e da
periferia com as diferentes periferias. Deste encontro/intercambio novas identidades são
produzidas resultantes de um processo de negociação cultural” (CUNHA, 2007, p. 22). Os
pioneiros adventistas precisaram negociar suas culturas eclesiásticas formadas por suas antigas
filiações religiosas ao constituir o modelo eclesiológico adventista.
Em 1863, a assembleia da associação geral era composta por 20 delegados vindos das
seis associações locais e que representavam 3.500 adventistas. Na assembleia de 1901, havia
delegados de todo o mundo vindos das 57 associações locais e das 41 missões estrangeiras,
representando 78.188 membros da Igreja adventista mundial (MUSTARD, 2015). Fazia-se
necessário uma reestruturação da organização para atender as demandas de uma Igreja mundial.
A descentralização era urgente para que os campos missionários fossem mais bem
atendidos. Assim, na assembleia da associação geral de 1901, foi acrescido um novo nível
organizacional na estrutura adventista (as uniões de associações) para atender regiões
geográficas fora dos EUA. Este sistema foi baseado na estrutura administrativa implementada
por A. T. Robinson na África do Sul, em 1892 (MUSTARD, 2015, p. 12). Durante os anos de
1901 a 1926, foram enviados 2.937 missionários para outros países, numa média de 112 por
ano (TIMM, 1996, p. 44). Na América do Sul, o primeiro missionário oficial havia sido enviado
em 1894. O pastor Frank Henry Westphal estabeleceu uma missão adventista em Buenos Aires,
que atendia a Argentina, o Uruguai e o Brasil (GRENLEAF, 2011, p. 36). Diversos outros
missionários, pastores e colportores, foram enviados nos anos seguintes para o trabalho de
evangelização nas colônias de imigrantes norte-americanos e europeus na América do Sul.
A partir dos anos de 1950, alguns fatores contribuíram para a reflexão e a busca por
sistematização da missão adventista no mundo (TIMM, 1996, p. 45):
Outra mudança na missão adventista a partir da década de 1990, foi diminuir o envio
de missionários transculturais e usar nativos para evangelizar sua própria cultura
(FRONTLINE, 2010). Esses obreiros são chamados pioneiros de missão global e a estratégia
básica é a de plantar uma nova congregação7 em sua região de trabalho, mediante auxílios à
população local como abrigo à refugiados de guerra civil, cuidados médicos, educação básica
7
De acordo com David Garrison, em seu livro Church Planting Movements: How God is Redeeming a Lost World
(2004) [Movimento de Plantio de Igrejas: Como Deus está Redimindo um Mundo Perdido], um Movimento de
Plantio de Igrejas é uma rápida multiplicação de Igrejas autóctones plantando igrejas que alcançam um povo ou
um segmento populacional.
24
e fornecimento de itens de primeira necessidade como comida e água, além de ensino bíblico.
Desde 1990, a denominação atingiu o número de 20 milhões de membros ao redor do mundo,
em grande parte, com o auxílio desses pioneiros de missão global. Foram estabelecidas mais de
11.000 novas congregações adventistas e, apenas nos últimos quatro anos, foram investidos 22
milhões de dólares em 163 países para apoiar o trabalho de 10.000 missionários.
8
ADRA, Agência Adventista de Desenvolvimento de Recursos Assistenciais, é a instituição criada e mantida pela
Igreja Adventista para as ações de cunho social e beneficente.
26
9
Para maiores detalhes do início do adventismo entre os imigrantes alemães de Santa Catarina, ver de Michelson
Borges, A Chegada do Adventismo no Brasil (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), p. 45-58.
27
adventistas alemães em sua viagem de retorno do Brasil para a Europa. Por diversos meios, as
revistas Stimme der Wahrheit [Voz da Verdade] circularam na região de Brusque e Gaspar Alto
chegando a cerca de 300 famílias de imigrantes alemães. A família de Guilherme Belz se
interessou pelo conteúdo das revistas e pelo estudo do livro Gedanken über das Buch Daniel,
tradução em alemão da obra Thoughts on Daniel [Reflexões sobre Daniel, posteriormente
publicado como Profecias de Daniel e Apocalipse], de Uriah Smith (PRESTES FILHO, 2006,
p. 71-72). A partir do estudo destas literaturas a família Belz passou a aceitar as doutrinas
adventistas e se tornaram os primeiros observadores do sábado10 convertidos no Brasil. Outras
famílias que também se interessaram nos ensinamentos adventistas na região de Brusque foram:
Olm, Look e Thrun (OLIVEIRA FILHO, 2004, p. 171).
10
Observadores do sábado era a expressão usada pelos adventistas em referência àqueles que haviam se convertido
à doutrina adventista.
11
Prestes Filho (2006, p. 72) menciona a publicação de uma carta de dois brasileiros de origem alemã, Friedrich
Dressel e Wilhelm Verwiebe, na Review and Herald de 06 de março de 1888, solicitando livros e a visita de algum
missionário adventista.
28
12
Para uma melhor compreensão da colportagem como estratégia de missão adventista, ver de Hélio Carnassale,
“O Papel das Publicações e dos Colportores na Inserção do Adventismo no Brasil”, Dissertação de
Mestrado/PPGCR/UMESP, 2015.
29
Mas acima de tudo, na estrutura da Igreja Adventista os colportores não eram ordenados ao
ministério evangélico, não gozando de autonomia para batizar e organizar Igrejas. Eles
iniciavam as pessoas ao adventismo, despertando o interesse e realizando estudos bíblicos, mas
desse ponto em diante, necessitavam da direção de um pastor ordenado para coordenar o
desenvolvimento da missão adventista. Essa combinação dos trabalhos do colportor e do pastor
foi utilizada em diversos campos missionários ao redor do mundo13.
Na mesma data em que W. H. Thurston foi enviado ao Brasil, seu cunhado e sua irmã
foram enviados para Buenos Aires pela Associação Geral como ministro ordenado e
superintendente da missão na América do Sul (GREENLEAF, 2011, p. 33). O pastor F. H.
Westphal foi o primeiro pastor adventista nomeado para estabelecer a missão adventista na
América do Sul. Depois de aproximadamente seis meses batizando novos conversos na
Argentina e organizando a missão naquele país, Westphal fez sua primeira viagem ao Brasil.
Do entreposto de livros de Thurston no Rio de Janeiro, ele parte na companhia do colportor A.
B. Stauffer para o interior de São Paulo (PRESTES FILHO, 2006, p. 73). Em abril de 1895,
Westphal realizou as primeiras cerimônias de batismo adventista no Brasil em Piracicaba, Rio
Claro e Indaiatuba. Os primeiros adventistas batizados no Brasil pertenciam às famílias Stein,
Meyer e Krähenbühl (VIEIRA, 1995, p. 137).
No primeiro semestre de 1895, Westphal refez o roteiro dos colportores pelo Brasil,
batizando e organizando Igrejas, com o maior número de conversos concentrado em Santa
Catarina. Ao terminar seu itinerário, retornou para Buenos Aires. Ainda neste ano, o alemão
Huldreich F. Graf, também ministro adventista ordenado, foi enviado para trabalhar
exclusivamente no Brasil. No ano seguinte, Frederic W. Spies, ministro ordenado, foi enviado
como missionário pela Associação Geral para trabalhar no Brasil. Esses missionários
conduziram ações de evangelização por meio de reuniões públicas com a pregação das
doutrinas adventistas e organizaram as primeiras Igrejas em solo brasileiro. No período dos
colportores, os relatórios do avanço da missão adventista no Brasil eram medidos pelo número
de literaturas vendidas e o número de interessados na mensagem adventista noticiado pelos
colportores à Comissão de Missões Estrangeiras. Agora, com a chegada dos primeiros ministros
ordenados, os relatórios sobre a missão adventista davam conta dos números de batismos
realizados. Ao organizarem Igrejas, os ministros nomeavam uma liderança leiga para conduzir
13
Floyd Greenleaf oferece uma interessante discussão sobre a interação missionária entre colportores e pastores
nos primórdios da missão adventista. Ver: Terra de Esperança – O Crescimento da Igreja Adventista na América
do Sul (2011), p. 36 a 39.
30
as atividades da Igreja local e seguiam em suas viagens para realizar séries de pregações em
novos lugares (GREENLEAF, 2011, p. 38).
Este método de trabalho dos ministros adventistas num país de dimensões continentais
como o Brasil, era a melhor opção disponível na estrutura missionária do adventismo naqueles
dias. Atualmente, ao iniciar missões transculturais esse método ainda é utilizado:
Pouco a pouco, a missão adventista incorporava o auxílio dos membros leigos para dar
suporte e potencializar a atuação dos escassos missionários no cenário brasileiro. Com a
presença dos ministros adventistas no país o próximo passo foi estabilizar a presença da
denominação por meio da abertura de escolas, editoras e escritórios administrativos, o que abriu
uma nova fase para a missão adventista no Brasil.
Com a chegada do pastor H. F. Graf a missão adventista ganhou uma nova abordagem:
as escolas adventistas. Em 1o de julho de 1896, foi estabelecido o Colégio Internacional de
Curitiba (PR) com a ajuda dos membros leigos e sob a direção de Guilherme Stein Jr., a convite
de H. F. Graf. A escola iniciou suas atividades com seis alunos e encerrou o semestre com cerca
de 120 alunos. O Colégio Internacional de Curitiba foi pioneiro no uso do sistema fonético de
31
alfabetização do professor mineiro Felisberto Rodrigues Pereira e parece ter chamado muita
atenção da mídia curitibana da época. A escola chegou a ter mais de 400 alunos matriculados
por ano durante seus oito anos de existência (VIEIRA, 1995, p. 149).
No ano seguinte, o pastor Graf passa a direção da escola em Curitiba para Paulo
Krämer e convida Stein Jr. para estabelecer uma escola paroquial em Gaspar Alto, SC. As
escolas paroquiais tinham um propósito distinto da escola de Curitiba. A primeira fora
designada como um projeto missionário para buscar alunos não adventistas e, a partir daí,
evangelizar seus pais. A semana tinha seis dias letivos, iniciando na segunda-feira e terminando
no sábado, dia em que se oferecia apenas conteúdo religioso no mesmo formato litúrgico
utilizado na Igreja. Logo se estabeleceu uma Igreja Adventista em Curitiba como resultado do
trabalho da escola. Já no segundo modelo, nas escolas paroquiais, o objetivo era treinar novos
obreiros para trabalhar na missão adventista. Essas escolas forneceram novos colportores e
professores para apoiar o trabalho pioneiro no Brasil (GREENLEAF, 2011, p. 56).
Estas primeiras escolas tiveram vida curta e o primeiro projeto educacional adventista
no Brasil que resistiu ao tempo só seria estabelecido em São Paulo em 1915. Foi o Colégio
Adventista Brasileiro, em Itapecerica da Serra, que deu origem ao atual Centro Universitário
Adventista (UNASP) tri-campi.
Desde o início da missão adventista no Brasil, a grande maioria dos adventistas era
oriunda das comunidades alemãs espalhadas pelo país. Para se ter uma ideia, dos 860
adventistas em 1901, apenas 150 falavam português. Portanto, a literatura que a Igreja
Adventista já produzia em alemão era suficiente para a colportagem num primeiro momento,
apesar dos inúmeros pedidos feitos pelos missionários para que a Igreja produzisse material em
português. Stein Jr fez as primeiras traduções de literatura adventista para o português e foi o
32
Em 1904 também chegou ao Brasil o médico adventista Abel Landers Gregory e sua
esposa para dirigir iniciativas missionárias na área de saúde. Além de acompanhar os pastores
nas pregações evangelísticas, apresentando temas sobre estilo de vida e nutrição, o doutor
Gregory também dirigia uma pequena clínica nas dependências do colégio de Taquari.
Uma vez que a missão adventista brasileira estava abrindo diversas frentes de trabalho,
fazia-se necessária a organização administrativa da missão. Assim, nos dias 10 a 20 de maio de
1902 foi organizada a Associação Brasileira dos Adventistas do Sétimo Dia na reunião geral
realizada em Gaspar Alto, na qual, H. F. Graf foi eleito presidente da nova instituição. Com o
crescimento da Igreja e das instituições em toda a América do Sul, no ano de 1906 foi
organizada a União Sul Americana em Buenos Aires e uma divisão da associação brasileira em
quatro escritórios administrativos:
A opção natural da missão para a América do Sul foi buscar um contexto cultural mais
parecido com o contexto estadunidense e europeu. A questão linguística era o primeiro grande
obstáculo e a existência das colônias de imigrantes de fala alemã e inglesa na América do Sul,
formadas pela abertura da imigração por Dona Leopoldina aos alemães e pela vinda dos norte-
americanos confederados que perderam a Guerra Civil Americana (MENDONÇA E
VESLASQUES, 2002, p. 102), foram determinantes para o envio de missionários adventistas
de origem anglo-germânica. O segundo fator, também interligado ao linguístico, foi a expansão
do adventismo na Alemanha sob a liderança de Louis Richard Conradi, alemão convertido ao
adventismo nos EUA, que retornou como missionário para sua terra natal em 1886 (ESTATE,
2015). Ele e sua equipe se dedicaram a apresentar o adventismo às muitas comunidades
anabatistas sabatistas espalhadas pela Europa oriental, em sua grande maioria de origem
germânica (SCHUNEMANN, 2003, p. 29). O bom desempenho da missão adventista junto aos
alemães na Europa motivou a missão aos teuto-brasileiros. Um terceiro fator era a formação
religiosa dos imigrantes alemães, predominantemente protestante e com forte influência do
movimento Pietista. Os imigrantes estadunidenses também eram protestantes, com formação
puritana, arminiana e pietista (MENDONÇA E VESLASQUES, 2002, p. 109). O adventismo
recebeu estas mesmas influências em sua origem por intermédio da formação metodista de
vários de seus líderes, o que facilitava a apresentação da mensagem adventista a esses grupos.
Ainda sobre a formação religiosa, o aspecto pré-milenialista de boa parte desses grupos facilitou
a recepção dos missionários adventistas, também pré-milenialistas (MENDONÇA E
VESLASQUES, 2002, p. 137). Outro fator determinante para a missão adventista no Brasil foi
sua inserção em colônias agrícolas, o mesmo ambiente rural da formação do adventismo nos
EUA. E, finalmente, as colônias de imigrantes alemães se fixaram em regiões brasileiras de
clima mais parecido com o europeu e o estadunidense, o que auxiliava a adaptação dos
primeiros missionários14.
14
Para uma discussão mais ampla sobre a missão adventista entre os imigrantes alemães ver de Haller Elinar Stach
Schunemann, “A Inserção do Adventismo no Brasil através da Comunidade Alemã”, Revista de Estudos da
34
Religião/PUCSP, No.1/2003, p. 27-40. Sobre os imigrantes norte-americanos ver de Antônio Gouvêa Mendonça
e Prócoro Velasques Filho, “Introdução ao Protestantismo no Brasil”, 2002, p. 81-109.
15
A revisão bibliográfica sobre a inserção do adventismo no Brasil apresenta inúmeras menções da necessidade
de ferramentas e metodologias eficazes para atingir a população falante do português. Seguem alguns exemplos
dessas solicitações:
“Com o reconhecimento apenas casual dos tempos revolucionários, Stauffer expressou quais eram suas maiores
preocupações em relação ao Brasil. O mais importante, em sua opinião, era a necessidade de literatura em língua
portuguesa e de obreiros falantes do alemão, inclusive um pastor”. (GREENLEAF, 2011, p. 33).
“Já estavam começando a formar obreiros, mas os líderes da Igreja Adventista no Brasil ainda estavam
insatisfeitos. Thurston, num pronunciamento antes da Assembleia da Associação Geral em 1901, tentou inspirar
os líderes da Igreja com a possibilidade de educar obreiros em Portugal para trabalhar nas escolas brasileiras.
Stauffer, por sua vez, suscitava com persistência o problema linguístico, enfatizando que o Brasil era um país de
língua portuguesa, não alemã, e que era necessário fazer planos para instruir ‘brasileiros nativos”. (GREENLEAF,
2011, p. 57).
“F. W. Spies estava a menos de dois anos no país e anunciou em 1898 que um periódico e uma coletânea de hinos
em português estavam sendo produzidos. Mas o progresso foi lento. Quase dois anos depois, Thurston declarou
que a publicação ainda estava por vir”. (GREENLEAF, 2011, p 72).
“Não temos folhetos nem periódicos em português, de fato nada, para entregar para o povo ler. E eles têm medo
da Bíblia. Mas já estamos preparando os manuscritos para o primeiro número de nosso periódico em português,
planejado já de há muito. Mas mesmo quando tivermos a matéria preparada para o prelo, não sabemos quanto
teremos de esperar antes de podermos imprimir a primeira edição, pois nossos recursos financeiros são escassos”.
(VIEIRA, 1995, p. 164).
35
Caminho a Cristo]. Sua fluência em português, alemão e inglês foram extremamente úteis em
sua posterior função como editor na casa publicadora adventista (VIEIRA, 1995, p.188).
Durante sua gestão à frente da Divisão Sul Americana (DAS), Haynes procurou
infundir no espírito dos sul-americanos essa visão de autossuficiência. Ele retornou aos EUA
em março de 1930 e apresentou um relatório em que admitia um sucesso parcial sobre o
desenvolvimento financeiro e humano na DSA. Foi substituído nessa ocasião por Nelson P.
Neilsen, mas deixou um legado de mudança na mentalidade dos obreiros e missionários
adventistas que trabalhavam aqui (GREENLEAF, 2011, p. 295). O primeiro presidente sul
americano da DSA foi o brasileiro Enoch de Oliveira, eleito em 1975 em lugar do último
missionário estrangeiro a presidir os trabalhos da Igreja Adventista em solo sul-americano
(GREENLEAF, 2011, p. 541). No ano seguinte, a sede da DSA passou a funcionar em Brasília,
depois de ter sido sediada em Buenos Aires e Montevidéu por 60 anos.
Uma vez que durante os primeiros anos a missão adventista no Brasil se concentrou
entre os imigrantes alemães, principalmente na região sul do país, o retorno dos missionários a
São Paulo demorou. O pastor Spies realizou duas cerimonias de batismo, a primeira em Santos
(em 1900) com seis participantes e a segunda em Itararé (em 1903) com sete participantes. A
primeira cerimônia de batismo adventista na capital só ocorreria em 10 de agosto de 1912, com
a participação de quatro pessoas, dezessete anos após o primeiro batismo no interior (IGREJA
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2006, p. 20). A dinâmica da missão adventista no Brasil
em seus primórdios se constituía pelo trabalho entre os imigrantes e a busca por oportunidades
de trabalho junto aos nativos falantes do português. Um traço característico do adventismo
paulistano, uma vez que não ocorreu em nenhum outro lugar do país, foi um retorno à missão
entre novos imigrantes durante a segunda metade do século XX, uma vez que imigrantes de
diversas etnias chegaram também à capital paulista.
Em 1906, foi organizada a missão Paulista composta pelas Igrejas de Rio Claro, Santos
e Itararé, num total de 22 membros em todo o estado. O primeiro presidente e único pastor
ordenado para o estado foi Emilio Hoelzle. Esse fato, aliado à mudança da pequena editora
adventista de Taquari/RS para São Bernardo/SP (localidade que depois passou a se chamar
Santo André) no ano de 1908, fez com que o Estado de São Paulo passasse a contribuir
significativamente para a missão adventista no Brasil por sua localização privilegiada no
Sudeste, a infraestrutura de portos e ferrovias e a percepção dos missionários de que a cidade
de São Paulo do início do século vinte estava se tornando um grande centro urbano (SPIES,
1908, p. 2-3). Ainda nesse ano, foi organizada a Igreja Adventista em São Bernardo com 14
membros (HOELZLE, 1908, p.7). A propriedade adquirida na Estação São Bernardo era
conhecida por “Chácara do Tanque” ou “Tanque dos Alemães”, pois o córrego que cruzava o
sítio formava uma pequena represa ou tanque e os proprietários anteriores eram de origem
germânica (WALDVOGEL, 1986, p. 139).
16
A expressão adventismo paulistano será utilizada neste trabalho em referência ao desenvolvimento do projeto
missionário adventista na cidade de São Paulo e, mais especificamente, aos aspectos desse projeto missionário
entre os grupos étnicos da cidade. Nunca o uso dessa expressão terá um caráter generalista que engloba cada
congregação adventista e/ ou membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Nas considerações finais da pesquisa
há uma indicação para novas pesquisas com recortes definidos em outras aspectos da missão adventista que
certamente contribuirão para uma leitura mais completa do adventismo paulistano.
38
Visto dessa maneira, um projeto adventista de missão em São Paulo deveria levar em
conta os imigrantes e, embora buscasse oportunidades entre os brasileiros nativos, também usou
de sua condição de imigrante para trabalhar com essa parcela da população. Ainda no ano de
1915, o pastor Lipke deu continuidade ao trabalho do pastor Suessmann em fundar uma segunda
Igreja na cidade de São Paulo, na região central. Além do trabalho com brasileiros, havia
reuniões com imigrantes alemães e outras reuniões com imigrantes húngaros17 (SCHMIDT,
1980, p. 85). Esses grupos de imigrantes permaneceram ligados à Igreja brasileira na região
central da cidade durante algumas décadas. Analisando os relatos sobre o trabalho dos
missionários adventistas em São Paulo nas primeiras duas décadas do século XX, percebe-se
que o adventismo paulistano também era de missão com imigrantes em seu início. Ao mesmo
tempo, os missionários adventistas também direcionavam seus esforços em alcançar nativos
com a pregação adventista.
17
Por ocasião da inauguração do edifício da Igreja adventista Central Paulistana, em 1929, o pastor Westcott
apresentou um histórico da Igreja desde o início da missão adventista na cidade de São Paulo em 1910. O texto foi
publicado em setembro de 1929 na Revista Mensal. No histórico são mencionados os grupos de adventistas
alemães e húngaros que faziam parte da Igreja Central Paulistana. Os serviços de culto em alemão aconteceram
até meados dos anos de 1980, conforme livro de atas da Associação Paulistana da IASD.
18
Em seu livro Introdução do Protestantismo no Brasil, os autores analisam os diversos elementos presentes na
inserção dos protestantismos de missão e de imigração no país. Por uma questão de ponto de vista pessoal quanto
ao caráter do adventismo, “pelo distanciamento que apresentam em relação ao protestantismo”, os pesquisadores
propõem que o adventismo seja “excluído de qualquer estudo que tenha por objetivo o cristianismo reformado
enquanto tal” (MENDONÇA; VASQUES FILHO, 2002, p. 22), essa premissa se aplica a alguns outros grupos
religiosos também. Em função de sua opção, nenhuma análise da inserção do adventismo no Brasil é oferecida aos
demais pesquisadores, muito embora o contexto da chegada do adventismo seja bem similar ao das demais Igrejas
Protestantes de Missão e possa contribuir de alguma forma na compreensão desse fenômeno religioso.
40
Diante dessa análise parece ser válida a hipótese de que a maior integração de
um segmento religioso ao campo pode facilitar seu crescimento, ou ao menos
manter seu volume relativo, ao passo que a menor integração pode inibir o
crescimento ou até provocar tendência à diminuição. (MENDONÇA;
VASQUES FILHO, 2002, p. 25).
A esta altura da história brasileira, que ninguém duvide: a Cidade de São Paulo
é, e analisada de qualquer ponto de vista, um fenômeno. Em 1872, quando o
Brasil comemorava seu primeiro meio século como país independente, São
Paulo era a 11a. Cidade brasileira. Menor que Recife, Salvador e Rio de
Janeiro, e também que Teresina. Em 1920, quando o Brasil já era República,
São Paulo havia se transformado na segunda maior cidade do país, com seu
meio milhão de habitantes. Maior, só mesmo o Rio de Janeiro, a Capital
Federal. Mas a incipiente indústria estava concentrada em São Paulo, que
oferecia aos olhos pasmos de seus visitantes e moradores os primeiros
edifícios que subiam de maneira terrivelmente ousada rumo ao infinito, e
mereciam, por isso mesmo, o nome de ‘arranha-céu’. Desde então, a Cidade
não parou de crescer, em todos os sentidos e direções. (...). Porque assim a
Cidade se construiu, assim se transformou na maior metrópole sul-americana,
em seu principal centro financeiro e industrial, e numa dos maiores
conglomerados humanos de todo o Planeta: como espaço de encontro e
mescla, como ponto de chegada e polo irradiador. (PORTA, 2004, p. 5).
41
Uma cidade em ebulição (1889 a 1898). Este período corresponde à chegada dos
primeiros missionários adventistas à América do Sul. Os primeiros adventistas conversos e
batizados no país em 1895 eram do interior paulista. A cidade de São Paulo só viria receber
missionários adventistas em 1910. No entanto, o desenvolvimento da cidade em diversos
19
Este sistema deixa de lado fatores sociais, econômicos e eclesiásticos em detrimento da análise política. Também
lhe falta a criticidade em relação aos diversos atores políticos e suas relações na sociedade brasileira. O Dicionário
de Conceitos Históricos (SILVA, 2012) no verbete Oligarquia, apresenta a “relação de influência e dependência
mútua entre elite e estrutura social, não apenas afirmando que a elite domina a sociedade, mas que também é
determinada por ela”. Esses conceitos baseados nos estudos dos cientistas sociais Mosca e Paretos, revelam atores
que são representantes da economia, da igreja, e da sociedade atuando na dinâmica da história brasileira.
20
Para uma discussão deste uso ver: Luis Fernando Cerri, Ensino de História e Concepções Historiográficas,
Revista Espaço Plural, Ano X, Número 20, 1 o semestre de 2009, p. 149-154.
42
setores seria central para chamar a atenção dos missionários que precisavam se locomover entre
as colônias de imigrantes alemães nos estados do Sul e em Minas Gerais e no Espírito Santo.
De São Paulo partem estradas e ferrovias para o restante do país e por aqui também chegavam
os imigrantes que viriam trabalhar nas lavouras de café. Italianos, espanhóis, portugueses, sírios
e outros provocariam o cosmopolitismo étnico da capital paulista:
São Paulo não é uma cidade brasileira de 450.000 habitantes, mas uma cidade
italiana de aproximadamente 100.000, uma portuguesa de talvez 40.000, uma
espanhola de igual tamanho e uma pequena cidade (Kleinstadt) alemã de mais
ou menos 10.000 habitantes, com poucas de suas vantagens, mas muitas de
suas desvantagens. Há ainda uns 5.000 sírios, que sozinhos possuem três
jornais impressos em caracteres arábicos, alguns mil franceses, russos,
japoneses, poloneses turcos ainda ingleses escandinavos, americanos em
número desconhecido por falta de uma estatística fidedigna. O resto,
provavelmente um terço do total, devia ser de brasileiros. (WARTEGG, 1915,
p. 149 apud PETRONE, 1955, p. 135-136).
Se esta, até os anos 70 do século XIX, ocupava quase a mesma área dos
tempos coloniais, a partir de então se expande em todas as direções,
notadamente a Oeste, Leste e Sul, através do retalhamento das chácaras que
circundavam o perímetro urbano e que, divididas em lotes, rapidamente se
transformam em bairros (QUEIROZ, 2004, p. 23).
A prosperidade econômica, o desenvolvimento dos meios de comunicação e o
crescimento das funções urbanas eram símbolos do progresso republicano e chamariam a
atenção de qualquer pessoa que chegasse a cidade de São Paulo nesse período. Foi assim com
os missionários adventistas que passaram por aqui.
O município entre greves, uma guerra e duas revoluções (1899 a 1932). Esse foi um
período tumultuado na história da cidade. Enquanto o desenvolvimento econômico
impulsionava o crescimento da cidade, fatores internos e externos trouxeram alguma
turbulência. A cidade continuava a crescer mesmo com a decadência do café, pois a indústria
foi se apresentando como alternativa econômica para São Paulo. Com o desenvolvimento
industrial surgiu o proletariado urbano e os problemas relacionados à exploração dos
trabalhadores. Longas jornadas de trabalho, mulheres e crianças sendo utilizadas como mão de
obra com renda inferior àquela dos trabalhadores homens deram início aos movimentos
43
grevistas e entre os dias 12 e 18 de julho de 1917, aconteceu a grande greve geral em São Paulo.
A Primeira Guerra Mundial trouxe a diminuição das imigrações e algum impacto na economia
em função da crise financeira do pós-guerra. As relações de poder no início da República
também geraram crises com a Revolução de 1924 e de 1932.
Esvaziamento do poder: São Paulo entre 1933 e 1945. Com a derrota de São Paulo na
Revolução, a participação dos cafeicultores no cenário político nacional chegou ao fim. Com
os incentivos do governo federal de Getúlio Vargas, a indústria paulista deu um novo e grande
passo se tornando a propulsora da economia paulista. A cidade continuou a crescer, mas com
uma mudança em sua população. A imigração caiu ano após ano nesse período e a migração
interna, principalmente do Nordeste brasileiro, formaram a nova classe trabalhadora da capital.
As informações sobre a composição da população brasileira no final da década de 1940 haviam
mudado bastante. Os imigrantes somavam 627.433, enquanto os migrantes totalizavam
1.080.488. A cidade se expandiu grandemente para as zonas leste e sul com os bairros
periféricos sendo ocupados pelo operariado paulista. Outra consequência das ações de Vargas
no Estado Novo foi a centralização do poder federal e a desarticulação do poder municipal. De
1930 a 1934, São Paulo teve dez prefeitos (QUEIROZ, 2004, p. 44).
rumos para São Paulo. Foi um período de consolidação da cidade no panorama nacional. A
indústria continuava a crescer e a desenvolver-se, principalmente com a mudança de indústria
leve para pesada, que trouxe um impulso econômico muito grande para a cidade. As 14.225
fábricas e 272.865 operários em 1940 passaram para 24.519 fábricas e 484.844 empregados no
setor em 1950. Era sem dúvida um período de consolidação. A imigração havia encerrado seu
ciclo maior com o início da Segunda Guerra Mundial e a migração dos trabalhadores nacionais
ofereceu a mão de obra necessária para a indústria paulistana, bem como mudou o quadro social
da cidade tornando suas relações muito mais diversas e complexas. A luta de classes, o
surgimento das periferias e favelas e o preconceito racial são algumas dessas novas relações.
As mudanças arquitetônicas também se deram rapidamente, assim como o desenvolvimento da
vida cultural da cidade. (QUEIROZ, 2004, p. 47-49).
A situação de isolamento das colônias japonesas por causa das barreiras culturais e
linguística com os brasileiros somadas ao preconceito contra os imigrantes japoneses se
intensificou durante a Segunda Guerra Mundial. Este contexto de perseguição e isolamento
esteve ligado à conversão dos primeiros japoneses ao adventismo. O Colégio Adventista
Brasileiro (CAB) na região de Santo Amaro oferecia cursos de português para imigrantes
japoneses que quisessem estudar. Os alunos podiam pagar seus estudos trabalhando na fazenda
da escola. Assim diversas famílias enviaram seus filhos para aprender o português e ter
melhores chances no novo país. Sentindo-se acolhidos pelos adventistas, convivendo com essa
comunidade religiosa e estudando a mensagem adventista surgiram as primeiras conversões.
Em 1925, Saburo Kitajima se batizou no CAB e foi o primeiro japonês a tornar-se adventista
em nosso país. Morreu poucos anos depois sem ter tido muita influência na colônia japonesa.
Os próximos imigrantes que aceitaram a pregação adventista no CAB foram: Tossaku Kanada
(1932), Shihiro Takatoi (1935), Kiyotaka Shirai (1946) e Kiyosh Hosokawa (1949), este último
já nascido no Brasil. Estes quatro conversos se formaram em teologia e passaram a servir a
Igreja Adventista como pastores. Pelo menos outros 16 alunos japoneses estudaram no CAB na
década de 193021.
21
O pastor adventista japonês Kiwao Mori produziu uma dissertação de mestrado sobre a formação da Igreja
Adventista Nipo-brasileira: Um Estudo do Crescimento da Igreja Adventista Central Japonesa de São Paulo, com
um Plano Sugestivo de Trabalho Segundo o Modelo do Novo Testamento. (Seria interessante aqui ter o local de
publicação, instituição de ensino como fonte de referência para o seu leitor)
47
A imigração coreana no Brasil é bem mais recente que a japonesa, mas a principal
colônia de imigrantes coreanos também está em São Paulo. A presença adventista na Coreia
remonta ao início do século XX, quando os primeiros coreanos entraram em contato com a
pregação adventista no Japão. A denominação cresceu rapidamente no país e o aspecto principal
da missão adventista aos coreanos foi o estilo de vida saudável.
Começou assim uma nova fase da missão adventista paulistana: atender a diversidade
étnica com métodos adaptados a cultura própria de cada grupo. Quando a Igreja foi finalmente
organizada em 1970, os conversos japoneses eram em número de 60. Nessa época a missão
adventista mantinha duas Igrejas étnicas, uma japonesa e outra coreana. No final dos anos 1990,
foram formadas mais duas Igrejas Adventistas étnicas em São Paulo, uma judaica e outra árabe.
Cinco anos mais tarde, com a explosão da imigração boliviana para São Paulo, foi organizada
48
uma Igreja Adventista de fala hispânica. A relação da missão adventista com a multiplicidade
étnica da cidade de São Paulo será o tema do próximo capítulo desta pesquisa.
Algumas pistas importantes que encontramos nas pesquisas desse capítulo serão úteis,
portanto, no prosseguimento da busca pela compreensão do elemento diferenciador do
adventismo paulistano: sua sensibilidade cultural. A primeira é uma visão missiológica que se
vê em constante crescimento e reflexão. O adventismo passa de uma compreensão
22
Para uma discussão mais ampla do conceito de paradigma aplicado à missão, ver de David J. Bosch, Missão
Transformadora, p. 225-237.
49
extremamente fechada de missão em seu início para uma visão global e plural. Esse
desenvolvimento da visão da missão mundial proporciona um elemento de aprendizado à
missão adventista, os missionários que lideraram a missão adventista aqui estavam desbravando
a transposição de mensagem para uma cultura totalmente nova e diversa da sua. Eles
necessitavam de abertura para encontrar novos caminhos para a missão adventista. A segunda
pista é flexibilidade na incorporação das melhores estruturas e práticas organizacionais para o
desenvolvimento da missão. Com uma origem multidenominacional, a liderança adventista
precisou optar por uma estrutura que desse suporte adequado à missão, escolhendo e
combinando elementos presentes em outras denominações de uma forma nova. Essa liberdade
em combinar elementos distintos seria uma ferramenta útil na implantação da missão adventista
em São Paulo, pois permitiria maior adaptação às condições existentes em nosso país.
Outro fator importante para compormos o quadro social23 da cidade de São Paulo que
servirá de base para nossa análise das relações entre a missão adventista e as imigrações nesse
local é o fenômeno do deslocamento do centro da cidade. Vimos que a missão adventista fundou
uma grande Igreja Adventista no centro da cidade de São Paulo, no bairro da Liberdade, que
atendeu os grupos de imigrantes adventistas que chegaram à capital paulista. A rua Taguá fica
a um quilômetro da praça da Sé, marco zero da cidade e no mesmo bairro em que está localizada
a Pastoral do Imigrante (CASA, [2015]) da Igreja Católica, à Rua do Glicério, 225. Com a
abertura de novos bairros elitizados em direção ao chamado quadrante sudoeste, o centro da
cidade passou por um deslocamento da residência das elites para o comércio e recepção de
migrantes e imigrantes, que chegavam à cidade como nova classe operária (FRUGOLLI
JÚNIOR, 2000, p. 39-42).
23
O objeto desta pesquisa se concentra nas relações entre a missão adventista e a imigração na cidade de São
Paulo. Todavia, faz-se necessário recomendar um estudo sobre as relações entre a missão adventista e as
populações negras na cidade de São Paulo, bem como estudos sobre o adventismo e as periferias da cidade. Veja,
por exemplo, a crítica que Marcio Sampaio de Castro faz em seu livro, Bexiga: um bairro afro-italiano (DATA, p.
16-19), sobre São Paulo como uma cidade de imigrantes (sobretudo europeus) e que ignora as populações negras
como atores na composição da pluralidade cultural da cidade, principalmente do centro.
51
a região centro-sul da cidade de São Paulo. O espaço desse trabalho não permite um estudo
detalhado de cada uma dessas Igrejas. Vamos propor, então, um critério para eleger algumas
dessas Igrejas para nosso estudo.
Numa análise rápida das razões que levaram ao estabelecimento dessas Igrejas nos
permite dividi-las em dois grupos: Igrejas que surgiram por necessidade linguístico-cultural e
Igrejas que surgiram para se estabelecer um diálogo inter-religioso. Fazem parte do primeiro
grupo as seguintes Igrejas étnicas: Igreja Adventista Nipo-brasileira, Igreja Adventista Coreana
e Igreja Adventista Hispana. Compõem o segundo grupo a Sinagoga Adventista de São Paulo
e a Comunidade Árabe Aberta. Optamos por estudar neste capítulo a Igreja Adventista Hispana,
como representante do primeiro grupo e as Igrejas do segundo grupo. Estas três Igrejas têm em
comum o fato de terem sido estabelecidas em um período próximo de tempo: 1998, 2000 e
2003, respectivamente, o que as coloca numa fase mais contemporânea da missão adventista24.
As outras duas Igrejas étnicas, japonesa e coreana, são mais antigas e já mencionamos alguns
dados históricos sobre sua origem no capítulo anterior. Vamos então apresentar um breve
histórico da formação das Igrejas escolhidas, apontando as semelhanças e diferenças entre os
dois grupos.
24
De acordo com a divisão em fases do desenvolvimento da missão adventista proposta por Alberto R. Timm
(1996, p. 44), a partir de 1990, com a abertura do escritório de Missão Global da Conferência Geral dos
Adventistas, foram estabelecidos sistematicamente centros de estudo para aproximação entre a missão adventista
e as demais religiões vivas (budismo, hinduísmo, judaísmo e islamismo). Por essa iniciativa de estudo e diálogo,
podemos considerar esta última fase (a da Missão Global) um período de maior maturidade no desenvolvimento
do pensamento missionário adventista.
25
Algumas doutrinas adventistas como o Santuário, Interpretação Profética de Daniel, o Sábado, Leis Alimentares
e a Imortalidade Condicional da Alma estão muito próximas das interpretações rabínicas. Para um estudo destes
temas ver Comentário Bíblico Adventista, Volumes 1 a 4 (Gênesis-Malaquias), Tatuí/SP: CPB, 2013.
52
ocorreu em 1889, quando um judeu chamado Frederick Carnes Gilbert, imigrou da Inglaterra
para os EUA. Ele se hospedou na casa de uma família adventista em Boston e na sexta-feira,
percebeu os preparativos da família para a observância do início do shabat. Percebeu também
que a família observava as leis alimentares de Levítico. Gilbert se interessou pelo adventismo,
começou a estudá-lo e dois anos depois converteu-se. Ele também decidiu colportar e depois
cursar a faculdade adventista para tornar-se um pastor. Foi ordenado ao ministério adventista
em 1898 e iniciou a primeira Igreja Adventista adaptada à comunidade judaica em Boston.
Também chegou a organizar um escritório de missão para judeus na Associação Geral
(BAKER, 2014).
Esta primeira fase da missão adventista entre judeus obteve certo sucesso graças à
figura do pastor Gilbert. Seus métodos de trabalho poderiam ser definidos como uma
abordagem comunitária para o evangelismo, com forte viés humanitário:
No entanto, seria a partir dos anos de 1950, que os adventistas iniciariam estudos
missiológicos sobre o diálogo judaico-adventista. Estes estudos auxiliaram o estabelecimento
dos programas de Missão Global a partir de 1990. Atualmente existem trinta sinagogas judaico-
adventistas no mundo: onze em Israel, nove nos EUA, nove na América do Sul e uma na
Europa. As sinagogas adventistas recebem o nome de Beth B’nei Tsion (BBT), que significa
Casa dos Filhos de Sião. A primeira Beth B’nei Tsion organizada foi a sinagoga adventista de
Santiago (Chile), em 1990. O pastor Itzhak Henry Poseck idealizou uma metodologia de
diálogo entre adventistas e judeus que adotava uma liturgia judaica nos cultos adventistas, ao
mesmo tempo em que preparava os adventistas para conhecer melhor a cultura judaica a fim de
permitir o diálogo (BORGES, 1999, p.16-17).
26
De acordo com o historiador judaico Roney Cytrynowicz, os bairros paulistanos que formaram colônias
organizadas de imigrantes judeus com escola, sinagoga e centro comunitário são: Bom Retiro, Higienópolis,
Ipiranga, Cambuci, Lapa, Pinheiros, Mooca e Vila Mariana (http://www.conib.org.br/comunidades). Sendo que
este último foi o local que abrigou o primeiro cemitério judaico da capital, a Associação Cemitério Israelita de São
Paulo – Chevra Kadisha (http://chevrakadisha.org.br/campos-santos/vila-mariana/). A própria história da
formação da Vila Mariana na antiga Colônia da Glória está ligada aos primeiros imigrantes judeus no Brasil de
acordo com o estudo, Configuração Territorial, Urbanização e Patrimônio: Colônia da Glória (1876-1904),
publicado na Revista CPC da USP, v.1, n.1, p. 75-90, nov. 2005/ abr. 2006, de Walter Pires. Para uma discussão
maior sobre a imigração judaica em São Paulo ver de Nachman Falbel, Judeus no Brasil: estudos e notas. EDUSP,
2008, p. 61-66; 515-552.
54
adventistas e não adventistas, possam adorar a Deus segundo os princípios ensinados na Torá
e mantidos tanto na tradição judaica como na adventista; lutar contra o antissemitismo que se
tornou parte das crenças e ensinamentos cristãos através de séculos de intolerância e de
interpretações tendenciosas do texto bíblico.
27
Informação fornecida por Rogel M. N. Tavares no Concílio Pastoral da Associação Paulistana da IASD, em
Cotia/SP, em julho de 2013.
55
fraterno e significa a celebração da amizade. Na cultura judaica, quando alguém convida outra
pessoa para uma refeição, significa que ele quer estabelecer um relacionamento amistoso.
Recusar um convite destes é como negar relações cordiais.
Não há uma abordagem proselitista, nem esforços para que os judeus que frequentam
a sinagoga assumam a fé adventista. A BBT de São Paulo mantém relacionamento com a
comunidade judaica de São Paulo e de Israel, numa base de temas laicos e políticos. Por ser um
programa bem mais recente do que as Igrejas Adventistas japonesa e coreana, isto é, num
período em que a reflexão missiológica está mais madura na teologia adventista, além de ser
liderado por adventistas brasileiros que foram motivados por sua ascendência e interesse na
cultura judaica, as características da sinagoga judaico-adventista de São Paulo são bem
distintas. Já houve algumas conversões de judeus ao adventismo, embora a maior parte dos
membros seja formada por adventistas brasileiros com ascendência judaica. O foco da BBT no
diálogo com a comunidade judaica paulistana está bem definido tanto para a liderança quanto
para a membresia. A Sinagoga Adventista de São Paulo busca quebrar barreiras históricas em
relação ao povo judaico. Muitas pessoas pouco sabem a respeito de suas contribuições para a
humanidade e de sua importância tanto na cultura quanto na religião. Desse modo, a BBT
promove uma maior interação entre adventistas, cristãos em geral e judeus. Além de São Paulo,
outras quatro cidades brasileiras também mantêm sinagogas adventistas: Campinas, Rio de
Janeiro, Curitiba e Manaus.
56
De volta ao Brasil, deu início no ano 2000 a Casa de Oração da Comunidade Árabe
Aberta. Algumas questões de ordem cultural foram bem estabelecidas desde o início do projeto:
promoção de um ambiente silencioso, que promova a reflexão; uso dos lenços pelas mulheres,
inclusive pelas visitantes; ensino da língua árabe; uso de orações e músicas em árabe. Algumas
mudanças litúrgicas em relação ao culto adventista tradicional foram feitas para que a cerimônia
se realize de acordo com os costumes islâmicos. Os oficiantes do culto retiram os sapatos em
sinal de respeito. As orações são realizadas em tapetes. Todos podem participar das abluções
dos pés e antebraços. Em seguida recitam alguns versos do Corão que são escolhidos de acordo
com temas bíblicos. Pelo menos vinte e sete doutrinas bíblicas podem ser estudadas a partir do
Corão. A pregação principal é proferida em português. Em dez anos de existência, a
Comunidade Árabe Aberta possui 159 membros, sendo que dois deles eram muçulmanos e se
converteram ao adventismo, segundo o atual líder do projeto, o pastor Marcio da Rocha Filipe.
Eles mantêm uma relação fraterna com pelo menos 7 outros muçulmanos, que frequentam
regularmente as programações da comunidade (informação verbal)28.
28
Informação concedida por Marcio da Rocha Filipe no Concílio Pastoral da Associação Paulistana da IASD,
em Cotia/SP, em julho de 2013.
57
diretor foi o pastor e missiologista Borge Schantz (WHITEHOUSE, 2006). Em 1995, o centro
recebeu uma nova designação com a intenção de dar passos mais objetivos no diálogo com o
Islã: Global Center for Adventist-Muslim Relations [Centro Global de Relações Islâmicas-
Adventistas]. Seu atual presidente, Jerald Whitehouse, trabalha com o objetivo de criar
metodologias adequadas para equipar os missionários adventistas em países árabes com
conhecimento, atitudes e ferramentas práticas e apropriadas para o contexto muçulmano
(ADVENTIST, [2015]). Na primeira década de atividades não havia muita clareza sobre os
métodos de trabalho e os missionários adventistas utilizaram métodos tradicionais de
evangelismo. Os resultados não foram bons, não comunicavam apropriadamente com
muçulmanos que, muitas vezes, se sentiam ofendidos pelos missionários provocando reações
duras. Whitehouse busca compartilhar com os missionários adventistas o que ele chama de a
competência do outro. Trata-se de respeitar a religião do outro para que a sua seja respeitada,
estar mais focado numa aproximação marcada pelo diálogo do que propriamente um processo
proselitista.
comunidade islâmica na qual estão inseridas e abraçam formas culturais não-religiosas como
música, roupas e arte típicas. Uma Igreja C-3 filtraria qualquer forma religiosa associada ao
Islã. A maioria de seus membros é MBB.
C-4 indica uma comunidade cristocêntrica contextualizada usando idioma
nacional e formas culturais islâmicas biblicamente permitidas. Estas Igrejas adotam formas
islâmicas na medida em que as escrituras cristãs não as proíbem explicitamente. Comunidades
C-4 aceitam termos islâmicos para denominar Deus [Allah], oração islâmica [Salat] e os
evangelhos [Injil]. A maioria das Igrejas C-4 seguem as práticas islâmicas de evitar carne de
porco e abster-se do consumo de álcool. Crentes C-4 normalmente se autodenominam
seguidores de Isa al Masih [Jesus o Messias] ou membros da Isaya Umma [comunidade de
Jesus]. A comunidade islâmica não vê os crentes C-4 como muçulmanos.
C-5 indica uma comunidade cristocêntrica de muçulmanos messiânicos que
aceitaram Jesus como Senhor e Salvador. Estes seguidores de Isa permanecem legalmente e
socialmente no Islã. A comunidade muçulmana os vê como muçulmanos. Eles rejeitam ou, se
possível, reinterpretam aspectos da teologia islâmica que são claramente incompatíveis com a
fé bíblica.
C-6 indica uma pequena comunidade cristocêntrica secreta/oculta de crentes.
São crentes vivendo sob ameaça de perseguição e retaliação por parte do governo ou de seus
familiares ou comunidade, caso sejam descobertos como seguidores de Jesus. Eles adoram
Cristo secretamente. Crentes C-6, se descobertos, provavelmente enfrentariam prisão ou
morte29.
A Comunidade Árabe Aberta em São Paulo pode ser classificada como C-4, pois
utiliza o idioma árabe em parte de seu serviço de adoração, utiliza elementos típicos como
música e vestuário, emprega termos islâmicos e, como toda comunidade adventista, não
consome carne de porco, se abstém do uso de álcool e aguardam o retorno de Isa al Masih.
Procura também manter excelente relação com outras comunidades islâmicas em São Paulo.
Juntamente com a Universidade de Santo Amaro (UNISA), criou o Conselho Internacional de
Aproximação Cristã-Islâmica (CIACI), que contou com a presença e participação de Samir Al
Hayek, um importante teólogo islâmico e tradutor do Corão para o português, na cerimônia de
instalação desta última entidade. Apesar dessa aproximação fraterna com o Islamismo
29
Para uma discussão mais ampla sobre a aplicação missiológica do Espectro C em comunidades MBBs veja os
artigos de Carlos G. Martin, “C-5 Muslims, C-5 Missionaries or C-5 Strategies?” e “A Biblical Critique to C-5
Strategies Among Muslims” nas referências bibliográficas.
59
brasileiro, os membros da Comunidade Árabe Aberta não são vistos como muçulmanos pela
comunidade islâmica, mas como cristãos.
Com o crescente fluxo da imigração boliviana nos anos de 1990, bolivianos adventistas
do sétimo dia vivendo no Brasil também sentiram necessidade de criar uma estrutura de apoio
religioso na realização de seu projeto migratório. Apesar de professarem a fé adventista, ao
frequentarem as Igrejas Adventistas da capital, os imigrantes bolivianos não se reconheciam
culturalmente nas Igrejas Adventistas paulistanas. Entre os aspectos que compunham a barreira
entre os bolivianos e brasileiros adventistas estavam o idioma, a liturgia utilizada nas reuniões
(principalmente o componente musical) e o preconceito cultural/racial (informação verbal)30.
Com o início das reuniões em espanhol na Igreja Central Paulistana, esses bolivianos
começaram a reconstruir seu espaço religioso e reforçar sua identidade adventista boliviana.
Pela dificuldade com o idioma, muitos deixaram de frequentar as Igrejas brasileiras e foram se
distanciando da comunidade adventista. Diferenças litúrgicas entre a Igreja adventista boliviana
e a brasileira como por exemplo, o estilo musical e o vestuário, faziam com que os imigrantes
bolivianos não se identificassem com esta denominação no Brasil. Neste processo, a identidade
adventista dos imigrantes bolivianos se perdia.
30
Informação concedida por Ewert Arrais Guzman no Concílio Pastoral da Associação Paulistana da IASD, em
Cotia/SP, em julho de 2013.
60
De acordo com Durkheim, os fatos sociais são os valores comuns a uma sociedade e
guiam, mesmo que inconscientemente, as ações do grupo. A condição de migrante expõe os
indivíduos a uma ruptura identitária pela substituição dos fatos sociais, que os guiavam
anteriormente, pelos presentes na nova sociedade na qual eles se encontram. Vários bolivianos
abandonaram o adventismo durante sua condição de imigrantes no Brasil. Na busca pela
realização de seu projeto migratório, eles enfrentavam longas jornadas de trabalho, a distância
da família e a perda de sua comunidade de fé, o que contribuiu para a desintegração de sua
identidade adventista boliviana31.
31
O conceito de identidade adotado neste trabalho será discutido na seção secundária – O PROCESSO DE
HIBRIDAÇÃO. O conceito de identidade adotado pelos imigrantes bolivianos não corresponde plenamente ao
adotado por esta pesquisa.
61
O grupo foi conseguindo cada vez mais fortalecer seu espaço de afirmação social junto
à comunidade adventista brasileira. Após alguns meses, reuniões em espanhol no sábado à tarde
voltada para jovens passaram a ser realizadas. Essas iniciativas dos bolivianos foram muito
importantes para outros grupos de imigrantes como peruanos, paraguaios, argentinos e chilenos
afirmarem sua alteridade cultural. Num congresso realizado em São Paulo, reuniram-se
aproximadamente 400 imigrantes bolivianos adventistas. No ano de 2003, os adventistas
bolivianos estavam organizados em 23 pequenos grupos que se reuniam em casas ao longo da
semana para compartilhar sua fé e apoiarem uns aos outros.
O fator linguístico foi tão importante que mesmo bolivianos que pertenciam a outras
denominações protestantes passaram a participar dos serviços em espanhol que eram
preparados pelos líderes do grupo adventista, pois eram atendidos religiosamente em seu
próprio idioma. Com o crescimento do grupo de imigrantes partícipes das reuniões em espanhol
na Igreja brasileira, fez-se necessário a busca por um novo espaço que pudesse atender melhor
às necessidades do grupo. No ano seguinte, a Associação Paulistana da Igreja Adventista
organizou oficialmente a Igreja Adventista de fala hispânica. Também designou o pastor
Teodoro Ninahuaman Correa, peruano que já trabalhava no Brasil há alguns anos em Igrejas
Adventistas brasileiras, para que se dedicasse exclusivamente a esse grupo de imigrantes
adventistas. Em sua maioria, o grupo era composto por bolivianos e peruanos.
Neste mesmo ano, a Igreja alugou um prédio na Rua Pedro Vicente, na Ponte Pequena,
bairro que concentra muitos imigrantes e muitas oficinas de costura com mão de obra boliviana.
Com os novos recursos, a comunidade hispana poderia oferecer apoio religioso e social aos
imigrantes latino-americanos em São Paulo. Dessa forma, os próprios imigrantes bolivianos,
maior grupo na composição da Igreja Adventista Hispana, criaram um sistema de apoio e
proteção para sua comunidade. Em 2010, foi designado um novo pastor para atender a
congregação, Ewert Arrais Guzman, brasileiro, filho de um engenheiro boliviano que havia
emigrado para o Brasil nos anos 1970. Em novembro de 2014, foi adquirido um prédio para
abrigar definitivamente a Igreja Adventista Hispana, numa parceria financeira entre o grupo de
imigrantes e as demais Igrejas paulistanas por intermédio da Associação Paulistana da Igreja
Adventista.
O fator religioso foi durante a cristandade o grande integrador social dos povos
europeus. A religião ditava a consciência coletiva e, ao sacralizar o poder, organizava a
sociedade. A religião determinava as normas sociais fornecendo parâmetros conforme os quais
os indivíduos reconheciam uns nos outros valores comuns. Com o advento da modernidade e a
62
laicização dos Estados, Durkheim reconhece a necessidade de uma religião civil que ofereça à
sociedade o que a religião organizada oferecia, sob pena dela ruir por falta de elementos de
integração e coesão social. Na cristandade, a religião era a sociedade em símbolo, portanto a
religião era algo eminentemente social. As representações religiosas são representações
coletivas que exprimem as realidades coletivas (DURKHEIM, 2008).
Esta foi a última Igreja Adventista Étnica formada pela Associação Paulistana. Outras
Igrejas de fala hispana têm sido formadas na RMSP por iniciativa das demais Associações
63
Adventistas32. Nenhuma destas associações, no entanto, possui Igrejas voltadas para mais de
um grupo étnico.
Deve-se destacar, no estudo das interações interétnicas e missão, que esse é um tema
teológico que floresce a partir do projeto missionário de Paulo. Com a conversão de pessoas de
outras nacionalidades ao cristianismo e a crescente perseguição aos cristãos de todas as origens
nos primeiros quatro séculos da história cristã, a hospitalidade como carisma cristão foi
incentivada pelos autores do Novo Testamento (NICHOL, 2014). O substantivo grego,
philoxenia (amor aos estranhos/estrangeiros, hospitalidade) e o adjetivo grego, philoxenos
(hospitaleiro), aparecem cinco vezes no texto do Novo Testamento: Romanos 12:13; 1 Timóteo
3:2; Tito 1:8; Hebreus 13:2; 1 Pedro 4:9 (VINE; UNGER; WHITE JR, 2003). Hospitalidade é
um dos dons espirituais que o Espírito Santo concede aos cristãos, bem como uma atitude que
deve ser praticada pelos líderes cristãos como requisito de seu chamado espiritual. Além disso
era fortemente estimulada para todos os cristãos como possibilidade de serviço espiritual à
Deus, numa alusão à experiência de Abraão que teria hospedado anjos (Gênesis 18). O próprio
Jesus se equipara à condição de um estrangeiro que necessita de acolhida e abrigo em Mateus
25:35 e declara que esta atitude de hospitalidade é uma das características daqueles que serão
salvos. Portanto, está de acordo com a expectativa do Novo Testamento que a missão cristã
contemple as necessidades do estrangeiro em seu projeto missionário. No tópico seguinte
vamos estudar as influências da imigração na missão adventista paulistana a partir da teoria da
hibridação.
Na introdução à edição de 2001 de seu livro Culturas Híbridas, Garcia Canclini trata
de questões epistemológicas do conceito de hibridação que não haviam sido suficientemente
tratadas na edição original do mesmo. Para enriquecer a compreensão do termo, o próprio autor
32
No Estado de São Paulo temos oito regiões administrativas da Igreja Adventista: Associação Paulistana (região
centro-sul da capital), Associação Paulista Sul (região sul da capital e Vale do Ribeira), Associação Paulista Leste
(região leste da capital), Associação Paulista do Vale (Guarulhos e região do Vale do Paraíba), Associação Paulista
Sudeste (região do ABCD e litoral), Associação Paulista Sudoeste (sediada em Sorocaba, atende até o centro-oeste
do Estado), Associação Paulista Central (sediada em Campinas, atende a região centro-norte do Estado) e
Associação Paulista Oeste (região oeste do Estado). Juntas, as oito sedes administrativas formam a União Central
Brasileira da IASD que coordena a Igreja Adventista em todo o Estado de São Paulo.
64
formulou uma definição: “entendo por hibridação processos socioculturais nos quais estruturas
ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas,
objetos e práticas” (CANCLINI, 2013, p. XIX).
A Teoria da Hibridação permite um olhar sobre os fenômenos sociais que explora mais
as relações dos sujeitos do que apenas o produto dessas relações. Garcia Canclini pontua que é
necessário superar o pensamento binário que procura organizar o mundo em identidades puras
e oposições simples. No final do século XX a teoria da hibridação foi amplamente utilizada na
análise de diversos processos culturais:
método’ para ‘não nos espartilharmos em falsas oposições, tais como alto e
popular, urbano ou rural, moderno ou tradicional’, esta expansão dos estudos
exige a entrada em novas avenidas do debate. (CANCLINI, 2013, p. xviii).
Finalmente, uma última observação que Garcia Canclini faz ao uso da Teoria da
Hibridação e que será útil para fins deste estudo é que, no processo de hibridação, existem
elementos que não querem, não podem ou não se deixam hibridar. Em outras palavras,
esseprocesso não produz apenas resultados positivos e culturalmente enriquecidos, mas
também gera contradição, resistência e confrontação. Por isso, a Teoria da Hibridação deve
estudar o processo para entender a dinâmica das partes nessa relação de diálogo, observando o
que se altera e o que permanece inalterado nas estruturas ou práticas discretas.
Esta seção apresenta uma reflexão sobre a missão adventista paulistana, o fenômeno
migratório e a interação étnica em São Paulo a partir da Teoria da Hibridação. Nosso objetivo
será entender como os processos de hibridação puderam proporcionar sensibilidade cultural à
missão adventista paulistana. Obviamente, pela própria história da inserção do adventismo no
Brasil, a primeira parte do processo de hibridação se dá nas questões étnicas dos imigrantes e o
adventismo, que certamente influenciarão o segundo momento mais marcado do processo de
hibridação, já com a existência das Igrejas Adventistas étnicas na cidade de São Paulo. Questões
mais ligadas a outras dinâmicas culturais de uma metrópole serão analisadas no próximo
capítulo.
67
Interações linguísticas
33
A sede da missão adventista na América do Sul foi estabelecida a princípio em Buenos Aires em 1915, sendo
transferida a seguir para Montevidéu em 1953 e, finalmente, sua sede atual está localizada em Brasília desde 1976.
Para saber mais sobre a Divisão Sul Americana da IASD, ver: http://www.unasp-
ec.com/memoriadventista/enciclopedia/2/dsa.htm . Portanto, os missionários enviados pela sede da igreja nos
EUA, muitas vezes vinham para países como Argentina e Uruguai antes de trabalhar no Brasil.
68
adventismo era, portanto, imigrante (não falante do português) e teve seus primeiros adeptos
entre outros imigrantes. Nada mais natural do que a missão adventista ter essa característica
multiétnica nesse período e desenvolver seu projeto de missão tanto entre nacionais quanto
entre imigrantes, com programação bilíngue.
34
Todas as Igrejas Adventistas étnicas de São Paulo nasceram de projetos particulares que foram apoiados pela
Associação Paulistana. Mesmo os projetos com os judeus e os muçulmanos, que iniciaram com a proposta vinda
de um pastor, eram iniciativas pessoais que foram apoiadas pela administração da Igreja Adventista. Não houve
uma tentativa de segregação dos adventistas imigrantes, mas a intenção de fortalecê-los em sua etnicidade.
69
Quando as Igrejas étnicas foram organizadas, o serviço de culto principal era celebrado
com tradução do japonês e do coreano para o português. Isso por que sempre essas
congregações receberam visitas dos adventistas brasileiros que queriam conhecer melhor os
irmãos estrangeiros. Quando o orador era brasileiro, um pastor ou membro leigo convidado, a
tradução era feita para os idiomas nativos das duas Igrejas étnicas. Em função da relativa
proximidade entre o português e o espanhol, nos serviços de culto da Igreja hispana não há
tradução, apesar de termos o mesmo fenômeno de adventistas brasileiros visitando e
congregando nessa Igreja. Já na Sinagoga Adventista de São Paulo e na Casa de Oração da
Comunidade Árabe Aberta, apenas as músicas e trechos pontuais da liturgia, como algumas
orações, são realizados em hebraico e árabe, respectivamente. O serviço de culto principal é
realizado em português. Isso por que, além dos visitantes adventistas brasileiros de outras
congregações, os membros dessas duas congregações são brasileiros com ascendência judaica
ou árabe e poucos são fluentes nesses idiomas. Essas duas congregações disponibilizam
gravações de áudio e vídeo das músicas e orações em hebraico e/ou árabe para os visitantes
brasileiros levarem como um presente.
litúrgico pode ser entendida a partir da hipótese Sapir-Wohrf35 sobre a experiência subjetiva do
idioma. Elizabete Villibor Flory afirma:
35
A hipótese de Sapir-Wohrf afirma: (a) Nós estamos, em todo o nosso pensamento e para sempre, “à mercê̂ da
língua determinada que se tornou o meio de expressão para a [nossa] sociedade”, porque só́ podemos “ver e ouvir
e experimentar de outras formas” em termos das categorias e distinções codificadas na linguagem; (b) as categorias
e distinções codificadas em um sistema linguístico são exclusivos àquele sistema e incompatíveis aos de outros
sistemas (Não há limites para a diversidade estrutural das línguas.) (SAPIR, 1947, p. 162, apud LYONS, 1981, p.
276).
71
Assim, o surgimento das Igrejas Adventistas étnicas na cidade de São Paulo trouxe
algo novo ao panorama arquitetônico do adventismo paulistano. A Casa de Oração da
Comunidade Árabe Aberta também contribuiu com uma arquitetura própria. Eles não
construíram uma mesquita, mas utilizaram um espaço aberto em formato de tenda oriental, com
um paisagismo de influência árabe. Também se percebe a ausência de símbolos religiosos,
observando uma característica importante da arquitetura religiosa islâmica. A decoração utiliza
diversos elementos de arte islâmica e um uso abundante de tapeçaria. A Igreja Adventista
Coreana utiliza muitas plantas orientais com especial destaque para os arranjos com bambu.
A música utilizada nas Igrejas Adventistas étnicas também oferece uma experiência
especial de interação cultural aos adventistas brasileiros. A inserção do adventismo no Brasil
por meio da comunidade alemã, deixou um legado musical europeu muito forte. O hinário
utilizado nos primeiros anos vinha da Alemanha, o Zions Lieder [cânticos de Sião], e continha
mais de 1000 hinos. Durante décadas, a hinologia adventista foi composta por hinos traduzidos
do alemão para o português. Mesmo as composições nacionais contempladas pela última versão
do hinário publicada em 1996 têm um espectro relativamente limitado em seu estilo musical
com forte influência do hinário adventista norte-americano, o Seventh-Day Adventist Hymnal
[Hinário Adventista do Sétimo Dia] (CPB, 1996, p.5). Dentre as Igrejas étnicas, a BBT e a
Comunidade Árabe Aberta são as que trouxeram um estilo musical diferente do utilizado no
Brasil. Com estilo musical judaico e oriental, as músicas utilizadas na liturgia apresentam um
componente típico bem característico que proporciona um aprendizado cultural importante ao
adventismo paulistano, apresentando novas fronteiras na adoração congregacional. A BBT
acabou por influenciar o cantor adventista Leonardo Gonçalves a produzir e lançar um disco
totalmente em hebraico, Avinu Malkenu [nosso Pai, nosso Rei], pela Sony Music em 2010. O
resultado desse trabalho musical teve boa recepção tanto na comunidade adventista brasileira
quanto na comunidade judaica brasileira. Durante as comemorações pelo 67o aniversário da
72
criação do Estado de Israel em duas seções solenes da Câmara dos Deputados Federais e na
Câmara Legislativa do Distrito Federal, a Embaixada de Israel no Brasil, por intermédio do
embaixador Reda Mansour, convidou Leonardo Gonçalves para interpretar suas músicas
gravadas em hebraico (PARADELLO, 2015).
Interações hermenêuticas
36
Esta prática baseia-se no texto bíblico de Êxodo 3:5 – o encontro de Moisés com Deus no monte Horebe.
73
Esse diálogo com a multiculturalidade da São Paulo dos imigrantes, das indústrias e
da expansão populacional exigiu uma adaptação do adventismo ao solo paulistano. A
diversificação dos métodos evangelísticos como a abertura de escolas, a venda de literatura, o
estabelecimento de instituições de saúde bem como as próprias Igrejas étnicas é fruto dessa
interação hermenêutica entre o adventismo e a metrópole paulistana.
37
Constitui-se num programa composto por oito práticas promotoras de saúde: alimentação saudável; ingestão
regular de água; respiração de ar puro; exposição à luz solar; prática de exercício físico; repouso adequado; busca
por equilíbrio (temperança) e confiança em Deus. Para ver mais sobre esse assunto:
http://www.adventistas.org/pt/saude/8-remedios-naturais/ página acessada em 28 de julho de 2015.
74
judeus ou árabes, não estranham o aspecto mais liberal da cultura brasileira. Essa característica
das relações interétnicas em função das gerações de imigrantes se constitui num traço muito
marcante. Para a primeira geração, a identidade diante da alteridade é muito forte, para a
segunda geração, a assimilação cultural é um pouco mais natural. Marcelo Alario Ennes
descreve esse fenômeno em sua pesquisa sobre as relações entre nipo-brasileiros e não-nipo-
brasileiros na cidade de Pereira Barreto (SP):
variados da cidade. O escopo deste trabalho não permite analisar as relações da missão
adventista com os migrantes nacionais que se fixaram na cidade, mas é importante ressaltar que
o adventismo também absorveu esses grupos. Isso por que a missão adventista acompanhou a
dinâmica da cidade em receber migrantes de variadas origens em sua expansão demográfica.
Para isso, faz-se necessário uma reflexão sobre os impactos da urbanização paulistana
sobre a missão adventista e como ela reagiu a estas demandas. Compreender esta dinâmica vai
auxiliar na formulação dos princípios missiológicos do adventismo paulistano. Entre tantas
abordagens possíveis, escolhemos analisar algumas características que denominamos pistas
socioculturais da cidade para em seguida propor um modelo missiológico baseado na
sensibilidade cultural do adventismo paulistano.
lógicas e com o uso do método indutivo, Libânio constrói uma fenomenologia da cidade que
vai dialogar com a teologia em busca de rupturas e continuidades entre a fé e a cidade. Vamos
aplicar este referencial teórico na compreensão do diálogo entre a cidade de São Paulo e a
missão adventista, analisando o caso das Igrejas Adventistas étnicas.
Compreender a cidade não é tarefa das mais simples em função da antiguidade desta
instituição. A cidade está presente numa das mais antigas narrativas bíblicas38, a que Caim
edificou e colocou o mesmo nome de seu filho – Enoque. Entre as cidades mais antigas do
mundo hoje, algumas têm perto de 3000 anos desde sua fundação, como algumas cidades
egípcias. A pólis grega que surgiu no período arcaico, entre os séculos VII e V a.C., estabeleceu
o padrão urbano ocidental a partir do desenvolvimento cultural, político e social. No entanto,
foram os fenômenos da urbanização e da industrialização na esteira da modernidade que
criaram o tipo de cidade que nós conhecemos hoje. Os autores João Décio Passos e Afonso
Maria Ligório Soares, na introdução de seu livro, “A Fé na Metrópole: desafios e olhares
múltiplos”, afirmam que:
Esse cenário de contradições que produz sujeitos sociais distintos e, por vezes,
antagônicos é o objeto da missão tanto cristã quanto adventista. Portanto, precisamos investigar
algumas pistas socioculturais da cidade de São Paulo que demandam da missão adventista a
sensibilidade cultural em seu projeto de missão e que nos auxiliarão a traçar um modelo
missiológico para centros urbanos.
38
Ver Gênesis 4:17.
78
Pensar a cidade em função de seus espaços e centros e da relação que existe entre eles
é muito importante. Permite-nos entender as dinâmicas socioculturais da cidade e como elas
determinam a vida na cidade. De acordo com o censo do IBGE, realizado em 2010, dos
190.755.799 brasileiros que compõem nossa população, 84,36% das pessoas residem em áreas
urbanas e apenas 15,64% da população reside em área rural (IBGE, 2012). Conhecer os
impactos dessa realidade majoritariamente urbana de nosso país no século XXI sobre os
deslocamentos dos espaços e dos centros na cidade é fundamental para compreender como a
cidade de ontem se tornou a cidade de hoje. Libânio descreve esse processo da seguinte forma:
O processo de industrialização da cidade de São Paulo, por exemplo, acabou por criar
novos bairros nos quais as indústrias foram estabelecidas. Com a demanda por empregos, novos
trabalhadores chegaram e formaram novos bairros residenciais periféricos. Houve, portanto,
uma ruptura entre o centro do trabalho e da moradia, gerando novos espaços. A grande expansão
da cidade em direção às periferias gerou deslocamentos populacionais e segregação social, os
ricos habitam as regiões mais centrais da cidade e o proletariado pobre, nos extremos da mesma.
Os novos trabalhadores, imigrantes e migrantes do nordeste brasileiro, principalmente nos anos
de industrialização mais acelerada na cidade, foram absorvidos pela indústria paulistana, mas
tiveram que adaptar a questão da moradia à nova dinâmica da cidade em direção aos lugares
com pior qualidade de vida. O modelo utilizado pela indústria de confecção, mais um exemplo
típico dessa situação, transformou a própria residência em oficina e conjugou trabalho e
moradia por causa dos altos preços dos aluguéis nos centros industriais da cidade.
O lazer, assim como o tempo, passa por uma transformação no ambiente urbano. Antes
ligado ao trabalho como forma de garantir a saúde e a própria capacidade produtiva do
indivíduo que desfruta de descanso e recreação regular, na sociedade de consumo, “firma-se
cada vez mais a convicção de que o lazer e o prazer são um valor em si, independentes de sua
relação com o trabalho ou o estudo. Existem como momentos de gozo para as pessoas”
(LIBANIO, 2002, p. 101). Vive-se e trabalha-se para consumir lazer. É o que Libânio chama de
“tirania do lazer”. Uma relação com o lazer que consome o indivíduo ao invés de restaurá-lo.
Outra característica das grandes cidades é sua pluralidade cultural. A cidade oferece a
possibilidade de encontrar numa mesma geografia uma grande diversidade de pessoas vindas
de inúmeros lugares, com diferenças no vestuário e nos costumes; variado catálogo de serviços
e produtos; inumeráveis manifestações artísticas, esportivas e de entretenimento, além de um
grande mix religioso. Encontramos um espectro muito amplo de experiências e modos de vida.
Maria Angela Vilhena, em seu texto “Temporalidades Religiosas na Metrópole Paulistana:
Ensaio Sobre Sincretismos Temporais”, apresenta essa pluralidade da convivência cultural
dentro da cidade nas seguintes palavras:
A cidade não somente importa e acolhe elementos culturais diversos, mas também cria
novas culturas e transforma as existentes. Por exemplo, na sociedade rural, a cultura oral era
ancorada na sabedoria dos mais velhos. A cultura oral da cidade tem seu lastro na “atualidade
dos órgãos de comunicação” (LIBANIO, 2002, p. 114). Num ambiente rápido e cheio de
agitação como o urbano, a cultura escrita e midiática se torna mais importante do que a oral. O
ditado popular “uma imagem vale mais do que mil palavras” descreve bem essa cultura da
imagem, icônica. “Joga-se com a dupla realidade do sinal – que carrega um sentido único – e
dos símbolos que caem sob a múltipla interpretação de significados. Sinais se transformam em
símbolos. Símbolos se degradam à condição de sinais” (LIBANIO, 2002, p. 115). O saber
agrário, que vem pela observação da natureza, é substituído pelo saber industrial: “este saber,
ao entrar na cidade, com sua lógica da racionalidade, do cálculo, da previsão e da precisão,
transforma o espaço com seus planos e projetos” (LIBANIO, 2002, p. 116). Já o saber pós-
industrial ou tecnológico inaugura uma nova era agregando valor econômico aos produtos e aos
serviços. O apelo de venda está na tecnologia agregada e não somente na matéria-prima e em
sua manufatura.
Na cidade surge o que chamamos de cultura de massa. Ela reúne todo o aparato
tecnológico e midiático para influenciar a forma de vida urbana:
espécie de catalizador da cultura, tornando-a plural, não apenas com variações harmônicas, mas
também com “forças e direções divergentes” (FREITAS, 1997, p. 53). Assim, a pluralidade
cultural da cidade representa oportunidades e desafios para os seus habitantes e para as
instituições que operam em seu território.
3.1.4 TRABALHO
Tal revolução repercute também no tipo de trabalho que se vai requerendo das
pessoas. Em vez de um trabalho manual, pede-se cada vez mais
conhecimentos para poder manipular máquinas complexas e informatizadas.
Por isso, na cidade vive-se, ao mesmo tempo, desemprego e falta de
empregados. Desemprego para quem não tem conhecimentos suficientes para
esse novo tipo de trabalho. E procura de mão-de-obra qualificada. Esta nova
lógica do trabalho impõe como consequência direta a necessidade do
aprimoramento de conhecimentos. (LIBANIO, 2002, p. 201).
A realidade do trabalho numa cidade como São Paulo requer uma adaptação dos
trabalhadores que nem sempre é obtida. A velocidade do crescimento demográfico e do
desenvolvimento tecnológico é muito superior a capacidade do Estado e das próprias pessoas
em converter o conhecimento técnico mediante a educação e a reciclagem profissional para
adentrarem no mercado de trabalho. Vejamos o seguinte exemplo:
Tomando por base o retrato organizado em 2004 pela prefeitura de São Paulo,
constatamos os “Dois Brasis” dentro de uma única cidade. A subprefeitura de
Cidade Tiradentes, por exemplo, situada na Zona Leste, tinha 191 mil
habitantes, dos quais 124 mil em idade ativa, para um total de 2.274 empregos.
A expansão demográfica durante os anos 90 atingiu 7,89% ao ano, o que
desafia qualquer esforço de gerar infraestruturas e assegurar serviços
essenciais no mesmo ritmo. Por outro lado, a subprefeitura de Pinheiros
contava, no mesmo período, com 273 mil habitantes, dos quais 198 mil em
idade ativa, e 238 mil empregos. A taxa de crescimento demográfico foi
negativa, de -2,41%. Em Pinheiros, morre-se sobretudo do coração; na Cidade
84
3.1.5 VALORES
Podemos falar de uma crise dos valores quando observamos os novos desafios
decorrentes das grandes e rápidas transformações que a cidade sofre. Questões ligadas à ética
que superam o potencial de resolução presente no conjunto de valores herdado da vida no
campo:
reação mais frequente é fazer de conta que essas questões não nos dizem
respeito, o que, em certa medida, é verdadeiro, porque se precisa, para julgá-
las, de uma competência especializada que nem todo cidadão possui. Mas,
ainda que conscientemente não nos sintamos obrigados a nos ocupar com elas,
de alguma maneira (inconscientemente?), essas incertezas acabam nos
inquietando e, talvez, nos levando a experimentar uma forma de infelicidade
que é própria de nossos tempos. (YAMIN, 2009, pp. 179-180).
Pensar e questionar os valores na cidade passam a ser uma tarefa de vital importância
para atender as demandas plurais que surgem a cada instante desafiando a sociedade na
urbanização.
39
Para uma maior compreensão sobre o paradigma emergente de missiologia, ver: David J. Bosch, Missão
Transformadora, p. 442-608.
88
analisamos acima e seu impacto na missão adventista paulistana a partir das Igrejas Adventistas
étnicas. Essa reflexão propõe em si mesma um modelo missiológico para centros urbanos.
[É] o conjunto dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de
uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de
interconhecimento e de inter-reconhecimento mútuos, ou, em outros termos,
à vinculação a um grupo, como o conjunto de agentes que não somente são
dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo
observador, pelos outros e por eles mesmos), mas também que são unidos por
ligações permanentes e úteis. (CATANI; NOGUEIRA (org.), 1998, p. 67,
acréscimo nosso).
Capital social está presente onde as pessoas se associam para atividades sociais de
cooperação e onde essa associação é pautada por um código de reconhecimento e reciprocidade
baseada na confiança mútua. Em associações religiosas, os indivíduos estão expostos a essa
rede comunitária que supera o simples utilitarismo. Uma das atividades desenvolvidas pelos
imigrantes bolivianos adventistas é o apoio social aos imigrantes recém-chegados. Num
primeiro momento, eles recebem auxílio para encontrar moradia e receber refeições
comunitárias, fornecimento de roupas, além de indicação de emprego. Muitos chegam com
pouco ou nenhum dinheiro e passam por grandes privações. Durante o período em que a
Hospedaria dos Imigrantes funcionou na cidade de São Paulo, os imigrantes recebiam
hospedagem, alimentação, atendimentos de saúde e entrevistas de emprego (MEMORIAL,
[2015]). Milhares de pessoas passaram por lá. Hoje em dia, são associações privadas que
oferecem esse tipo de apoio ao imigrante, como a Pastoral do Migrante da Igreja Católica, no
bairro do Glicério. A Igreja Adventista Hispana também realiza esse trabalho,
independentemente da confissão religiosa dos imigrantes que procuram por atendimento e
apoio.
A Sinagoga Adventista de São Paulo também procura atuar como centro comunitário
para a comunidade judaica, promovendo palestras e encontros para discutir questões políticas
e culturais de Israel e do Brasil. O local serve de integração principalmente para famílias mistas
90
que teriam dificuldades em ser aceitas em sinagogas tradicionais, mas que buscam compreender
melhor os costumes e a cultura judaica. As Igrejas Adventistas étnicas buscam converter o
espaço religioso privado em espaço público, aproximando-se das comunidades de imigrantes
com serviços abertos a todos. Pensando nas questões de centros e espaços nas metrópoles como
estratégia missional, a Igreja local pode fazer muito e ser relevante em seu contexto se abrir
suas instalações e colocar sua membresia em contato com as necessidades da comunidade em
que está inserida. É preciso aproveitar o espaço público e as oportunidades de ocupar esse
espaço com contribuições no campo da ética e da justiça social para integrar nas atividades da
Igreja local o espaço privado e o público. Michelle G. Rodrigues e Roberta B. C. Campos,
colocam esse tema da ação da religião no espaço público assim:
No caso dos imigrantes bolivianos adventistas a recriação no Brasil de uma Igreja com
as características daquela que deixaram em seu país era fundamental como suporte para a
realização do projeto migratório. No contexto boliviano, no qual a religião predominante é o
Catolicismo Romano, os adventistas constituem uma minoria religiosa. Questões doutrinárias
como a observância do sábado como dia de descanso religioso conduzem à uma ética do
trabalho diferente da dos demais imigrantes na busca da realização de seus objetivos. Minorias
religiosas tendem a vivenciar uma coesão social muito forte como fruto do processo de
91
comunicação de seus valores dentro de seu grupo (BECKFORD, 1998). Esses valores comuns
abrem caminho para uma solidariedade do trabalho que permite aos indivíduos da mesma fé se
relacionarem como familiares e criarem redes profissionais de suporte para que todos possam
ter acesso ao trabalho em conformidade com sua ética do trabalho comum, o descanso religioso
aos sábados.
Essa estrutura religiosa, que se tornou disponível com as reuniões de pequenos grupos
nas casas da comunidade de imigrantes bolivianos adventistas e a organização de uma Igreja
para a comunidade, permitiu um retorno de muitos imigrantes que haviam deixado o
adventismo em face das dificuldades enfrentadas no Brasil. A esse respeito Vilaça afirma:
Igrejas locais precisam oferecer opções à comunidade sobre como usufruir do tempo
diante das pressões que o ambiente urbano apresenta. Num modelo missiológico urbano, é
importante estabelecer estratégias para que as pessoas repensem o uso do tempo e
experimentem pessoalmente os benefícios desta prática cristã. Dedicar tempo pessoal para
Deus, para a reflexão e para o relacionamento com o outro são benefícios reais para as pessoas
atingidas diariamente pelos efeitos da urbanização e do consumismo nas metrópoles
contemporâneas.
Um outro aspecto muito importante para a missão em contexto urbano é o convívio com
a pluralidade cultural. Vimos que ela é ao mesmo tempo enriquecedora na soma de recursos
culturais das mais diversas origens e também geradora de conflitos, uma vez que diversos
desses elementos culturais são antagônicos entre si. As pessoas da cidade são heterogêneas e,
consequentemente, a cultura da cidade também. Qualquer modelo missiológico a ser
implementado na cidade deve levar isso em conta. Os desafios ficam por conta da
contextualização:
A vantagem da pluralidade cultural das cidades para um projeto missionário é que ele
receberá certa aceitação dentre os demais códigos e manifestações culturais. A pluralidade
cultural também valida o cristianismo, o adventismo e qualquer outra expressão religiosa.
Apesar da forte secularização das cidades, a experiência religiosa também tem crescido na pós-
modernidade. Por isso um modelo missiológico urbano deve explorar os aspectos kerigmáticos
da missão da igreja como a martyria, a diakonia, a koinonia e a leiturgia41. Na apresentação do
Evangelho, a Igreja deve contextualizá-lo incorporando os valores do mesmo em seu
testemunho, sua entrega (martyria). A proclamação do Evangelho (kerigma) precisa estar
fundamentada no serviço ao próximo (diakonia) e por uma forte vida em comunidade
(koinonia). Todos esses elementos darão legitimidade ao culto cristão (leiturgia) no contexto
urbano. David J. Bosch afirma: “Os melhores modelos de teologia contextual conseguem
reunir, em tensão criativa, teoria, práxis e poiesis [ritos] – ou, se quisermos, a fé, a esperança e
o amor. Isso constitui uma outra maneira de definir a natureza missionária da fé cristã, que
procura combinar as três dimensões” (BOSCH, 2002, p. 516).
Ainda sobre a pluralidade cultural da cidade, a missão cristã pode explorar sua
dimensão simbólica. Em meio a uma cultura de massa como a encontrada na cidade,
disseminada por meio do aparato tecnológico da mídia (que também está à disposição da
Igreja), a missão na cidade pode resgatar o caráter simbólico do cristianismo, por intermédio
de seus ritos e celebrações. O símbolo requer uma interpretação em busca de seu significado. É
40
Contextualização não implica em sincretismo ou numa validação generalizada da cultura. A contextualização
do Evangelho busca pontos de contato com a cultura e faz a crítica dessa cultura a partir dos valores cristãos. Para
uma discussão mais aprofundada deste tema ver: David J. Bosch, Missão Transformadora, Sinodal, 2002, p. 503-
515.
41
Para um estudo dos aspectos kerigmáticos da missão da igreja ver: Johannes Reimer, Abraçando o Mundo –
Teologia de implantação de igrejas relevantes para a sociedade, Editora Esperança, 2011, p.190-200.
94
uma oportunidade para reflexão e descobrimento da herança cristã, das lições intencionadas
pelos autores do texto bíblico. (STACKHOUSE, 1988).
É possível agir no meio dos excluídos? Sim, pois nenhum sistema é tão
fechado que não deixe brechas. O sistema não pode nem precisa controlar
tudo. Há espaços que movimentos sociais podem ocupar, dependendo dos
países. Em alguns há menos espaço para os movimentos populares. Em outros
há mais. (COMBLIN, 2000, p. 24).
Esta atitude envolve uma vontade de partilhar e ouvir, bem como uma abertura
para a possibilidade de mudanças em perspectiva de ambas as partes. Todas
as tradições religiosas têm algo a aprender com tais diálogos na medida em
que elas são capazes de aceitar a especificidade cultural do outro. As heranças
religiosas podem ser e são transformadas por esses encontros. (LOPES, 2013,
p. 235).
Todo projeto missionário urbano deve levar em conta o aspecto comunitário. Não
apenas para a convivência do grupo fechado, mas nas relações com a sociedade em que está
inserido. No caso da Igreja Adventista Hispana, é oferecido auxílio para a legalização dos
imigrantes que buscam uma situação melhor no país. A situação de indocumentados, tão
comum na atual onda migratória global, é fonte de medo e insegurança que prende inúmeros
imigrantes na informalidade trabalhista. São frequentes as denúncias de imigrantes bolivianos
em condição de trabalho análogo à escravidão nas oficinas de costura de São Paulo (SPRESSO-
SP, 2014). Isso comunica uma imagem midiática para o paulistano de que todo imigrante
boliviano é um índio coitado que vive explorado em nosso país. Tanto o fato quanto a imagem
97
são degradantes à pessoa humana. A estrutura de suporte econômico oferecida pela comunidade
boliviana adventista promove dignidade e inserção socioeconômica aos imigrantes,
constituindo-se num importante capital social da comunidade. Como diz Halman:
Além disso, os projetos missionários urbanos precisam dar conta dos grandes temas
da sociedade com um engajamento político concreto. A Igreja pode ser apartidária, mas nunca
apolítica. Reimer assinala que:
Como fazer discípulos de todas as nações e não ter nada a dizer a estas nações
sobre a sua convivência sociopolítica? Mesmo que agisse assim e se calasse,
sua natureza [da igreja] diferente a trairia. A luz não pode ser ignorada na
escuridão. A igreja é chamada para ser luz no mundo. Fritz Schwarz é correto
ao formular: “Uma comunidade cristã nunca pode se questionar se deseja ter
orientação política ou não. A única coisa que pode perguntar é sobre a melhor
forma de desempenhar seu mandato político – que ela de qualquer forma
possui”. É impossível eximir-se totalmente desse mandato. (...). Este tipo de
atitude apolítica é, na verdade, altamente política, pois o mundo é entregue ao
seu próprio cuidado. (REIMER, 2011, p. 200).
Neste capítulo utilizamos a Teoria das Lógicas da Cidade, de João Batista Libânio, para
construir uma estrutura urbana heurística, que interpela a fé cristã. Esse procedimento deve ser
refeito inúmeras vezes, pois a cidade está sempre em movimento, se apropriando de novas
práticas, alterando culturas e criando novas. Deve haver um diálogo permanente entre a cidade
e a missão cristã.
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das fases da missão adventista paulistana nos mostrou que ela passou por um
processo de reflexão de suas práticas missionárias ao longo de seu desenvolvimento histórico
em diálogo com a realidade do desenvolvimento histórico da própria cidade, sempre marcado
por essa tensão entre a necessidade do abrasileiramento e as novas ondas de imigração. O
próprio desenvolvimento da missiologia adventista mundial contribuiu para o desenvolvimento
da missão adventista em São Paulo.
100
O surgimento das Igrejas étnicas Adventistas em São Paulo revela e ao mesmo tempo
reforça a sensibilidade cultural do adventismo paulistano na medida em que trouxe
necessidades específicas de cada grupo étnico para os membros desta denominação na capital
paulista e também com a afirmação de sua própria identidade adventista étnica diante do
adventismo paulistano. Essa interação desafia e enriquece a práxis missiológica do adventismo
paulistano. Vimos também que existe uma troca entre os adventistas que congregam as Igrejas
Adventistas nacionais e os aqueles que congregam as Igrejas étnicas. Na convivência, a
sensibilidade cultural que existe na missão adventista se estende para a membresia que visita
as Igrejas Adventistas étnicas e entra em contato com formas culturais distintas das suas.
O escopo de nosso trabalho não nos permitiu analisar outras influências da pluralidade
cultural da metrópole paulistana sobre a missão adventista e que certamente contribuíram para
a formação do modelo missiológico do adventismo paulistano. Aproveitamos para sugerir
pesquisas futuras sobre a missão adventista paulistana e as contribuições dos migrantes
nacionais: quais as heranças e as influências que os regionalismos brasileiros trouxeram ao
adventismo. Pesquisas a respeito dos impactos da secularização e da pós-modernidade, tão
presentes no cotidiano urbano, sobre a missão adventista também ajudariam a compor um
quadro missiológico mais amplo do desenvolvimento do adventismo paulistano. Outra
recomendação de pesquisa sobre a missão adventista paulistana é o componente geracional,
como as novas gerações têm interagido com o adventismo na cidade de São Paulo. Finalmente,
estudos sobre missão adventista e periferia, uma vez que a maior parte das congregações
adventistas e seus membros vivem fora das regiões centrais da cidade, contribuiriam em muito
101
com a compreensão da missão adventista paulistana. Cremos que cada uma dessas pesquisas
auxiliaria diretamente a práxis missionária em centros urbanos.
Creio que podemos responder à pergunta principal que norteou nossa pesquisa
afirmando que a sensibilidade cultural presente no adventismo paulistano pode contribuir com
a missiologia adventista em outros grandes centros urbanos ao recomendar um diálogo
permanente com o ambiente urbano das grandes cidades. Sem esse diálogo franco e aberto a
missão cria um descompasso com as dinâmicas socioculturais da cidade e perde a relevância,
isolando-se das possibilidades de um projeto missionário estabelecido a partir da cidade.
102
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